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Os partidos e a TV

PENSANDO O BRASIL

Os partidos e a TV

Ciro Marcondes Filho

Jornalista e professor da Escola de Comunicações e Artes da USP

Um importante pensador francês moderno disse certa vez, a respeito da publicidade, que a diferenciação que ela provoca nas pessoas, distinguindo-as das outras ("eu sou mais belo, tenho melhor carro, um cigarro mais fino), é puramente ilusória: não se trata de uma distinção real porque se aceita o modelo de vida que é o do poder; o modelo nos molda a todos porque não nos deixa ver, porque há um "código" anterior que fabrica imagens sempre iguais.

Explicando melhor: a questão não é acreditarmos ou não na mensagem publicitária. A questão, nos anúncios, vai mais além da distinção entre verdadeiro e falso, assim como na moda, diz ele, vai mais além do belo e do feio e nos objetos, mais além do útil e do inútil. Por trás da aparência há uma estrutura fixa, predeterminada, rígida e autoritária: é o código. A ideologia fala pelo código e não pelo conteúdo da comunicação. Vamos ver como isso se aplica no caso do programa de televisão do PT.

Já se assistiu a vários programas do PT no horário gratuito de televisão e constatou-se que, de fato, houve sensíveis melhoras na sua produção. O programa amadureceu um pouco mais, desenvolveu elementos mais dinamizadores e aprendeu em cada nova produção. Entretanto, sente-se que o programa do PT permanece preso a uma "doença infantil". Por mais que mude a mensagem, passando de um cenário de discurso para um de parque Ibirapuera, e deste para um com tomadas do campo e dos problemas rurais, o "código" mantém-se o mesmo: são falas novas dentro de um arcabouço tradicional. Sabe-se que o PT possui cabeças inovadoras, pessoas voltadas para a transformação política da sociedade. Falta, não obstante, gente que abra espaço para a discussão dos problemas da cultura. Parafraseando o editor italiano Elio Vittorini, infelizmente, "a linha que separa o progresso da reação, no âmbito da política, não é a mesma que os separa no âmbito da cultura". Homens progressistas em matéria de política não o são necessariamente em termos de universo cultural (e ideológico), que parece ser, de fato, muito mais complexo e decisivo.

De volta ao programa do PT: o velho "código", que trai, pois encobre um modo de produção tradicional e burguês de televisão, é o do vedetismo, das entrevistas-aula, dos discursos, do carrossel de políticos, atores, intelectuais e, por fim, Lula defendendo a filiação ao PT. O partido sofre até hoje da doença da afirmação, precisando a cada nova oportunidade dizer que "essas figuras ainda estão lá!"

Televisão, entretanto, é um outro meio, uma outra linguagem que nada tem a ver com o discurso político do velho estilo. Em programas anteriores, o PT reproduzia essas retóricas, num triste anacronismo desgastando o meio e dispersando a audiência. Hoje, bem pensadamente, superou parcialmente essa antipolítica. é preciso ver, antes de mais nada, que o programa invade um horário sagrado, o das telenovelas; que a presença do partido "atrapalha" o "bom" encaminhamento da programação repousante. Esse corte deveria ser avaliado com mais cuidado. Provoca uma quebra na programação televisiva (que conduz, em geral, ao esquecimento dos problemas sociais gritantes) e introduz aí um "intruso", falando de política, obrigando o telespectador a refletir, à queima-roupa, o que é, em muitos casos, uma antipropaganda.

O PT é o único partido político que ainda se utiliza da velha lei de cessão de horário de televisão. Outros partidos talvez não o tenham feito por cautela: se o PT resolveu comprar essa briga, seria mais produtivo entrar para ganhá-la. E ganhar, aqui, significa produzir um programa (sem dúvida, político) mas explorando a potencialidade do meio televisão, que nada tem a ver com o discurso político tradicional.

Mônica Teixeira realizou reportagens extraordinárias na televisão. Os meninos da cidade, a bomba atômica brasileira, o cabo Bruno, a poluição industrial e outras tantas matérias que deram à televisão uma nova dimensão. é, sem dúvida, a melhor repórter brasileira. Não porque trouxe um novo conteúdo, mas porque explodiu com o código. A TV Globo faria — e o fez — reportagens com os mesmos temas, mas insossas, apolíticas, esvaziadas. Mônica Teixeira, ao contrário, fez política sem falar uma palavra de política. Um programa seu tem mais efeito político-ideológico do que centenas de vídeos do PT no horário nobre. O que ocorre com o PT? Por que não consegue explodir com o código tradicional? Por que seus progressistas na política não o são em termos de cultura?

Diretamente ao inconsciente

Televisão não é palanque; comunicação política não é festinha ingênua, onde cada um vem declamar o seu poema. Sua mensagem atinge — como no caso da TV Globo — dimensões muito mais complexas e insondadasdo que imaginam alguns idealizadores tradicionais do PT. A linguagem da TV fala diretamente ao inconsciente, às fantasias do público, às aspirações, desejos e esperanças. Existe uma utopia socialista tão rica e formosa, mas tão deturpada de consumismo como a da TV comercial burguesa: onde estão nossos idealizadores que não exploram a fantasia socialista?

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Fev 2011
  • Data do Fascículo
    Set 1985
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