EDITORIAIS
Angiogênese, arteriogênese e vasculogênese: tratamento do futuro para isquemia crítica de membros?
Angiogenesis, arteriogenesis and vasculogenesis: treatment of the future for lower limb critical ischemia?
Winston Bonetti Yoshida
Editor-chefe do Jornal Vascular Brasileiro
A doença arterial periférica acomete cerca de 5% da população após os 50 anos de idade1. Em 20-30% dos casos com isquemia crítica, o tratamento restaurador não é possível de ser feito, em geral por falta de uma árvore arterial de deságüe adequada, sendo a amputação o único recurso de tratamento2. Mais recentemente, têm surgido na literatura estudos experimentais e clínicos envolvendo o estímulo à angiogênese, arteriogênese e vasculogênese como alternativa para esses casos. A vasculogênese foi definida como formação de novos vasos sanguíneos in situ, em local onde não há vasos, através de estímulo de proliferação dos angioblastos (células precursoras do endotélio), originários do mesoderma esplâncnico. A angiogênese foi estabelecida como brotamento de novos vasos a partir de células endoteliais (CE) diferenciadas de um vaso pré-existente, sendo o processo desenvolvido em duas fases: de brotamento e de maturação. A arteriogênese é um processo mais conhecido dos cirurgiões vasculares, que consiste em desenvolvimento de circulação colateral, tendo como precursoras as anastomoses vasculares pré-existentes, que se desenvolveriam mediante estímulos de força de cisalhamento, citocinas, moléculas de adesão, entre outras3. Os fatores envolvidos nesses processos são inúmeros, dando demonstração clara de que os mecanismos reguladores são complexos, envolvendo agentes estimuladores, inibidores e moduladores, dentre os quais os fatores de crescimento (FC) estão envolvidos em praticamente todos eles e são também os mais importantes4. Por esse motivo, os FC foram os primeiros a serem estudados quanto à aplicabilidade clínica. As vantagens de sua utilização seriam a facilidade de administração, bem como o controle preciso da dose e, conseqüentemente, do efeito dose/resposta. Como desvantagens, podemos apontar: custo caro de produção do fator de crescimento recombinante, produção difícil em larga escala, meia-vida curta do agente, possibilidade de induzir à angiogênese patológica. Poucos foram os estudos envolvendo administração de FC em isquemia crítica de membros. Lazarous et al.5 ministraram FC de fibroblastos -2 (FGF-2) por via intra-arterial em 19 pacientes com claudicação intermitente (CI) e observaram aumento médio do fluxo sangüíneo da panturrilha (por meio de pletismografia) de 66% após 1 mês e de 153% após 6 meses. Lederman et al.6, em estudo controlado fase II (traffic study), usou duas doses de FGF-2 intra-arterial em 190 pacientes com CI. Os resultados foram avaliados por teste de esteira rolante. Houve 14 % de melhora no grupo placebo, 34% de melhora no grupo com uma dose única (P = 0,026) e 20% no grupo com dose dupla de FGF-2 (P = não significante). Esse resultado mostrou certa discrepância quanto à dose/resposta, talvez devido à escolha do paciente com CI, que comprovadamente apresenta uma melhora significativa com exercícios físicos.
Um outro meio de incrementar a produção de FC localmente é através de terapia gênica (TG). Por esse processo, um gene que expressa o FC é introduzido em um DNA de origem bacteriana (plasmídeo) ou viral (geralmente adenovírus), o qual é introduzido e se incorpora ao DNA dos tecidos isquêmicos do paciente, passando a produzir o FC7. Vários estudos foram feitos com essa técnica. O primeiro deles foi feito por Isner et al.8, que injetaram plasmídeo com FC (VEGF165 fator de crescimento do endotélio vascular isoforma 165) por via intramuscular em seis membros isquêmicos por tromboangiite obliterante. Foi um trabalho sem controle, em que houve cicatrização das úlceras isquêmicas em três pacientes e melhora da dor em repouso em dois deles. Posteriormente, Baumgartner et al.9 utilizaram a mesma técnica em nove pacientes com isquemia crítica em estudo também não controlado. Observaram aumento dos níveis de VEGF na circulação sistêmica, aumento da circulação colateral pela arteriografia digital e melhora no quadro clínico dos pacientes. Mais recentemente, Shyu et al.10 usaram a mesma técnica em 21 pacientes com isquemia crítica de membros (24 membros). Foi um estudo não controlado, porém mais amplo e com a diferença de usar duas injeções de plasmídeo por via IM, com intervalo de 4 semanas entre elas. Houve melhora do quadro clínico em 83% dos pacientes, sendo necessária amputação em somente dois deles. Observaram também aumento dos níveis de VEGF no sangue circulante, proporcional à dose injetada, aumento significante do índice tornozelo-braquial (ITB) e melhora da circulação colateral pela angiografia digital. O uso de vetor viral foi feito em estudo de Rajagopalan et al.11 em 105 pacientes com CI limitante. Nesse estudo fase II, duplo-cego e randomizado, observaram que não houve melhora do teste de esteira nem da qualidade de vida dos pacientes em relação ao controle. A injeção intra-arterial de plasmídeo com gene expressando VEGF (17 pacientes) ou adenovírus com expressão de VEGF (18 pacientes) ou Ringer lactato (19 pacientes), foi feita por Makinen et al.12, associadamente em pacientes submetidos a angioplastia percutânea femoral por doença arterial periférica. O estudo mostrou aumento de anticorpos anti-adenovírus em 61% dos casos que receberam adenovírus, melhora da imagem de circulação colateral pela angiografia digital nos grupos que receberam material genético e aumento do ITB, que foi similar ao controle. Embora possa haver aparente benefício da TG, ela não é isenta de riscos. Pode ocorrer transfecção em outros tecidos e risco potencial de angiogênese patológica, com eventual crescimento de tumores, piora da retinopatia diabética, degeneração muscular, artrite reumatóide, osteomielite, neovascularização de placa de ateroma com hemorragia intraplaca. Além disso, não há mecanismos para controlar a produção do FC pelo gene, ou seja, para fazer o gene parar de produzir FC e para fazê-lo produzir mais, dependendo da necessidade. Finalmente, existe uma ligação entre FC e trombose vascular, uma vez que foi demonstrado níveis aumentados de fator tecidual e FC em pacientes com DAP13. Portanto, ainda faltam estudos controlados a longo prazo com TG, principalmente em pacientes com isquemia crítica de membros para conclusões mais definitivas.
Um novo caminho foi aberto ainda mais recentemente com a terapia celular (TC). Nesta edição do J Vasc Br, são apresentados dois artigos de revisão sobre TC em isquemia crítica de membros14,15. A TC consiste na coleta e separação de células-tronco (CT) e sua introdução no local de interesse, com o objetivo de diferenciação das CT nos tecidos locais ou na formação de vasos. As CT podem ser definidas como células capazes de divisão, renovação e sem diferenciação por tempo prolongado. São células não especializadas, mas que têm a capacidade de se diferenciar em tecidos especializados. Podem ter origem embrionária (blastocisto) ou no tecido adulto. Neste caso, os principais sítios onde podem ser encontradas são medula óssea, vasos, músculo esquelético, fígado e cérebro, mas é provável que possam ser encontradas em quase todos os tecidos adultos. Ainda é controverso se todas as CT do adulto podem originar outras células diferenciadas de outros tecidos. Os primeiros estudos clínicos foram feitos no coração16. Em nosso meio, Perin et al.17 foram pioneiros na publicação de tratamento de isquemia miocárdica por meio de injeções transendocárdicas de células mononucleares de medula óssea, em estudo controlado aberto em 21 pacientes. Os autores observaram melhora na fração de ejeção e redução do volume sistólico final médio em relação aos controles.Vários estudos foram feitos com injeção de células da medula óssea em isquemia crítica de membros e constam do artigo de revisão apresentado nesta edição por Araújo et al.14 e por Reis15, sem a necessidade de serem repetidos neste editorial. Em todos esses relatos, aparentemente o principal benefício apresentado foi mais relacionado a um incremento na vascularização dos tecidos, e menos vinculado ao aporte de novos tecidos a partir da CT. O material obtido de medula é, na verdade, um conjunto de células mononucleares que, supõe-se, tenha certa quantidade de CT, mas também outras células e CE. Sabe-se que as CE isoladamente têm capacidade de estimular angiogênese18, e é possível que as CT também a tenham19. Ainda não se estabeleceu qual(is) componente(s) da medula separada tem essas propriedades verificadas nos estudos. Por outro lado, estudos experimentais em modelo de infarto do miocárdio em regeneração mostraram que, 2 meses após injeção local de células mononucleares de medula óssea, houve deterioração da fração de ejeção e não se observaram áreas de transdiferenciação de células medulares em CE. Os autores colocam certa cautela quanto à eficácia das células da medula em áreas pós-infarto20.
Em conclusão, ainda há um longo caminho a percorrer para se ter um panorama de certeza em relação a essas novas modalidades terapêuticas. Alvissareiro que, em nosso meio, haja tecnologia e expertise para contribuir com essa resposta.
Referências
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
08 Maio 2006 -
Data do Fascículo
2005