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La Moral Metafísica: pasión y virtud en Descartes

RESENHAS

Juliana da Silveira Pinheiro

Doutoranda em Filosofia/UFMG. pinheirojuliana@yahoo.com.br

PAVESI, Pablo E. - La Moral Metafísica: pasión y virtud en Descartes, Buenos Aires: Prometeo Libros, 2008, 278 p.

Em seu livro La Moral Metafísica: Pasión y virtude en Descartes, Pablo Pavesi realiza um estudo sobre as Paixões da Alma de Descartes, procurando também articular este tratado com outras obras cartesianas. Seu objetivo geral é "mostrar o caráter estritamente metafísico da investigação cartesiana sobre as paixões, caráter que se manifesta em seu objeto, em seus resultados e, finalmente, na continuidade entre tal investigação e outros textos do corpus cartesiano, especialmente as Meditações Metafísicas" (p.15). Essa aspiração, segundo Pavesi, opõem-se a uma corrente de interpretação predominante que teria negado, por distintas razões, a essa investigação todo o caráter verdadeiramente filosófico, provocando uma ruptura com a ordem das razões. Procurando encontrar uma saída para a acusação do abandono da filosofia, a interpretação clássica sugere o projeto de uma psicofisiologia, motivada pela abordagem do physicien, proposta por Descartes na segunda carta prefácio do Tratado das Paixões.

Recusando-se a aceitar esta interpretação, que faria uma "redução da paixão à causa" (p.25), Pavesi afirma que Descartes não cumpre sua promessa de escrever como physicien. Contrariamente a isso, conforme ele, nas Paixões da Alma, Descartes realiza a distinção entre os múltiplos modos da sensibilidade substituindo as funções do corpo por um critério imanente à alma mesma, isto é, a "relação sentida", enquanto a paixão faz referência à alma, e não ao corpo. (p.102). Em outras palavras, as Paixões da Alma seria um estudo da sensibilidade guiado pelas funções da alma, pois a interioridade das paixões à alma seria critério suficiente para distingui-los de outros sentimentos, sendo estes "sentidos no corpo" (p.62 e 65). Deste modo, o conhecimento das paixões da alma não é realizado a partir de sua causa, pois ela não serve nem à distinção dos modos da sensibilidade, tampouco à sua própria definição e classificação das paixões.

Tendo sido a causa das paixões destituída de papel explicativo, a interpretação de Pavesi conduz a definição das paixões a ser realizada pelos seus efeitos, isto é, pela disposição a querer. Isto reduz a investigação cartesiana ao âmbito moral, na medida em que a totalidade das funções do corpo são vistas como submetidas definitivamente à vontade (p.125). Ou seja, a ação da alma de suscitar paixões para remediar uma paixão em grau excessivo, levando, segundo ele, à ideia de uma "paixão voluntária", exige o conhecimento da verdade, para que possa ser julgada e suscitada a paixão conveniente para controlar uma outra paixão. A interpretação do autor culmina com a ideia de que o Tratado das Paixões seria reduzido a uma investigação sobre o bem verdadeiro, tratando-se, portanto, de uma meditação metafísica.

É neste sentido que Pavesi desenvolve um estudo sobre o amor, na medida em que a generosidade seria o último nome da virtude cartesiana e tendo em vista que dela nasce "um justo amor" (p.130). Sendo a generosidade o "último grau de sabedoria e único modo de alcançar a felicidade nesta vida, fim último da filosofia" (p.183), haveria uma articulação entre verdade metafísica e felicidade, e esta residiria na contemplação da perfeição divina, isto é, no amor a Deus. É, portanto, segundo o autor, sobre este fundamento que se edifica a moral cartesiana, pois sua regra moral definitiva consiste em imitar o amor divino (p.209).

Finalmente, como uma ciência dos efeitos e não das causas, e mais especificamente como uma meditação exclusivamente metafísica, as Paixões da Alma revela seu caráter verdadeiramente filosófico, conforme Pavesi não observado pela interpretação clássica, recuperando, portanto, seu lugar no corpus cartesiano.

A interpretação de Pavesi mostra-se, no entanto, falha em fornecer fundamentos, principalmente por realizar muitas vezes uma leitura distorcida do texto cartesiano, apresentando citações invertidas (p.ex. p.121 sobre art. 41), alteradas (p.ex. p.60 sobre art. 27) ou que não afirmam o que Pablo diz afirmar (p.ex. p.62 sobre art. 13). Dentre inúmeros problemas, salientamos o que julgamos ser o principal: a negação do corpo como papel explicativo no estudo das paixões, propondo um novo sentido para o termo "corpo". Segundo o autor, "el término 'corporal' ya no significa 'aquello que está compuesto de aquella substancia que llamamos cuerpo', sino: 'todo aquello que puede de cualquier modo, afectar el cuerpo'" (p.66). Mas o que Descartes diz é exatamente o contrário:

"Si par corporel on entend tout ce qui peut, en quelque manière que ce soit, affecter le corps, l'esprit en ce sens devra aussi être dit corporel ; mais si par corporel on entend ce qui est composé de cette substance qui s'appelle corps, ni l'esprit ni même ces accidents, que l'on suppose être réellement distingués du corps, ne doivent point être dits corporels : et c'est seulement en ce sens qu'on a coutume de nier que l'esprit soit corporel." (DESCARTES, Lettre à l'Hyperaspistes, agosto de 1641, 1989, p.362).

Além disso, se o critério de "interioridade da alma" fosse suficiente para identificar as paixões da alma e distingui-las dos outros sentimentos, como poderíamos diferenciá-las de outros pensamentos, se não pela característica passiva de ser afetada pelos corpos? Sem a consideração da passividade das paixões, confundiríamos "percepções da alma" com "ações da vontade", que são todos "internos" à alma – e é isto que Descartes faz questão de esclarecer no art. 29. Neste artigo, Descartes afirma que acrescentou que "elles [les passions] sont causées, entretenues et foritifiées par quelque mouvement des esprits, afin de les distinguer de nos volontés, qu'on peut nommer des émotions de l'âme qui se raportent à elle, mais qui sont causées par elle même." A causa tem, portanto, papel fundamental para distinguir as paixões de outros pensamentos. Por outro lado, Pavesi alega que "a interioridade da alma" é uma característica das paixões da alma e não das outras ideias sensíveis, pois elas seriam "sentimentos no corpo". Nada mais errôneo do que afirmar, no contexto cartesiano, que sentimentos são percebidos pelo corpo. Não é o corpo que percebe ou sente, é a alma – os sentimentos são, para a doutrina cartesiana, estados qualitativos da mente. Tanto as sensações, como os apetites são percepções da alma, conforme art. 22, 23, 24 e tantos outros. Por exemplo: "Des perceptions que nous raportons à notre corps" (grifo nosso. DESCARTES, art. 24, 1909, p.346). "Referir" ao corpo não significa "localizar" no corpo. Como distinguir todas essas percepções que estão na alma, se não pelos objetos que as causam? Não fora exatamente essa diferenciação que Descartes inicia no art. 22?:

"Toutes les perceptions que je n'ai pas encore expliquées, viennent à l'âme par l'entremise des nerfs et il y a entre elles cette difference, que nous les rapportons les unes aux objets de dehors qui frapent nos sens, les autres à notre corps, ou à quelques unes de ses parties et enfin les autres à notre âme » (DESCARTES, art. 22, 1909, p.345).

Procurando justificar o critério de "interioridade da alma" como suficiente para o conhecimento das paixões, Pavesi alega que, no art. 41 da Paixões da Alma, Descartes afirma que as paixões estão sob o domínio direto e imediato da alma, estando, portanto, submetidas definitivamente à vontade (p.121-125), sendo um dos motivos pelos quais o corpo perderia seu papel explicativo. Porém, neste artigo Descartes afirma o contrário:

"Des deux sortes de pensées que j'ai distinguées en l'âme, dont les unes sont les actions, à savoir ses volontés, les autres ses passions, [...] les dernières dependent absolument des actions qui les produisent et elles ne peuvent qu'indirectement être changées par l'âme. Et toute l'action de l'âme consiste en ce que par cela seul que'elle veut quelque chose, elle fait que la petite glande, à qui elle est estroitemente jointe, se meut en la façon qui est requise pour produire l'effect qui se raporte à cette volonté. " (grifo nosso. DESCARTES, art. 41, 1909, p.359-360).

Assim sendo, não obstante a vontade possa evocar paixões, ela o faz por intermédio do corpo, como explicitamente é afirmado por Descartes. E se o faz, é porque outra paixão aparecera anteriormente involuntariamente, isto é, sem o consentimento da vontade, motivo pelo qual a alma pode tentar remediá-la.

Se o problema central para Pavesi é a destituição do papel do corpo na investigação das paixões e se esta interpretação se mostra sem fundamento, todo o resto da argumentação que ele procura deduzir disto também não pode ser sustentada, principalmente, a ideia de que as Paixões da Alma é exclusivamente uma meditação metafísica. Muito embora Descartes discuta aspectos morais, os elementos psicofisiológicos nunca poderão ser negados.

Diante de uma leitura tão problemática do texto cartesiano, gostaríamos de mencionar, por fim, o pouco cuidado que o autor teve com a literatura secundária, afirmando muitas vezes o que intérpretes de Descartes não disseram.1 1 John Cottingham, por exemplo, não afirma "trialismo" referindo-se à "união entre alma e corpo como uma terceira substância" (PAVESI, 2008, p.47), mas, pelo contrário, é claro em afirmar que se trata de um "trialismo atributivo e não substantival". (COTTINGHAM, 1999, p.49). Kambouchner também não afirma que "conceder ao corpo toda a causalidade da paixão é absolutamente impossível" (PAVESI, 2008, p.26), mas, ao contrário, afirma que "la thèse somatique confère à l'approche cartésienne l'essentiel de son originalité" (KAMBOUCHNER, 1995, p.91). Se o autor luta contra uma interpretação clássica, que teria perdido o elo filosófico entre as Paixões da Alma e o corpus cartesiano, muitas vezes ele se equivoca quanto ao que os intérpretes dizem. Mesmo considerando a diversidade de interpretações, Pavesi parece tomá-las como uma tradição unitária e mais do que isso, ele inventa inimigos. Nesse sentido, sua luta se faz, muitas vezes, contra um moinho de vento.

  • COTTINGHAM, John. A Filosofia da Mente de Descartes São Paulo: Editora UNESP, 1999.
  • DESCARTES, René. Oeuvres de Descartes ADAM, Charles & TENNERY, Paul. Paris: Vrin, 1909.
  • DESCARTES, René. Oeuvres Philosophiques de Descartes ALQUIÉ, Ferdinand. Paris: Garnier, 1989.
  • KAMBOUCHNER, Denis. L'Homme des Passions. Vol. 1 Analytique. Paris : Albin Michel S.A., 1995.
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    John Cottingham, por exemplo, não afirma "trialismo" referindo-se à "união entre alma e corpo como uma terceira substância" (PAVESI, 2008, p.47), mas, pelo contrário, é claro em afirmar que se trata de um "trialismo atributivo e não substantival". (COTTINGHAM, 1999, p.49). Kambouchner também não afirma que "conceder ao corpo toda a causalidade da paixão é absolutamente impossível" (PAVESI, 2008, p.26), mas, ao contrário, afirma que
    "la thèse somatique confère à l'approche cartésienne l'essentiel de son originalité" (KAMBOUCHNER, 1995, p.91).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Jun 2011
    • Data do Fascículo
      Jun 2011
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