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A CONTEMPORANEIDADE DOS ESTUDOS DE PÊCHEUX: RESSONÂNCIAS E ATUALIZAÇÕES EM SOLO BRASILEIRO

THE CONTEMPORANEITY OF PÊCHEUX STUDIES: RESONANCES AND UPDATES IN BRAZILIAN LAND

LA CONTEMPORANEIDAD DE LOS ESTUDIOS DE PÊCHEUX: RESONANCIAS Y ACTUALIZACIONES EN SUELO BRASILEÑO

Tocando os sentidos do político e da política na atualidade, este dossiê se propõe a um trabalho de exploração de temas necessários e urgentes, com o compromisso de mostrar a atualidade das propostas teórico-metodológicas de Michel Pêcheux, às quais nos filiamos enquanto Grupo de Estudos Pecheutianos (GEP), e que constituem, ao lado do trabalho de Jean Dubois, o cerne do que se tornou a “Escola Francesa da Análise do Discurso” (AD) entre o final dos anos 1960 e o início da década de 1970.

Parte considerável da referida urgência advém das intensas polarizações políticas e ideológicas que atravessam a conjuntura nacional e internacional e marcam, já há algum tempo, mas agora de maneira indiscutível, o período pós-queda do Muro de Berlim, em que tanto se propagou o discurso do fim das ideologias. No entanto, a despeito de toda a tematização atual das ideologias na Europa dos Gilets Jaunes, nos EUA de Trump, no Brasil de Bolsonaro ou na Venezuela de Maduro e Guaidó, ainda assim é patente a mobilização do conceito de ideologia ora como um compromisso irrefletido e não assumido que distorce os fatos (a ideologia do outro), ora como o campo das opiniões e preferências no campo da política (a ideologia assumida).

A partir da segunda metade dos anos 1960 na França, sob a influência da crise do estruturalismo e das agitações políticas e culturais que estouraram no Maio de 68, foram sendo gestadas outras formas de conceber as ideologias e sua relação com os discursos, para além da distorção dos fatos e da expressão das opiniões. Um conjunto de teóricos e militantes - com destaque para Michel Pêcheux - se debruçou sobre o incrível trabalho das ideologias e dos discursos na definição da realidade e de todo o imaginário sobre as possibilidades de nos movimentarmos nela. Informando-nos e nos orientando em meio às práticas sociais, as ideologias - e suas materializações em linguagem, os discursos - estariam na base da interpretação dos fatos como evidência, em processos contraditórios, sobredeterminados e atravessados pelo inconsciente.

E quem foi Michel Pêcheux? Como tantos outros jovens de esquerda da sua geração, tendo passado pelo existencialismo de Jean-Paul Sartre em sua época de graduação em Filosofia na Escola Normal Superior (1959-1963), seu encontro posterior com outro filósofo, Louis Althusser, foi absolutamente decisivo. “Althusser é, para Michel Pêcheux, aquele que faz brotar a fagulha teórica, o que faz nascer os projetos de longo curso” (MALDIDIER, 2003MALDIDIER, D. A inquietação do discurso: (re)ler Michel Pêcheux hoje. Tradução de Eni P. Orlandi. Campinas, SP: 2003. [1990], p. 18). Foi a partir de alguns questionamentos postos por Althusser - tais como o papel da linguagem na interpelação ideológica, a relação entre inconsciente e discurso, e o caráter ideológico das ciências sociais - que Michel Pêcheux dedicou-se ao estudo da História das Ciências e da Linguística e empenhou-se na constituição de um coletivo de pesquisadores vindos de diferentes formações. Lendo o Curso de Linguística Geral, Pêcheux entende o caráter sistemático e a relação opositiva entre os signos, entretanto discorda de como o sistema é fechado ao sujeito e à situação de enunciação. A expulsão da problemática do sujeito e do contexto pela porta ocasionaria o seu retorno irrefletido pela janela. Segue o percurso de suas investigações lendo Jakobson e Chomsky, assistindo às aulas de Antoine Culioli e cercando-se de linguistas para compreender a questão do “resto assimétrico irrepresentável” (PÊCHEUX, 2016PÊCHEUX, M. Abertura do colóquio. In: CONEIN, B. et al. (Org.). Materialidades Discursivas. Campinas, SP: Editora Unicamp , 2016 [1980], p.23-29. [1981], p. 24) que a linguística deixava de lado.

Neste “resto” encontrava aí o sujeito, não o indivíduo empírico, mas um sujeito histórico, afetado pelo inconsciente e pela linguagem. Tratava-se, para Pêcheux e seu coletivo, de pensar as determinações não linguísticas no funcionamento cotidiano e ritual da língua, em busca de uma semântica discursiva (HAROCHE; PÊCHEUX; HENRY, 2008HAROCHE, C.; PÊCHEUX, M.; HENRY, P. A semântica e o corte saussuriano: língua, linguagem, discurso. Tradução de Roberto L. Baronas e Fábio C. Montanheiro. Linguasagem, São Carlos, n. 3, out./nov. 2008 [1971]. [1971]). Nessa busca, é preciso destacar o papel da Filosofia da Linguagem de Gottlob Frege: Pêcheux (1988 [1975]) elogia a sua contribuição, no rumo de uma abordagem materialista da linguagem, a partir da diferenciação entre o sentido, a referência e a representação, considerando que o sentido (o modo de apresentação) e a referência (a exterioridade aos sujeitos) seriam objetivos - o que a representação, como um pensamento individual, não seria. Frege via como sério problema das línguas naturais sua capacidade de produzir mundos fictícios por meio de frases dotadas de sentido e sem referência empírica, como “A vontade do povo foi respeitada”, o que, para Michel Pêcheux (e Paul Henry, um de seus maiores parceiros), servia para explorar discursivamente as discrepâncias nas construções oracionais entre aquilo que é “pensado fora”, que aparece como pré-construído numa sentença, e o pensamento global construído por meio desta.

Mesmo recusando as soluções dadas pelos linguistas de como lidar com esses restos e falhas, Pêcheux entendeu que o empreendimento de uma teoria materialista do discurso deveria ser marcado por uma linguística como a de Culioli, que não apelava a justaposições entre enunciação e construção; por uma filosofia como a de Althusser, preocupada com as práticas ideológicas das ciências sociais; e por uma abordagem do sujeito como aquela feita por Lacan, pela qual a linguagem é ao mesmo tempo exterior a qualquer falante, mas constitui e define precisamente a posição do sujeito (HENRY, 1990HENRY, P. Os fundamentos teóricos da Análise Automática do Discurso de Michel Pêcheux. Tradução de Bethania Mariani. In: GADET, F.; HAK, T. (Org.). Por uma análise automática do discurso: uma introdução à obra de Michel Pêcheux. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 1990.; MAZIÈRE, 2007MAZIÈRE, F. A análise do discurso: história e práticas. Tradução de Marcos Marcionilo. São Paulo: Parábola, 2007.).

No embalo das releituras promovidas pelo círculo althusseriano, com a ampliação do conceito de modos de produção, antes restrito ao campo econômico, estendendo-o à linguagem, Pêcheux compreende a língua como base material de processos discursivos que produzem, reproduzem ou transformam as relações dos modos de produção na sociedade, implicando a determinação das próprias relações sociais (HERBERT, 2011HERBERT, T. Reflexões sobre a situação teórica das ciências sociais e, especialmente, da psicologia social. Tradução de Mariza V. da Silva e Laura A.P. Parisi. In: PÊCHEUX, M. Análise de Discurso: Michel Pêcheux. Textos escolhidos por Eni Puccinelli Orlandi. Campinas, SP: Pontes Editores, 2011 [1966]. p. 21-54. [1966])[4]. Nesse aspecto, é interessante pontuar que Valentin Voloshinov, antes de Althusser e por outras vias, se empenhou em mostrar a capacidade da superestrutura ideológica de agir sobre a infraestrutura econômica, não configurando a linguagem enquanto instrumento de intercâmbio de materiais ideológicos e reflexo das forças e relações econômicas, mas espaço fundamental de produção e confronto social.

A significação é entendida, assim, como processo histórico e ideológico de produção de sentidos. Não é uma palavra que cola no seu significado fazendo da língua um sistema transparente, mas, como afirma Pêcheux (2011PÊCHEUX, M. Língua, linguagens, discurso. In: PIOVEZANI, C.; SARGENTINI, V. (Org.). Legados de Michel Pêcheux: inéditos em análise do discurso. Tradução de Carlos Piovezani e Vanice Sargentini. São Paulo: Contexto , 2011 [1971], p. 63-75. [1971]), as palavras ou expressões mudam o sentido conforme a posição de seus enunciadores. A enunciação é entendida, portanto, como o “sistema de lugares para sujeitos” (MARANDIN; PÊCHEUX, 1984 [2011], p. 115), e o enfoque na sintaxe compreendia a busca pelo mecanismo de produção de sentidos com seus efeitos ideológicos.

Para dar conta dessa relação constitutiva da linguagem com sua exterioridade, Pêcheux contava, em seu grupo de pesquisa no Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS), além de linguistas, com o apoio intelectual de historiadores e psicanalistas. Um grupo heterogêneo, portanto, centrado nas questões propostas a seus campos que os obrigava a deslocar as margens e desterritorializar-se a ponto de não ser mais possível uma interlocução sem se criar um novo território para fincar os pés. Inaugura-se, assim, a linha materialista de estudo do discurso, com um objeto e escopo teórico próprios. A AD de filiação pecheutiana nasceu nesse entrecruzamento do Materialismo Histórico com a Linguística e a Psicanálise, reunindo certo número de inquietações sobre o sujeito, a linguagem e a história a partir de um modo específico de ler essas estruturas como relativas, contraditórias e heterogêneas.

Ler Pêcheux significa, portanto, ler um grupo de pesquisadores intrigados com o processo de a língua fazer sentido. Se o objetivo inicial deste grupo era analisar os textos políticos, não deixaram de convocar a língua da poesia, da arte, do humor, refletindo com Gadet e Pêcheux (2004GADET, F.; PÊCHEUX, M. A língua inatingível: o discurso na história da linguística. Tradução de Bethania Mariani e Maria Elizabeth C. de Mello. São Paulo: Pontes, 2004 [1981]. [1981]), a partir daí, uma sintaxe fluida, que brinca com as regras e ainda assim produz sentidos para os sujeitos.

É importante destacar que a incursão pela obra de Pêcheux e seu grupo no Brasil não se produz como uma simples “recepção” de um autor estrangeiro para quem se faz reverência, num efeito de submissão ao colonialismo intelectual. Contribuição decisiva nesse sentido devemos a Eni P. Orlandi, autora que, a partir do contato com as produções teóricas do grupo do CNRS na França já no seu doutoramento, ao estabelecer aproximações e deslocamentos no campo da linguagem, será determinante para a institucionalização de uma análise materialista do discurso no Brasil.

A AD produzida no Brasil, portanto, vai além de uma recepção ou prolongamento, o que não impedirá, conforme Orlandi (2012ORLANDI, E.P. Discurso em Análise: Sujeito, Sentido, Ideologia. Campinas, SP, Pontes, 2012.), os riscos de uma certa banalização, começando pela redução, em algumas análises, da noção de materialidade discursiva em matéria empírica e a tendência a um método da descrição ou interpretação singular no lugar da preferência pela alternância entre interpretação e teorização. A AD “trabalha a abertura do simbólico. Mas não de qualquer forma”, alerta a autora (2012, p. 19). Assim, a compreensão das condições em que a epistemologia teórica da AD se desenvolveu na França e o modo de sua reformulação no Brasil nos cobram escapar dos “falsos ineditismos” (PIOVEZANI; SARGENTINI, 2011, p. 14).

Foi a partir dessa preocupação que um grupo de estudantes do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), mestrandos e doutorandos no ano de 2011, começou a se reunir para ler e compreender de forma aprofundada o conjunto da obra do filósofo Michel Pêcheux e de seus colaboradores, buscando refazer o percurso teórico que deu origem à AD na França. Com o doutoramento da maioria de seus membros e seu ingresso em diversas instituições de ensino, o grupo de pesquisa foi registrado no diretório do CNPq e certificado pela Universidade Federal do Pampa (Unipampa) em 2013 com o nome Grupo de Estudos Pecheutianos (GEP). Com o passar do tempo, houve mudanças quanto à configuração inicial de seus membros, entretanto a diversidade geográfica continua sendo seu diferencial, já que abriga pesquisadores de norte a sul do país. O trabalho regular de estudo e produção escrita é viabilizado por meio de encontros virtuais e presenciais em meio a congressos acadêmicos. Assim, o GEP já percorreu as produções da equipe de Michel Pêcheux entre fins dos anos 1960 e a primeira metade dos anos 1980, buscando também textos que serviram de referência aos primeiros escritos de Pêcheux, de Gaston Bachelard e Louis Althusser, além de dar seguimento com os trabalhos de Eni P. Orlandi na década de 1980.

É este compromisso com a obra de Pêcheux que reafirmamos em nossas pesquisas e neste dossiê, procurando mostrar, a partir dos temas mobilizados nos artigos e suas possibilidades analíticas, a urgência do pensamento deste autor para a reflexão de uma prática política que leve em conta seu engendramento no discurso. Desafiamo-nos, então, ao que Pêcheux, ainda como Thomas Herbert (2011HERBERT, T. Reflexões sobre a situação teórica das ciências sociais e, especialmente, da psicologia social. Tradução de Mariza V. da Silva e Laura A.P. Parisi. In: PÊCHEUX, M. Análise de Discurso: Michel Pêcheux. Textos escolhidos por Eni Puccinelli Orlandi. Campinas, SP: Pontes Editores, 2011 [1966]. p. 21-54. [1966], p. 53), chamou de uma “escuta social”: uma escuta necessária ao cenário político de hoje, problematizadora dos espaços logicamente estabelecidos. Trata-se de um trabalho de interpretação subsidiado pela noção de ideologia - seja como efeito, seja pelo tratamento teórico que receberá nestes textos - não, conforme Pêcheux (1988, p. 282), como as ilusões que mantêm o povo encantado, mas como força material que permite deslocamentos, mudanças.

Por meio dos temas mobilizados aqui, o GEP buscará mostrar como a AD configura-se, antes e hoje, como um gesto de resistência e provocação (às ciências sociais, aos militantes e aos poderes), exigindo sempre uma ousadia que permita “suportar o que venha a ser pensado” (PÊCHEUX, 1988PÊCHEUX, M. Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Tradução de Eni P. Orlandi et al. Campinas, SP: Editora Unicamp, 1988 [1975]., p. 304). É neste espírito que discutiremos, então, epistemologia, metodologia, feminismo, greve, língua materna e estrangeira, desenvolvimentismo, ideologia, educação, nos artigos que apresentamos a seguir:

Abre o dossiê o artigo Da maquinaria ao dispositivo teórico-analítico: a problemática dos procedimentos metodológicos da Análise do Discurso, de Carolina Fernandes e Luciana Iost Vinhas. Este texto percorre a historicidade da metodologia da Análise do Discurso fundada por Michel Pêcheux, mostrando sua inquietação com o método e a relação deste com o novo empreendimento teórico-filosófico que se desenvolvia. Com o objetivo de compreender e refletir criticamente sobre seus modos de fazer análise, as autoras consideram a especificidade da teoria em sua implementação no contexto francês e sua reformulação e desenvolvimento no contexto brasileiro. Além disso, apresentam uma possível aplicação dos procedimentos metodológicos atualmente praticados na área com a análise do discurso feminista em páginas de rede social online. A discussão proposta no artigo trabalha os pressupostos desenvolvidos no âmbito da teoria materialista do discurso, compreendendo seus procedimentos metodológicos como não-positivistas.

No segundo artigo, de Maurício Beck, Rodrigo Oliveira Fonseca e Aretuza Pereira dos Santos, Recortes discursivos, paradigma indiciário e procedimentos contra-indutivos, com vistas à compreensão da epistemologia da Análise de Discurso, é feito um cotejamento entre proposições de três autores: Michel Pêcheux, Carlo Ginzburg e Paul Feyerabend. Com o foco não na teoria, mas nos procedimentos e dispositivos da Análise de Discurso, o artigo põe no centro o trabalho com os recortes discursivos, seguindo as indicações de Orlandi, e estabelecendo pontes com o paradigma indiciário de Ginzburg, como a atenção comum a detalhes que, na interpretação cotidiana e usual, ficariam despercebidos.

Na sequência, é apresentado o artigo Da produtividade do conceito de pré-construído e seus diferentes modos de funcionamento: uma abordagem teórico-analítica, em que Paula Daniele Pavan e Alessandro Nobre Galvão propõem uma releitura sobre o modo como se tem discutido e operado o conceito de pré-construído. Baseados nas reflexões apresentadas por Pêcheux (1988PÊCHEUX, M. Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Tradução de Eni P. Orlandi et al. Campinas, SP: Editora Unicamp, 1988 [1975]. [1975]) e no gesto teórico- analítico de Indursky (2011INDURSKY, F. A memória na cena do discurso. In: INDURSKY, F. et al. Memória e história na/da análise do discurso. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2011. p. 67-89.), os autores apresentam uma revisão deste conceito, de modo a pensá-lo como “única instância de saber a partir de modalidades diferenciadas que podem ser sintetizadas pelos seguintes verbos em seus desdobramentos: encaixar, atravessar e ressoar”. Para fazer compreender estes três modos de funcionamento do pré-construído, os autores analisam sequências discursivas recortadas de um corpus empírico representativo do discurso do Movimento dos Atingidos por Barragens - um trabalho que passa pelo funcionamento do interdiscurso e da memória discursiva via formação discursiva.

No quarto artigo, Giovani Forgiarini Aiub e Cristina Zanella Rodrigues abordam os impactos do encontro com uma língua estrangeira no estabelecimento de novas redes de significação dos sujeitos. O processo de identificação subjetiva com uma língua estrangeira seria atravessado por tensões e conflitos, acolhimentos e desentendimentos, na medida em que a língua materna tem papel estruturante na imersão do sujeito em outro universo de representações, outra historicidade, outros modos de dizer. Assim, a aprendizagem de uma língua a partir de outra tende a colocar uma questão cara e instigante para os analistas de discurso: a relação entre ordem da língua e organização de uma língua; isto é, a relação entre: a) as dimensões ideológicas que se inscrevem nas práticas linguageiras e determinam a constituição dos sujeitos discursivos e do funcionamento histórico-social das línguas; e b) as questões de organização sintática de uma língua, que determinam os lugares de aparecimento do sujeito oracional e diferentes posturas, relações e possibilidades para os dizeres. A partir de duas expressões idiomáticas (uma do inglês e outra do português), que parecem idênticas tanto do ponto de vista lexical quanto do ponto de vista semântico, os autores dão sustentação às suas considerações teóricas. Dar o braço a torcer e To twist someone's arm se oferecem como perspectivas totalmente distintas para o sujeito, duas posturas e possibilidades de organização sintática que implicam e se mostram implicadas em diferentes modos de identificação, inscrição e funcionamento equívoco do sujeito entre línguas.

O artigo Ideologia e filiações de sentido no Escola Sem Partido discute a proposta deste Projeto de Lei, que vem alcançando as casas legislativas de todo o País com o objetivo de, segundo seus proponentes, acabar com a “doutrinação ideológica” dos professores nas escolas. Em meio à polêmica que gerou a proposta, Andréia da Silva Daltoé e Ceila Maria Ferreira se propõem a compreender o sentido de ideologia no Projeto a partir do modo como esta noção se articula à conjuntura político-social para significar e de que modo tais sentidos se filiam ou não a correntes teóricas que tratam do assunto. Embora a reflexão sirva para pensar todos os projetos desta natureza que vêm sendo propostos e/ou implementados no país, as autoras utilizam como materialidade o Projeto de Lei nº 193, proposto no Senado da República em 2016, a partir do qual constroem um trajeto teórico sobre ideologia que ajude a entender o modo como esta noção funciona na proposta da lei em oposição a uma ideia de neutralidade. Neste percurso, as autoras buscam contribuir com sua análise tanto para a Análise do Discurso, ao debruçar-se sobre a noção de ideologia principalmente, quanto para a área da educação, de modo a fazer valer o ensinamento de Pêcheux (1988PÊCHEUX, M. Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Tradução de Eni P. Orlandi et al. Campinas, SP: Editora Unicamp, 1988 [1975].): o de que a produção do conhecimento não está dissociada da prática política.

É com estes textos, escritos de forma coletiva (como Pêcheux gostava de fazer), que os membros do GEP esperam estimular leitores e pesquisadores a voltar, sempre e sempre, à obra de Pêcheux e compreender o valor e a contemporaneidade de seu pensamento.

REFERÊNCIAS

  • GADET, F.; PÊCHEUX, M. A língua inatingível: o discurso na história da linguística. Tradução de Bethania Mariani e Maria Elizabeth C. de Mello. São Paulo: Pontes, 2004 [1981].
  • HAROCHE, C.; PÊCHEUX, M.; HENRY, P. A semântica e o corte saussuriano: língua, linguagem, discurso. Tradução de Roberto L. Baronas e Fábio C. Montanheiro. Linguasagem, São Carlos, n. 3, out./nov. 2008 [1971].
  • HENRY, P. Os fundamentos teóricos da Análise Automática do Discurso de Michel Pêcheux. Tradução de Bethania Mariani. In: GADET, F.; HAK, T. (Org.). Por uma análise automática do discurso: uma introdução à obra de Michel Pêcheux. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 1990.
  • HERBERT, T. Reflexões sobre a situação teórica das ciências sociais e, especialmente, da psicologia social. Tradução de Mariza V. da Silva e Laura A.P. Parisi. In: PÊCHEUX, M. Análise de Discurso: Michel Pêcheux. Textos escolhidos por Eni Puccinelli Orlandi. Campinas, SP: Pontes Editores, 2011 [1966]. p. 21-54.
  • INDURSKY, F. A memória na cena do discurso. In: INDURSKY, F. et al. Memória e história na/da análise do discurso Campinas, SP: Mercado de Letras, 2011. p. 67-89.
  • MALDIDIER, D. A inquietação do discurso: (re)ler Michel Pêcheux hoje. Tradução de Eni P. Orlandi. Campinas, SP: 2003.
  • MARANDIN, J.-M; PÊCHEUX, M. Informática e Análise do Discurso. In: PIOVEZANI, C.; SARGENTINI, V. (Org.). Legados de Michel Pêcheux: inéditos em análise do discurso. Tradução de Carlos Piovezani e Vanice Sargentini. São Paulo: Contexto, 2011 [1984], p. 111-115.
  • MAZIÈRE, F. A análise do discurso: história e práticas. Tradução de Marcos Marcionilo. São Paulo: Parábola, 2007.
  • ORLANDI, E.P. Discurso em Análise: Sujeito, Sentido, Ideologia. Campinas, SP, Pontes, 2012.
  • PÊCHEUX, M. Língua, linguagens, discurso. In: PIOVEZANI, C.; SARGENTINI, V. (Org.). Legados de Michel Pêcheux: inéditos em análise do discurso. Tradução de Carlos Piovezani e Vanice Sargentini. São Paulo: Contexto , 2011 [1971], p. 63-75.
  • PÊCHEUX, M. Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Tradução de Eni P. Orlandi et al. Campinas, SP: Editora Unicamp, 1988 [1975].
  • PÊCHEUX, M. Abertura do colóquio. In: CONEIN, B. et al. (Org.). Materialidades Discursivas Campinas, SP: Editora Unicamp , 2016 [1980], p.23-29.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Maio 2019
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2019
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