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CRENÇA, VERDADE E EXATIDÃO: O REALISMO CIENTÍFICO ENCONTRA A FILOSOFIA DAS MEDIÇÕES*

TRUTH, BELIEF, AND ACCURACY: SCIENTIFIC REALISM MEETS THE PHILOSOPHY OF MEASUREMENTS

RESUMO

O atual debate sobre o realismo científico é um universo inteiro. Uma tese geral pode ser assim colocada: a atividade científica alcança um mundo que é independente do próprio fazer científico. Esse “alcançar” pode ser pensado em termos de práticas teóricas, como a formulação de teorias verdadeiras, e/ou práticas experimentais, como a construção de métodos suficientemente exatos para (re)formular e testar o dito pelas teorias. Por essa última via, o debate sobre o realismo científico na filosofia da ciência encontra as discussões na filosofia das medições, uma área de pesquisa autônoma que investiga as práticas de mensuração, seus conceitos, aplicações e pressupostos. Assim como ocorre com o termo “realismo” na filosofia da ciência em geral, há múltiplas posturas caracterizáveis enquanto “realistas” por meio das teorizações sobre as medições científicas. Afirmar quais são os critérios e os motivos pelos quais essas posturas se autoproclamam realistas, bem como no que elas se distinguem, é uma tarefa complexa. Sem esgotar a discussão e o campo, este artigo consiste em uma tentativa de fazê-lo.

Palavras-chave:
Filosofia da Ciência; Filosofia da Medição; Realismo Científico; Exatidão

ABSTRACT

The current debate on scientific realism is an entire universe. A general thesis can be put like follows: scientific activity attains a world that is independent of science itself. This “reaching out” can be thought of in terms of theoretical practices, such as the formulation of true theories, and/or experimental practices, such as the construction of suficiently accurate methods to (re)formulate and test what is said by the theories. By this latter route, the debate about scientific realism in the philosophy of science meets the discussions in the philosophy of measurement, an autonomous research area that investigates measurement practices, their concepts, applications and assumptions. As the “realism” in the philosophy of science in general, there are multiple postures that can be characterized as “realistic” through their theorizations about scientific measurements. Stating which are the criteria and reasons why these positions claim to be realistic and in what they are distinct is a complex task. This article is an attempt to do that, without exhausting the discussion or the field.

Keywords:
Philosophy of Science; Philosophy of Measurement; Scientific Realism; Accuracy

1. Introdução: realismos

Chakravartty (2017)CHAKRAVARTTY, A. “Scientific Realism”. In: ZALTA, E. (ed.). The Stanford Encyclopedia of Philosophy, 2017. Disponível em: https://plato.stanford.edu/archives/sum2017/entries/scientific-realism/ (Acessado em 15 de fevereiro de 2019).
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esclarece que um realismo científico é uma abordagem epistêmica positiva sobre o conteúdo das teorias na ciência. Vinculada com a crença em partes inobserváveis do afirmado por elas, a postura possui dimensões epistêmicas, metafísicas e semânticas. Porém, Chakravartty e van Fraassen (2018)CHAKRAVARTTY, A., VAN FRAASSEN, B. “What is Scientific Realism?”. Spontaneous Generations, Vol. 9, Nr. 1, pp. 12-25, 2018. discordam com relação aos papéis que a crença desempenha em uma postura genuinamente realista. A questão central está no critério que torna o empreendimento científico bem-sucedido: o realismo é um enunciado sobre o objetivo da ciência enquanto tentativa de fornecer teorias (aproximadamente) verdadeiras, em vez de empiricamente adequadas? Caso o seja, precisamos responder: onde está a “verdade” para além da adequação empírica?

Psillos (1999)PSILLOS, S. “Scientific Realism: How Science Tracks Truth”. London: Routledge, 1999. argumenta que a verdade está naquilo que é preservado por meio das mudanças científicas, afinal, o que é verdadeiro não é efêmero. Assim, quando uma teoria é abandonada, podendo posteriormente ser vista como obsoleta, algumas das suas partes permanecem e foram imprescindíveis para as próprias mudanças que levaram ao seu abandono. Outras partes, contudo, não desfrutam do mesmo status. Exemplos, de acordo com Psillos (1999)PSILLOS, S. “Scientific Realism: How Science Tracks Truth”. London: Routledge, 1999., são alguns conceitos vinculados com inobserváveis específicos, como o calórico. Chang (2003)CHANG, H. “Preservative Realism and Its Discontents: Revisiting Caloric”. Philosophy of Science, Vol. 70, pp. 902-912, 2003. discorda dessa análise e das teses que avançam os “realismos de preservação”. Ele discorda também em um sentido mais profundo: sobre aquilo que pode ser uma postura realista frutífera, em primeiro lugar.

Para Chang (2012CHANG, H. “Is Water H2O? Evidence, Realism and Pluralism”. Boston Studies in the Philosophy of Science, v. 293. London: Springer, 2012., 2018CHANG, H. “Realism for Realistic People”. Spontaneous Generations, Vol. 9, Nr. 1, pp. 31-34, 2018.), o realismo não é uma tese, tampouco precisa ser uma afirmação estrita sobre como devemos interpretar as teorias. Um “realista” é alguém que afirma uma espécie de política ou ideologia: o compromisso com o conhecimento, em buscá-lo tanto quanto possível. Esse “realismo ativo” é proposto como uma alternativa viável às buscas por noções de objetividade vinculadas com descrições verdadeiras para além do observável, as quais Chang (2018)CHANG, H. “Realism for Realistic People”. Spontaneous Generations, Vol. 9, Nr. 1, pp. 31-34, 2018. considera infrutíferas. Ghins (2011)GHINS, M. “Scientific Representation and Realism”. Principia, Vol. 15, Nr. 3, pp. 461-477, 2011. salienta o oposto: preservar o realismo é destacar justamente os papéis cruciais que julgamentos verdadeiros desempenham no conhecimento científico. Mas onde encontramos esses julgamentos e como os avaliamos? As práticas da física experimental fornecem o melhor lugar para apoiar as teses realistas, contrapõe Hacking (1982)HACKING, I. “Experimentation and Scientific Realism”. Philosophical Topics, Vol. 13, Nr. 1, pp. 71-87, 1982., ao que Chang (2012CHANG, H. “Is Water H2O? Evidence, Realism and Pluralism”. Boston Studies in the Philosophy of Science, v. 293. London: Springer, 2012., 2018CHANG, H. “Realism for Realistic People”. Spontaneous Generations, Vol. 9, Nr. 1, pp. 31-34, 2018.) tem acrescentado a busca por conceitos de “verdade”, “realidade” e “conhecimento” pragmáticos e operacionalizáveis.

Essa listagem poderia continuar exaustivamente, sobretudo questionando os alvos dos comprometimentos ontológicos das teorias científicas. Mas ela já mostra suficientemente o universo multifacetado em torno do(s) realismo(s) científico(s). Tamanha fragmentação faz com que o ato de se autoapresentar enquanto “realista” talvez não seja mais significativo do que tossir, ou limpar a garganta, como diz Wright (1992)WRIGHT, C. “Truth and Objectivity”. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1992.. É preciso requalificar-se: realismo disso ou daquilo, às vezes com nome e sobrenome. Afinal, em torno da questão sobre como teoria e mundo se encaixam, há diferentes modelos explicativos e lugares para esses encaixes. São “realismos locais” ou “seletivos”, como diz Borge (2020)BORGE, B. “Realismo Científico y Leyes de la Naturaleza: de la Filosofía General de la Ciencia a la Metafísica de la Ciencia”. Revista Colombiana de Filosofía de la Ciencia, Vol. 20, Nr. 40, pp. 11-20, 2020.. Pode ser que as práticas de mensuração nos contextos científicos forneçam alguns desses encaixes, bem como os conceitos que denotam os alvos mensuráveis, as grandezas, ocupem esses lugares nas teorias. Haveria, então, um realismo das medições científicas? Penso que ao menos a sua motivação inicial faz sentido, pois, como dizem Cartwright e Runhardt, quando bem formuladas e bem executadas, medições fornecem uma “imagem precisa das coisas que estudamos e o tipo de informação a partir da qual podemos construir leis, modelos e princípios científicos que podem nos ajudar a prever e mudar o mundo ao nosso redor” (2014, p. 265).

Essas considerações ajudam a entender parte do reforescimento da filosofia das medições enquanto área autônoma no início deste século (cf. Tal, 2013TAL, E. “Old and New Problems in Philosophy of Measurement”. Philosophy Compass, Vol. 8, pp. 1159-1173, 2013., 2020TAL, E. “Measurement in Science”. In: ZALTA, E. (ed.). The Stanford Encyclopedia of Philosophy, 2020. Disponível em: https://plato.stanford.edu/entries/measurement-science (Acessado em 30 de novembro de 2020).
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). Uma das motivações investigativas no campo consiste em atentar para os papéis que procedimentos de medida desempenham na formulação de conceitos, na adequação empírica e na conexão entre postulados teóricos, princípios, poder preditivo, indicações, resultados experimentais e aquilo que conta como evidência para avaliar a adequação deles.1 1 Alguns esclarecimentos introdutórios são sempre necessários. Primeiro, medições envolvem dois tipos de saídas, as indicações e os resultados. Indicações são aquilo que aparece no estágio experimental final, como pontos em um gráfico, marcas em um papel, dígitos em um visor ou a posição de um ponteiro. Resultados são interpretações avaliativas dessas indicações, as quais visam informar as características do próprio procedimento, por exemplo, sua incerteza. Enquanto esta última é uma noção quantitativa, a exatidão é um conceito qualitativo que prima facie pode ser vinculado com todos os aspectos dos procedimentos, mas que usualmente é visado em função dos resultados das medições. A passagem das indicações para os resultados bem como em que sentido a avaliação da incerteza pode ser uma afirmação sobre a exatidão dos procedimentos são dois problemas centrais na epistemologia das medições atual (cf. Tal, 2011, 2013, 2020). Em segundo lugar, a exatidão é usualmente caracterizada como o grau de concordância entre valores medidos e um valor esperado (por vezes, dito “um valor verdadeiro”, carregando um viés metafísico). Ela não deve ser confundida com a precisão, que também é um conceito qualitativo, mas que versa sobre o grau de concordância entre diferentes saídas em medições repetidas e/ou reproduzidas. Repetibilidade e reprodutibilidade também não devem ser confundidas, pois envolvem condições diferentes. Para a melhor compreensão desses comentários introdutórios, bem como da terminologia utilizada, vale a pena consultar as guias metrológicas oficiais fornecidas pelo Comitê Conjunto para Guias em Metrologia (JCGM). A terminologia deste artigo utiliza as traduções para o português publicadas pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (INMETRO) de dois desses documentos oficiais (atualmente em vigência, mas com novas edições em elaboração). São eles: a terceira edição do “Vocabulário Internacional de Metrologia” (VIM 3, INMETRO, 2012b); e o “Guia para a Expressão de Incerteza de Medição” (GUM [2008], INMETRO, 2012a). A nova versão do VIM, sua quarta edição, teve um esboço recentemente divulgado pelo BIPM. O documento pode ser acessado no seguinte link: https://www.bipm.org/documents/20126/54295284/VIM4_CD_210111b.pdf/0a913bb5-de98-ef12-2031-2b36697997a1.

Contudo, a ênfase aos contextos de mensuração diante do tema da interpretação das teorias científicas não minimiza a pluralidade de posturas realistas. Ao contrário, alarga ainda mais o escopo do rótulo. Se é um pouco exagerado pensar que há um realismo caracterizado de maneira diferente por cada autor que visou fazê-lo ao longo da filosofia da ciência, como diz Chakravartty (2017)CHAKRAVARTTY, A. “Scientific Realism”. In: ZALTA, E. (ed.). The Stanford Encyclopedia of Philosophy, 2017. Disponível em: https://plato.stanford.edu/archives/sum2017/entries/scientific-realism/ (Acessado em 15 de fevereiro de 2019).
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, também o é na filosofía das medições. Para mencionar exemplos, Kyburg discute a diferença entre uma visão platônica segundo a qual comprimentos abstratos existem de maneira independente dos objetos que os instanciam de “um realismo modesto” (1977, pp. 407-408). Um “realismo moderado não fundamentalista” é advogado por van Brakel (1984)VAN BRAKEL, J. “Norms and facts in measurement”. Measurement, Vol. 2, pp. 45-51, 1984.. Batitsky (1998, 2000) afirma que a sua postura é um “realismo mínimo”. Posteriormente, há “uma concepção realista das grandezas”, retomada em Domotor e Batitsky (2008)DOMOTOR, Z., BATITSKY, V. “The Analytic Versus Representational Theory of Measurement: A Philosophy of Science Perspective”. Measurement Science Review, Vol. 8, Nr. 6, pp. 129-146, 2008.. A ênfase em aspectos analíticos específicos da constituição das grandezas abre mais um leque entre as posturas realistas. Enquanto Byerly e Lazara (1973)BYERLY, C., LAZARA, V. “Realist Foundations of Measurement”. Philosophy of Science, Vol. 40, pp. 10-28, 1973. afirmam que um realismo sobre as medições é mais frutífero se estiver comprometido com a existência de referências para as grandezas, o realismo proposto por Michell (2005)MICHELL, J. “The Logic of Measurement: A Realist Overview”. Measurement, Vol. 38, pp. 285-294, 2005. afirma precisarmos de um compromisso também com estruturas quantitativas. Talvez sejam visões compatíveis, complementares, ou partilhem dos mesmos problemas. Um mesmo “realismo tradicional da exatidão de medição” que é atacado por Teller (2018)TELLER, P. “Measurement Accuracy Realism”. In: PESCHARD, I.; VAN FRAASSEN, B. (orgs.). The Experimental Side of Modeling. Minnesota: University of Minnesota Press, 2018. Disponível em: https://manifold.umn.edu/projects/the-experimental-side-of-modeling (Acessado em 12 de dezembro de 2020).
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junto do seu argumento em favor das condições metodológicas de robustez das medições, as quais foram avançadas por Tal (2011)TAL, E. “How Accurate Is the Standard Second?”. Philosophy of Science, Vol. 78, Nr. 5, pp. 1082-1096, 2011.. Tal (2011TAL, E. “How Accurate Is the Standard Second?”. Philosophy of Science, Vol. 78, Nr. 5, pp. 1082-1096, 2011., 2017TAL, E. “A Model-based Epistemology of Measurement”. In: MÖßNER, N., NORDMANN, A. (eds.). Reasoning in Measurement. London: Pickering & Chatto Publishers, 2017. pp. 236-251.), por sua vez, considera que essas condições sejam irênicas em relação a uma “noção metafísica da exatidão”, propondo um “perspectivismo robusto”: a tese de que medições não apenas são sensíveis ao contexto, mas principalmente de que é em vista dessa sensibilidade que as condições para a sua avaliação podem ser formuladas e são testadas em rede.

Metaforicamente a um jogo de tabuleiro, com o exposto até aqui eu apenas dispus sobre a mesa algumas das muitas peças disponíveis. A questão que me interessa versa sobre como podemos organizá-las significativamente. Essa tarefa pressupõe que tenhamos um esquema pré-pronto, ainda que provisório ou inicial, com critérios selecionados para compará-las, como as marcas em um tabuleiro e as regras do jogo. Pinheiro (2018)PINHEIRO, F. “O que significa ser realista sobre as medições científicas: uma taxonomia para posicionamentos (antir)realistas”. Perspectiva Filosófica, Vol. 45, Nr. 1, pp. 1-30, 2018., por exemplo, esboça uma “taxonomia para posicionamentos (antir)realistas” em vista do conceito de objetividade trabalhado junto das medições na ciência.2 2 Ao fazê-lo, Pinheiro destaca aspectos dos realismos sobre as medições científicas em geral, decompostos em algumas teses, tais como: “I) Há algo que garante a objetividade das medições científicas; II) Esse algo é independente dos procedimentos empíricos de medida; III) Os alvos das medições possuem referências não procedimentais, não subjetivas, nem puramente convencionais; IV) Os alvos das medições determinam os seus resultados [...]” (2018, p. 20). Proponho aqui um tabuleiro um pouco diferente desse, um esquema inspirado no diálogo entre Chakravartty e van Fraassen (2018)CHAKRAVARTTY, A., VAN FRAASSEN, B. “What is Scientific Realism?”. Spontaneous Generations, Vol. 9, Nr. 1, pp. 12-25, 2018. e que toma emprestada a organização de Chakravartty (2017)CHAKRAVARTTY, A. “Scientific Realism”. In: ZALTA, E. (ed.). The Stanford Encyclopedia of Philosophy, 2017. Disponível em: https://plato.stanford.edu/archives/sum2017/entries/scientific-realism/ (Acessado em 15 de fevereiro de 2019).
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acerca de os realismos científicos versarem sobre a conexão teoria e mundo mediante três aspectos (epistemológicos, semânticos e ontológicos). Discutido na próxima seção, esse esquema intuitivo não só inclui as medições, mas versa desde o ponto de vista da filosofia da medição (ao invés da filosofia da ciência que toma as teorias como objeto de estudo, ou ponto de partida). Por esse motivo, “crença”, “verdade” e “exatidão” são os seus conceitos centrais, como ilustrado na Figura 1. A partir de tal esquema, as seções seguintes esclarecem grupos de posturas realistas na filosofia das medições e as fragmentações deles.

Figura 1
Ilustração do esquema intuitivo

2. Crença, verdade e exatidão

Seguindo Chakravartty (2017)CHAKRAVARTTY, A. “Scientific Realism”. In: ZALTA, E. (ed.). The Stanford Encyclopedia of Philosophy, 2017. Disponível em: https://plato.stanford.edu/archives/sum2017/entries/scientific-realism/ (Acessado em 15 de fevereiro de 2019).
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, em sua dimensão ontológica, os realismos estão comprometidos com a existência de elementos independentes da mente, ao que acrescento: independência ontológica dos empreendimentos humanos em contextos científicos. Teorias, conceitos, modelos, artefatos e padrões são algumas dessas produções, inspirando-me no comentário de Haack (2007)HAACK, S. “Defending Science – Within Reason: Between Scientism and Cynicism”. New York: Prometheus Books, 2007. sobre haver três sentidos em que a ciência pode ser pacificamente vista como um empreendimento social e construtivo.3 3 São eles: 1) no sentido de que a ciência atual é uma instituição social, ou seja, é feita e constituída por seres humanos com crenças e desejos, ao que acrescento, que formulam normas, diretrizes e padronizam as suas práticas; 2) em vista de os instrumentos, dispositivos e artefatos serem fabricações humanas, industrializadas ou artesanais, 3) algo similar vale para os conceitos enquanto resultados do esforço intelectual dos indivíduos; acrescento aqui as teorias, definições e modelos. Ao contrário dessas, Haack (2007) salienta que há uma tese não pacífica e, no seu entendimento, incorreta sobre a constituição social da atividade científica, a qual versa sobre os objetos aos quais esses produtos se aplicam. Assim, o alvo do compromisso ontológico consiste naquilo sobre o que esses produtos referem, ou ao que eles correspondem; o que eles captam enquanto elementos (supostamente) independentes dos empreendimentos científicos. A pluralidade de conceitos e parâmetros nas medições refetirá, como discutido adiante, diferentes posturas realistas “seletivas”. Antes, é preciso destacar como os produtos humanos se relacionam com esses alvos, adentrando a dimensão semântica dos realismos científicos.

Em contraste ao instrumentalismo, a conexão entre produtos científicos e os seus alvos é afirmada em torno de alguma noção de “verdade” nas posturas realistas, seja bipolar, seja gradual (e.g., provavelmente verdadeiro, ou aproximadamente verdadeiro). No caso das medições, essa noção pode ser derivada em um correlato “valor verdadeiro” que é utilizado na caracterização da exatidão dos procedimentos. A exatidão, contudo, é sempre gradual e jamais absoluta (a partir daqui, por “exatidão” leia-se sempre uma característica aproximada). Esses comentários possuem implicações gerais para o modo como procedimentos de medição são filosoficamente conceitualizados. De um ponto de vista realista será no mínimo complexo afirmar, por exemplo, que uma medição é um procedimento de atribuição numérica ao mundo (tese tradicionalmente levantada pelos projetos empiristas; cf. Tal, 2013TAL, E. “Old and New Problems in Philosophy of Measurement”. Philosophy Compass, Vol. 8, pp. 1159-1173, 2013.; 2020TAL, E. “Measurement in Science”. In: ZALTA, E. (ed.). The Stanford Encyclopedia of Philosophy, 2020. Disponível em: https://plato.stanford.edu/entries/measurement-science (Acessado em 30 de novembro de 2020).
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; Suppes, 1998SUPPES, P. “Measurement, theory of”. In: TAYLOR; F. (ed). Routledge Encyclopedia of Philosophy, 1998. Disponível em: https://www.rep.routledge.com/articles/thematic/measurement-theory-of/v-1 (Acessado em 20 de dezembro de 2017).
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). Em geral (e ao contrário), as posições realistas conceitualizam as medições enquanto um procedimento que procura se aproximar de um “valor verdadeiro” (cujas fontes e composições podem variar entre diferentes propostas). Disso decorre a noção metafísica de “exatidão”, como destacada por Tal (2011)TAL, E. “How Accurate Is the Standard Second?”. Philosophy of Science, Vol. 78, Nr. 5, pp. 1082-1096, 2011.: o grau de concordância entre “valores medidos” e “valores verdadeiros” (cf. INMETRO, 2012b, def. 2.13).

Um realismo científico que inclui as práticas de medida visa às conexões entre os produtos da teorização e da experimentação com os seus alvos afirmando um duplo aspecto: a “verdade” das teorias e a exatidão (sempre aproximada) dos procedimentos experimentais. Como diz van Brakel (1984, p. 49)VAN BRAKEL, J. “Norms and facts in measurement”. Measurement, Vol. 2, pp. 45-51, 1984., o realismo sobre as medições pode ser visto como uma tese semântica sobre o que torna verdadeiras as afirmações que relatam os seus resultados.

Nesse sentido, uma abordagem realista precisa esclarecer: 1) a conexão entre teoria e mundo; 2) a conexão entre os resultados experimentais e o mundo; e 3) a conexão entre teorias e experimentos (como verdade e exatidão se relacionam entre si). Esses pontos permitem sinalizar um “realismo ingênuo de medição na ciência” e alguns dos seus desafos. Ele consiste na seguinte tese conjunta: uma teoria é aproximadamente verdadeira se suas previsões são experimentalmente exatas e o seu background teórico é coerente com essas práticas experimentais; a exatidão experimental é uma aproximação entre os valores medidos com um valor verdadeiro preestabelecido (junto de ao menos partes da própria teoria), embora a sua referência seja independente tanto da teorização quanto da experimentação que a alcança.

Entre os desafos, um realismo sobre as medições pode ser articulado em função de um problema sobre os realismos em geral, a fim de apontar aquilo que conta como acesso adequado à realidade independente das teorias científicas. Contudo, a compreensão atual do funcionamento das medições científicas impede que esse acesso seja uma solução simples. Seguindo as considerações metrológicas atuais, não existe “exatidão absoluta” e os “valores verdadeiros” são sempre indeterminados.4 4 Como esclarecido no GUM ([2008], INMETRO, 2012a, p. 32), um “valor verdadeiro” é aquilo que seria obtido por uma medição perfeita, uma idealização compatível com a medição, sendo preferível utilizar o artigo “um” ao artigo “o” em vista de haver muitos valores que satisfazem esse requisito de consistência. Em vista disso, há que se ter cautela na defesa desse realismo ingênuo para não trocar um problema de acesso em um âmbito teórico por outro, no âmbito metrológico. Não obstante, a questão do acesso é o ponto central para qualquer realismo que pretenda ser uma tese epistêmica positiva, sobretudo aqueles que visam maior aproximação com a prática científica experimental.

Assim, adentramos o aspecto epistemológico dos realismos junto das medições. Esse aspecto auxilia a sublinhar dois tipos de investigações paralelas. Por um lado, conectando as teses ontológicas e semânticas, a busca por uma ontologia dos alvos mensuráveis, das grandezas e demais conceitos quantitativos, fornece um recorte disciplinar no campo (por exemplo, no sentido do que é investigado por Wolf, 2020). Por outro lado, dispondo ou não de uma teoria ontológica sobre esses alvos, a questão do acesso permanece. Similar ao que diz Chakravartty (2017)CHAKRAVARTTY, A. “Scientific Realism”. In: ZALTA, E. (ed.). The Stanford Encyclopedia of Philosophy, 2017. Disponível em: https://plato.stanford.edu/archives/sum2017/entries/scientific-realism/ (Acessado em 15 de fevereiro de 2019).
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, a despeito das variações, essas posturas compartilham um núcleo: a defesa de que nossas melhores práticas científicas fornecem conhecimento sobre os aspectos observáveis e inobserváveis de um mundo cuja existência independe dos sujeitos.

No guarda-chuva dessa tese cabem as crenças específicas sobre como as teorias e os produtos experimentais, os seus resultados, se relacionam com seus alvos. Obviamente, avaliações da exatidão poderiam contar como justificação dessas crenças, isto é, boas razões para acreditar que esses alvos sejam isso ou aquilo, assim ou assado. Mas a questão do acesso versa sobre as afirmações que especificam critérios para as análises da verdade e da exatidão, ou seja: o que queremos dizer quando afirmamos que uma teoria é verdadeira, que uma medição é exata, e quando podemos justificadamente afirmar ambas? Não obstante, as crenças atuam de maneira ambígua nos argumentos e nos critérios utilizados para efetuar essas afirmações. Nos caminhos argumentativos e interpretativos percorridos pelas abordagens realistas sobre as medições científicas, certas crenças podem estar tanto no ponto de partida quanto no ponto de chegada, o que permite distinguir os propósitos dessas posições em dois grupos.

3. Alvos interpretativos, crenças fundamentais e axiomas metodológicos

Como já mencionado, abordagens empiristas tradicionalmente conceitualizam as medições enquanto procedimentos de atribuição numérica ao mundo. A questão epistemológica central aqui consiste em responder em que sentido essas atribuições são adequadas. Por exemplo, se medições podem ser maneiras de representar fenômenos qualitativos por meio de esquemas quantitativos, então o que conta como justificação para essas representações? Campbell (1920)CAMPBELL, N. “Physics: The Elements”. London: Cambridge University Press, 1920., por exemplo, afirma que esses métodos representativos podem ser fundamentais ou derivados. As medições fundamentais são justificadas sem recorrer a noções quantitativas prévias, isto é, apenas pelas características empíricas dos seus alvos, as quais são identificadas em procedimentos operacionais. Essas características formariam condições empíricas da mensurabilidade. Posteriormente, elas foram trabalhadas pela Teoria Representacional da Medição (TRM) nos termos de coleções de axiomas de estruturas relacionais qualitativas (cf. Suppes, 1998SUPPES, P. “Measurement, theory of”. In: TAYLOR; F. (ed). Routledge Encyclopedia of Philosophy, 1998. Disponível em: https://www.rep.routledge.com/articles/thematic/measurement-theory-of/v-1 (Acessado em 20 de dezembro de 2017).
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). Como a TRM se propõe a ser uma teoria empirista sobre as medições, esses axiomas precisariam ser condições empíricas, o que nem sempre parece ser o caso. Esse é um dos motivos para Batitsky (1998) afirmar que as medições fundamentais nada são além de um mito do empirismo. O autor argumenta que a adequação das representações numéricas das grandezas requer que certas características estruturantes sejam atribuídas ao mundo, que estão para além do observável, do empiricamente testável. Assim, as condições da mensurabilidade não estariam disponíveis para o que poderia contar como justificação nos projetos empiristas (cf. Batitsky, 1998, p. 67).

Parte dos argumentos de Batitsky (1998) ambiciona mostrar que o caráter empírico das condições da mensurabilidade formuladas pela TRM é um mito, que está apoiado na postulação de uma relação não problemática entre as condições do medir e a observação. O autor enfatiza que essas condições são formais, suas sensibilidades seriam perfeitas e, não raro, comprometidas com coleções infinitas. Retomando esses comentários em trabalho posterior, ele afirma que “deveria parecer terrivelmente implausível que as nossas interações qualitativas, ‘imperfeitas’ e ‘finitas’, com o mundo incorporem estrutura suficiente para espelhar as estruturas quantitativas ‘perfeitas’ e ‘infinitas’ que usamos” (2000, p. 101). Nesse sentido, Batitsky (1998, 2000) argumenta que as condições da mensurabilidade não poderiam ser apenas empíricas, mas também cognitivas, nas quais há uma crença básica que não pode ser empiricamente justificada. Em suas palavras:

o que então restringe a parte da ‘atribuição de números’ das nossas medições quantitativas? A resposta, penso eu, é que a restrição em questão também é cognitiva. É a nossa crença em haver haja uma correspondência sistemática entre certas relações / operações matemáticas com números e certas relações / operações físicas com objetos no mundo. E é essa crença fundamental (reforçada por teoremas de representação para várias estruturas de medição) que nos permite justificar algumas atribuições de números aos atributos físicos como medições, enquanto rejeitamos outras atribuições (por exemplo, algumas dos pitagóricos), como misticismo arbitrário dos números. No entanto [...] essa crença fundamental, mesmo com respeito às representações numéricas de atributos físicos básicos como o comprimento, não pode ser justificada da maneira exigida pelos empiristas, i.e., apenas com base em nossas interações perceptivas com o mundo. [...]. A moral é que a nossa aceitação de uma teoria científica quantitativa, mesmo quando interpretada como envolvendo não mais do que a crença na concordância dessa teoria com todos os resultados de medição, envolve um compromisso realista inescapável: o compromisso com a adequação de nossas representações numéricas dos atributos básicos da física. Esse compromisso é o que chamei anteriormente de princípio do realismo mínimo [...] a natureza quantitativa das muitas teorias científicas requer que esse princípio seja incorporado nas fundações de uma intepretação adequada das relações teoria-mundo (Batitsky, 1998, p. 68).

Cabe notar que essa “crença fundamental” ou “princípio de realismo mínimo” surge em função das críticas aos projetos empiristas de justificar as atribuições numéricas por meio das medições, o que motiva a formulação de um framework distinto do utilizado pela TRM. A disputa entre ambos os frameworks é um assunto detalhado no trabalho colaborativo em que Domotor e Batitsky (2008)DOMOTOR, Z., BATITSKY, V. “The Analytic Versus Representational Theory of Measurement: A Philosophy of Science Perspective”. Measurement Science Review, Vol. 8, Nr. 6, pp. 129-146, 2008. argumentam em favor da abordagem analítica das medições. Nesse momento, é preciso notar que, a despeito da parte construtiva da abordagem analítica e dos méritos do seu detalhado framework, os pressupostos desse “realismo mínimo” estão longe de serem vistos como satisfatórios na filosofia da medição. Van Fraassen acerta o núcleo do descontentamento: embora seja possível postular que as grandezas denotem propriedades com certas estruturas independentes dos métodos de medição, é preciso mostrar como elas podem ser usadas para regular as medições, sob pena de tais fundações construírem “castelos no ar se o próximo passo envolver alguma visão divina ou telescópio ontológico para comparar seus valores [reais] com o que nossos instrumentos mostram” (van Fraassen, 2008, p. 138VAN FRAASSEN, B. “Scientific Representation: Paradoxes of Perspective”. Oxford: Oxford University Press, 2008.).

Esse último comentário ajuda a posicionar o segundo grupo de posturas realistas. Por um lado, as crenças nos aspectos não empíricos dos alvos das medições podem ser posicionadas como peça indispensável na justificação das medições. Contudo, mesmo que a abordagem resultante desse pressuposto seja interessante (e penso que de fato possui muitos méritos), ela está assumindo aquilo que os debates sobre o realismo científico precisam encontrar: que certas partes das teorias científicas captam certos aspectos do mundo. Como diz van Fraassen (2018a)VAN FRAASSEN, B. “Introduction: The Changing Debates about Measurement”. In: PESCHARD, I., VAN FRAASSEN, B. (orgs.). The Experimental Side of Modeling. Minnesota: University of Minnesota Press, 2018a. Disponível em: https://manifold.umn.edu/projects/the-experimental-side-of-modeling (Acessado em 12 de dezembro de 2020).
https://manifold.umn.edu/projects/the-ex...
, a TRM foi acusada de fornecer um empirismo ingênuo sobre as condições da mensurabilidade, mas substituí-lo por uma abordagem postulacional da relação entre teoria e mundo para justificar as medições, aos olhos da discussão sobre o (antir)realismo científico, soa como declarar a vitória e ir para casa. Penso que há duas alternativas ainda “realistas” aqui. A primeira, que mantém inalterada a importância das crenças na adequação das medições, consiste em uma espécie de realismo metodológico. A segunda consiste em outro grupo de posturas, que colocam os alvos que apoiam as crenças como ponto de chegada em um processo de interpretação do que a ciência alcança.

Tratando da primeira alternativa, van Brakel (1984)VAN BRAKEL, J. “Norms and facts in measurement”. Measurement, Vol. 2, pp. 45-51, 1984. propõe um “realismo moderado” no qual as crenças atuam enquanto axioma metodológico em um contexto heurístico amplo. Essa posição enfatiza as virtudes dos aspectos inteligíveis no contexto de medição, em vista das teorias científicas disponíveis, na formulação e execução das medições. Por exemplo, o autor argumenta que, em oposição ao operacionalismo, assumir provisoriamente que estamos tratando das mesmas grandezas ainda que caracterizadas e medidas de diferentes maneiras auxilia a reduzir a arbitrariedade e explorar as conexões entre esses procedimentos. Ao mesmo tempo, essa peça heurística precisa funcionar junto do esforço para tornar conscientes e explícitas essas assunções, bem como para não incorrer em uma postura “fundamentalista” com relação a elas, evitando que linhas investigativas possivelmente frutíferas sejam impedidas de nascerem (cf. van Brakel, 1984, pp. 49-50VAN BRAKEL, J. “Norms and facts in measurement”. Measurement, Vol. 2, pp. 45-51, 1984.).

Uma abordagem similar é proposta por Chang (2012CHANG, H. “Is Water H2O? Evidence, Realism and Pluralism”. Boston Studies in the Philosophy of Science, v. 293. London: Springer, 2012., 2018CHANG, H. “Realism for Realistic People”. Spontaneous Generations, Vol. 9, Nr. 1, pp. 31-34, 2018.). Aqui, em vez de a análise versar sobre os aspectos linguísticos da ciência, ela visa às suas práticas. Para Chang (2012CHANG, H. “Is Water H2O? Evidence, Realism and Pluralism”. Boston Studies in the Philosophy of Science, v. 293. London: Springer, 2012., 2018CHANG, H. “Realism for Realistic People”. Spontaneous Generations, Vol. 9, Nr. 1, pp. 31-34, 2018.), as atividades científicas pressupõem princípios ontológicos/metafísicos, isto é, crenças sobre como o mundo pode/deve ser para que a atividade epistêmica em desenvolvimento faça sentido. Os casos mais simples são dados pelo par atividade-princípio, por exemplo, a contagem e o princípio do ser discreto. O exemplo ajuda a entender algumas características desses princípios. Em primeiro lugar, eles não versam sobre como o mundo é per se, mas de forma condicional: se alguém deseja contar x, então x deve ser assumido como discreto. O que é assumido, assim, é um requerimento condicional que atribui sentido à atividade realizada, para o qual não há teste empírico, tampouco justificação lógica e/ou a priori.

Em contrapartida, ao discutirem o papel das crenças no realismo, Chakravartty e van Fraassen (2018, pp. 19-23)CHAKRAVARTTY, A., VAN FRAASSEN, B. “What is Scientific Realism?”. Spontaneous Generations, Vol. 9, Nr. 1, pp. 12-25, 2018. ajudam a sinalizar um outro grupo de posturas. Respondendo aos comentários do último, Chakravartty argumenta que o debate versa sobre três questões: (i) o que estamos chamando de “realismo” e por quais razões; (ii) quais teses e crenças “realistas” legítimos podem possuir e, finalmente, (iii) o papel da metafísica na filosofia da ciência realista. A ciência, expõe o realista, pode ser composta por crenças no inobservável, mas ela não requer essas crenças. Quando estas aparecem em posturas realistas, elas não são uma ideia genérica sobre todos os postulados inobserváveis, mas ferramentas para capturar quais aspectos inobserváveis são independentes da prática científica. Há, claro, realistas que enfatizam que o objetivo da ciência é fornecer uma imagem ou história do mundo inobservável, literal e verdadeira, tanto quanto possível. Mas há também os que defendem que o papel da ciência é nos apontar, aqui ou ali, onde estão e quais são os seus alvos. A questão, assim, não versa primariamente sobre a crença nesses alvos, mas sobre a interpretação de que as práticas científicas efetivamente versam sobre alguns deles.

Que “a ciência é o que a ciência faz, mas o que a ciência alcança, epistemicamente, está aberto à interpretação” (Chakravartty e van Fraassen, 2018, p. 24CHAKRAVARTTY, A., VAN FRAASSEN, B. “What is Scientific Realism?”. Spontaneous Generations, Vol. 9, Nr. 1, pp. 12-25, 2018.) pode ser um lema para os realismos que atuam na esfera metafísica da ciência. A diferença entre os dois grupos é, então, o propósito investigativo. Ela pode ser encontrada nos próprios trabalhos de Batitsky. Inicialmente, o realismo mínimo é um compromisso fundacionalista sobre as medições: a crença na correspondência entre representações numéricas e atributos físicos “básicos”, diante do propósito de explicar a adequação das medições ao mundo, deixando em aberto a sua relação com o realismo científico (cf. Batitsky, 1998). Posteriormente, ele envolve uma relação mais direta com o realismo científico por meio das interpretações sobre as medições e sobre as grandezas (cf. Domotor e Batitsky, 2008DOMOTOR, Z., BATITSKY, V. “The Analytic Versus Representational Theory of Measurement: A Philosophy of Science Perspective”. Measurement Science Review, Vol. 8, Nr. 6, pp. 129-146, 2008.). Com respeito à interpretação das medições, em vez de serem vistas como maneiras de atribuir representações quantitativas ao mundo, o seu propósito consiste em determinar quais propriedades são alcançadas pelo ato de avaliação física das grandezas permitido por elas. Com respeito às grandezas, elas são vistas como entidades teóricas, ao que os autores acrescentam: “interpretadas enquanto características objetivas [...] ao invés de um meio apenas conveniente para a representação de um mundo inerentemente não quantitativo” (Domotor e Batitsky, 2008, p. 134DOMOTOR, Z., BATITSKY, V. “The Analytic Versus Representational Theory of Measurement: A Philosophy of Science Perspective”. Measurement Science Review, Vol. 8, Nr. 6, pp. 129-146, 2008.).

Por um lado, alguns grupos de posturas realistas podem visar fornecer explicações sobre a exatidão, nos moldes da busca empirista acerca do que torna as representações numéricas adequadas. Por outro lado, reconhecido que a exatidão é uma conquista da prática científica, há grupos de posturas realistas que versam sobre o que ela significa, o que ela nos diz sobre o mundo. Essas tarefas são compatíveis e complementares, mas avançam investigações que lidam com a complexidade das medições científicas em função de diferentes propósitos. Parte dessa complexidade deriva do caráter não unívoco das medições e dos seus alvos. Sendo substancialmente plurais, com base em quais critérios podemos interpretá-los? Para compreender a multiplicidade de “realismos” que essa pergunta origina, é preciso esclarecer alguns dos conceitos envolvidos nos procedimentos de medição na ciência, como os que estão ilustrados na Figura 2.5 5 Essa hierarquia é uma heurística em vista das caracterizações de cada parte. Por exemplo, objetos inobserváveis (e.g. elétrons) são caracterizados por meio de propriedades (e.g. carga e spin). Para isso, precisamos dizer o que torna a carga elétrica e o spin uma propriedade. O conceito de “propriedade” é caracterizado mediante uma série de elementos, critérios que distinguem as propriedades em tipos ou grupos (e.g., qualitativas e quantitativas; físicas ou psicológicas; mensuráveis ou não). O conceito genérico de “grandeza” (propriedade mensurável) é definido de maneira abrangente para captar vários casos (e.g., temperatura; massa; comprimento; área; densidade). Ao fazê-lo, o conceito genérico de grandeza associa esquemas quantitativos disponíveis (e.g., escalas) aos grupos de propriedades, permitindo distinguir entre grandezas ordinais e proporcionais, por exemplo. Finalmente, essas peças quantitativas são vinculadas com as grandezas específicas, isto é, as manifestações particulares das propriedades mensuráveis nos objetos ou eventos. Essas manifestações são os mensurandos, aquilo que é efetivamente visado em um procedimento de medida.

Figura 2
Realismos sobre o quê, afinal?

4. Realismos seletivos: metafísica e o universo dos componentes das medições

A reunião de aspectos ontológicos, semânticos e epistemológicos abre margem para ao menos duas interpretações sobre as medições. A primeira versa sobre o significado das próprias medições, em que sentido elas são maneiras de acessar aproximadamente alvos inobserváveis que são independentes das operações, esquemas, modelos, conceitos e teorias. Em segundo lugar, há uma interpretação sobre as características ontológicas dos alvos das medições. A partir de ambas, Teller (2018)TELLER, P. “Measurement Accuracy Realism”. In: PESCHARD, I.; VAN FRAASSEN, B. (orgs.). The Experimental Side of Modeling. Minnesota: University of Minnesota Press, 2018. Disponível em: https://manifold.umn.edu/projects/the-experimental-side-of-modeling (Acessado em 12 de dezembro de 2020).
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e van Fraassen (2018b)VAN FRAASSEN, B. “Let’s Take the Metaphysical Bull by the Horns”. In: PESCHARD, I., VAN FRAASSEN, B. (orgs.). The Experimental Side of Modeling. Minnesota: University of Minnesota Press, 2018b. Disponível em: https://manifold.umn.edu/projects/the-experimental-side-of-modeling (Acessado em 12 de dezembro de 2020).
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discutem o que o primeiro denomina de “realismo tradicional da exatidão de medição”. Van Fraassen (2018b)VAN FRAASSEN, B. “Let’s Take the Metaphysical Bull by the Horns”. In: PESCHARD, I., VAN FRAASSEN, B. (orgs.). The Experimental Side of Modeling. Minnesota: University of Minnesota Press, 2018b. Disponível em: https://manifold.umn.edu/projects/the-experimental-side-of-modeling (Acessado em 12 de dezembro de 2020).
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considera que a crítica de Teller (2018)TELLER, P. “Measurement Accuracy Realism”. In: PESCHARD, I.; VAN FRAASSEN, B. (orgs.). The Experimental Side of Modeling. Minnesota: University of Minnesota Press, 2018. Disponível em: https://manifold.umn.edu/projects/the-experimental-side-of-modeling (Acessado em 12 de dezembro de 2020).
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acerta o ponto sobre o que são, e quais são, os alvos das medições postulados como “reais”, mas discorda da proposta do estudioso e fornece uma alternativa empirista, ao seu modo. Para compreender o que está em disputa é preciso questionar o que queremos dizer por “alvos” nas medições. Ao fazê-lo, os realismos seletivos na filosofia das medições são delineados de modo similar ao que ocorre na filosofia da ciência. Nessa última, eles se espalham ao visar aos elementos ou aspectos das teorias responsáveis pelo seu sucesso epistemológico (cf. Borge, 2020BORGE, B. “Realismo Científico y Leyes de la Naturaleza: de la Filosofía General de la Ciencia a la Metafísica de la Ciencia”. Revista Colombiana de Filosofía de la Ciencia, Vol. 20, Nr. 40, pp. 11-20, 2020.; Borge e Cani, 2019BORGE, B., CANI, R. “Laws of Nature: Metaphysics and Epistemology”. Principia, Vol. 23, Nr. 3, pp. 367-372, 2019.).

Abrindo um parêntese, o modo como o “sucesso da teoria” é entendido constitui uma variação, por exemplo, entre abordagens que o abrangem por meio daquilo que se mantém nas alterações ao longo da história da ciência (e.g. Psillos, 1999PSILLOS, S. “Scientific Realism: How Science Tracks Truth”. London: Routledge, 1999.) e abordagens que visam a outros aspectos relacionados ao progresso científico (e.g. Chang, 2012CHANG, H. “Is Water H2O? Evidence, Realism and Pluralism”. Boston Studies in the Philosophy of Science, v. 293. London: Springer, 2012., 2018CHANG, H. “Realism for Realistic People”. Spontaneous Generations, Vol. 9, Nr. 1, pp. 31-34, 2018.). Como se sabe, variações nos compromissos metafísicos (ou graus de comprometimento) articuladas em vista da preservação são indicadas nos nomes das próprias posturas realistas (e.g. realismos de entidade, realismos estruturais, realismos-perspectivismos). Outras diferenças, de “nome e sobrenome”, versam sobre as noções metafísicas específicas e adequadas para interpretar os compromissos ontológicos dentro dessas posturas. Por exemplo, em vista da necessidade de apontar algo além das estruturas lógico-linguísticas para distinguir entre leis da natureza genuínas, correlações e generalizações acidentais. Aqui estão o realismo estrutural ôntico, os realismos nomológicos, essencialismos disposicionais e outras abordagens como a teoria DTA (Dretske – Tooley – Armstrong). Do ponto de vista da filosofia das medições, essas discussões e posturas versam ao menos sobre dois aspectos centrais na experimentação científica: a conceitualização de propriedades e a identificação de regularidades relacionadas com os alvos das medições. Assim, uma primeira questão versa sobre a compatibilidade entre as teses realistas e a formação de conceitos que denotam propriedades mensuráveis, aqueles em torno dos alvos das medições.

4.1 Objetos, eventos e propriedades

Seguindo a hierarquia conceitual ilustrada na Figura 2, é preciso desfazer algumas ambiguidades sobre o que são os componentes nos procedimentos de medida e quais deles são os seus alvos, isto é, aquilo a que eles visam medir, os mensurandos. Sobre os componentes e a caracterização dos mensurandos, muitos termos e conceitos podem ser encontrados ao longo da história da ciência e da filosofia: qualidades, atributos, grandezas, magnitudes, quantidades, relações quantitativas, características e manifestações, para mencionar alguns. Intuitivamente, os alvos das medições não são objetos, indivíduos, pessoas, eventos, comunidades, etc., mas as suas características. Por exemplo, não medimos o Brasil, nem a comunidade brasileira per se, mas a extensão do território, sua população, as taxas de crescimento populacional, de mortalidade e natalidade, o desemprego, entre outras características.

A mensurabilidade das características é um tema tradicional na área, constituindo uma história que culminou na TRM (cf. Tal, 2013TAL, E. “Old and New Problems in Philosophy of Measurement”. Philosophy Compass, Vol. 8, pp. 1159-1173, 2013., 2020TAL, E. “Measurement in Science”. In: ZALTA, E. (ed.). The Stanford Encyclopedia of Philosophy, 2020. Disponível em: https://plato.stanford.edu/entries/measurement-science (Acessado em 30 de novembro de 2020).
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; Suppes, 1998SUPPES, P. “Measurement, theory of”. In: TAYLOR; F. (ed). Routledge Encyclopedia of Philosophy, 1998. Disponível em: https://www.rep.routledge.com/articles/thematic/measurement-theory-of/v-1 (Acessado em 20 de dezembro de 2017).
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). Também intuitivamente, uma característica pode vir a ser mensurável se as suas manifestações admitirem comparações em graus, embora isso não seja suficiente, tampouco figure como condição necessária livre de exceções intuitivas.6 6 Esse é um critério intuitivo frequentemente apresentado nos trabalhos das condições da mensurabilidade, adotado, por exemplo, em Wolf (2020, p. 2). Por exemplo, não faz sentido medir o “ser brasileiro” (seja nato ou naturalizado) dos indivíduos da população brasileira. Outras características que prima facie não manifestam ou instanciam graus são o sexo dos indivíduos, o gênero, a etnia e a naturalidade. Também o “estar vivo”, para exemplificar uma contraposição às medições sobre a qualidade de vida em um país ou comunidade.

A discussão de Tal (2011)TAL, E. “How Accurate Is the Standard Second?”. Philosophy of Science, Vol. 78, Nr. 5, pp. 1082-1096, 2011. sobre a exatidão ser um conceito multifacetado ajuda a entender como a concepção metafísica da exatidão atua aqui. Essa noção visa tomar alguma concepção de “verdade” enquanto um desiderato da exatidão. Assim, dizer que um termômetro é metafisicamente exato significa afirmar que os valores resultantes do seu uso estão próximos dos “valores verdadeiros”. De acordo com Tal (2011)TAL, E. “How Accurate Is the Standard Second?”. Philosophy of Science, Vol. 78, Nr. 5, pp. 1082-1096, 2011., se por “verdade” se entende a correspondência com algo independente das medições e dos sujeitos, então a noção metafísica de exatidão é ontologicamente comprometida com as características mensuráveis. É interessante notar que tanto as características mensuráveis quanto aquilo que as manifesta podem ser observáveis ou inobserváveis (e.g. a largura de uma mesa/a massa do bóson de Higgs).7 7 Ou seja, as grandezas atravessam a (in)observabilidade. Esse é um tema complexo e pouco abordado de maneira direta na literatura. Para mencionar uma exceção, veja-se a distinção de van Fraassen (2008) sobre fenômenos observáveis, aparências (perspectivas por meio das medições) e postulados teóricos. Swoyer (1987)SWOYER, C. “The Metaphysics of Measurement: Essays on Measurement in the Social and Physical Sciences”. In: FORGE, J. (org.). Measurement, Realism and Objectivity. Dordrecht: Reidel, 1987. pp. 235-290., por exemplo, distingue entre realismos sobre as medições, realismos sobre as propriedades e realismos sobre as entidades postuladas pela ciência. Como ele propõe, inicialmente, os realismos sobre as medições não precisam pressupor os outros dois uma vez que há grandezas observáveis, como o comprimento. Ainda assim, Swoyer (1987)SWOYER, C. “The Metaphysics of Measurement: Essays on Measurement in the Social and Physical Sciences”. In: FORGE, J. (org.). Measurement, Realism and Objectivity. Dordrecht: Reidel, 1987. pp. 235-290. pensa que a melhor maneira de formular um realismo sobre as medições esteja relacionada com um realismo sobre as propriedades. Em contrapartida, pode ser que um realismo sobre as medições não seja apenas mais frutífero, mas pressuponha as propriedades, como Domotor e Batitsky (2008, p. 135)DOMOTOR, Z., BATITSKY, V. “The Analytic Versus Representational Theory of Measurement: A Philosophy of Science Perspective”. Measurement Science Review, Vol. 8, Nr. 6, pp. 129-146, 2008. propõem. Para eles, mesmo em se tratando de observáveis, os valores medidos derivam dos estados internos e não acessíveis das medições.

Essas considerações são pontos de abertura dos realismos seletivos na filosofia da ciência e das medições. Em sua dimensão semântica, tais posturas podem ser contrapostas aos nominalismos tanto sobre as entidades postuladas quanto sobre as características dessas entidades. Mas a questão das entidades versa também sobre o aspecto epistemológico dos realismos científicos, sobretudo o papel que entidades inobserváveis desempenham enquanto ferramentas indispensáveis na experimentação científica e no desenvolvimento da ciência.8 8 Exemplos de defesas dessa afirmação são as discussões de Chang (2003, 2012) e de Hacking (1982). As recentes ontologias de processos também apontam um caminho alternativo aqui. Entre os debates atuais na filosofia da biologia, discute-se sobre (micro)organismos serem ou objetos ou processos. A análise de Arroyo (2020) sobre o coronavírus e a epidemiologia ser incompatível com uma metafísica de objetos é um bom exemplo desse ponto. Do ponto de vista da metafísica das medições, contudo, é preciso sempre ter em vista como os componentes dos procedimentos se relacionam com os valores medidos. Como diz Wolf (2020, p. 2), não queremos saber apenas quais entidades possuem massa e quais não possuem, mas o quanto de massa elas possuem. Um realismo sobre as medições científicas, assim, não pode perder de vista a quantificação do que está em alvo, aquilo que prima facie faz com que uma propriedade seja uma grandeza, ao invés de qualquer outro tipo de característica.

4.2 Grandezas, valores e mensurandos

Afirmar um conceito, ou definição de “característica mensurável” é uma tarefa complexa em vista da pergunta sobre o que torna algo mensurável, cuja existência está relacionada com o problema dos universais (cf. Teller, 2018TELLER, P. “Measurement Accuracy Realism”. In: PESCHARD, I.; VAN FRAASSEN, B. (orgs.). The Experimental Side of Modeling. Minnesota: University of Minnesota Press, 2018. Disponível em: https://manifold.umn.edu/projects/the-experimental-side-of-modeling (Acessado em 12 de dezembro de 2020).
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; van Fraassen, 2018bVAN FRAASSEN, B. “Let’s Take the Metaphysical Bull by the Horns”. In: PESCHARD, I., VAN FRAASSEN, B. (orgs.). The Experimental Side of Modeling. Minnesota: University of Minnesota Press, 2018b. Disponível em: https://manifold.umn.edu/projects/the-experimental-side-of-modeling (Acessado em 12 de dezembro de 2020).
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). Em geral, o conceito de “característica mensurável” envolve a definição das “grandezas”. É provável que a metafísica das “grandezas” seja a mais tradicional investigação filosófica sobre as medições (cf. Tal, 2020TAL, E. “Measurement in Science”. In: ZALTA, E. (ed.). The Stanford Encyclopedia of Philosophy, 2020. Disponível em: https://plato.stanford.edu/entries/measurement-science (Acessado em 30 de novembro de 2020).
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, seção 2). Nessa história, há ao menos quatro posturas sobre a constituição quantitativa das grandezas, as quais disputam a primazia de um entre quatro elementos: qualidades, relações qualitativas, quantidades ou relações quantitativas.9 9 Ou seja, por um lado, as propriedades podem ser independentes das medições, enquanto os seus resultados e expressões quantitativas não o são, disputando-se a primazia entre qualidades e relações qualitativas para a adequação dessas expressões. Por outro lado, o aspecto quantitativo pode ser visado como sendo independente das medições, disputando-se haver “quantidades” no mundo capturadas aproximadamente, em vez de representações numéricas atribuídas, ou relações quantitativas. Em geral, abordagens empiristas, como o proposto por Campbell (1920)CAMPBELL, N. “Physics: The Elements”. London: Cambridge University Press, 1920. e pela TRM (cf. Suppes, 1998SUPPES, P. “Measurement, theory of”. In: TAYLOR; F. (ed). Routledge Encyclopedia of Philosophy, 1998. Disponível em: https://www.rep.routledge.com/articles/thematic/measurement-theory-of/v-1 (Acessado em 20 de dezembro de 2017).
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), disputam uma primazia epistemológica entre qualidades e relações qualitativas na formulação dos conceitos quantitativos e das escalas.

Como já mencionado, o problema empirista central consiste em saber em virtude do que qualidades e relações qualitativas são quantitativamente tratáveis. Uma versão similar desse problema consiste em questionar quando e se um procedimento de medida efetivamente mede o que deveria e como podemos avaliar o desempenho dessa tarefa. Utilizando esse problema como guia para distinguir entre realismos e diferentes formas de nominalismos, Cartwright e Chang (2013)CARTWRIGHT, N., CHANG, H. “Measurement”. In: CURD, M., PSILLOS, S. (orgs.). The Routledge Companion to Philosophy of Science. 2nd ed. New York: Routledge, 2013. pp. 411-419. afirmam que respondê-la não envolve apenas entendimentos intuitivos sobre como as grandezas se comportam, mas quando e se essas grandezas “realmente existem”. Por exemplo, para Duhem os conceitos quantitativos “constituem um verdadeiro vocabulário: assim como um dicionário francês é um conjunto de convenções [...] numa teoria física, as definições são um conjunto de convenções, fazendo corresponder uma grandeza a cada noção física” (1989, p. 16). Isso envolve uma separação, por exemplo, entre o quente e o frio e um conceito de temperatura, a qual é compatível com um nominalismo sobre a última.

Cartwright e Runhardt (2014)CARTWRIGHT, N.; RUNHARDT, R. “Measurement”. In: CARTWRIGHT, N., MONTUSCHI, E. (orgs.). Philosophy of Social Science: a new introduction. Oxford: Oxford University Press, 2014. pp. 265-287. fornecem um esquema heurístico interessante sobre essas conexões para as medições nas ciências sociais: partimos de noções gerais que precisam ser conceitualizadas/definidas (caracterização), vinculadas com esquemas quantitativos (representação) e operações empíricas (procedimentos no campo). Uma abordagem realista, assim, precisa mostrar em que sentido um par caracterização-representação pode ser interpretado como algo independente das teorias e dos experimentos. Nas ciências sociais, as autoras argumentam que não existe um único par correto, em vista da amplitude ambígua das noções utilizadas junto dos seus propósitos.10 10 Na influência de Neurath, as autoras discutem como as medições nas ciências sociais envolvem conceitos conglomerados (Ballung concepts). Em suas palavras: “não há caracterização correta desses conceitos Ballung, socialmente construídos [...]. Em contraste, embora alguns pensadores discordem [...] simplesmente pegamos o conceito errado se caracterizarmos elétrons ou laranjas de maneira diferente” (2014, p. 278).

Penso que está em jogo aqui o caráter não unívoco das medições. A pluralidade dos seus objetos que permite interpretações discrepantes por meio dos seus casos. Por exemplo, pode-se optar por uma interpretação operacionalista do QI, como sugerido por Cartwright e Chang (2013)CARTWRIGHT, N., CHANG, H. “Measurement”. In: CURD, M., PSILLOS, S. (orgs.). The Routledge Companion to Philosophy of Science. 2nd ed. New York: Routledge, 2013. pp. 411-419., e ao mesmo tempo manter uma postura realista sobre a massa, ou a taxa de desemprego no Brasil. Mas se uma abordagem é realista no sentido de fornecer uma interpretação das grandezas enquanto conceitos que possuem referentes, como dizem Byerly e Lazara, em que sentido pode haver procedimentos de medição cujos alvos y e z não possuem referentes? Se faz sentido que alguém seja realista sobre a massa, mas não sobre o QI, também o faz com relação à massa, ao princípio da dilatação térmica, ao comprimento, à área, à duração, ao segundo e à temperatura do meu café em um determinado instante? De quais critérios dispomos para afirmar que apenas alguns desses conceitos possuem referentes, se são todos prima facie mensuráveis?

Até que ponto posturas diferentes com respeito ao mensurável são consistentes e compatíveis entre si é um tema que exige adentrar os critérios que (re)classificam as grandezas. Atualmente, o VIM 3 (INMETRO, 2012b, pp. 2-4) define as grandezas enquanto propriedades que podem ser expressas numericamente acrescidas de referências (e.g., uma unidade de medida). Tão importante quanto essa definição são as suas notas características. Dentre elas, destaco as afirmações de que o conceito genérico de “grandeza” admite subclassificações em função de:

  1. (i) hierarquias de generalidade (e.g., comprimento → largura, raio, comprimento de onda → raio do círculo; comprimento de onda da radiação D do sódio);

  2. (ii) da sua função em um sistema de grandezas que as classifica em grandezas básicas e derivadas (a área em m2 em função do comprimento em m no Sistema Internacional de Grandezas – ISQ, para mencionar um exemplo simples. cf. INMETRO, 2012b, pp. 3-5);

  3. (iii) em virtude dos tipos de esquemas quantitativos e operações empíricas relacionados com os conceitos quantitativos (e.g. grandezas ordinais – que não possuem unidade, nem dimensão). Aqui está também um critério demarcatório entre grandezas e propriedades não mensuráveis (vejam-se as def. 1.26 grandeza ordinal e 1.30 propriedade qualitativa, INMETRO, 2012b, pp. 13-15).

  4. (iv) em função de aspectos em comum entre grandezas mutuamente comparáveis, os quais estão diretamente relacionados com a formulação dos sistemas, o conceito genérico de “grandeza” pode ser dividido em, por exemplo, “grandeza física”, “grandeza química” e “grandeza biológica”.11 11 A próxima versão do VIM, sua quarta edição, deverá reformular uma série de questões sobre isso, iniciando pela própria definição de “grandeza”, como indicado no rascunho disponibilizado pelo BIPM (cf. nota 1).

Dada a hierarquia de generalidade, é preciso destacar que as medições não visam a grandezas “genéricas” ou “em geral”, mas manifestações dessas em casos particulares. Essas propriedades locais, ou grandezas individuais, são os alvos das medições: o mensurando. Em uma medição é preciso especificar o mensurando junto dos valores de grandeza, expressões numéricas acrescidas de referências (e.g. unidades). Essa especificação pressupõe esquemas quantitativos preestabelecidos nos quais as referências de medição são fixadas (e.g. escalas). É a fim de sinalizar as peças fixadas por esses esquemas em detrimento dos mensurandos observáveis que tenho utilizado o termo “quantidade”.

Com isso, falar sobre a exatidão das medições na ciência já não é um problema, mas um campo com muitas interpretações distintas. Estamos falando das grandezas em sentido geral e/ou dos mensurandos; estamos falando dos objetos e/ou das características mensuráveis per se, e/ou das suas definições e valores de grandeza, das quantidades. Por exemplo, os papéis das quantidades enquanto componentes referenciais são um ponto distintivo nos três componentes do realismo de Michell (2005, p. 288)MICHELL, J. “The Logic of Measurement: A Realist Overview”. Measurement, Vol. 38, pp. 285-294, 2005.. De acordo com ele, enquanto tentativas de estimar proporções entre grandezas, a interpretação realista das medições envolve a independência de coisas no espaço e no tempo, a independência de propriedades com estrutura quantitativa e, finalmente, a existência de números reais (entendidos no sentido das magnitudes euclidianas, relações proporcionais entre níveis específicos).

Está claro que as unidades de medida e os valores de grandeza administram a mesma hierarquia de generalidade das próprias grandezas. O balanço entre o particular e o geral, o concreto e o abstrato, é uma característica intrínseca das medições científicas: medições são procedimentos particulares que captam grandezas manifestadas individualmente, mas que só fornecem resultados em vista das condições de repetibilidade e reprodutibilidade (cf. INMETRO, 2012b, pp. 22-23). Um valor de grandeza pode se referir ao nível com que um objeto particular manifesta uma grandeza (individual); mas também pode ser usado globalmente enquanto extensão que capta manifestações particulares similares (e.g. todos os seres humanos que compartilham a característica de possuir aproximadamente 2 metros de altura) – uma ambiguidade refetida também na história da noção de “magnitude”. A definição das unidades de medida para uma grandeza também é um bom exemplo dessa ambiguidade. “Um metro” poderia ser um valor de grandeza que é assumido como referência, ou uma manifestação concreta da largura de um artefato, ou um postulado teórico em vista de uma constante em uma teoria. Em qualquer um desses casos, uma unidade de medida só é útil conquanto vincula o tratamento abstrato e quantitativo com as operações concretas. Seja “um simples exemplo particular de uma grandeza [ou] um exemplo particular de um valor de uma grandeza” (BIPM, 2014; BIPM, 2018, apud Mari, Ehrlich e Pendrill, 2018, p. 716MARI, L., EHRLICH, C., PENDRILL, L. “Measurement Units as Quantities of Objects or Values of Quantities: A Discussion”. Metrologia, Vol. 55, Nr. 55, 2018.); seja um artefato padrão ou uma constante da física, a definição das unidades é um tema pragmático por excelência. Ademais, no caso das unidades, não se deve confundir a definição da unidade com a sua mise en pratique, ao custo de se incorrer no “mito da exatidão absoluta”.12 12 Para as definições metrológicas envolvidas nesses comentários, veja-se principalmente a definição 5.1, padrão de medição, no VIM 3 (INMETRO, 2012b, p. 46). Para uma discussão sobre a exatidão absoluta ser um mito, veja-se Tal (2011). Para a compreensão dos elementos pragmáticos na padronização metrológica e a sua história, veja-se a discussão de Quinn (2017) sobre o novo SI.

Considerações similares valem para as grandezas que são utilizadas enquanto partes de parâmetros nas medições científicas. Por exemplo, o VIM 3 destaca que medições envolvem “princípios” (cf. def. 2.4, INMETRO, 2012b, p. 17), caracterizados enquanto “fenômenos” que servem de base para as medições, como o efeito termoelétrico na medição da temperatura. Ao manterem relações entre si, as grandezas organizadas em sistemas tanto se comportam de modo a preencher as análises dos parâmetros quanto os incorporam em sua conceitualização. Em analogia com as abordagens disposicionais e nomológicas do realismo científico, realismos seletivos sobre as medições podem analisar as grandezas e sua estrutura interna, interpretando-as de maneira diferente. Nesses casos, entram em jogo os parâmetros e os modelos utilizados para avaliar as qualidades das medições na ciência, conduzindo a uma série de problemas epistêmicos, por exemplo, em torno da modelagem e calibração das medições, as análises de erros e sobre como os métodos de avaliação de incerteza podem versar sobre a exatidão das medições (cf. Tal, 2011TAL, E. “How Accurate Is the Standard Second?”. Philosophy of Science, Vol. 78, Nr. 5, pp. 1082-1096, 2011.; Teller, 2018TELLER, P. “Measurement Accuracy Realism”. In: PESCHARD, I.; VAN FRAASSEN, B. (orgs.). The Experimental Side of Modeling. Minnesota: University of Minnesota Press, 2018. Disponível em: https://manifold.umn.edu/projects/the-experimental-side-of-modeling (Acessado em 12 de dezembro de 2020).
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).

4.3 Interpretando a exatidão

A seção anterior exemplifica alguns dos sentidos em que as medições científicas são procedimentos complexos. Tendo esclarecido parte do universo dos seus componentes, retorno às características sintetizadas por Teller (2020) na caracterização de uma postura realista sobre elas. De acordo com ele, um realismo tradicional da exatidão da medição envolve organizar os seguintes componentes por meio das seguintes teses e implicações:

  1. (i) Componentes - uma grandeza G, valores de grandeza V em unidades U, com resultados R (valores medidos) para o(s) objeto(s) O.

  2. (ii) Existe uma grandeza G, com valor V na unidade U para o objeto O.

  3. (iii) A medição origina um R para uma G, tal que: R = V (exatidão perfeita); R é próximo o suficiente de V (exatidão suficiente); um R1 está mais próximo de V do que um R2 (R1 é mais exato do que R2).

Diante dos realismos seletivos, a afirmação (ii) carrega uma ambiguidade sobre a existência objetiva (isto é, independência dos métodos de medição e das teorias) dos componentes das medições. Afirmar a existência do comprimento (em geral) é diferente de afirmar a existência do comprimento enquanto propriedade quantitativa ou relação quantitativa (definições diferentes para a grandeza); também não é o mesmo que afirmar os níveis específicos em termos de quantidades (x metros); bem como afirmar a existência de um objeto que manifesta uma característica em um grau particular (o mensurando). Teller (2018)TELLER, P. “Measurement Accuracy Realism”. In: PESCHARD, I.; VAN FRAASSEN, B. (orgs.). The Experimental Side of Modeling. Minnesota: University of Minnesota Press, 2018. Disponível em: https://manifold.umn.edu/projects/the-experimental-side-of-modeling (Acessado em 12 de dezembro de 2020).
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aborda todas elas, de uma só vez, porque o seu argumento não versa sobre a dimensão metafísica dos realismos e sim sobre o aspecto semântico. Assim, é prima facie irrelevante que as grandezas e as quantidades (como os valores de grandeza) existam, pois ele ataca o significado empírico mais básico nessa hierarquia: os mensurandos. Como o próprio autor afirma, não é a temperatura em geral, ou a expressão da temperatura em graus por meio de uma escala, que falham em denotar, mas sim a própria expressão particular “a temperatura da água neste copo” que não possui referente.13 13 É preciso salientar que Teller (2018) trabalha com a distinção entre grandezas e grandezas de trabalho (working quantities), a qual não será diretamente discutida aqui por motivos de espaço.

Para Teller (2018)TELLER, P. “Measurement Accuracy Realism”. In: PESCHARD, I.; VAN FRAASSEN, B. (orgs.). The Experimental Side of Modeling. Minnesota: University of Minnesota Press, 2018. Disponível em: https://manifold.umn.edu/projects/the-experimental-side-of-modeling (Acessado em 12 de dezembro de 2020).
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, a questão central versa sobre a especificação do mensurando. Como dito anteriormente, um procedimento de medida pressupõe a especificação daquilo que se pretende medir. Tarefa que o GUM, também citado por Teller (2018)TELLER, P. “Measurement Accuracy Realism”. In: PESCHARD, I.; VAN FRAASSEN, B. (orgs.). The Experimental Side of Modeling. Minnesota: University of Minnesota Press, 2018. Disponível em: https://manifold.umn.edu/projects/the-experimental-side-of-modeling (Acessado em 12 de dezembro de 2020).
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, esclarece:

o mensurando não pode ser especificado por um valor, mas somente por uma descrição de uma grandeza. Entretanto, em princípio, um mensurando não pode ser completamente descrito sem um número infinito de informações. (INMETRO, 2012a, p. 49).

A especificação do mensurando envolve considerações idealizadas, por exemplo, os valores previamente especificados na estimativa daquilo que se pretendia medir (sobre a utilização do termo “valor verdadeiro”, veja-se D. 3.5, GUM, INMETRO, 2012a, p. 50). A prática metrológica trabalha com essas idealizações e, embora elas possam ser utilizadas para fixar valores determinados, em vez de intervalos de valores aceitáveis, nenhuma medição satisfaz perfeitamente a esse ideal. Casos exemplares para essas análises são as definições das unidades de medida, como o segundo padrão, discutido por Tal (2011)TAL, E. “How Accurate Is the Standard Second?”. Philosophy of Science, Vol. 78, Nr. 5, pp. 1082-1096, 2011.. A atual definição do segundo padrão é uma idealização no sentido de que ela se refere a um átomo de césio não perturbado, na temperatura do 0º K absoluto (cf. Tal, 2011TAL, E. “How Accurate Is the Standard Second?”. Philosophy of Science, Vol. 78, Nr. 5, pp. 1082-1096, 2011.; Teller, 2018TELLER, P. “Measurement Accuracy Realism”. In: PESCHARD, I.; VAN FRAASSEN, B. (orgs.). The Experimental Side of Modeling. Minnesota: University of Minnesota Press, 2018. Disponível em: https://manifold.umn.edu/projects/the-experimental-side-of-modeling (Acessado em 12 de dezembro de 2020).
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). Medir 1 segundo, então, consiste em encontrar alguma maneira operacional para “de-idealizar” (de-idealization) a definição, isto é, satisfazendo-a mediante uma realização aproximada, uma mise en pratique.

Nesse ponto, Teller (2018)TELLER, P. “Measurement Accuracy Realism”. In: PESCHARD, I.; VAN FRAASSEN, B. (orgs.). The Experimental Side of Modeling. Minnesota: University of Minnesota Press, 2018. Disponível em: https://manifold.umn.edu/projects/the-experimental-side-of-modeling (Acessado em 12 de dezembro de 2020).
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considera que “o realista em todos nós está gritando”, uma vez que os intervalos admissíveis na realização poderiam contar como “exato o suficiente” nas teses realistas. Contudo, é preciso questionar em que sentido o “suficientemente exato” pode significar a descrição definida “o intervalo suficientemente próximo do valor verdadeiro” sem incorrer nas mesmas ambiguidades em função das idealizações. Para Teller (2018)TELLER, P. “Measurement Accuracy Realism”. In: PESCHARD, I.; VAN FRAASSEN, B. (orgs.). The Experimental Side of Modeling. Minnesota: University of Minnesota Press, 2018. Disponível em: https://manifold.umn.edu/projects/the-experimental-side-of-modeling (Acessado em 12 de dezembro de 2020).
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, o realista tradicional propõe-se e precisa ser semanticamente específico, afirmando um intervalo nas de-idealizações que possa sustentar o grau de concordância requerido para uma interpretação objetiva dessa grandeza e, assim, enfrentar problemas de ambiguidades e de vaguezas.

Note-se que o cerne do problema, a referência da descrição “a temperatura da água nesse copo”, sequer versa sobre algo inobservável stricto sensu. Não à toa, van Fraassen (2018b)VAN FRAASSEN, B. “Let’s Take the Metaphysical Bull by the Horns”. In: PESCHARD, I., VAN FRAASSEN, B. (orgs.). The Experimental Side of Modeling. Minnesota: University of Minnesota Press, 2018b. Disponível em: https://manifold.umn.edu/projects/the-experimental-side-of-modeling (Acessado em 12 de dezembro de 2020).
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contra-argumenta à falta de referência dos mensurados, além da discordância com o realismo proposto por Teller (2018)TELLER, P. “Measurement Accuracy Realism”. In: PESCHARD, I.; VAN FRAASSEN, B. (orgs.). The Experimental Side of Modeling. Minnesota: University of Minnesota Press, 2018. Disponível em: https://manifold.umn.edu/projects/the-experimental-side-of-modeling (Acessado em 12 de dezembro de 2020).
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. A saída do empirista construtivo merece um espaço próprio. No que segue, discuto apenas em que sentido o proposto por Teller (2018)TELLER, P. “Measurement Accuracy Realism”. In: PESCHARD, I.; VAN FRAASSEN, B. (orgs.). The Experimental Side of Modeling. Minnesota: University of Minnesota Press, 2018. Disponível em: https://manifold.umn.edu/projects/the-experimental-side-of-modeling (Acessado em 12 de dezembro de 2020).
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é uma forma de “realismo”.

Considerações finais

Retomando os comentários iniciais, uma postura realista é uma afirmação epistêmica positiva sobre a ciência que envolve considerações epistêmicas, metafísicas e semânticas. No aspecto epistêmico, pode-se argumentar que a crença em aspectos inobserváveis é requerida, ainda que apenas metodologicamente, para o sucesso das atividades científicas. Por conseguinte, há uma pluralidade de posturas que visam à interpretação da exatidão das medições. As medições requerem a existência de objetos, ou de processos, ou de eventos, ou de propriedades em geral? Por meio da pluralidade dos elementos conceituais relevantes para o medir – entre as grandezas e os valores de grandeza, os mensurandos, os princípios e as relações mantidas por sistemas de grandezas – a partir de um ponto de vista ontológico, apresentar-se como um realista tout court sobre medições não é mais informativo do que coçar a garganta, tomando novamente emprestado o comentário de Wright (1992)WRIGHT, C. “Truth and Objectivity”. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1992..

Como a abordagem de Teller (2018)TELLER, P. “Measurement Accuracy Realism”. In: PESCHARD, I.; VAN FRAASSEN, B. (orgs.). The Experimental Side of Modeling. Minnesota: University of Minnesota Press, 2018. Disponível em: https://manifold.umn.edu/projects/the-experimental-side-of-modeling (Acessado em 12 de dezembro de 2020).
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não trata dessa dimensão ontológica, mas a tangencia, van Fraassen (2018b)VAN FRAASSEN, B. “Let’s Take the Metaphysical Bull by the Horns”. In: PESCHARD, I., VAN FRAASSEN, B. (orgs.). The Experimental Side of Modeling. Minnesota: University of Minnesota Press, 2018b. Disponível em: https://manifold.umn.edu/projects/the-experimental-side-of-modeling (Acessado em 12 de dezembro de 2020).
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considera que os argumentos do pragmatista encontram a mesma irrelevância da interpretação metafísica da ciência que é defendida por seu empirismo. Os argumentos de Teller (2018)TELLER, P. “Measurement Accuracy Realism”. In: PESCHARD, I.; VAN FRAASSEN, B. (orgs.). The Experimental Side of Modeling. Minnesota: University of Minnesota Press, 2018. Disponível em: https://manifold.umn.edu/projects/the-experimental-side-of-modeling (Acessado em 12 de dezembro de 2020).
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versam sobre a dimensão semântica das teses realistas: há uma falha sistêmica nas referências dos termos utilizados nas medições (e.g., grandezas e valores de grandeza). Como consequência, pode-se argumentar que os resultados das medições não constituem conhecimento, adentrando ao aspecto epistemológico do realismo científico. Contudo, é aqui que Teller (2018)TELLER, P. “Measurement Accuracy Realism”. In: PESCHARD, I.; VAN FRAASSEN, B. (orgs.). The Experimental Side of Modeling. Minnesota: University of Minnesota Press, 2018. Disponível em: https://manifold.umn.edu/projects/the-experimental-side-of-modeling (Acessado em 12 de dezembro de 2020).
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se propõe a ser, ainda, realista: conhecemos o mundo por meio dessas idealizações e, sempre, de maneira imperfeita ou “imprecisa”. Que a exatidão das medições revele a constituição imprecisa do conhecimento científico pode soar um paradoxo. Para Teller (2018)TELLER, P. “Measurement Accuracy Realism”. In: PESCHARD, I.; VAN FRAASSEN, B. (orgs.). The Experimental Side of Modeling. Minnesota: University of Minnesota Press, 2018. Disponível em: https://manifold.umn.edu/projects/the-experimental-side-of-modeling (Acessado em 12 de dezembro de 2020).
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, assumi-la diante de um mundo que é muito mais complexo do que a nossa linguagem consegue captar com “exatidão” é a postura factível e realista. Embora seja limitada, imperfeita e sempre refinável, ainda assim essa conexão é conhecimento; ou melhor, é a única forma de conhecimento que as produções humanas são capazes de fornecer.

Pode ser que as discordâncias a partir daqui já não versem sobre as medições, mas sobre o próprio conceito de “conhecimento”, como penso que Chang (2018)CHANG, H. “Realism for Realistic People”. Spontaneous Generations, Vol. 9, Nr. 1, pp. 31-34, 2018. tenha sugerido. Se a ciência é o que a ciência faz, deixando em aberto aquilo que ela busca, está em disputa aquilo que a exatidão das medições efetivamente conquista em termos epistemológicos. Podemos estar de acordo que a maneira como medimos é correta e nos liga com a realidade. Ainda assim, há discordância sobre como isso ocorre, o que ela capta e, sobretudo, como essa conexão produz conhecimento, se é que o faz. Se cada época e lugar tinham uma compreensão cultural compartilhada sobre por que medimos e o que obtemos com essas práticas, então a filosofia da medição atual tem múltiplas “metrosofas”, para usar o termo empregado por Crease (2013)CREASE, R. “A Medida do Mundo: a Busca por um Sistema Universal de Pesos e Medidas”. Rio de Janeiro: Zahar, 2013. na epígrafe deste artigo. Espero ter esclarecido uma parte das peças envolvidas nesse jogo epistemológico que parece tornar-se cada vez mais complexo.

  • 1
    Alguns esclarecimentos introdutórios são sempre necessários. Primeiro, medições envolvem dois tipos de saídas, as indicações e os resultados. Indicações são aquilo que aparece no estágio experimental final, como pontos em um gráfico, marcas em um papel, dígitos em um visor ou a posição de um ponteiro. Resultados são interpretações avaliativas dessas indicações, as quais visam informar as características do próprio procedimento, por exemplo, sua incerteza. Enquanto esta última é uma noção quantitativa, a exatidão é um conceito qualitativo que prima facie pode ser vinculado com todos os aspectos dos procedimentos, mas que usualmente é visado em função dos resultados das medições. A passagem das indicações para os resultados bem como em que sentido a avaliação da incerteza pode ser uma afirmação sobre a exatidão dos procedimentos são dois problemas centrais na epistemologia das medições atual (cf. Tal, 2011TAL, E. “How Accurate Is the Standard Second?”. Philosophy of Science, Vol. 78, Nr. 5, pp. 1082-1096, 2011., 2013TAL, E. “Old and New Problems in Philosophy of Measurement”. Philosophy Compass, Vol. 8, pp. 1159-1173, 2013., 2020TAL, E. “Measurement in Science”. In: ZALTA, E. (ed.). The Stanford Encyclopedia of Philosophy, 2020. Disponível em: https://plato.stanford.edu/entries/measurement-science (Acessado em 30 de novembro de 2020).
    https://plato.stanford.edu/entries/measu...
    ). Em segundo lugar, a exatidão é usualmente caracterizada como o grau de concordância entre valores medidos e um valor esperado (por vezes, dito “um valor verdadeiro”, carregando um viés metafísico). Ela não deve ser confundida com a precisão, que também é um conceito qualitativo, mas que versa sobre o grau de concordância entre diferentes saídas em medições repetidas e/ou reproduzidas. Repetibilidade e reprodutibilidade também não devem ser confundidas, pois envolvem condições diferentes. Para a melhor compreensão desses comentários introdutórios, bem como da terminologia utilizada, vale a pena consultar as guias metrológicas oficiais fornecidas pelo Comitê Conjunto para Guias em Metrologia (JCGM). A terminologia deste artigo utiliza as traduções para o português publicadas pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (INMETRO) de dois desses documentos oficiais (atualmente em vigência, mas com novas edições em elaboração). São eles: a terceira edição do “Vocabulário Internacional de Metrologia” (VIM 3, INMETRO, 2012bINSTITUTO NACIONAL DE METROLOGIA, QUALIDADE E TECNOLOGIA. “JCGM: 200 – 2012. Vocabulário Internacional de Metrologia: Conceitos fundamentais e gerais e termos associados – VIM 2012”. 3 ed. Duque de Caxias, INMETRO, 2012b.); e o “Guia para a Expressão de Incerteza de Medição” (GUM [2008], INMETRO, 2012aINSTITUTO NACIONAL DE METROLOGIA, QUALIDADE E TECNOLOGIA. “JCGM: 100 – 2008. Avaliação de dados de medição: Guia para a expressão de incerteza de medição – GUM 2008”. Duque de Caxias, INMETRO, 2012a.). A nova versão do VIM, sua quarta edição, teve um esboço recentemente divulgado pelo BIPM. O documento pode ser acessado no seguinte link: https://www.bipm.org/documents/20126/54295284/VIM4_CD_210111b.pdf/0a913bb5-de98-ef12-2031-2b36697997a1.
  • 2
    Ao fazê-lo, Pinheiro destaca aspectos dos realismos sobre as medições científicas em geral, decompostos em algumas teses, tais como: “I) Há algo que garante a objetividade das medições científicas; II) Esse algo é independente dos procedimentos empíricos de medida; III) Os alvos das medições possuem referências não procedimentais, não subjetivas, nem puramente convencionais; IV) Os alvos das medições determinam os seus resultados [...]” (2018, p. 20).
  • 3
    São eles: 1) no sentido de que a ciência atual é uma instituição social, ou seja, é feita e constituída por seres humanos com crenças e desejos, ao que acrescento, que formulam normas, diretrizes e padronizam as suas práticas; 2) em vista de os instrumentos, dispositivos e artefatos serem fabricações humanas, industrializadas ou artesanais, 3) algo similar vale para os conceitos enquanto resultados do esforço intelectual dos indivíduos; acrescento aqui as teorias, definições e modelos. Ao contrário dessas, Haack (2007)HAACK, S. “Defending Science – Within Reason: Between Scientism and Cynicism”. New York: Prometheus Books, 2007. salienta que há uma tese não pacífica e, no seu entendimento, incorreta sobre a constituição social da atividade científica, a qual versa sobre os objetos aos quais esses produtos se aplicam.
  • 4
    Como esclarecido no GUM ([2008], INMETRO, 2012a, p. 32), um “valor verdadeiro” é aquilo que seria obtido por uma medição perfeita, uma idealização compatível com a medição, sendo preferível utilizar o artigo “um” ao artigo “o” em vista de haver muitos valores que satisfazem esse requisito de consistência.
  • 5
    Essa hierarquia é uma heurística em vista das caracterizações de cada parte. Por exemplo, objetos inobserváveis (e.g. elétrons) são caracterizados por meio de propriedades (e.g. carga e spin). Para isso, precisamos dizer o que torna a carga elétrica e o spin uma propriedade. O conceito de “propriedade” é caracterizado mediante uma série de elementos, critérios que distinguem as propriedades em tipos ou grupos (e.g., qualitativas e quantitativas; físicas ou psicológicas; mensuráveis ou não). O conceito genérico de “grandeza” (propriedade mensurável) é definido de maneira abrangente para captar vários casos (e.g., temperatura; massa; comprimento; área; densidade). Ao fazê-lo, o conceito genérico de grandeza associa esquemas quantitativos disponíveis (e.g., escalas) aos grupos de propriedades, permitindo distinguir entre grandezas ordinais e proporcionais, por exemplo. Finalmente, essas peças quantitativas são vinculadas com as grandezas específicas, isto é, as manifestações particulares das propriedades mensuráveis nos objetos ou eventos. Essas manifestações são os mensurandos, aquilo que é efetivamente visado em um procedimento de medida.
  • 6
    Esse é um critério intuitivo frequentemente apresentado nos trabalhos das condições da mensurabilidade, adotado, por exemplo, em Wolf (2020, p. 2).
  • 7
    Ou seja, as grandezas atravessam a (in)observabilidade. Esse é um tema complexo e pouco abordado de maneira direta na literatura. Para mencionar uma exceção, veja-se a distinção de van Fraassen (2008)VAN FRAASSEN, B. “Scientific Representation: Paradoxes of Perspective”. Oxford: Oxford University Press, 2008. sobre fenômenos observáveis, aparências (perspectivas por meio das medições) e postulados teóricos.
  • 8
    Exemplos de defesas dessa afirmação são as discussões de Chang (2003CHANG, H. “Preservative Realism and Its Discontents: Revisiting Caloric”. Philosophy of Science, Vol. 70, pp. 902-912, 2003., 2012CHANG, H. “Is Water H2O? Evidence, Realism and Pluralism”. Boston Studies in the Philosophy of Science, v. 293. London: Springer, 2012.) e de Hacking (1982)HACKING, I. “Experimentation and Scientific Realism”. Philosophical Topics, Vol. 13, Nr. 1, pp. 71-87, 1982.. As recentes ontologias de processos também apontam um caminho alternativo aqui. Entre os debates atuais na filosofia da biologia, discute-se sobre (micro)organismos serem ou objetos ou processos. A análise de Arroyo (2020)ARROYO, R. “Is Coronavirus an object? Metametaphysics meets medical sciences”. Voluntas, Vol. 11, Nr. 7, pp. 1-8, 2020. sobre o coronavírus e a epidemiologia ser incompatível com uma metafísica de objetos é um bom exemplo desse ponto.
  • 9
    Ou seja, por um lado, as propriedades podem ser independentes das medições, enquanto os seus resultados e expressões quantitativas não o são, disputando-se a primazia entre qualidades e relações qualitativas para a adequação dessas expressões. Por outro lado, o aspecto quantitativo pode ser visado como sendo independente das medições, disputando-se haver “quantidades” no mundo capturadas aproximadamente, em vez de representações numéricas atribuídas, ou relações quantitativas.
  • 10
    Na influência de Neurath, as autoras discutem como as medições nas ciências sociais envolvem conceitos conglomerados (Ballung concepts).
  • 11
    A próxima versão do VIM, sua quarta edição, deverá reformular uma série de questões sobre isso, iniciando pela própria definição de “grandeza”, como indicado no rascunho disponibilizado pelo BIPM (cf. nota 1).
  • 12
    Para as definições metrológicas envolvidas nesses comentários, veja-se principalmente a definição 5.1, padrão de medição, no VIM 3 (INMETRO, 2012b, p. 46). Para uma discussão sobre a exatidão absoluta ser um mito, veja-se Tal (2011)TAL, E. “How Accurate Is the Standard Second?”. Philosophy of Science, Vol. 78, Nr. 5, pp. 1082-1096, 2011.. Para a compreensão dos elementos pragmáticos na padronização metrológica e a sua história, veja-se a discussão de Quinn (2017)QUINN, T. “From Artefacts to Atoms – A new SI for 2018 to be Based on Fundamental Constants”. Studies in History and Philosophy of Science, Vol. 65-66, pp. 8-20, 2017. sobre o novo SI.
  • 13
    É preciso salientar que Teller (2018)TELLER, P. “Measurement Accuracy Realism”. In: PESCHARD, I.; VAN FRAASSEN, B. (orgs.). The Experimental Side of Modeling. Minnesota: University of Minnesota Press, 2018. Disponível em: https://manifold.umn.edu/projects/the-experimental-side-of-modeling (Acessado em 12 de dezembro de 2020).
    https://manifold.umn.edu/projects/the-ex...
    trabalha com a distinção entre grandezas e grandezas de trabalho (working quantities), a qual não será diretamente discutida aqui por motivos de espaço.

Agradecimentos

Este trabalho é fruto direto dos meus estudos de doutorado, motivo pelo qual agradeço à CAPES pelo financiamento da pesquisa. Agradeço também aos(às) pareceristas anônimos(as) que revisaram e comentaram este texto; bem como às sugestões e revisões feitas por Raoni Wohnrath Arroyo e por Luiza Jung. Muito da qualidade deste trabalho se deve aos seus esforços; os equívocos e confusões que porventura ainda restem são de minha responsabilidade.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Jan 2023
  • Data do Fascículo
    Dez 2022

Histórico

  • Recebido
    15 Jul 2021
  • Aceito
    18 Jan 2022
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