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Constitucionalismo e ação racional

Constitutionalism and rational action

Resumos

Problemas centrais na análise constitucional, como o do grau de resistência à mudança das regras constitucionais, são examinadas à luz das questões mais amplas das formas de cooperação e coordenação na vida social.


Central problems of constitutional analysis such as the degree of resistance to change of the constitutional rules are examined against the background of the wider questions about the forms of cooperation and coordination of social life.


INSTITUIÇÕES

Constitucionalismo e ação racional* * A primeira versão desse paper foi apresentada no Seminário Temático "Instituições Políticas e Reforma do Estado", no XXI Encontro Anual da ANPOCS, Caxambu, 21-25/10/ 97. Agradeço a Wanderley Guilherme dos Santos os comentários críticos detalhados feitos nesse evento os quais permitiram um refinamento significativo da exposição e argumentação. Permanecem na maior parte das vezes discordâncias substantivas existentes em relação a essa crítica, e é escusado assinalar que as eventuais incorreções ou insuficiências são de minha inteira responsabilidade. Agradeço ainda as valiosas sugestões de Francisco Bloch Albernaz e Cristiane Carneiro para a elaboração do trabalho.

Constitutionalism and rational action

Marcus C. Melo

Professor de Ciência Política na Universidade Federal de Pernambuco

RESUMO

Problemas centrais na análise constitucional, como o do grau de resistência à mudança das regras constitucionais, são examinadas à luz das questões mais amplas das formas de cooperação e coordenação na vida social.

ABSTRACT

Central problems of constitutional analysis such as the degree of resistance to change of the constitutional rules are examined against the background of the wider questions about the forms of cooperation and coordination of social life.

A última década tem assistido a uma proliferação de episódios de escolha constitucional ou de transformações parciais de desenho de novas constituições. Analisando esse período Lane (1997) refere-se a uma quarta onda de reformas constitucionais. Estabelecendo um paralelo entre as três ondas democráticas identificadas por Huntington (1828-1926, 1943-62, e 1974-), Lane sugere uma periodização igualmente ambiciosa, representadas por quatro ondas de constitution-making: 1789-99, 1914-26, 1945-75, e 1989-. A primeira onda corresponde à difusão do modelo constitucional da Revolução Francesa — que introduziu a primeira constituição democrática do período moderno — para alguns países europeus. A segunda onda se inicia com o processo de consolidação democrática provocado pela introdução do sufrágio universal e pela abolição das prerrogativas monárquicas e oligárquicas ainda presentes em vários países europeus até a primeira Guerra Mundial. A terceira onda corresponde ao processo de restauração democrática nos países fascistas na Europa e ao processo de descolonização no terceiro mundo. A quarta onda corresponde ao período que se inicia com o colapso dos regimes comunistas em 1989. A delimitação histórica dessa última onda merece reparos, porque os desenvolvimentos no Leste Europeu foram precedidos em muitos casos pelo processo de democratização na América Latina.

Vários fatores contribuíram para a recente emergência do ativismo constitucional nas democracias contemporâneas. Em primeiro lugar, os processos de transição democrática na Europa meridional e na América Latina. Como amplamente analisado na literatura sobre transição democrática, o processo de democratização nesses países teve como ingrediente fundamental a feitura de novas constituições.

Em segundo lugar, o colapso dos antigos regimes comunistas no Leste Europeu e União Soviética. Nesses países, onde as transformações implicaram uma tripla transição — no regime econômico, na sociedade civil e no regime político — os processos de escolha constitucional assumiram uma natureza radical. Ademais, nesses países o mapa político foi redesenhado e novas unidades políticas ganharam autonomia, o que levou a um processo vigoroso — e quiçá inédito na história — de construção institucional e constitucional.

Em terceiro lugar, mesmo em países que exibiam grande estabilidade política, o debate constitucional adquiriu grande centralidade, enquanto novas constituições foram introduzidas onde não existiam, ou amplamente revisadas. A nova constituição' neozelandesa de 1986 exemplifica a primeira variante. Entre 1974 e 1987 metade das cerca de 160 constituições em vigor foram revisadas. Após essa data reformas importantes ocorreram, como a reforma constitucional belga de 1989.

No quadro europeu, dois processos alimentaram o debate constitucional: a descentralização política e administrativa e a formação da União Européia. Esses amplos processos têm fortes implicações constitucionais, na medida em que levam à criação de novos níveis de governo ou legislativos regionais. A ressurgência do próprio conceito de federalismo no debate político europeu se alimenta desse estado de coisas. A questão da transferência de soberania implícita na formação da União Européia também se inscreve nesse movimento, que se poderia caracterizar como de constitucionalização do debate político.

Em vários países, como os EUA e o Canadá, o debate constitucional foi alimentado por questões relativas a minorias étnicas e linguísticas, constituindo-se em um vigoroso movimento intelectual fortemente influenciado pela crítica comunitarista ao conceito liberal de direitos. Nos EUA desenvolvimentos recentes no campo político — como por exemplo o fenômeno do divided government na última década, no qual o Executivo e Legislativo são dominados por partidos distintos — reforçaram o debate constitucional, onde também comparecem temas como limitação do número de mandatos de parlamentares, encurtamento de mandato e recall de ocupantes de cargos eletivos.

Esses fatores fazem-se acompanhar de um desenvolvimento intelectual autônomo em torno do papel das instituições e do desenho institucional na vida política, ou mais acertadamente nas várias esferas da vida social. Nas seções subseqüentes alguns dos aportes mais significativos do neoinstitucionalismo serão referidos no texto .

A despeito da crescente relevância teórica do tema, o campo dos estudos comparativos de processos de construção constitucional "é virtualmente inexistente" (Elster 1993, 174). O presente artigo busca, dessa forma, apresentar e problematizar analiticamente os pontos centrais do rico debate contemporâneo sobre uma questão de grande interesse conceitual.

CONSTITUCIONALISMO E DEMOCRACIA

Uma definição econômica de uma constituição é que ela representa as regras do jogo de uma comunidade política. No sentido que o termo assume na linguagem ordinária, a constituição representa a "lei maior" que define e circunscreve o conjunto de leis de um país.2 2 Alguns países não têm uma Constituição escrita formal (Grã-Bretanha, Nova Zelândia (até 1986), Israel. No entanto existem um consenso informal do que sejam os preceitos constitucionais. Na Inglaterra é frequente à referência à "constituição", embora formalmente ela não exista. As constituições tipicamente consistem em:

  • um conjunto de definições e prescrições relativas aos direitos dos cidadãos;

  • um conjunto de definições e prescrições quanto à forma de organização e funcionamento dos poderes; e, finalmente,

  • um conjunto de regras especificando como as disposições constitucionais podem vir a ser modificadas ou emendadas.

Do ponto de vista substantivo, o constitucionalismo se ocupa fundamentalmente dos conjuntos I e II (dos direitos e garantias individuais e das questões relativas à separação de poderes). A questão da separação horizontal de poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), quanto da vertical (entre níveis de governo), e dos checks and balances mútuos constituem um dos temas substantivos centrais de desenho constitucional, e são pontos fundamentais para a democracia enquanto regime. No entanto, como se discute ao longo dessa seção, o ponto de tensão entre democracia e constitucionalismo localiza-se no conjunto III (relativo aos aspectos "procedurais" ou procedimentais).

A especificidade das constituições reside em larga medida no grau maior de "resiliência" ou "inércia" que exibe em relação às outras leis em termos das possibilidades de alteração ou modificação de seu conteúdo substantivo. Nesse sentido, como assinala Elster (1988:2) o constitucionalismo se define fundamentalmente como restrições e limites à regra majoritária.3 3 A literatura de caráter sociológico sobre processos de escolha constitucional tem contribuído para a discutir como os processos exógenos determinam o processo decisório em torno de instituições. Esse tipo de literatura frequentemente associa o constitucionalismo à resistência das elites associadas ao Ancien Régime na Europa aos ventos liberalizantes nos séculos XIX. Nessa perspectiva o constitucionalismo e seu veio anti-majoritário expressa o desejo de tais elites em garantir seus privilégios (propriedade e liberdades) em contexto de expansão do sufrágio universal. Ou, nos termos de Schmitt, (1997) dos vencedores imporem sua vontade aos seus inimigos. O locus classicus desse tipo de análise é a 'interpretação econômica' da constituição americana de 1787 por Charles Beard como uma instrumento de defesa dos interesses dos proprietários de terra escravagista. Interpretação semelhante pode ser feita da própria idéia da democracia sem que por isso não se possa diminuir sua universalidade como valor. Para uma defesa dos autores de O Federalista como uma produtores de uma teoria constitucional internamente consistente irredutível aos interesses das elites econômicas que o produziram cf. Ackerman (1988). Tais limites podem ser de natureza procedimental ou substantiva. Eles podem referir-se a procedimentos e regras decisórias de tramitação legislativa ou podem simplesmente levar à exclusão de certas matérias do debate legislativo ordinário ao defini-las como imutáveis. Assim chefes de Estado, tribunais constitucionais e forças armadas são protegidas da competição política — onde se expressa a vontade da maioria — e preservadas independentemente dos resultados produzidos por essa competição.

Os limites à regra majoritária podem tomar a forma de transferência do poder decisório a um agente externo. Exemplo emblemático desse último é quando se introduz o preceito constitucional de independência do Banco Central. A rationale para essa decisão é que embora seja desejável insular a política monetária do mercado político, por sua própria natureza, ela exige discrição e avaliação subjetiva. Por isso uma maioria delega constitucionalmente poderes quase despóticos a um agente externo.4 4 Cf Elster 1995b.

O Quadro 1 apresenta os instrumentos utilizados para aumentar o que Lane (1988: 114-117) denomina "inércia constitucional", a que os juristas costumam referir-se como rigidez constitucional, e que Schmitt (1997) denomina 'superlegalidade'. Tais instrumentos representam formas de dificultar a modificação de um dispositivo constitucional. O caso limite são as constituições que estabelecem cláusulas pétreas que não são passíveis de mudança. A maioria das constituições definem com tais o regime e a forma de governo, ou a natureza federativa ou unitária do Estado. Nem todas as constituições contêm, no entanto, cláusulas dessa natureza (como é o caso das constituições vigentes em Portugal e Espanha).


Os instrumentos que inibem a mudança constitucional incluem tipicamente reconfirmação de decisões de natureza constitucional (exigências de aprovação em casas legislativas distintas), referenda para ratificação de tais decisões, retardamento da decisão em matéria constitucional (exigências de aprovação em legislaturas distintas), utilização de uma instância extra-parlamentar de ratificação (assembléias legislativas); e utilização de maiorias qualificadas para aprovação de emenda constitucional. Tipicamente estes últimos variam de um limite inferior de 3/5, ou seja 60% dos votos, passando por 2/3 (66%), ao caso extremo de 4/5 (80%) utilizado na Constituinte alemã de 1949, ou 5/6 (83%) utilizado para aprovação de emenda constitucional, em uma única votação, na Finlândia.5 5 Shugart e Carey (1992: 136) argumentam sugestivamente que o uso frequente da regra de 3/5 nas maiorias qualificadas se deve à influência da constituição americana que funciona como um 'ponto focai' Schellinguiano para os arquitetos de constituições subsequentes. Há casos isolados , como o da Constituição Republicana Espanhola, em 1931, em que utilizou-se maioria simples, levando à aprovação da nova constituição por apenas 51% por cento dos membros.

A Figura 1 apresenta um continuum tentativo onde estão representados alguns países numa escala de inércia constitucional. O caso polar de menor dificuldade de mudança constitucional — quase que por definição, em função da não existência de uma constituição escrita — é a Grã-Bretanha (onde também inexistem mecanismos de judicial review). Os casos polares de inércia estão representados pelos EUA e Dinamarca. A Dinamarca combina instrumentos diversos — retardamento da decisão, re-confirmação, e um referendum em que se manifestem pelo menos 40% dos cidadãos qualificados para votar. Nos EUA, além das maiorias qualificadas e reconfirmação, existe ainda o recurso a uma instância externa ao Congresso ou Parlamento nacional: as assembléias legislativas.


A restrição à expressão da vontade soberana de legisladores pode também assumir a forma de controle da constitucionalidade da produção legislativa através da criação de cortes judiciais apara esse fim (tribunais constitucionais). Nesse caso, da mesma forma que no caso mencionado do Banco Central, atribui-se a uma instância extra-parlamentar autonomia na interpretação dos dispositivos constitucionais.6 6 Existe grande variedade entre os países no que se refere ao controle da constitucionalidade das leis. Esse tema tem sido objeto de extensa literatura por parte de juristas. Para uma instigante análise por um cientista político desses vários modelos ver Arantes (1997). Para uma precisa análise das interfaces entre teoria constitucional e teoria democrática ver. Vieira (1997). Essa tensão entre o Parlamento e essa instância é típica das democracias constitucionais e tem se acentuado segundo um movimento que se poderia denominar "constitucionalização da política",7 7 O paralelo que estabelece aqui é com o fenômeno da "judicialização da política" (Faro 1997). Ela se expressa concretamente por duplo movimento: de uma parte um novo ativismo judicial em que o os tribunais judiciais expandem o escopo das questões sobre as quais devem formar jurisprudência , e de outra , pela utilização de parâmetros jurisprudenciais pelas autoridades administrativas e legislativo em suas deliberações (em que o próprio judiciário é provocado a fornecer tais parâmetros). Ibid. p. 148 e que está associado aos fenômenos assinalados na introdução desse artigo.

Esses instrumentos representam mecanismos — desenhados por gerações anteriores — que constrangem e inibem a manifestação da vontade democrática dos representantes políticos pela regra majoritária. Nesse sentido representam "uma ditadura do passado sobre o presente" (Elster 1988:1), ou expressam o domínio de "homens brancos mortos" sobre a vontade soberana de cidadãos vivos. Nos termos de Holmes (1988: 196) "o constitucionalismo, dessa perspectiva, é essencialmente antidemocrático. A função básica de uma constituição é retirar certas decisões do processo democrático, isto é, atar as mãos da comunidade".

Porque a sociedade democrática tolera esse estado de coisas? Como se explica o paradoxo que a democracia definida fundamentalmente pela regra majoritária exige para sua efetivação a introdução de restrições à livre e desimpedida expressão dessa última? Porque os cidadãos atam suas próprias mãos quando elaboram constituições democráticas?

CONSTITUIÇÕES E PRÉ-COMPROMISSO

Uma resposta elaborada à questão do "paradoxo constitucional" da democracia foi elaborada no marco da abordagem de escolha racional e do neoinstitucionalismo econômico. Segundo Elster indivíduos racionais podem escolher limitar suas próprias escolhas no futuro antecipando seu próprio comportamento irracional ou miópico. Essa irracionalidade pode assumir a forma de paixões políticas ou de limitações na forma como os indivíduos fazem escolhas intertemporais. Os incentivos do mercado político levam os atores políticos a utilizarem-se de uma alta taxa de desconto ao comparar benefícios futuros com benefícios presentes. Assim em virtude da estrutura de incentivos em que operam, legisladores racionais são levados a preferir benefícios menores no curto prazo a benefícios maiores no longo prazo. Da mesma forma que Ulisses amarrou-se ao mastro do navio para não ser seduzido pelo canto das sereias, legisladores racionais podem escolher limitações constitucionais ao exercício de sua vontade soberana. Ou seja, recorrem às constituições como um mecanismo de autodefesa, um pré-compromisso que assumem em relação ao futuro.

A "hora da razão" constitucional pode estar associada a argumentos quanto às consequências da adoção de determinadas instituições ou políticas. Os atores escolhem tais instituições devido à sua eficiência coletiva (o que fica mais claro em termos do papel das constituições como garantidoras de direitos). Alternativamente, como prefere Elster (no que se afasta da explicação canônica em termos de escolha racional) ela pode ser explicada pela adesão a um critério substantivo de justiça. Elster (1987) argumenta que a história das inovações institucionais — como o sufrágio universal, o welfare state etc. — não pode ser explicada a partir de argumentos consequencialistas. Tais instituições, da mesma forma que os princípios constitucionais democráticos, não adquirem legitimidade e consenso devido às suas consequências. Estas são difíceis de avaliar, devido a efeitos não antecipados e problemas de multicausalidade na vida social. É razoável supor que uma coalizão vencedora mínima de "perdedores" possa vir a se formar tão logo efeitos não antecipados se manifestem. A viabilidade e resiliência política dessas instituições se devem fundamentalmente à comunalidade de valores e princípios de justiça entre os atores políticos.

O consocialismo representa um arranjo constitucional cuja rationale é da mesma natureza do constitucionalismo. Na forma já consagrada proposta por Lipjhart (1984), como um sistema político voltado para a proteção de minorias e moderador da regra majoritária. Lipjhart enumera um conjunto de traços definidores do consocialismo: a) partilha do poder entre a maioria e a minoria (grandes coligações); dispersão do poder (pelo Executivo e o Legislativo, duas câmaras legislativas e diversos partidos minoritários); justa distribuição do poder (representação proporcional); delegação do poder (a grupos organizados territorialmente ou não); e limite formal do poder (mediante o veto das minorias). A rationale para o consocialismo é que ele representa uma espécie de 'mordaça' (Holmes 1988). O consocialismo retira do processo político ordinário — ao exigir procedimentos supermajoritários — matérias excessivamente controversas e moralmente inaceitáveis para segmentos sociais.

COORDENAÇÃO, COOPERAÇÃO, RACIONALIDADE

Ao atar as próprias mãos, legisladores agindo racionalmente podem estar buscando resolver problemas de cooperação e coordenação. No que se refere às definições e prescrições quanto à forma de organização e funcionamento dos poderes e sobre emendamento — conjuntos II e III da nossa conceituação preliminar — as constituições podem ser entendidas como regras do jogo. Ou seja, como pré-condições da própria vida política democrática. Nesse sentido as constituições representam soluções eficientes e permitem uma economia de custos de transação. Na sua ausência — ou, o que dá no mesmo, no caso em que as regras do jogo são passíveis de mudança — haveria que construir essas regras para cada situação concreta. A permanência das regras reduz incertezas e assegura previsibilidade aos atores políticos e econômicos, alargando o horizonte temporal do cálculo político — e econômico, como analisamos a seguir. Dessa forma ampliam-se os incentivos para que os atores tomem decisões que trazem benefícios coletivos mas que têm um período de retorno mais longo em detrimento daquelas com benefícios apenas privados de curto prazo.

As questões da cooperação e da coordenação na vida social têm sido tratadas com bastante sofisticação analítica pela tradição da escolha racional, em particular no âmbito da teoria dos jogos (Calvert 1995). O tratamento canônico da questão da cooperação tem por base o dilema do prisioneiro. Esse dilema ilumina a situação em que a ausência de cooperação deixa os indivíduos em uma posição coletivamente sub-ótima ou Pareto-inferior àquela em que poderiam estar caso cooperassem. Ao buscar racionalmente a maximização de seus interesses os indivíduos são levados a essa situação em função da estrutura de incentivos com que se deparam. Os indivíduos não cooperam no dilema do prisioneiro porque não confiam no outro (ou outros, no caso da variante do jogo com n pessoas). No dilema do prisioneiro, independentemente do que o outro fizer, o indivíduo racional escolherá não cooperar. (Ou, em termos técnicos, sua estratégia dominante é não cooperar).8 8 Como assinala North: "soluções exitosas [desses dilemas] tem implicado na criação de instituições que, nos termos da teoria dos jogos, aumentam os benefícios de soluções cooperativas ou aumentam os custos da defecção, e que em termos de análise de custos de transação, reduz custos de transação e produção em cada troca, de forma que os ganhos de troca se tornam realizáveis. Qualquer que seja a abordagem a chave são as instituições" (North 1990).

A solução oferecida pela teoria dos jogos é dupla. Em jogos repetidos os indivíduos podem estabelecer uma reputação de comportamento cooperativo. Devido à história de seu comportamento, eles adquirem credibilidade para fazerem "promessas críveis" (credible commitments). Alternativamente, em um jogo repetido, o indivíduo pode optar por uma estratégia de "olho por olho, dente por dente" (tit for tat), escolhendo cooperar se o outro indivíduo cooperou na rodada anterior do jogo, e retaliando com não-cooperar se o outro assim o fizer.9 9 A questão "porque eu devo acreditar que você vai retaliar se eu sei que não é de seu interesse fazer isso"? exige uma discussão mais aprofundada da questão em termos do chamado paradoxo da cadeia de lojas ( chainstore paradox).

A segunda solução teórica para a questão da credibilidade tem a ver com a limitação da capacidade de um ator renegar compromissos ou promessas (Shepsle 1991). Pode tratar-se de auto-incapacitação — no sentido que vimos tratando a questão nos tópicos anteriores — ou de usurpação dessa capacidade por outrem. Essa última questão nos leva às questões centrais do constitucionalismo e da teoria democrática. Elas dizem respeito à separação de poderes e checks and balances, e à capacidade do sistema político de fazer valer as regras do jogo. Ou seja, à credibilidade das próprias regras.

A questão pode ser ilustrada com o influente estudo de caso de Weingast e North (1996)10 10 Publicado originalmente em 1989 em The Journal of Economic History, este artigo ofereceu uma explicação nova e teoricamente sofisticada relacionando democracia e desenvolvimento econômico que inaugurou um programa de pesquisa em torno da questão. sobre a evolução das instituições do governo representativo e sua inter-relação com as instituições fiscais inglesas no século XVII. O problema básico a ser respondido é: como um governante absolutista pode estabelecer leis relativas aos direitos individuais incluindo direitos de propriedade se ele próprio pode infringir unilateralmente essas leis e reescrever "contratos" ex post? As prerrogativas adquiridas pelo Par-lamento inglês (de aprovar mudanças propostas pela Coroa) e pelo Judiciário após a Revolução Gloriosa foram instrumentais segundo esses autores em propiciar credibilidade à Coroa. No caso do mercado da dívida pública esse problema envolvia a credibilidade da Coroa como tomador de empréstimos da burguesia comercial e da aristocracia, que tinham assento no Parlamento. A conclusão dos autores é que o mercado de capitais só floresceu (com a conseqüente dramática redução das taxas de juros da dívida pública) devido às garantias constitucionais recém-estabelecidas.

A conclusão mais geral é que as instituições do governo representativo - definidas constitucionalmente (no caso britânico como convenção constitucional) são uma solução para o problema da credibilidade das regras do jogo. Elster (1995a: 215) sumariza a questão: "O pré-compromisso [precommitment] — para ser crível e efetivo — necessita da democracia, isto é a posse e exercício de direitos políticos". Elster argumenta que o único mecanismo institucionalizado para garantir credibilidade é a ameaça de um governante ser deposto caso renegue compromisos.

A questão da credibilidade de compromissos adquiriu grande centralidade no debate sobre o papel de variáveis institucionais sobre a vida econômica. Na discussão contemporânea sobre reformas econômicas a questão que se coloca é do papel dos governos na regulação de empresas privatizadas, ou após a transição à economia de mercado. Em setores em que o volume de investimento é muito alto, o prazo de maturação longo, e nos quais há forte asset specificity (nos termos de Williamson a pouca transferabilidade da tecnologia para outra atividade produtiva paralela), a credibilidade dos governos em garantir que o marco regulatório não venha a ser oportunisticamente modificado ex post é variável central para as reformas11 11 Cf Spiller (1995) e Williamson (1995). As formas de oportunismo em situações pós-contrato identificadas por essa literatura são reduzidas basicamente a duas: risco moral e seleção adversa. .

A questão da coordenação tem sido formalizada no âmbito da teoria dos jogos em termos da batalha dos sexos12 12 O termo foi cunhado na década de 50 para descrever o dilema em que um casal se depara ao ter que escolher entre ir a um peça de teatro ou a um jogo de futebol (opção preferida pelo homem, em oposição à primeira, preferida pela mulher). O homem prefere ir a uma peça de teatro — onde seu payoff seria (1,2), onde o valor para o primeiro jogador é o valor antes da vírgula, e para o segundo jogador o valor após a vírgula — à possibilidade de ir desacompanhado à sua opção preferida, o jogo de futebol. O raciocício é simétrico para o caso da mulher. No caso da batalha dos sexos não existe um equilíbrio, mas dois equilíbrios (1,2) e (2,1). Ambos os jogadores se beneficiam da cooperação, e não têm incentivo em insistir em não cooperar. Assumindo que as decisões são tomadas simultaneamente é perfeitamente racional para os jogadores transigirem em relação a sua opção preferida, se perceberem que o parceiro, por qualquer razão, vai unilateralmente insistir em sua melhor opção. O raciocínio é análogo, com pequenas ressalvas, em todas as situações de coordenação entre atores sociais. A escolha de padrões tecnológicos (ou padrões métricos, de bitolas de ferrovias, etc.) envolvem o mesmo tipo de problema: os atores preferem aderir a um padrão único, que traz benefícios superiores ao status quo, do que permanecer no status quo, em que coexistem padrões heterogêneos que limitam o mercado, mesmo que não seja o seu padrão individual. Ao perceber que algum jogador (ou firma), não vai mudar seu padrão, é racional para os jogadores aderirem a esse padrão, na medida em que uma coordenação coletiva é melhor do que nenhuma coordenação ( status quo). Quando esse problema é formalizado introduzindo-se a variável tempo, em que esse jogo se repete, o desenlace é um equilíbrio ineficiente pois os jogadores têm incentivos em se apegar a seu padrão (e blefar sobre seu comportamento) até o ponto de convencer os demais jogadores a transigir para sua posição. Esse fato explica situações como o sistema métrico americano, que permaneceu em desacordo com o de outros países, ou a variedade de bitolas nas redes ferroviárias do século XIX. . Esse jogo ilumina situações em que os atores se beneficiam caso cooperem, mas divergem em termos de qual a melhor alternativa a ser perseguida. A opção "coordenar" é preferível a "não coordenar"13 13 Esse é o caso de convenções tais como a escolha do lado da rua os carros devem dirigir, ou que padrão tecnológico as firmas devem utilizar nos casos de bitolas ferroviárias ou modo de reprodução de imagens de video cassete. . Essas situações não tem solução, porque apresentam equilíbrios múltiplos. A solução para tais equilíbrios na teoria dos jogos reside na existência de "pontos focais", para os quais os atoresconvergem por razões diversas e não relacionadas a seus interesses imediatos. Quando certas convenções são adotadas os atores sociais aderem naturalmente às mesmas por que não têm nenhum interesse em agir de forma diferente se os outros atores também as adotam. Nesse sentido elas representam, para utilizar uma terminologia técnica, uma estratégia dominante para os atores.

Do ponto teórico uma há questão central relacionada a esse ponto. É possível desenhar constituições especificando os limites da ação do Estado de tal forma que elas sejam auto implementadas (self-enforced) no sentido que os principais jogadores tenham um incentivo a cumprir tais regras, mesmo quando eles estejam motivados apenas em termos de seus estreitos interesses próprios? A resposta de Weingast (1993) é negativa. Para ele as constituições como mecanismo de coordenação só se efetivam se ancoradas em uma base atitudinal no sentido de partilhamento de normas e valores comuns entre os atores.14 14 Offe (1996) toma emprestado o conceito Elsteriano de hiper-racionalidade — associado ao fenômeno de "desejar o que não pode ser desejado" (como por exemplo "desejar ser natural", onde a própria volição anula o objetivo ) para analisar a criação de novas instituições no Leste Europeu, e enfatizar a questão da comunalidade de valores. Ao copiar instituições estrangeiras supostamente ótimas, esses países minam, e no limite anulam, a própria eficácia potencial dessas instituições (assumindo-se que elas sejam efetivamente ótimas) na medida em que para ele as instituições tem que ter uma base cultural comum, e sobretudo serem avaliadas pelos cidadãos como produto autóctone de sua comunidade.

Uma resposta distinta é oferecida por (Przeworski 1996), para quem a democracia representaria uma situação de equilíbrio geral em um jogo de n pessoas em que a estratégia dominante para todos os atores seria de adesão às regras. Segundo Przeworski (1991: 23) "equilíbrios e barganhas são os únicos estados do mundo que são viáveis segundo a teoria dos jogos". Ou seja os resultados das interações sociais só se mantêm estáveis se os atores os adotam em seu próprio interesse (self-enforcement) ou se um ator externo assegura seu cumprimento. Esse segundo caso caracteriza os contratos. No entanto, como assinala esse autor "a noção de que a democracia é um contrato social é logicamente incoerente. Constratos são observados porque são exo-genamente implementados; a democracia, por definição, é um sistema no qual ninguém está acima da vontade das partes contratantes". Para Przeworski a questão de um agente externo que assegura o cumprimento está relacionada à questão de "quem controla os controladores". Nesse sentido o cumprimento das regras pode ser self-enforcing se "o arcabouço institutional for desenhado de tal forma que o Estado não seja um ator externo mas um agentede coalizões de forças políticas". Essencial para o desenho institucional é a estrutura de incentivos com que se deparam os atores. A análise principal -agente oferece dois conceitos básicos essenciais para o desenho institucional: a restrição de participação (participation constraint) e a restrição de compatibilidade de incentivos (incentive compatibility constraint).

A POLÍTICA DA ESCOLHA CONSTITUCIONAL

A discussão até esse ponto tratou da questão das constituições em termos de sua especificidade procedimental (pré-compromisso), de seu papel como garantidora de direitos, e como mecanismo de cooperação e coordenação. No entanto, algumas constituições efetivamente existentes (Brasil, e países do Leste Europeu) são muito mais do que isso. Elas incluem dispositivos relativos às regras do jogo mas também definições e normatizações substantivas não só de direitos, obrigações, subsídios e incentivos, como de entidades burocráticas, estruturas administrativas e funcionamentos dos poderes constituídos. Que fatores explicam essa pluralidade de forma e conteúdo? Como as instituições existentes delimitam as possibilidades de escolha de novas instituições? (Geddes 1990).

A questão da escolha de instituições tem atraído grande interesse analítico. Uma peça central na história da discussão contemporânea sobre o tema é Buchanan e Tullock (1962), que estabelece as bases do que veio a ser conhecido como Constitutional Political Economy. O tema básico ao longo de todo o livro é o que denominam as escolhas constitucionais dos indivíduos : ou seja as a escolha das regras que devem utilizadas para as escolhas alocativas em suas coletividades e requerem ação coletiva. Esses autores estabelecem uma analogia entre a regra da unanimidade e o critério paretiano de eficiência, e concluem que embora as escolhas alocativas "ordinárias" prescindam desses requisito, a regra de unanimidade deve ser utilizada nos processos de escolha de regras. Esses autores identificam três tipos de custos associados ao cálculo constitucional do indivíduo. Custos externos são os custos que os indivíduos esperam incorrer como resultado da ação de outros indivíduos e sobre os quais não têm controle. Custos de decisão são os custos que os indivíduos esperam incorrer devido à sua participação no processo decisório. A soma desses dois custos representa o que os autores denominam custos de interdependência. Nas atividades puramente privadas tais custos são zero, e um indivíduo racional busca minimizá-los, reduzindo o escopo da ação coletiva em uma coletividade. Quanto maior o número deindivíduos necessários para a ação coletiva, menores serão os custos externos em que eles esperam incorrer. Se o número de indivíduos inclui a totalidade dos cidadãos em uma coletividade, isto é, se a regra de unanimidade é adotada, tais custos (externos) serão igual a zero. Os custos de decisão, por sua vez, crescem dramaticamente se a regra de unanimidade for adotada. No momento de escolha constitucional os indivíduos racionais buscarão minimizar o valor presente dos custos que esperam incorrer.

Vários arranjos constitucionais específicos (ex. legislativos bi-camerais) são examinados em termos de seus custos. Para Buchanan e Tullock (1962) sistemas bicamerais apresentam custos de decisão mais altos. No entanto, argumentam que se a base da representação for significativamente diferente nas duas casas legislativas, o bicameralismo pode vir a acarretar uma redução nos custos externos da ação coletiva. O bicameralismo produz o mesmo efeito que regras mais inclusivas (como por exemplo exigências cada vez maiores de maioria qualificadas em sistemas unicamerais), sem que haja aumento dos custos de decisão.

O programa de pesquisa da economia política constitucional toma assim as regras fundamentais do jogo político e examina o processo de escolha dessas regras.15 15 Wanderley Guilherme dos Santos chama a atenção, em sua crítica, que vários 'problemas constitucionais' em países como o Brasil estão imbricados em uma questão de base, não considerada nessa literatura, relativa ao grau de inclusividade e participação (no sentido Dahlsiano) do demos. Nesse sentido poderíamos denominá-los, para manter a consistência terminológica aqui, de problemas 'pré-constitucionais' . O mesmo uso da expressão 'problema constitucional' aparece nos trabalhos de Fábio Wanderley Reis. Mas, como esse próprio autor assinala, a tarefa de construção constitucional importa em um 'trabalho minimalista', e a introdução de 'objetivos maximalistas' — relativos à inclusividade e distribuição social do poder — cria tensões e instabilidade estrutural na ordem política (Reis 1986). A discussão em torno do constitucionalismo refere-se sobretudo a questões que nesse sentido poderiam ser denominadas 'minimalistas', embora, como assinalado, mesmo nesse nível ocorram conflitos distributivos. O pressuposto básico é que o governo, uma vez liberto, explora o corpo de cidadãos em seu próprio benefício. As constituições representam o mecanismo pelo qual os cidadãos podem aprisioná-lo. Os dispositivos que são discutidos empíricamente incluem desde regras de votação e arranjos eleitorais até bancos centrais independentes, equilíbrio fiscal, regras de conduta da política monetária, limites constitucionais à capacidade de taxação. A questão central do desenho constitucional nessa perspectiva é como garantir aos agentes do Estado os mecanismos que garantam uma ação eficaz em benefício dos cidadãos e ao mesmo tempo impedir que a discreçãodo Estado possa ser utilizada em benefício dos agentes do Estado (Vogt 1997; Mueller 1997).

Uma ampla literatura recente tem se detido no exame dos problemas constitucionais de accountability horizontal e mecanismos horizontais de controle mútuo entre poderes (Przeworski 1995). Grande parte dessas contribuições está ancorada na abordagem principal-agente, e no problema das 'perdas de agência' ocasionadas por problemas de delegação. Problemas constitucionais de delegação ocorre por exemplo nos casos de poderes legislativos de presidentes (Shugart e Carey 1992) , e nos poderes legislativos de agências burocráticas. Essas questões são mais apropriadamente referidas como os problemas constitucionais da separação de poderes e, por razões de espaço, não serão discutidas aqui.

Como revela a discussão anterior, as constituições são frequentemente analisadas como exemplos paradigmáticos de instituições que "duram" — ou simplesmente como "instituições sociais" no sentido forte do termo . Nos termos de Shepsle (1989) como instituições que são "à prova de renegociação" (renegotiation-proof), ou que apresentam a "exigência de robustez" (robustness requirement). Essa questão pode ser interpretada de duas formas. Primeiramente, em termos de inércia constitucional, ou seja em termos das dificuldades procedimentais para sua aprovação.

O repertório de instrumentos de inércia constitucional já foi discutido anteriormente, e não vamos retornar à sua discussão. Os dados do Quadro 3, por sua vez, fornecem informações sobre a longevidade das constituições. Eles só adquirem sentido em termos da história política dos países, na qual a inovação constitucional está associada a eventos como revoluções ou guerras. No entanto, vale observar como tanto o ano médio de entrada em vigor quanto o ano último ano de entrada em vigor sugerem uma forte instabilidade mesmo na Europa Ocidental e América do Norte. Alguns autores sugerem que a mudança constitucional pode ocorrer de maneiras não formalizadas. Vogt (1997) sugere por exemplo uma separação não só entre entre mudanças decorrentes de emendamento (mudanças explícitas) e de reinterpretação (mudanças implícitas), de mudanças constitucionais e inconstitucionais. A mudança implícita ocorre quando o Executivo interpreta dispositivos constitucionais de formas diferentes ao longo do tempo, quando o Legislativo aprova leis até então julgadas inconstitucionais; ou ainda quando o Judiciário aceita tais procedimentos (Quadro 2).



Em segundo lugar, a "exigência de robustez" ou "resiliência constitucional" pode ser interpretada em termos do que as "constituições" — entendidas no sentido de regras do jogo e solução para problemas de coordenação e cooperação — representam para os atores. Uma primeira abordagem da inovação institucional é fornecida pelos modelos evolucionistas que postulam uma certa "eficiência historica"16 16 O termo é de March e Olsen (1992). Esses autores e Douglass North acreditam que a história produz instituições que são fundamentalmente ineficientes. do processo de inovação institucional, no qual instituições ineficientes dão lugar a instituições eficientes, seja como produto da ação racional de indivíduos seja por algum mecanismo de 'seleção natural'. A segunda forma de explicar a dinâmica institucional é entendê-la como mecanismos que são criados e que adquirem path dependency, ou seja, retornos crescentes no tempo.17 17 Sou grato a Wanderley Guilherme dos Santos por várias sugestões, ao longo dos últimos anos, que me permitiram aprofundar a discussão teórica do conceito de path dependency.

Nessa perspectiva, o padrão natural seria o contrário daquele postulado pela abordagem anterior. Ou seja, seria a perpetuação de instituições ineficientes e a eventual aparição de soluções eficientes. Mesmo que os atores percebam certos arranjos como eficientes, a transição do status quo para esse arranjo ou estado ideal seria impedida por problemas de ação coletiva, ou por importarem em altos custos de transação. Esses casos se originam de problemas de coordenação, analisados anteriormente, que se tornam insolúveis na medida em que com o tempo os custos de transação se elevam. Formas institucionais ineficientes tendem assim a exibir uma certa "irreversibilidade". Grosso modo path dependency descreve o viés estrutural produzido por pequenas mudanças ou "acidentes históricos" nos estágios iniciais (ou anterior a determinados fenômenos) sobre o curso futuro dos acontecimentos, e pelo qual certos desenvolvimentos se tornam locked in , isto é 'encarcerados'18 18 Arthur (1994) argumenta que ao contrário da idéia central da modelagem econômica de retornos decrescentes no tempo que determina um único equilíbrio no mercado, o conceito de retornos crescentes foi relegado historicamente porque permite múltiplos equilibrios (tecnicamente processos não-ergódicos). A idéia de path dependency ou de 'encarceramento' representa uma solução para dar conta da indeterminação histórica resultante. O conceito foi explorado por economistas e historiadores econômicos para descrever a micro-racionalidade que governa a mudança macrossocial, e explicar porque algumas instituições adquirem "resiliência" ao longo do tempo (North 1990). O conceito foi utilizado, por exemplo, para explicar porque a disposição consagrada dos teclados de máquina de escrever (conhecida por QWERTY) permanece a mesma há mais de um século malgrado o diagnóstico unânime em torno de sua flagrante ineficiência sob virtualmente quaisquer ângulos de análise (David 1985).19 19 David (1985) argumenta que características como 'interrrelacionalidade técnica', ecomonies de escala e 'quasi-irreversibilidade' dos investimentos explicam a permanência do lay out das máquinas. O primeiro desses conceitos refere-se à necessidade de compatibilidade sistêmica entre o hardware (teclado) e o software (representado pela memória prática dos usuários face ao teclado.

Um outro mecanismo histórico que está na base de certas instituições é quando certas inovações institucionais são produzidas tendo em vista a solução de um determinado problema ou em virtude de certos desenvolvimentos específicos e produzem efeitos não antecipados em outro nível ou processo, envolvendo uma outra constelação de atores, e que adquirem permanência por que passam a ser julgadas por esses atores (ou uma coalizão ganhadora nessa constelação de atores) como uma inovação vantajosa. Shepsle argumenta que o sistema de comitês no Congresso Americano representa um exemplo desse tipo de inovação institucional. A introdução do sistema de comitês resultou de uma iniciativa do então Speaker of the House of Representatives, Henry Clay, para assegurar seu controle de uma coalizão coesa que havia se fraturado em virtude da Guerra de 1812. "Ao descentralizar as operações da Câmara dos Deputados, Clay pôde distribuir benesses na forma de jurisdições às várias facções como um substituto da plataforma unificada de objetivos políticos em torno da qual aquela coalizão havia originalmente se formado (e que agora se mostrava inviável)" (Shepsle 1989: 141).

Nos momentos privilegiados — ou 'janelas de oportunidade' — em que a questão do desenho e redesenho de instituições se colocam na agenda política, a possibilidade de escolha de instituições que duram dependerá da estrutura de incentivos com a qual os atores se deparam nesses momentos. A abordagem das instituições como regra do jogo que os atores escolhem ex ante e sobre cujas implicações eles não tem informação tem valor normativo mas não positivo (Shepsle 1979). Ela descreve como as instituições deveriam ser ser desenhadas e avaliadas em termos de justiça.

Uma abordagem alternativa para a questão assume que a escolha das instituições ocorre em ambiente carregado de incertezas quanto a contingências futuras mas que — ao contrário do experimento de pensamento proposto por Rawls — os atores têm conhecimento pleno de sua situação ou dotação de recursos.20 20 O fato de que um jogador pode não ter informação incompleta sobre o jogo que está sendo jogado não é relevante para a argumentação aqui. Esse pressuposto serve apenas para ilustrar um tipo inteiramente distinto de incerteza, e que tem a ver com o futuro e as contingências futuras que podem ocorrer mesmo que o ator tenha conhecimento pleno de sua situação presente. Ou seja, trata-se de contingências associadas a uma situação pós-contratual. Assim, instituições escolhidas nessas circunstâncias devem levar à seleção de regras ex ante as quais, se observadas, não devem causar arrependimento ex post por parte dos atores. Uma vasta literatura — sobretudo no marco do paradigma principal-agente — tem explorado as questões de cumprimento imperfeito de contratos e das limitações quanto à previsão de contingências futuras. Como assinala Shepsle (1979: 139) "nessa perspectiva sobre a escolha de instituições, uma instituição é vista como uma barganha ex ante cujo objetivo é promover várias formas de 'cooperação' e facilitar o cumprimento de contratos" (Shepsle 1979: 139)

Um aspecto essencial a ser considerado é que as instituições têm implicações distributivas. Tsebelis (1990) distingue dois tipo de instituições: as eficientes e as redistributivas. As instituições redistributivas são aquelas que ao serem adotadas melhoram a situação de um grupo em relação ao outro. Esse é o caso da introdução de voto distrital, que favorece partidos grandes em detrimento dos pequenos. As instituições eficientes são aquelas que, à semelhança das situações de ótimo paretiano beneficiam todos ou grande parte da sociedade, sem penalizar grupos. No primeiro caso, a mudança institucional é patrocinada por maiorias que têm um incentivo para promovê-la. No segundo caso, a situação adquire a estrutura de dilema do prisioneiro e a mudança só emerge quando (sejam quais forem as razões previstas pela teoria) ocorre cooperação. A reforma eleitoral aproxima-se do primeiro tipo, enquanto a do Judiciário se aproxima do segundo (trata-se de questões basicamente empíricas).

Como assinala Przeworski (1991:81) "se a escolha de instituições fosse apenas uma questão de eficiência, ela não suscitaria nenhuma controvérsia; ninguém temeria um sistema que melhorasse a situação de alguém sem piorar a de ninguém." Segundo esse autor a durabilidade e conteúdo substantivo de novas instituições dependem da correlação de forças no momento de escolha institucional. Com referência a situações de transição à democracia três situações são possíveis: I. a correlação de forças é conhecida ex ante e é fortemente assimétrica; II. a correlação de forças é conhecida ex ante e envolve forças equiparáveis; III. a correlação de forças é desconhecida ex ante. No primeiro caso as novas instituições sancionam a assimetria de forças e tendem a ser instáveis e perdurarem enquanto se mantiver aquela correlação de forças. No segundo caso pode-se prever uma situação de conflitos prolongados, ou acordo em torno de instituições que não funcionam, ou então acordo que assume a força de uma convenção. No terceiro caso, os atores agindo sob um véu rawlsiano criam instituições com múltiplos checks and balances e que têm alta probabilidade de sobrevivência política.

A situação correspondente ao segundo caso é frequentemente tratada formalmente em termos de modelos de barganha, envolvendo conflito e coordenação. (Przeworski 1991; Reich 1997) Dois modelos constitucionais são apresentados (A e B) mas dois (o modelo pode ser generalizado para mais jogadores) jogadores, I e II, divergem quanto ao modelo que deve ser usado. Assumindo-se que os ganhos (payoffs) que eles obteriam caso não cheguem a um acordo sejam inferiores ao mínimo que os jogadores obteriam caso seus modelos constitucionais não fossem adotados, obtem-se uma situação na qual tais jogadores preferem qualquer acordo a um não-acordo. Certos jogos constitucionais podem ser representados dessa forma. No entanto não existe um único equilíbrio para esse jogo, mas dois equilíbrios. A questão sobre qual dos dois modelos constitucionais será adotado e por que permanece em aberto. Para Knight (1992) a solução para os jogos sobre a escolha de instituições, que envolvem equilíbrios múltiplos, deve ser buscada na capacidade diferencial dos atores em suportar os custos do não-acordo. A chave da questão é "distributiva."21 21 Cf Reich (1997) para uma tentativa de de formalização essa situação com referência ao caso brasileiro. Alguns autores buscaram modelar a demanda por emendamento constitucional. Nesses modelos se prevê que quanto maior a independência do judiciário em fazer valer a legislação ordinária, menor será a propensão à atividade de emendamento às constituições (nacional ou estadual) . Nesse sentido, o 'valor de mercado' da atividade ordinária dos políticos em relação aos grupos de interesse aumenta com a maior independência do judiciário uma vez que os acordos logrados e materializados na legislação ordinária são menos sujeitos à reversão. (Cf. Vogt 1997 para um survey)

As circunstâncias das escolhas institucionais parecem ser então a chave para a questão de mudança endógena de regras formais. Como assinala Huber (1996: 61), em relação à elaboração da nova Constituição francesa em 1958, "qualquer teoria de instituições endógenas deveria estar referida a uma outra teoria que especifique as instituições exógenas relevantes. Instituições raramente — provavelmente nunca — são escolhidas em um vácuo institucional". Huber postula ainda que o estudo das "instituições exógenas" deveria assumir prioridade na agenda de pesquisa porque "qualquer pretensa explicação da escolha das regras [institucionais] é incompleta sem um argumento sobre como constrangimentos institucionais externos afetam essa escolha". Huber sustenta que a escolha do voto de confiança e do voto bloqueado, pelos arquitetos da 5ª República Francesa, é indissociável da manutenção do status quo da legislação eleitoral. De forma similar, Shugart e Carey (1992) argumentam que aqueles que elaboram constituições nas quais são previstos poderes legislativos dos presidentes tendem a fazê-lo em sistemas bicamerais e onde mudanças constitucionais são relativamente fáceis de serem feitas.

Geddes (1990) examinou sistematicamente a questão de como as escolhas institucionais são realizadas na América Latina e chegou a um conjunto de conclusões que permitem a formulação de hipóteses parciais. Novas constituições tendem a ser escritas em processos de transição democrática apenas quando o sistema partidário que surge após um interstício autoritário difere substancialmente daquele vigente antes do colapso do regime autoritário. Mudança de presidencialismo para parlamentarismo terão mais chances de serem realizadas apenas quando os partidos que controlama Assembléia Constituinte não detêm controle do Parlamento ou não esperam fazê-lo no futuro próximo. A introdução de representação proporcional, por sua vez, pode ser explicada como resultado ou de uma grande mudança na distribuição de poder político, ou de antagonismos fortes que produzam uma situação de quase guerra civil. Sistemas de representação proporcional que permitem ao eleitor a escolha do ranking dos candidatos tendem a ser propostos apenas quando 'elementos estranhos' ao partido dominam o processo legislativo.

De forma semelhante, Elster sustenta que os processos recentes de construção constitucional no Leste Europeu foram fortemente marcados pelo fato de que foram legislaturas ordinárias e não assembléias constituintes exclusivas que elaboraram as novas constituições. Duas ordens de problemas resultam. A primeira delas refere-se a problemas de implementação, deficit de "legitimidade a montante" e/ou de legitimidade procedimental, para utilizar termos de (Elster 1993: 178-179). Ou seja, trata-se da falta de legitimidade da Constituição por seus vícios originários. Em primeiro lugar, tem-se o fato de que a barganha política do processo político ordinário contamina a discussão em torno de questões constitucionais. Em uma assembléia exclusiva a barganha política se dá em torno de um jogo de uma só rodada, que não se repete no tempo. Ademais, a barganha envolve um só pacote de dispositivos (a Constituição). Em segundo lugar, há o fato de que os constituintes não estavam investidos de legitimidade para elaborar um lei maior. Esse problema é exacerbado porque, na ausência de referendum para a ratificação da constituição, se produziria um deficit de "legitimidade a jusante" (Elster 1993).

A segunda ordem de problemas relaciona-se ao fato de que uma legislatura ordinária atuaria em causa própria e privilegiaria os poderes do Legislativo em relação aos demais poderes. Se, por exemplo, o Legislativo é bicameral, dificilmente os parlamentares proporiam um Legislativo unicameral. Da mesma forma se o presidente detém poderes de iniciativa constitucional ou de veto, a usurpação de poderes pelo Legislativo pode ser freada.

A morfología geral de uma Constituição é de fato grandemente determinada pelas circunstâncias das escolhas institucionais. Como frequentemente se assinala, para além das matérias constitucionais clássicas no caso brasileiro a maioria dos dispositivos constitucionais expressam interesses particularistas, e somente a minoria expressam interesses universalistas e inclusivos. Para Przeworski (1991: 84) isso pode ser explicado pelo fato de que "a nova Constituição foi adotada com conhecimento pleno que ela não seria plenamente implementada, e explicitamente com o objetivo de reduzir a intensidade dos conflitos ao prometer atender a todo tipo de demanda".22 22 Prima facie essa citação é, como assinalou Wanderlei Guilherme dos Santos, absolutamente banal. Acredito , no entanto, que esse vaticinio se aplica à segunda parte da sentença. A primeira parte está ancorada no argumento não trivial que o nível de detalhamento da Constituição é determinado pelas expectativas dos atores quanto à sua não- implementação. Se um ator espera que a Constituição não seja implementada, por que ele/ela teria incentivos para introduzir dispositivos na mesma?

Como na constitucionalização desse tipo de dispositivo particu-larístico os custos da decisão tipicamente são difusos e sua visibilidade política é baixa, as decisões são menos conflituosas — o que explica a própria extensão da Constituição de 1988, e seus 245 artigos. A constitucionalização no caso brasileiro resulta, em muitos casos, provavelmente a maioria deles, da ação de coalizões de não-interferência mútua para, mediante barganhas, garantir guarida constitucional a subsídios e benesses.23 23 Constitucionalização e desconstitucionalização - observada na reforma constitucional brasileira recente — representam processos políticos simétricos. Na desconstitucionalização os custos da decisão são concentrados, gerando a resistência de grupos organizados beneficiários do status quo. Surgem problemas de ação coletiva na mobilização para a mudança. Nos casos de desconstitucionalização de dispositivos universalistas, sua retirada é tipicamente patrocinada pelo Executivo, sob o argumento de racionalidade econômica (ou mais acertadamente macroeconômica) de natureza supostamente coletiva; ou, ao que parece menos frequentemente, de dispositivos redistributivos combatidos pelos interesses empresariais, ou ainda de dispositivos que determinam os limites da esfera do estado na economia. Para uma análise da reforma constitucional brasileira cf. Melo (1997).

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  • *
    A primeira versão desse paper foi apresentada no Seminário Temático "Instituições Políticas e Reforma do Estado", no XXI Encontro Anual da ANPOCS, Caxambu, 21-25/10/ 97. Agradeço a Wanderley Guilherme dos Santos os comentários críticos detalhados feitos nesse evento os quais permitiram um refinamento significativo da exposição e argumentação. Permanecem na maior parte das vezes discordâncias substantivas existentes em relação a essa crítica, e é escusado assinalar que as eventuais incorreções ou insuficiências são de minha inteira responsabilidade. Agradeço ainda as valiosas sugestões de Francisco Bloch Albernaz e Cristiane Carneiro para a elaboração do trabalho.
  • 2
    Alguns países não têm uma Constituição escrita formal (Grã-Bretanha, Nova Zelândia (até 1986), Israel. No entanto existem um consenso informal do que sejam os preceitos constitucionais. Na Inglaterra é frequente à referência à "constituição", embora formalmente ela não exista.
  • 3
    A literatura de caráter sociológico sobre processos de escolha constitucional tem contribuído para a discutir como os processos exógenos determinam o processo decisório em torno de instituições. Esse tipo de literatura frequentemente associa o constitucionalismo à resistência das elites associadas ao
    Ancien Régime na Europa aos ventos liberalizantes nos séculos XIX. Nessa perspectiva o constitucionalismo e seu veio anti-majoritário expressa o desejo de tais elites em garantir seus privilégios (propriedade e liberdades) em contexto de expansão do sufrágio universal. Ou, nos termos de Schmitt, (1997) dos vencedores imporem sua vontade aos seus inimigos. O
    locus classicus desse tipo de análise é a 'interpretação econômica' da constituição americana de 1787 por Charles Beard como uma instrumento de defesa dos interesses dos proprietários de terra escravagista. Interpretação semelhante pode ser feita da própria idéia da democracia sem que por isso não se possa diminuir sua universalidade como valor. Para uma defesa dos autores de
    O Federalista como uma produtores de uma teoria constitucional internamente consistente irredutível aos interesses das elites econômicas que o produziram cf. Ackerman (1988).
  • 4
    Cf Elster 1995b.
  • 5
    Shugart e Carey (1992: 136) argumentam sugestivamente que o uso frequente da regra de 3/5 nas maiorias qualificadas se deve à influência da constituição americana que funciona como um 'ponto focai' Schellinguiano para os arquitetos de constituições subsequentes.
  • 6
    Existe grande variedade entre os países no que se refere ao controle da constitucionalidade das leis. Esse tema tem sido objeto de extensa literatura por parte de juristas. Para uma instigante análise por um cientista político desses vários modelos ver Arantes (1997). Para uma precisa análise das interfaces entre teoria constitucional e teoria democrática ver. Vieira (1997).
  • 7
    O paralelo que estabelece aqui é com o fenômeno da "judicialização da política" (Faro 1997). Ela se expressa concretamente por duplo movimento: de uma parte um novo ativismo judicial em que o os tribunais judiciais expandem o escopo das questões sobre as quais devem formar jurisprudência , e de outra , pela utilização de parâmetros jurisprudenciais pelas autoridades administrativas e legislativo em suas deliberações (em que o próprio judiciário é provocado a fornecer tais parâmetros). Ibid. p. 148
  • 8
    Como assinala North: "soluções exitosas [desses dilemas] tem implicado na criação de instituições que, nos termos da teoria dos jogos, aumentam os benefícios de soluções cooperativas ou aumentam os custos da defecção, e que em termos de análise de custos de transação, reduz custos de transação e produção em cada troca, de forma que os ganhos de troca se tornam realizáveis. Qualquer que seja a abordagem a chave são as instituições" (North 1990).
  • 9
    A questão "porque eu devo acreditar que você vai retaliar se eu sei que não é de seu interesse fazer isso"? exige uma discussão mais aprofundada da questão em termos do chamado paradoxo da cadeia de lojas (
    chainstore paradox).
  • 10
    Publicado originalmente em 1989 em
    The Journal of Economic History, este artigo ofereceu uma explicação nova e teoricamente sofisticada relacionando democracia e desenvolvimento econômico que inaugurou um programa de pesquisa em torno da questão.
  • 11
    Cf Spiller (1995) e Williamson (1995). As formas de oportunismo em situações pós-contrato identificadas por essa literatura são reduzidas basicamente a duas: risco moral e seleção adversa.
  • 12
    O termo foi cunhado na década de 50 para descrever o dilema em que um casal se depara ao ter que escolher entre ir a um peça de teatro ou a um jogo de futebol (opção preferida pelo homem, em oposição à primeira, preferida pela mulher). O homem prefere ir a uma peça de teatro — onde seu
    payoff seria (1,2), onde o valor para o primeiro jogador é o valor antes da vírgula, e para o segundo jogador o valor após a vírgula — à possibilidade de ir desacompanhado à sua opção preferida, o jogo de futebol. O raciocício é simétrico para o caso da mulher. No caso da batalha dos sexos não existe um equilíbrio, mas dois equilíbrios (1,2) e (2,1).
    Ambos os jogadores se beneficiam da cooperação, e não têm incentivo em insistir em não cooperar. Assumindo que
    as decisões são tomadas simultaneamente é perfeitamente racional para os jogadores transigirem em relação a sua opção preferida, se perceberem que o parceiro, por qualquer razão, vai unilateralmente insistir em sua melhor opção. O raciocínio é análogo, com pequenas ressalvas, em todas as situações de coordenação entre atores sociais. A escolha de padrões tecnológicos (ou padrões métricos, de bitolas de ferrovias, etc.) envolvem o mesmo tipo de problema: os atores preferem aderir a um padrão único, que traz benefícios superiores ao
    status quo, do que permanecer no
    status quo, em que coexistem padrões heterogêneos que limitam o mercado,
    mesmo que não seja o seu padrão individual. Ao perceber que algum jogador (ou firma), não vai mudar seu padrão, é racional para os jogadores aderirem a esse padrão, na medida em que uma coordenação coletiva é melhor do que nenhuma coordenação (
    status quo). Quando esse problema é formalizado introduzindo-se a variável tempo, em que esse jogo se repete, o desenlace é um equilíbrio ineficiente pois os jogadores têm incentivos em se apegar a seu padrão (e blefar sobre seu comportamento) até o ponto de convencer os demais jogadores a transigir para sua posição. Esse fato explica situações como o sistema métrico americano, que permaneceu em desacordo com o de outros países, ou a variedade de bitolas nas redes ferroviárias do século XIX.
  • 13
    Esse é o caso de convenções tais como a escolha do lado da rua os carros devem dirigir, ou que padrão tecnológico as firmas devem utilizar nos casos de bitolas ferroviárias ou modo de reprodução de imagens de video cassete.
  • 14
    Offe (1996) toma emprestado o conceito Elsteriano de hiper-racionalidade — associado ao fenômeno de "desejar o que não pode ser desejado" (como por exemplo "desejar ser natural", onde a própria volição anula o objetivo ) para analisar a criação de novas instituições no Leste Europeu, e enfatizar a questão da comunalidade de valores. Ao copiar instituições estrangeiras supostamente ótimas, esses países minam, e no limite anulam, a própria eficácia potencial dessas instituições (assumindo-se que elas sejam efetivamente ótimas) na medida em que para ele as instituições tem que ter uma base cultural comum, e sobretudo serem avaliadas pelos cidadãos como produto autóctone de sua comunidade.
  • 15
    Wanderley Guilherme dos Santos chama a atenção, em sua crítica, que vários 'problemas constitucionais' em países como o Brasil estão imbricados em uma questão de base, não considerada nessa literatura, relativa ao grau de inclusividade e participação (no sentido Dahlsiano) do
    demos. Nesse sentido poderíamos denominá-los, para manter a consistência terminológica aqui, de problemas 'pré-constitucionais' . O mesmo uso da expressão 'problema constitucional' aparece nos trabalhos de Fábio Wanderley Reis. Mas, como esse próprio autor assinala, a tarefa de construção constitucional importa em um 'trabalho minimalista', e a introdução de 'objetivos maximalistas' — relativos à inclusividade e distribuição social do poder — cria tensões e instabilidade estrutural na ordem política (Reis 1986). A discussão em torno do constitucionalismo refere-se sobretudo a questões que nesse sentido poderiam ser denominadas 'minimalistas', embora, como assinalado, mesmo nesse nível ocorram conflitos distributivos.
  • 16
    O termo é de March e Olsen (1992). Esses autores e Douglass North acreditam que a história produz instituições que são fundamentalmente ineficientes.
  • 17
    Sou grato a Wanderley Guilherme dos Santos por várias sugestões, ao longo dos últimos anos, que me permitiram aprofundar a discussão teórica do conceito de
    path dependency.
  • 18
    Arthur (1994) argumenta que ao contrário da idéia central da modelagem econômica de retornos decrescentes no tempo que determina um único equilíbrio no mercado, o conceito de retornos crescentes foi relegado historicamente porque permite múltiplos equilibrios (tecnicamente processos não-ergódicos). A idéia de
    path dependency ou de 'encarceramento' representa uma solução para dar conta da indeterminação histórica resultante.
  • 19
    David (1985) argumenta que características como 'interrrelacionalidade técnica', ecomonies de escala e 'quasi-irreversibilidade' dos investimentos explicam a permanência do
    lay out das máquinas. O primeiro desses conceitos refere-se à necessidade de compatibilidade sistêmica entre o
    hardware (teclado) e o
    software (representado pela memória prática dos usuários face ao teclado.
  • 20
    O fato de que um jogador pode não ter informação incompleta sobre o jogo que está sendo jogado não é relevante para a argumentação aqui. Esse pressuposto serve apenas para ilustrar um tipo inteiramente distinto de incerteza, e que tem a ver com o futuro e as contingências futuras que podem ocorrer mesmo que o ator tenha conhecimento pleno de sua situação presente. Ou seja, trata-se de contingências associadas a uma situação pós-contratual.
  • 21
    Cf Reich (1997) para uma tentativa de de formalização essa situação com referência ao caso brasileiro. Alguns autores buscaram modelar a demanda por emendamento constitucional. Nesses modelos se prevê que quanto maior a independência do judiciário em fazer valer a legislação ordinária, menor será a propensão à atividade de emendamento às constituições (nacional ou estadual) . Nesse sentido, o 'valor de mercado' da atividade ordinária dos políticos em relação aos grupos de interesse aumenta com a maior independência do judiciário uma vez que os acordos logrados e materializados na legislação ordinária são menos sujeitos à reversão. (Cf. Vogt 1997 para um
    survey)
  • 22
    Prima facie essa citação é, como assinalou Wanderlei Guilherme dos Santos, absolutamente banal. Acredito , no entanto, que esse vaticinio se aplica à segunda parte da sentença. A primeira parte está ancorada no argumento não trivial que o nível de detalhamento da Constituição é determinado pelas expectativas dos atores quanto à sua não- implementação. Se um ator espera que a Constituição não seja implementada, por que ele/ela teria incentivos para introduzir dispositivos na mesma?
  • 23
    Constitucionalização e desconstitucionalização - observada na reforma constitucional brasileira recente — representam processos políticos simétricos. Na desconstitucionalização os custos da decisão são concentrados, gerando a resistência de grupos organizados beneficiários do
    status quo. Surgem problemas de ação coletiva na mobilização para a mudança. Nos casos de desconstitucionalização de dispositivos universalistas, sua retirada é tipicamente patrocinada pelo Executivo, sob o argumento de racionalidade econômica (ou mais acertadamente macroeconômica) de natureza supostamente coletiva; ou, ao que parece menos frequentemente, de dispositivos redistributivos combatidos pelos interesses empresariais, ou ainda de dispositivos que determinam os limites da esfera do estado na economia. Para uma análise da reforma constitucional brasileira cf. Melo (1997).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Ago 2010
    • Data do Fascículo
      1998
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