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Pseudoaneurisma gigante de artéria renal após 18 meses de trauma contuso

Resumos

Pseudoaneurismas de artéria renal são lesões vasculares pouco comuns, que geralmente demandam alto grau de suspeição, por serem de difícil diagnóstico. Considerando a baixa expectativa de resolução espontânea dos PARs pós-traumáticos, aliada ao importante risco de rotura, faz-se necessária a correção destas lesões. Apresentamos o caso de um paciente, vítima de trauma contuso há 18 meses, com queixa de massa pulsátil em hipocôndrio direito associado a dor abdominal recorrente. Depois da arteriografia e angiotomografia multislice, foi diagnosticado um pseudoaneurisma de artéria renal direita com 22 cm de extensão, sendo então submetido a tratamento cirúrgico por via aberta convencional, com sucesso terapêutico.

pseudoaneurisma gigante; artéria renal; trauma contuso


Renal artery pseudoaneurysms are uncommon vascular lesions that require a high degree of suspicion because they are usually difficult to diagnose. Posttraumatic renal artery pseudoaneurysms should be treated because spontaneous resolution is extremely unusual, and the risk of aneurysm rupture is high. We describe the case of a patient who presented with a pulsatile mass in the right upper quadrant and recurrent abdominal pain 18 months after blunt trauma. Arteriography and multislice computed tomography angiography revealed a pseudoaneurysm measuring 22 cm in the right renal artery. The patient was successfully treated with conventional open surgery.

giant pseudoaneurysm; renal artery; blunt trauma


INTRODUÇÃO

Pseudoaneurismas de artéria renal (PAR) caracterizam-se como lesões vasculares raras, de detecção clínica incomum e que geralmente demandam alto grau de suspeição, por serem de difícil diagnóstico1,2. A literatura médica aponta diversas etiologias para tal condição, como nefrectomia parcial, procedimentos percutâneos, biópsia renal, trauma penetrante e, mais raramente, o trauma contuso1,3.

Devido ao risco de hemorragia por ruptura, é preconizado o tratamento cirúrgico de tais lesões, uma vez que existem poucos relatos de casos com resolução espontânea de PARs pós-traumáticos4,5.

Desta forma, apresentamos o relato de caso de um paciente com um pseudoaneurisma de 22 centímetros, diagnosticado por arteriografia e angiotomografia, após 18 meses de trauma contuso, que foi submetido a tratamento cirúrgico por via aberta convencional.

RELATO DE CASO

PRP, 70 anos, vítima de trauma fechado por queda de 4 metros de altura há aproximadamente 18 meses, apresentando, na ocasião, fratura de bacia e trombose aguda de veia cava inferior, tratadas respectivamente com instalação de aparelho fixador externo e introdução de filtro de veia cava, com desfecho clinicamente satisfatório.

Em março de 2009 procurou o Hospital Adventista Silvestre (RJ) com queixa de massa pulsátil em hipocôndrio direito associado a dor abdominal recorrente. Ao exame, o paciente encontrava-se hemodinamicamente estável, normocorado, com exame cardiológico sem alterações, abdome batráquio com circulação colateral do tipo cava (Figura 1), presença de grande massa pulsátil em hipocôndrio direito, ausência de edema de membros inferiores. Foi submetido a investigação diagnóstica, inicialmente através de arteriografia (Figura 2) com seletivação dos ramos viscerais, que não evidenciaram formação aneurismática, com exceção da incapacidade de detectar o óstio da artéria renal direita, e flebografia (Figura 3). Em sequência, realizou-se angiotomografia multislice (Figura 4), que demonstrou presença de pseudoaneurisma gigante de artéria renal direita (22 cm), além de exclusão do rim direito.

Figura 1
Nota-se abdome batráquio e importante circulação colateral.

Figura 2
a) artéria renal esquerda; b) artéria mesentérica superior; c) artéria hepática; d) artéria hepática; e não foi detectado óstio da artéria renal direita.

Figura 3
Ausência de fluxo em veia cava inferior e filtro de veia cava desviado por efeito de massa (seta).

Figura 4
Angiotomografia demonstrando pseudoaneurisma de artéria renal. Seta - óstio da artéria renal.

A equipe responsável pelo caso optou pela realização de correção convencional do pseudoaneurisma de artéria renal através de laparotomia xifopubiana. O acesso à aorta inframesocólica apresentou importante dificuldade, devido ao excesso de circulação colateral, provinda da oclusão da veia cava infrarrenal, por ocasião do trauma. Desta forma, o reparo proximal da artéria renal (manobra de Scott) tornou-se inviável. A opção escolhida foi o acesso e exposição da aorta supracelíaca justa hiatal, para posterior clampagem, e dissecção da face anterior do pseudoaneurisma da artéria renal direita, que se encontrava rechaçando lateralmente o segmento suprarrenal da veia cava inferior. O clampeamento supracelíaco foi executado, associado à abertura do pseudoaneurisma, com extração manual do trombo e rafia interna do óstio justa aórtico da artéria renal direita (Figuras 5 e 6). O tempo de clampeamento foi de aproximadamente 3 minutos, sem repercussão hemodinâmica significativa. A evolução pós-operatória foi extremamente satisfatória. O paciente recebeu alta hospitalar após três dias de internação.

Figura 5
Pseudoaneurisma de artéria renal direita e veia cava inferior fibrosada (seta).

Figura 6
Pseudoaneurisma de artéria renal dissecado.

DISCUSSÃO

Os pseudoaneurismas de artéria renal de etiologia traumática são entidades raras. Em geral, a incidência desta lesão por trauma penetrante é superior quando comparada ao traumatismo fechado6,7. O mecanismo de lesão comumente ocorre por violação da cavidade abdominal, seja por nefrectomia parcial, procedimentos percutâneos, biópsia renal ou trauma penetrante1,3. Contudo, no traumatismo fechado, uma força brusca de desaceleração pode ocasionar injúria parcial ou completa da parede das artérias renais. Estruturas adjacentes, tais como fáscia de Gerota e o próprio parênquima renal, podem auxiliar na contensão do hematoma. A formação do pseudoaneurisma é consequência da recanalização entre os espaços extra e intravasculares decorrentes da degradação de coágulos e tecidos necróticos ali formados8. Com a restauração da hemodinâmica normal, os PARs podem crescer e até mesmo romper, demonstrando a importância do tratamento dessas lesões.

As manifestações clínicas mais comuns incluem hematúria macroscópica, dor em flanco e região lombar, hipertensão e massa abdominal pulsátil. Os PARs devem compor o diagnóstico diferencial de qualquer paciente que apresente história de trauma, cirurgia ou biópsia renal, que evolua com dor no flanco e hematúria1,7. Atualmente, uma variedade de exames complementares de imagem pode ser usada para diagnóstico, tais como ultrassonografia com Doppler, angiotomografia, cintilografia renal e ressonância magnética. No entanto, nenhum desses exames demonstrou a sensibilidade diagnóstica da arteriografia, que atualmente apresenta-se como exame padrão-ouro para elucidação de tais lesões8,9.

Considerando a baixa expectativa de resolução espontânea dos PARs pós-traumáticos, enfatizada na literatura, aliada ao importante risco de rotura, faz-se necessária a correção destas lesões.

Citam-se, como opções de tratamento na correção dos PARs, a cirurgia aberta convencional e a embolização arterial. No entanto, em nossa revisão bibliográfica, não encontramos um consenso a respeito da escolha de tais procedimentos. A embolização arterial é, na maioria das vezes, o procedimento de escolha quando se trata de um pseudoaneurisma pequeno em pacientes com estabilidade hemodinâmica10,11. Alguns autores publicaram o sucesso terapêutico ao utilizar a embolização em pseudoaneurismas maiores, como os relatos de Albani et al.2 e Pastorín et al.1, sendo este último uma lesão de 10 cm. Outros, como Ansari et al.12, optaram por cirurgia aberta em PAR de mesmo tamanho. Percebemos que existe certa resistência à aplicabilidade da embolização em PAR de grandes dimensões, devido à complexidade da região anatômica e o risco de complicações, como ruptura do aneurisma e isquemia do parênquima. Neste relato, o paciente apresentava um pseudoaneurisma de 22 cm e rim excluso. Foi tratado por cirurgia aberta convencional, devido à grande proporção da lesão, maior do que todas as encontradas em nossa revisão.

Apesar de a embolização arterial ser um recurso técnico amplamente utilizado para a correção dos PARs; em pseudoaneurismas gigantes, a cirurgia aberta ainda é uma opção satisfatória e segura.

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  • Fonte de financiamento: Nenhuma
  • O estudo foi realizado no Hospital Adventista Silvestre, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
  • Concepção e desenho do estudo: RAVM e MJMP
    Redação do artigo: LMSS e ABS
    Revisão crítica do artigo: RAVM, MJMP, LMSS e ABS
    Aprovação final do artigo*: RAVM, MJMP, LMSS e ABS
    Responsabilidade geral do estudo: RAVM
  • *Todos os autores leram e aprovaram a versão final submetida do J Vasc Bras

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jun 2013

Histórico

  • Recebido
    20 Fev 2012
  • Aceito
    25 Mar 2013
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