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Contexto e mudança na cultura política mexicana

CULTURA POLÍTICA

Contexto e mudança na cultura política mexicana* * Tradução de Régis de Castro Andrade.

Victor M. Durand Ponte

Professor da Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM)

Este trabalho pretende mostrar que coexistem no México várias culturas políticas que passam por processos de mudança distintos dentro da transição política mexicana. O texto divide-se em três partes. Na primeira apresentamos os antecedentes básicos da cultura política no México e as características da pesquisa cujos resultados são usados na análise; na segunda parte mostramos a pertinência da proposição clássica de que quanto maior o desenvolvimento e a urbanização, maior a presença da "cultura cívica", na terceira, mostramos como a proposição anterior deve ser matizada de acordo com as particularidades e contextos de cada uma das seis cidades estudadas; finalmente apresentamos as conclusões que julgamos mais relevantes.

A CULTURA POLÍTICA NO MÉXICO E NOSSO ESTUDO

A cultura política entendida como conjunto de códigos que permite o estabelecimento de relações políticas entre indivíduos e grupos, e que portanto tem a ver com a dimensão subjetiva da vida pública e com a interpretação e produção de sentido, tem sido tratada no México desde o trabalho pioneiro de Almond e Verba nos anos 601 1 Referimo-nos a Gabriel Almond e Sidney Verba. The Civic Culture, Princeton University Press. Princeton, N. Y., 1963. . Nesse trabalho se concluiu que a maioria dos mexicanos tomava pouco conhecimento da incidência do governo em suas vidas, dizendo-se por isso que a cultura política era "provinciana". Ainda assim, os mexicanos tinham grande orgulho do sistema político derivado da saga revolucionária; finalmente, a maioria dos entrevistados opinou que era necessário participar da política, apesar de os mexicanos ocuparem o último lugar, entre 5 casos estudados, na escala que media a competência subjetiva2 2 Pode-se encontrar um resumo dos estudos sobre políticas públicas no México em Jean François Prud'homme, "Observaciones en torno al tema de la cultura política en México", ILET, mineo. México, 1990. O texto resgata as críticas que tenham tido os enfoques mencionados, especialmente o trabalho de Almond e Verba. .

Estudos posteriores confirmaram os resultados de Almond e Verba e têm insistido na importância da socialização exercida, através da educação e outros meios, pelo regime sobre a população. A existência de uma cultura autoritária não é, portanto, nenhuma novidade, embora seja excessivo afirmar que a maioria da população seja portadora dessa tradição.

Uma pesquisa recente realizada em seis cidades médias permite-nos mostrar a geografia da cultura tradicional e a da que supomos democrática, ou da cidadania3 3 A pesquisa foi realizada para o projeto "Cultura Política en Sociedades Urbanas", pelo Centro de Investigaciones Cultural y Científico e pelo Instituto Latinoamericano de Estudos Transnacionales (ILET) sob o patrocínio de BANOBRAS, sob a direção de Victor M. Durand e Jean François Prud'homme. .

Os indicadores de que dispomos estão longe de serem os ideais, mas permitem-nos avançar em nosso propósito.

As cidades estudadas são Coatzacoalcos e Minatitlán em Veracruz; León em Guanajuato; Matamoros em Tamaulipas; Tapachula em Chiapas; Tijuana na Baixa Califórnia e Torreon em Coahuila e Lerdo e Gomez Palácios, em Durango que compõe La Laguna4 4 Coatzacoalcos e Minatitlán são duas cidades praticamente conurbadas, situadas no estado de Veracruz, cuja vida econômica é definida pelo petróleo. Nelas localizam-se as refinarias petroquímicas mais importantes do país e uma das mais antigas. A atividade petroquímica estimulou o crescimento de importante setor de serviços, diversificando a atividade econômica. Os sindicatos dos petroleiros têm evidentemente influência muito importante na vida das cidades. León localiza-se no centro do país, no estado de Guanajuato. As atividades econômicas básicas são a produção de couro, especialmente sapatos, e um importante setor de serviços, especialmente comércio. A cidade é dominada por uma elite tradicional muito relacionada com a Igreja Católica e caracteriza-se, ademais, por uma organização coorporativa de curtidores e sapateiros, que se expressa socialmente nos bairros e atividades sociais. É sem duvida uma sociedade tradicional e conservadora. Matamoros é uma cidade de fronteira do estado de Tamaulipas. Sua proximidade dos Estados Unidos e especialmente do Texas responde por várias de suas características. Tradicionalmente é uma cidade comercial sobretudo de produtos agrícolas, convertendo-se depois em sede importante da indústria montadora cuja atividade domina atualmente a economia. A cidade possuía liderança tradicional "compartilhada" entre um velho lider sindical da CTM e um atacadista de grãos. Atualmente há conflito importante entre as elites tradicionais e as novas elites surgidas com a industrialização. Tapachula encontra-se na fronteira sul, pertencendo ao estado de Chiapas. É basicamente comercial e de serviços estatais, administrando um binterland agrícola e pecuário. Por sua situação fronteiriça é um polo de atração da migração. centroamericana é uma cidade com baixa atividade industrial, com ampla presença de população indígena. É dominada por uma elite agrária, cafeeira, de tipo tradicional. Tijuana fica no estado da Baixa Califórnia, vizinha ao estado americano da Califórnia. É uma cidade com atividade importante na indústria montadora, um setor de serviços bastante desenvolvido e um fluxo de turismo americano bastante forte. É uma das cidades que mais cresce no país, apresentando elite bem diversificada. Finalmente Torreon (Coahuila), Gomez Palácio e Lerdo (Durango) formam o conglomerado urbano conhecido como La Laguna, situado no norte do país. A atividade industrial orienta-se para a produção de produtos metálicos, minerais não-metálicos, móveis, laticínios e derivados e produtos químicos. No interior existe importante atividade agropecuária que tem decrescido por razões diversas. Constitui-se importante pólo de atração migratória, o que gera importantes problemas de marginalidade urbana e emprego. A elite política é de perfil coorporativo tradicional e está submetida a uma crescente competição política. .

Todas são cidades de tamanho médio e nenhuma é capital de seu estado, mas são importantes e representam um amplo espectro político no país.

O quadro nº 1 mostra a população total das cidades nos anos de 1980 e 1990 e a taxa de crescimento observada durante esse período. Os dados proporcionam uma idéia do dinamismo de cada lugar e de sua importância.


A expansão de Tijuana e Tapachula salta à vista. La Laguna, Coatzacoalcos-Minatitlán e Matamoros apresentam incrementos populacionais modestos e León um crescimento intermediário.

A amostragem foi realizada dividindo-se as cidades em um retículo de 100 quadrados do qual se extraíram 5 entrevistas em um bloco de casos selecionado ao acaso, proporcionando n = 500.

Procurou-se manter a proporção por sexo e renda dos entrevistados.

Como é muito difícil e tedioso manter uma descrição puramente nominal das cidades, resolvemos hierarquizá-las através de dois indicadores: a) porcentagem de entrevistados com primário ou menos e b) porcentagem de entrevistados que ganham um salário mínimo ou menos. A soma dos índices das variáveis em cada cidade produz um novo índice, de mais para menos desenvolvido, segundo o qual as cidades ordenam-se como mostrado abaixo:

1. Tijuana

2. Coatzacoalcos, Minatitlán

3. Laguna

4. León

5. Matamoros

6. Tapachula

Os dados do inquérito permitem-nos descrever por um lado, as características das populações quanto ao grau de informação, nível de conhecimento, participação e avaliação do governo, com os quais podemos ver melhor a relação entre a classificação da cidade e a cultura política e por outro lado, dentro das cidades, os grupos ou estratos portadores de culturas políticas tradicionais ou modernas.

Como indicadores para informação usamos a porcentagem da população que lê jornal, e, para os estratos, construímos um índice que vai de "não lê jornais ou revistas" a "lê jornais ou revistas".

Para indicar o grau de conhecimento avaliamos a porcentagem da população que conhece o conteúdo do artigo 123 da Constituição que normatiza as relações de trabalho.

Para medir a participação foram utilizados dois indicadores. O primeiro é a porcentagem de entrevistados que "não tem partido de sua preferência", controlada pela porcentagem dos que declararam preferir o PRI. O segundo é a proporção dos que votaram para Presidente da República na eleição de julho de 1988.

Para conhecermos a avaliação que os entrevistados fazem do governo usamos a porcentagem dos que declararam confiar sempre ou quase sempre nas declarações públicas dos funcionários.

Como os dados não são estritamente probabilísticos usaremos apenas porcentagens como ferramentas de análise estatística.

CULTURA POLÍTICA E NÍVEL DE DESENVOLVIMENTO DAS CIDADES

De acordo com os dados disponíveis, as porcentagens de pessoas que lêem jornais nas seis cidades foram as seguintes: Tijuana 48,2%, Coatzacoalcos-Minatitlán 76,0%, La Laguna 75,1%, León 58,3%, Matamoros 57,0% e Tapachula 6l,4%, em geral bastante altas. Somente em Tijuana encontramos cifra menor que a metade da população; nos casos de Coatzacoalcos-Minatitlán e La Laguna, o valor alcança três quartos da população. Talvez o dado mais relevante seja o de que as variações observadas não se relacionam de maneira estreita com o grau de desenvolvimento. Parece haver outras variáveis que têm presença marcante. As duas cidades da fronteira norte, sem dúvida as mais secularizadas, são as que mostram as duas maiores porcentagens. León e Tapachula, cidade com elites mais tradicionais e forte peso da Igreja Católica, apresentam dados intermediários.

No que se refere ao grau de conhecimento da população entrevistada sobre o conteúdo do Artigo 123 da Constituição, encontramos os seguintes resultados: responderam corretamente em Tijuana 39,6%, em Coatzacoalcos-Minatitlán 31,5%, em Laguna 28,3%, em León e Matamoros 17% e em Tapachula 19,2%. Se considerarmos que o artigo 123 se refere aos direitos básicos dos trabalhadores (de associação, de greve, jornada de trabalho, etc), o desconhecimento evidenciado pelos dados pode ser um indicador da baixa presença dos direitos na vida dos entrevistados, podendo-se dizer, sem forçar o argumento que se constitui em um indicador de insuficiente consolidação da cidadania. Outro dado importante é o de que o grau de conhecimento está altamente correlacionado com o grau de desenvolvimento das cidades, confirmando a hipótese de que a um maior desenvolvimento corresponde uma cidadania ou cultura política "modernas".

Quanto à participação: a porcentagem de entrevistados que declararam não ter partido de preferência ou preferir o PRI são os do quadro 2 abaixo.


Os dados mostram que em todas as cidades existe uma porcentagem alta, entre 41 e 51%, de entrevistados que não tem partido político de sua preferência. A diferença de 10 pontos porcentuais entre Tijuana e León é indicativa do papel distinto que têm os partidos em cada cidade.

No caso dos entrevistados com preferências, encontramos três cidades nas quais o unipartidarismo "subjetivo" é muito grande (Coatzacoalcos-Minatatlán, Matamoros, e Tapachula) e três nas quais existe pluralismo (Tijuana, León e La Laguna). Com a excessão de Coatzacoalcos-Minatitlán, uma cidade com influência muito grande do sindicato petroleiro do PRI, a relação entre maior desenvolvimento da cidade e maior pluralismo se verifica.

Os resultados são consistentes com os referentes a "conhecimento" anteriormente apresentados.

Com respeito à participação na votação para Presidente na última eleição presidencial temos os seguintes dados: em Tijuana votaram 62,5%, em Coatzacoalcos-Minatitlán 60,5%, em La Laguna 60,6%, em León 46,4%, em Matamoros 73,0% e em Tapachula dizem ter votado 71,4%. Existe uma relação inversa entre grau de desenvolvimento e participação nas votações. Os entrevistados das cidades mais desenvolvidas tendem a votar menos, o que pode indicar desinteresse no processo eleitoral ou desconfiança de sua validade.

Finalmente, as opiniões que os entrevistados emitiram em relação à pergunta "Quando os funcionários públicos fazem declarações, você acredita neles: sempre, quase sempre, quase nunca ou nunca?" são apresentadas no quadro 3.


Se observarmos as freqüências de "nunca acreditam no que dizem os funcionários", verificamos que, à medida que o nível de desenvolvimento aumenta, a credibilidade dos funcionários diminui. Existe um potencial crítico muito alto, observando-se o mesmo em relação à coluna do "quase nunca". No outro extremo, e juntando as colunas de "sempre" e "quase sempre", vemos a tendência oposta, como é natural, porém com valores menores.

Os resultados permitem-nos formular duas hipóteses. A primeira é a de que a tendência a aumentar a credibilidade dos funcionários à medida que diminui o grau de desenvolvimento da cidade pode ser devida a um conceito de autoridade distante, inalcançável, autoritário. A falta de cidadania, de baixo apego aos direitos estaria por trás desse conceito de autoridade. A segunda hipótese é a de que a credibilidade dos funcionários tende a baixar nas cidades de maior desenvolvimento devido à maior informação e/ou conhecimento e uma concepção mais cidadã de autoridade e de governo.

Em termos gerais, podemos afirmar que o maior desenvolvimento de uma cidade tende a associar-se a um maior desenvolvimento da "cultura cívica", embora a crise do autoritarismo e suas mudanças assumam formas particulares nas estruturas de cada cidade, como os dados apresentados parecem sugerir.

A CULTURA POLÍTICA POR ESTRATOS SOCIAIS

Vejamos agora o comportamento dos indicadores usados no interior de cada cidade, relativos aos estratos sociais das mesmas.

As porcentagens de "sim, conhece" o conteúdo do Artigo 123 da Constituição aparece no quadro 4. Colocamos na última coluna do quadro as porcentagens de "sim, conhece" que correspondem aos totais de "educação secundária e mais" e "primária e menos" sobre o total da variável, podendo assim observar o efeito induzido pela variável sobre o conhecimento. Esse procedimento o leitor encontrará também nos quadros seguintes.


Os dados mostram resultados que parecem relevantes. Inicialmente existe em todas as cidades uma diferença percentual muito alta de acordo com o nível de educação.

Entretanto a diferença é maior em La Laguna ou Tijuana e 20 pontos percentuais menor em Tapachula ou Coatzacoalcos-Minatitlán. Pode ser uma influência do contexto sócio-cultural, que leva a uma espécie de "desuso" das potencialidades que a educação propicia aos indivíduos, ou uma maior força de tradição.

Em segundo lugar o índice também apresenta influência importante sobre o conhecimento dos entrevistados. Encontramos em todas as cidades variações significativas entre os entrevistados com educação secundária ou mais. Entre os entrevistados que têm educação primária ou menos não há freqüência suficiente para análise.

Pois bem, assim como no caso da educação, também no 'índice vemos que os resultados variam de cidade para cidade, destacando-se Tapachula e Tijuana — os extremos — por apresentar porcentagens relativamente altas de não-leitores entre os entrevistados, enquanto Coatzacoalcos mostra uma porcentagem mais alta de leitores de revistas e jornais. Novamente se evidencia a existência de um contexto sócio-econômico cultural que faz com que os efeitos da mesma variável sejam diferentes nas cidades estudadas.

De qualquer maneira, fica claro que o nível de conhecimento é uma variável que depende do grau de educação e informação dos indivíduos. O componente cognitivo - informativo da cultura política aumenta claramente com o crescimento da escolaridade. Há um dado que não pudemos recuperar: o que se refere às práticas, o tipo de contrato ou relação de trabalho no nosso caso, que traria especificidade à idéia de contexto que estamos utilizando de maneira vaga ou abstrata.

Vejamos a seguir o que se refere à participação. No quadro 5 estão as porcentagens dos entrevistados que declararam não ter partido político de preferência, controlado por lê, grau de educação e por cidade.


A educação apresenta efeito contraditório de acordo com as cidades. Nas de maior grau de desenvolvimento, Tijuana, Coatzacoalcos-Minatitlán, La Laguna e León, observamos que quanto maior a educação, maior também a porcentagem dos que dizem não possuir partido de sua preferência. Em compensação em Matamoros e Tapachula o efeito se inverte, os de maior educação apresentam porcentagens menores. Existe uma clara determinação do contexto.

A tendência é de que o efeito da educação sobre a preferência ou não por um partido diminua conforme decresce o grau de desenvolvimento, até se inverter nos dois últimos casos.

Se observarmos os efeitos que o índice de leitura introduz, verificaremos que os efeitos da educação variam menos entre as cidades e em nenhuma delas encontramos a inversão comentada. A educação mais a informação nos permitem ver os efeitos produzidos sobre a preferência por partidos políticos. O efeito todavia é contraditório.

Entre os entrevistados com educação secundária ou maior há uma tendência a que o aumento de leitura se traduza em porcentagem maiores de "não tem partido". É dentre as porcentagens de valor intermediário, "lê periódico ou revista", que se encontram as maiores cifras dos sem partidos. Porém, salvo em Matamoros, nas demais cidades o número dos que não lêm é menor do que o dos que lêm jornais e revistas. Há uma espécie de rejeição dos partidos pelos entrevistados com maior educação e informação.

Por outro lado entre os que têm educação primária ou menor, o nível de informação produz um efeito claramente positivo sobre ter simpatia por um partido. Os que nada lêm mostram as maiores porcentagens de rejeição e transitam aos de maior aceitação com exceção dos que têm educação secundária e maior.

Parecem existir dois tipos de rejeição e aceitação dos partidos. Há claramente uma rejeição entre os pouco educados e mal-informados ou que não lêm. Existe por sua vez o outro extremo da classificação social. No caso da aceitação vemos que se esta aumenta conforme avança a informação entre os que têm menor educação e os que têm maior educação e pouca informação.

Pode-se considerar a hipótese de que existam rejeições ou aceitações culturalmente diferenciadas que respondem a razões ou critérios diferentes.

No quadro 6 estão os dados sobre a preferência dos entrevistados pelo PRI.


Ao contrário da hipótese de que maior desenvolvimento levava a uma menor votação no PRI, o quadro nos mostra que o maior nível educativo fornece porcentagens maiores de aceitação do PRI, salvo no caso de León, de tradição elitista e com preferência pelo PAN.

Mas mesmo entre os que têm educação secundária ou maior, a aceitação do PRI cresce à medida que se incrementa a informação. Pode-se dizer que é uma preferência racional e não tradicional.

No outro grupo encontramos tendências menos claras; os valores médios de leitores nos mostram níveis mais altos de preferência pelo PRI. Os que menos lêem são os que menos o preferem e os que mais lêem dividem-se pela metade, salvo nos casos de León e Matamoros onde os que lêem jornais e revistas são os que mais o rejeitam.

Comparando as porcentagens de cada valor de leitura nos dois níveis de educação, descobrimos que entre os que não lêem a preferência pelo PRI é maior entre os menos educados e tende a crescer à medida que decresce o grau de desenvolvimento da cidade, ocasionando um priismo tradicional mal-informado. O caso de Tijuana é exceção.

Nos que lêem jornais ou revistas verificamos o mesmo fenômeno de quanto menor a educação maior o priismo e finalmente entre os que lêem jornais e revistas a relação se inverte: os que tem maior educação são mais priistas.

Os resultados comentados parecem sugerir a existência de um priismo tradicional (entre os pouco educados e mal-informados) que se dilui nos valores elevados de informação e um outro priismo, moderno, existente entre os mais educados e que aumenta à medida que aumenta a informação.

Encontramos pois entre os menos educados e mal-informados um baixo conhecimento do artigo 123 e uma tendência a não ter preferência por partidos; os que têm preferência parecem fazê-lo de forma irracional, não informada. Essa posição se dilui com uma maior informação.

A informação disponível sobre a votação na última eleição para Presidente da República completa a informação sobre participação. As diferenças introduzidas pela educação são significativas em Tijuana, Coatzacoalcos-Minatitlán, La Laguna, Tapachula e León. Nas quatro primeiras a maior educação está associada à maior votação. Em troca, em León a tendência é inversa. Matamoros também apresentou relação inversa, embora menos pronunciada. Os resultados dessas duas últimas cidades questionam a existência de uma relação permanente entre educação e maior participação. Da mesma forma as diferenças entre as cidades que mostram relação direta evidenciam que o efeito da educação está condicionado pelos diversos contextos sócio-culturais.

Quanto aos efeitos introduzidos pelo índice de leitura, vemos que em Tijuana, La Laguna e Tapachula, o aumento da informação se associa a maior votação entre os entrevistados com educação secundária ou maior. Entre os que têm instrução primária ou menor a relação é inversa. Em Tijuana informação maior tende a baixar a votação. León apresenta tendências semelhantes embora no setor de educação mais alta a tendência seja menos clara.

Em Coatzacoalcos-Minatitlán, em ambos os grupos educacionais a maior informação se associa positivamente com a votação.

Finalmente, em Matamoros não se evidencia nenhuma influência do índice de leitura no grupo de educação secundária ou maior, por outro lado, entre os que têm educação primária ou menor, a tendência é de que haja uma queda da votação à medida que aumenta a informação.

Apesar das tendências não estarem bem definidas pode-se pensar que existem dois tipos de participação nas votações: uma "tradicional", não-informada, que tende a diminuir à medida que aumenta a informação, e outra "moderna" que aumenta dentro dos setores mais educados à medida que se incrementa a escolaridade.

Sobre a dimensão de avaliação da credibilidade dos funcionários públicos encontramos os resultados apresentados no Quadro 8.


Os dados indicam tendências similares às encontradas nos quadros anteriores: a educação associa-se positivamente à maior credibilidade em Tijuana, Coatzacoalcos-Minatitlán, La Laguna e Tapachula e negativamente em León e Matamoros.

A maior informação nos setores com maior educação aumenta as porcentagens de credibilidade nas declarações dos funcionários em Tijuana, Coatzacoalcos-Minatitlán e Tapachula. Nas demais cidades, a tendência torna-se evidente entre os valores extremos. Entre os entrevistados com educação primária ou menor, a tendência negativa (quanto maior a informação, menor a credibilidade) está presente em Tijuana. Em La Laguna, León, Matamoros e Tapachula aparece entre os valores extremos. Coatzacoalcos-Minatitlán volta a apresentar uma relação positiva igual à existente entre os mais educados.

CONCLUSÕES

Os resultados nas três dimensões analisadas - conhecimento, participação e avaliação - sugerem-nos as seguintes conclusões.

Primeiro: existem duas culturas políticas que interpretam a política de maneira diferente e que reagem de maneira diferente aos estímulos da educação e informação: desinformada versus informada. Enquanto na primeira a maior informação tende a baixar os níveis de participação e credibilidade nos funcionários, destruindo as bases dessa cultura, na segunda os efeitos são positivos e os valores de participação e credibilidade tendem a aumentar.

Segundo, a conclusão anterior aplica-se de forma diferencial às várias cidades. Exibindo linhas de evolução diferentes, Coatzacoalcos-Minatitlán evidencia o fortalecimento de um sistema unipartidarista, com pluralidade muito baixa e uma tendência a que educação e maior informação reforcem o sistema de mais participação, mais priismo e mais credibilidade nos funcionários.

Tijuana, La Laguna, León e Tapachula mostram as mesmas tendências assinaladas anteriormente, mas com algumas diferenças. Em Tijuana, os dados são muito claros a esse respeito enquanto em La Laguna e Tapachula as tendências são menos claras, e evidentes apenas para os valores extremos do índice de leitura; León apresenta tendências mais confusas. Finalmente, em Matamoros transparece uma espécie de equilíbrio, com baixa influência das variáveis educação e informação.

Pode-se concluir que as tendências que seguem as duas culturas políticas estão determinadas pelos contextos sócio-culturais de cada cidade, por seu sistema de partidos, etc. Não nos encontramos em um continuum mas em um conjunto de processos particulares.

Se a afirmação anterior está correta, devemos matizar a conclusão da seção anterior, de que a um maior desenvolvimento da cidade corresponde um desenvolvimento maior dos valores de uma cultura cívica (maior conhecimento, participação e credibilidade na política). Os efeitos da modernização - medida por variáveis como educação, urbanização, etc - assumem formas particulares, sem contudo negar a tendência à mudança. A mudança política no México fará com que estas formas locais tornem-se mais claras e ponham em evidência muitas transições locais. Supor que haverá um único processo de transição válida para todos os locais é tão falso quanto supor que exista apenas uma cultura política no México.

  • * Tradução de Régis de Castro Andrade.
  • 1 Referimo-nos a Gabriel Almond e Sidney Verba. The Civic Culture, Princeton University Press. Princeton, N. Y., 1963.
  • 2 Pode-se encontrar um resumo dos estudos sobre políticas públicas no México em Jean François Prud'homme, "Observaciones en torno al tema de la cultura política en México", ILET, mineo. México, 1990.
  • 3 A pesquisa foi realizada para o projeto "Cultura Política en Sociedades Urbanas", pelo Centro de Investigaciones Cultural y Científico e pelo Instituto Latinoamericano de Estudos Transnacionales (ILET) sob o patrocínio de BANOBRAS, sob a direção de Victor M. Durand e Jean François Prud'homme.
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    Tradução de Régis de Castro Andrade.
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    Referimo-nos a Gabriel Almond e Sidney Verba.
    The Civic Culture, Princeton University Press. Princeton, N. Y., 1963.
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    Pode-se encontrar um resumo dos estudos sobre políticas públicas no México em Jean François Prud'homme, "Observaciones en torno al tema de la cultura política en México", ILET, mineo. México, 1990. O texto resgata as críticas que tenham tido os enfoques mencionados, especialmente o trabalho de Almond e Verba.
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    A pesquisa foi realizada para o projeto "Cultura Política en Sociedades Urbanas", pelo Centro de Investigaciones Cultural y Científico e pelo Instituto Latinoamericano de Estudos Transnacionales (ILET) sob o patrocínio de BANOBRAS, sob a direção de Victor M. Durand e Jean François Prud'homme.
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    Coatzacoalcos e Minatitlán são duas cidades praticamente conurbadas, situadas no estado de Veracruz, cuja vida econômica é definida pelo petróleo. Nelas localizam-se as refinarias petroquímicas mais importantes do país e uma das mais antigas. A atividade petroquímica estimulou o crescimento de importante setor de serviços, diversificando a atividade econômica. Os sindicatos dos petroleiros têm evidentemente influência muito importante na vida das cidades.
    León localiza-se no centro do país, no estado de Guanajuato. As atividades econômicas básicas são a produção de couro, especialmente sapatos, e um importante setor de serviços, especialmente comércio. A cidade é dominada por uma elite tradicional muito relacionada com a Igreja Católica e caracteriza-se, ademais, por uma organização coorporativa de curtidores e sapateiros, que se expressa socialmente nos bairros e atividades sociais. É sem duvida uma sociedade tradicional e conservadora.
    Matamoros é uma cidade de fronteira do estado de Tamaulipas. Sua proximidade dos Estados Unidos e especialmente do Texas responde por várias de suas características. Tradicionalmente é uma cidade comercial sobretudo de produtos agrícolas, convertendo-se depois em sede importante da indústria montadora cuja atividade domina atualmente a economia. A cidade possuía liderança tradicional "compartilhada" entre um velho lider sindical da CTM e um atacadista de grãos. Atualmente há conflito importante entre as elites tradicionais e as novas elites surgidas com a industrialização.
    Tapachula encontra-se na fronteira sul, pertencendo ao estado de Chiapas. É basicamente comercial e de serviços estatais, administrando um
    binterland agrícola e pecuário. Por sua situação fronteiriça é um polo de atração da migração. centroamericana é uma cidade com baixa atividade industrial, com ampla presença de população indígena. É dominada por uma elite agrária, cafeeira, de tipo tradicional.
    Tijuana fica no estado da Baixa Califórnia, vizinha ao estado americano da Califórnia. É uma cidade com atividade importante na indústria montadora, um setor de serviços bastante desenvolvido e um fluxo de turismo americano bastante forte. É uma das cidades que mais cresce no país, apresentando elite bem diversificada.
    Finalmente Torreon (Coahuila), Gomez Palácio e Lerdo (Durango) formam o conglomerado urbano conhecido como La Laguna, situado no norte do país. A atividade industrial orienta-se para a produção de produtos metálicos, minerais não-metálicos, móveis, laticínios e derivados e produtos químicos. No interior existe importante atividade agropecuária que tem decrescido por razões diversas. Constitui-se importante pólo de atração migratória, o que gera importantes problemas de marginalidade urbana e emprego. A elite política é de perfil coorporativo tradicional e está submetida a uma crescente competição política.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Jan 2011
    • Data do Fascículo
      Ago 1992
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