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A ÂNCORA DA SEGURANÇA: CENTRALIDADES E CAPITAIS NA REDE DE SEGURANÇA DO PORTO DE SANTOS

THE SECURITY ANCHOR: CENTRALITIES AND CAPITALS IN THE SECURITY NETWORK OF THE SANTOS PORT

Resumo

Este artigo busca contribuir empiricamente para os debates sobre a posição do Estado diante da pluralização dos atores no policiamento. O artigo mapeia a rede de segurança do porto de Santos com os objetivos de identificar as organizações que ocupam as posições centrais e compreender os capitais intercambiados que influenciam as suas centralidades. Os dados foram coletados em entrevistas semiestruturadas em profundidade com 17 gestores e ex-gestores, descritos por meio de análise de redes sociais e aprofundados com análise de conteúdo. Os resultados indicam que as posições centrais são ocupadas predominantemente por atores públicos, como a Comissão Estadual de Segurança Pública nos Portos, Terminais e Vias Navegáveis (Cesportos) e a Polícia Federal, bem como pela segurança privada orgânica dos terminais portuários. Contudo, o Estado continua como a âncora da segurança, pois a centralidade dos atores privados é dominada pelos capitais mobilizados e buscados pelos atores públicos.

Palavras-chave:
Porto de Santos; Redes de Segurança; Análise de Redes Sociais; Capitais

Abstract

This article seeks to contribute empirically to debates about the State position in face of the pluralization of policing actors. To identify organizations that occupy central positions and understand exchanged capitals influencing their centrality, this study maps the security network of the Santos port. Data were collected by means of in-depth semi-structured interviews conducted with 17 managers and former managers, described by social network analysis and deepened with content analysis. The results indicate that public actors such as Cesportos and the Federal Police occupy the central positions, as well as in-house private security of the port terminals. However, the State remains the security anchor, as the centrality of private actors is dominated by the capitals mobilized and sought by public actors.

Keywords:
Santos Port; Security Networks; Social Network Analysis; Capitals

Introdução

Em meados de 2018, a inteligência da Polícia Federal averiguava a informação de que grandes remessas de cocaína seriam exportadas pelo porto de Santos ocultadas em maquinários de construção civil. Em colaboração com a Alfândega da Receita Federal, que submete os dados da movimentação portuária à análise de risco, uma dessas cargas foi identificada em 17 de setembro. Tratores com rolos compactadores seriam exportados ao porto de Abidjan, na Costa do Marfim. O scanner, operado por funcionários do terminal portuário que embarcaria os tratores, apontava anomalias na carga, e as suspeitas aumentaram quando policiais e fiscais identificaram marcas de recortes em alguns rolos. Quase 13 horas foram necessárias até que funcionários do terminal conseguissem abri-los com maçaricos, revelando centenas de tabletes que totalizaram mais de uma tonelada de cocaína com alto grau de pureza. Após a apreensão, a Polícia Federal instaurou inquérito e prosseguiu com as investigações em conjunto com a Alfândega, ambas em colaboração com agências africanas e europeias. Em junho de 2019, a Operação Spaghetti Connection foi deflagrada em Abidjan: um grupo marfinense usava o porto de Santos para exportar cocaína para o continente africano e, depois, para a Europa. O esquema envolvia pessoas ligadas às máfias italianas ‘Ndrangheta e Camorra, bem como ao Primeiro Comando da Capital (PCC) (Pimentel, 2019PIMENTEL, José C. 2019. Máfia usou máquinas de construção para esconder 1,2 t de cocaína em SP. G1 Santos, 16 jul. 2019. Disponível em: Disponível em: https://glo.bo/3rxt7zj . Acesso em: 7 jul. 2021.
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).

Além de culminarem em grandes operações, apreensões como essa são ilustrativas das atividades cotidianas da segurança portuária que ocasionam trocas de informações, solicitações de apoio material e outras relações formais e informais entre diversos atores, públicos e privados. O tráfico internacional de cocaína é apenas um exemplo dos problemas que relacionam os atores na “complexa rede de esforço colaborativo por trás da segurança portuária” (Madsen, 2018MADSEN, Chris. 2018. Pacific gateway: state surveillance and interdiction of criminal activity on Vancouver’s waterfront. Salus Journal, v. 6, n. 1, pp. 26-43., p. 30, tradução nossa). Mas tal complexidade dificulta, senão impede, uma definição a priori de quais atores ocupam posições centrais nessas redes, o que reflete debates teóricos e normativos em voga nos estudos anglo-saxões sobre policiamento (Marks et al., 2013MARKS, Peter et al. 2013. Improving policing in the port of Rotterdam, the Netherlands. In: TAYLOR, S. Caroline; TORPY, Daniel J.; DAS, Dilip (ed.). Policing global movement: tourism, migration, human trafficking, and terrorism. Boca Raton: CRC Press. pp. 21-39.). De fato, uma perspectiva teórica e metodológica tem buscado mapear as relações pelas quais os atores envolvidos na segurança intercambiam recursos ou “capitais”, abordando suas posições nas redes como questões empiricamente abertas. Contudo, ainda é preciso explorar as articulações entre posições e capitais, bem como ampliar os campos de pesquisa em diferentes contextos, como o latino-americano (Dupont, 2004DUPONT, Benoît. 2004. Security in the age of networks. Policing and Society, v. 14, n. 1, pp. 76-91.; Whelan e Dupont, 2017WHELAN, Chad; DUPONT, Benoît. 2017. Taking stock of networks across the security field: a review, typology and research agenda. Policing and Society, v. 27, n. 6, pp. 671-687.). No Brasil, pouca atenção foi dada às redes de segurança em geral, muito menos em zonas de trânsito e espaços fronteiriços, como os portos. A segurança e a insegurança portuária ainda não foram pesquisadas pelos cientistas sociais, provavelmente em razão dos limitados dados abertos ao público e da dificuldade em acessar esse campo restrito (Cohen, 2019COHEN, Corentin. 2019. Desenvolvimento do mercado de drogas brasileiro em direção à África: mitos, evidências e questões teóricas. Journal of Illicit Economies and Development, v. 1, n. 2, pp. 134-144.).

Este artigo apresenta um estudo de caso sobre a rede de segurança do porto de Santos, o maior da América Latina, tido como o principal ponto de exportação da cocaína que atravessa o Brasil com destino ao continente europeu (Manso e Dias, 2018MANSO, Bruno Paes; DIAS, Camila Nunes. 2018. A guerra: a ascensão do PCC e o mundo do crime no Brasil. São Paulo: Todavia.). O artigo busca mapear as relações entre os atores envolvidos na segurança portuária com os objetivos de identificar as organizações centrais dessa rede e compreender os capitais intercambiados que influenciam suas centralidades. Quais organizações ocupam posições centrais na rede de segurança portuária, relacionam-se com muitas outras, posicionam-se mais próximas das demais e intermedeiam um maior número de relações? Quais capitais essas organizações buscam e mobilizam em suas relações, influenciando as posições centrais que ocupam? Para responder a essas perguntas, o artigo se baseou em uma pesquisa de método misto. A coleta dos dados foi realizada em entrevistas semiestruturadas em profundidade com 17 gestores e ex-gestores de níveis intermediários de órgãos públicos, empresas privadas e entidades sem fins lucrativos envolvidos na segurança portuária. Os dados foram descritos quantitativamente, por meio de análise de redes sociais, para a identificação das organizações que ocupam posições centrais, e, na sequência, aprofundados qualitativamente pela análise de conteúdo dos capitais intercambiados nas relações de três dessas organizações: a Comissão Estadual de Segurança Pública nos Portos, Terminais e Vias Navegáveis do Estado de São Paulo (Cesportos), a Polícia Federal e a segurança privada orgânica dos terminais portuários.

O artigo está organizado em três seções, além das considerações finais. A primeira seção revisa os debates dos estudos anglo-saxões sobre policiamento, em que a perspectiva das redes de segurança se insere. A segunda descreve os procedimentos metodológicos usados no estudo de caso sobre a rede de segurança do porto de Santos. A terceira apresenta os resultados, primeiramente ao mapear quantitativamente as organizações que ocupam posições centrais na rede e, depois, ao explorar qualitativamente os capitais buscados e mobilizados nas relações da Cesportos, da Polícia Federal e dos terminais portuários. As considerações finais discutem os resultados à luz dos debates teóricos e normativos sobre a pluralização do policiamento.

Âncoras, nós e laços

Os estudos anglo-saxões sobre policiamento passaram por importantes revisões nas últimas décadas. Até os anos 1970, com inspiração na definição weberiana do monopólio estatal do uso legítimo da força, esse campo de estudos se concentrava nas atividades desempenhadas pela polícia com a premissa de que ela exerceria o monopólio em nome do Estado (Loader e Walker, 2001LOADER, Ian; WALKER, Neil. 2001. Policing as a public good: reconstituting the connections between policing and the state. Theoretical Criminology, v. 5, n. 1, pp. 9-35.; Shearing, 2006SHEARING, Clifford. 2006. Reflections on the refusal to acknowledge private governments. In: WOOD, Jennifer; DUPONT, Benoît (ed.). Democracy, society and the governance of security. New York: Cambridge University Press . pp. 11-32.). Desde então, em um processo de pluralização do policiamento, atores voluntários, comunitários e, principalmente, comerciais se envolveram cada vez mais em atividades antes associadas à polícia, superando, inclusive, os seus contingentes em muitos países - no caso da expansão do setor de segurança privada (Florquin, 2011FLORQUIN, Nicolas. 2011. A booming business: private security and small arms. In: BERMAN, Eric et al. (ed.). Small arms survey 2011: states of security. New York: Cambridge University Press . pp. 101-127.). A partir dos anos 2000, novas perspectivas teóricas foram elaboradas para dar conta desse policiamento plural.1 1 Pluralização tornou-se o termo mais comum para dar conta desse processo, que não é adequadamente descrito como privatização, pois grande parte não foi antecipada ou planejada pelo Estado, tampouco implicou na substituição ou exclusão da polícia. O maior envolvimento de atores privados no policiamento ocorreu ao lado ou além dos atores públicos (Bayley e Shearing, 2001). Entretanto, divergências substanciais preencheram esse campo de estudos com debates teóricos e normativos a respeito da posição que o Estado ocupa e deveria ocupar, sobretudo a polícia, diante da pluralidade de atores no policiamento.

Duas perspectivas refletem grande parte desses debates. A primeira é a da governança nodal, elaborada diante da pluralização do policiamento no contexto norte-americano. De acordo com os seus expoentes, essa pluralização não se limita às estratégias de responsabilização por meio das quais o Estado continua dirigindo o policiamento, enquanto delega sua implementação para os atores privados. Empresas, comunidades e outros atores privados também assumiram maiores papéis nessa direção (Bayley e Shearing, 2001BAYLEY, David H.; SHEARING, Clifford. 2001. The new structure of policing: description, conceptualization, and research agenda. Washington, DC: National Institute of Justice.). Como “governos privados”, segundo Shearing (2006SHEARING, Clifford. 2006. Reflections on the refusal to acknowledge private governments. In: WOOD, Jennifer; DUPONT, Benoît (ed.). Democracy, society and the governance of security. New York: Cambridge University Press . pp. 11-32., p. 11), eles decidem o curso das ações que serão implementadas a partir dos seus próprios objetivos, alinhados aos interesses e bens comuns a determinadas coletividades que não necessariamente convergem com os interesses e bens públicos que remetem ao Estado. Compreender essa pluralização requer o abandono do viés estadocêntrico dos estudos sobre policiamento, de modo que antigas premissas sejam abordadas como questões empiricamente abertas - incluindo a importância da polícia. Por isso, nenhum ator deveria ser priorizado, em princípio. Na perspectiva da governança nodal, cada ator público ou privado é definido como um nó que governa a segurança por si mesmo, embora frequentemente integre redes. Além da importância, as características e as relações de cada nó também devem ser investigadas (Johnston e Shearing, 2003JOHNSTON, Les; SHEARING, Clifford. 2003. Governing security: explorations in policing and justice. London: Routledge.).

A segunda perspectiva é o pluralismo ancorado, que refletiu a pluralização do policiamento no contexto britânico. Embora concordem que os atores privados assumiram maiores papéis tanto na direção quanto na implementação do policiamento, seus expoentes discordam que a polícia ou o Estado como um todo representam apenas mais um nó entre tantos outros (Boutellier e Van Steden, 2011BOUTELLIER, Hans; VAN STEDEN, Ronald. 2011. Governing nodal governance: the ‘anchoring’ of local security networks. In: CRAWFORD, Adam (ed.). International and comparative criminal justice and urban governance: convergence and divergence in global, national and local settings. Cambridge: Cambridge University Press. pp. 461-482.). As razões para essa divergência incluem discussões teóricas e pesquisas empíricas que demonstram a contínua influência da polícia em crenças e sentimentos populares, sobretudo por uma associação até afetiva do policiamento público às noções de ordem e cidadania (Loader, 1997LOADER, Ian. 1997. Policing and the social: questions of symbolic power. The British Journal of Sociology, v. 48, n. 1, pp. 1-18.). Para Loader e Walker (2007LOADER, Ian; WALKER, Neil. 2007. Civilizing security. New York: Cambridge University Press .), os estudos sobre policiamento deveriam abandonar um tipo de ceticismo a priori com relação ao Estado para reconhecer sua proeminência nessas dimensões não só subjetivas, mas também objetivas, como a contínua demanda por uma presença visível da polícia e os limites morais impostos ao avanço da segurança privada. Na perspectiva desses autores, o Estado segue indispensável para a busca da segurança como um bem público, contribuindo, assim, para que os interesses e os bens comuns a determinadas coletividades não resultem em insegurança para outras. Ainda que haja tanto pluralismo quanto possível, o Estado deveria permanecer como uma âncora com a qual todos os demais atores se relacionassem legal e moralmente.

Apesar das divergências, essas duas perspectivas convergem ao reconhecerem que a pluralização dos atores envolvidos no policiamento requer maior atenção sobre os laços formais e informais que eles mantêm entre si. Além disso, ambas recorrem ao conceito de rede como uma metáfora para descrever conjuntos de atores mais ou menos relacionados (Loader, 2000LOADER, Ian. 2000. Plural policing and democratic governance. Social & Legal Studies, v. 9, n. 3, pp. 323-345.). De fato, uma terceira perspectiva teórica e metodológica tem contribuído para os debates sobre a pluralização do policiamento a partir de pesquisas empíricas sobre relações e redes. Por um lado, essa perspectiva busca compreender teoricamente as relações entre os atores a partir dos recursos que eles intercambiam, inspirando-se na teoria bourdieusiana e sua “metáfora dos capitais” (Dupont, 2004DUPONT, Benoît. 2004. Security in the age of networks. Policing and Society, v. 14, n. 1, pp. 76-91., p. 84). Essa metáfora conceitualiza os recursos como capitais de tipo econômico, político, cultural, social e simbólico, por exemplo, que os atores buscam e mobilizam para alcançar seus objetivos - incluindo melhores posições nas redes de segurança.2 2 O modo como Dupont (2004) discute essa metáfora dos capitais pode ser entendido como uma adaptação, em vez de uma aplicação completa da teoria bourdieusiana dos campos. O que a perspectiva das redes de segurança veio a definir como posição ou estrutura, decorrentes de interações concretas, difere do significado que esses termos assumem na teoria de Bourdieu (2011). Somadas aos capitais, estratégias e normas compõem as propriedades relacionais no interior das redes. Por outro lado, muitos expoentes dessa perspectiva propuseram uma técnica específica: a análise de redes sociais, que permite representar visualmente o conjunto das relações e mensurar as propriedades estruturais das redes de segurança (Whelan e Dupont, 2017WHELAN, Chad; DUPONT, Benoît. 2017. Taking stock of networks across the security field: a review, typology and research agenda. Policing and Society, v. 27, n. 6, pp. 671-687.).

Uma das grandes vantagens da análise de redes sociais é a possibilidade de contribuir empiricamente para os debates teóricos e normativos nos estudos sobre policiamento, sobretudo por mapear as posições centrais ou periféricas ocupadas por determinados atores (Nøkleberg, 2020NØKLEBERG, Martin. 2020. Examining the how of plural policing: moving from normative debate to empirical enquiry. The British Journal of Criminology, v. 60, n. 3, pp. 681-702.). Contudo, como Whelan e Dupont (2017WHELAN, Chad; DUPONT, Benoît. 2017. Taking stock of networks across the security field: a review, typology and research agenda. Policing and Society, v. 27, n. 6, pp. 671-687.) apontaram em um balanço da literatura, são poucas as pesquisas empíricas que articularam as propriedades relacionais e estruturais das redes de segurança, como os capitais que os atores intercambiam nas relações e as posições que eles ocupam nas redes. Essas pesquisas também precisam ser ampliadas para outros contextos, como o latino-americano, uma vez que se concentraram predominantemente na América do Norte. No Brasil, por exemplo, esse tema ainda não recebeu a devida atenção. São recentes os estudos que abordaram relações e redes, sejam elas formais, entre agências estatais (Costa, 2018COSTA, Arthur T. 2018. Public security and policy networks in Brazil. International Journal of Criminology and Sociology, v. 7, pp. 149-158.), informais, entre grupos ocupacionais (Paes-Machado e Nascimento (2014PAES-MACHADO, Eduardo; NASCIMENTO, Ana Márcia. 2014. Conducting danger: practices and nodal networks of security governance among taxi drivers. International Journal of Comparative and Applied Criminal Justice, v. 38, n. 1, pp. 1-22.), ou entre atores públicos e privados específicos, como polícias, empresas de segurança e comunidades (Lopes, Lima e Melgaço, 2021LOPES, Cleber; LIMA, Fabricio S.; MELGAÇO, Lucas. 2021. Solidary neighbors? The involvement of middle- class communities in the governance of security and disorder in Brazil. Journal of Contemporary Criminal Justice [online], pp. 1-17. ; Nalin e Lopes, 2021NALIN, Luan; LOPES, Cleber. 2021. Uma análise das relações de poder no campo da segurança: as interações entre vigilantes e policiais nas portas giratórias de agências bancárias. O Público e o Privado, v. 19, n. 38, pp. 233-258.; Zanetic, 2010ZANETIC, André. 2010. A relação entre as polícias e a segurança privada nas práticas de prevenção e controle do crime: impactos na segurança pública e transformações contemporâneas no policiamento. Tese de Doutorado em Ciência Política. São Paulo: USP.).

Assim, este artigo oferece mais uma contribuição para os recentes estudos sobre o tema no país, buscando preencher as lacunas apontadas por Whelan e Dupont (2017WHELAN, Chad; DUPONT, Benoît. 2017. Taking stock of networks across the security field: a review, typology and research agenda. Policing and Society, v. 27, n. 6, pp. 671-687.) ao mapear a rede de segurança do porto de Santos, identificar as organizações que ocupam posições centrais e compreender os capitais intercambiados que influenciam suas centralidades.

Procedimentos metodológicos

Com base em conceitos já operacionalizados pela perspectiva teórica e metodológica das redes de segurança, este artigo buscou mapear a rede de relações entre as organizações que atuam na segurança do porto de Santos. Nesse sentido, os nós da rede foram definidos a nível organizacional e abrangem um conjunto de órgãos públicos, empresas privadas e entidades sem fins lucrativos, direta ou indiretamente envolvidos na segurança portuária. As organizações foram identificadas previamente em regulações, documentos, notícias e conversas preliminares com interlocutores, bem como no decorrer da coleta dos dados. Os laços entre as organizações também foram definidos em termos deliberadamente amplos, a fim de contemplar uma multiplicidade de relações formais ou informais, desde que em atividades de segurança - considerando o que a língua inglesa compreende por security, como prevenção, reação e investigação de suspeitas ou flagrantes de problemas criminais.3 3 Não foram incluídas as relações sobre safety, que diziam respeito a problemas como acidentes ou incêndios, tampouco contatos pessoais fora das atividades de segurança portuária. Como critério geral, seguindo outras pesquisas exploratórias sobre o tema (Nøkleberg, 2020NØKLEBERG, Martin. 2020. Examining the how of plural policing: moving from normative debate to empirical enquiry. The British Journal of Criminology, v. 60, n. 3, pp. 681-702.; Brewer, 2014BREWER, Russell. 2014. Policing the waterfront: networks, partnerships, and the governance of port security. Oxford: Oxford University Press. , 2015BREWER, Russell. 2015. The malleable character of brokerage and crime control: a study of policing, security and network entrepreneurialism on Melbourne’s waterfront. Policing and Society, v. 27, n. 7, pp. 712-731.; Dupont, 2006DUPONT, Benoît. 2006. Delivering security through networks: surveying the relational landscape of security managers in an urban setting. Crime, Law and Social Change, v. 45, pp. 165-184. ), o roteiro que guiou o mapeamento dessa rede buscou identificar parcerias, colaborações e quaisquer outras relações mantidas pelas organizações nas atividades de segurança do porto de Santos em algum momento no período de um ano. Em virtude da coleta de dados, feita entre o final de 2019 e o começo de 2020, o período foi definido como o ano de 2019.

Para a coleta, o roteiro foi aplicado em entrevistas semiestruturadas em profundidade com 17 interlocutores, gestores e ex-gestores da Cesportos, das Polícias Federal, Civil e Militar, da Alfândega da Receita Federal, da Capitania dos Portos e da Guarda Portuária, bem como de terminais portuários, empresas de segurança, consultorias, sindicatos e associações do setores portuário e de segurança privada. Assim como em outras pesquisas exploratórias, foram selecionados gestores de níveis intermediários que ocupavam ou haviam ocupado cargos de coordenação ou supervisão, por exemplo, considerados informantes-chave sobre as relações geralmente mantidas pela organização (Brewer, 2014BREWER, Russell. 2014. Policing the waterfront: networks, partnerships, and the governance of port security. Oxford: Oxford University Press. ).4 4 Três ex-gestores haviam ocupado cargos nos anos anteriores a 2019, fora do recorte temporal da pesquisa. Nestes casos, as entrevistas se concentraram nas relações que mantinham regularmente enquanto estavam em suas antigas organizações, complementando os dados coletados com os de outros interlocutores. No entanto, dois desses ex-gestores se tornaram gestores de outras organizações dentro do recorte temporal, de modo que foram entrevistados a respeito das relações mantidas por suas organizações antigas e atuais. De fato, outros interlocutores puderam ser entrevistados a respeito de duas organizações. Os membros da Cesportos, por exemplo, contribuíram com as relações mantidas pela comissão e por suas próprias organizações. O roteiro consistiu em uma lista das organizações previamente identificadas e três perguntas para identificar as relações mantidas pela organização do interlocutor com as demais da lista, os motivos das relações e as atividades desenvolvidas. Documentos concedidos pelos interlocutores e notícias jornalísticas que descreviam programas e operações conjuntas serviram como dados complementares.

A pesquisa adotou um método misto por meio da integração entre uma técnica quantitativa e outra qualitativa na análise dos dados, implementadas em fases sequenciais com propósitos complementares. A análise quantitativa foi implementada na primeira fase. Para tanto, as entrevistas transcritas foram inicialmente codificadas a partir de um referencial com todas as relações possíveis entre as organizações previamente identificadas e alguns grupos maiores, como operações conjuntas. Cada código aplicado gerou um relatório com as relações, que foram convertidas em um banco de dados e analisadas quantitativamente por meio das medidas de centralidade de grau, proximidade e intermediação, próprias da análise de redes sociais (Freeman, 1979FREEMAN, Linton. 1979. Centrality in social networks: conceptual clarification. Social Networks, v. 1, n. 3, pp. 215-239.). Na sequência, os resultados dessa primeira fase quantitativa serviram à seleção de três atores centrais para uma segunda fase de aprofundamento qualitativo, por meio da análise de conteúdo (Bardin, 2016BARDIN, Laurence. 2016. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70.; Hollstein, 2014HOLLSTEIN, Betina. 2014. Mixed methods social networks research: an introduction. In: DOMÍNGUEZ, Silvia; HOLLSTEIN, Betina (ed.). Mixed methods social networks research: design and applications. New York: Cambridge University Press . pp. 3-34.). As relações mantidas por esses três atores, codificadas nas entrevistas, foram comparadas entre si a partir da categorização dos capitais buscados e mobilizados, visando compreender as suas influências nas centralidades. Foram usados os softwares Pajek, na análise de redes sociais, e Atlas.ti, na codificação e na análise de conteúdo.

Resultados

Com instalações distribuídas nas duas margens de um estuário que separa os municípios de Santos e Guarujá, no litoral do Estado de São Paulo, o complexo portuário de Santos totaliza uma área útil de 7,8 milhões de m². Cerca de 1.400 vagões de trem, 7.400 caminhões e 7.200 contêineres passam diariamente pelo porto, embarcando e desembarcando cargas que, em mais de 4.800 atracações anuais, movimentam o equivalente a ¼ da balança comercial brasileira. Essas instalações estão situadas no interior de um território pertencente à União, legalmente definido como área do porto organizado e administrado por uma empresa estatal, a Santos Port Authority (SPA), que, dentre as suas atribuições, constitui e mantém a Guarda Portuária para a segurança dessa área. Alinhada ao modelo de gestão conhecido como landlord, a SPA tem pouca atuação nas operações portuárias propriamente ditas. O armazenamento, embarque e desembarque são realizados em 45 terminais portuários administrados por empresas privadas, que são igualmente responsáveis pela segurança de suas instalações. Desses terminais, 39 estão sob arrendamento de terreno na área do porto organizado e seis sob autorização para operar ao redor dessa área, além de serem auxiliados logística e burocraticamente por oito terminais retroportuários situados na zona secundária do porto (Santos Port Authority, 2020SANTOS PORT AUTHORITY. 2020. Fatos e dados: 2020. Santos: Santos Port Authority. 47 p. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/31if1XG . Acesso em: 13 jul. 2021.
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).

Nesse sentido, a segurança portuária reflete os recortes desse território e as suas especificidades como um espaço fronteiriço que reúne um amplo conjunto de atores públicos e privados, locais e globais. Autoridades portuárias, policiais e aduaneiras, agências reguladoras e forças navais atuam ao lado dos segmentos da segurança privada orgânica e especializada, prestadores de serviços, representantes dos modais de transporte e de outros intervenientes, bem como de agências estrangeiras e organizações internacionais. Os dados coletados possibilitaram o mapeamento de uma rede formada por 29 organizações: 15 (52%) públicas e 14 (48%) privadas, conectadas por 89 relações.5 5 A quantidade exata de organizações é muito maior, dado que, por exemplo, 53 terminais portuários e retroportuários compõem o complexo e cada um dos 4.800 navios que passam anualmente pelo porto conta com um oficial de segurança. Diante da impossibilidade de entrevistar todos os gestores e identificar as relações específicas que têm com cada terminal, navio etc., as organizações foram agrupadas em categorias e representadas por um único nó na rede, seguindo a solução encontrada por Brewer (2014, 2015). Vale ressaltar que esse agrupamento tem implicações para a análise de redes sociais, como a impossibilidade de distinguir as centralidades das organizações de uma mesma categoria, como os terminais portuários. Na medida do possível, a análise de conteúdo apontou algumas dessas distinções entre terminais que movimentam contêineres, granéis sólidos ou líquidos, por exemplo. A densidade e o grau médio dessa rede indicam que ao menos 22% das relações possíveis foram mantidas em algum momento de 2019, enquanto cada organização manteve, em média, seis relações no período.

Centralidades

A análise de redes sociais dispõe de um conjunto de medidas que operacionalizam a importância dos atores nas redes, identificando as posições centrais ou periféricas que eles ocupam. As medidas de centralidade de grau, proximidade e intermediação são as três principais, cada uma baseada em sua respectiva concepção de importância (Freeman, 1979FREEMAN, Linton. 1979. Centrality in social networks: conceptual clarification. Social Networks, v. 1, n. 3, pp. 215-239.). A primeira delas, a centralidade de grau, concebe os atores centrais como aqueles que mantêm um maior número de relações diretas. Uma das suas premissas básicas, por exemplo, é a de que os atores mais conectados ocupam posições importantes na rede por contarem com muitas fontes de recursos e terem maior capacidade de disseminá-los (De Nooy, Mrvar e Batagelj, 2019DE NOOY, Wouter; MRVAR, Andrej; BATAGELJ, Vladimir. 2019. Exploratory social network analysis with Pajek. 3. ed. New York: Cambridge University Press.). A Figura 1 representa visualmente a rede de segurança portuária por meio de um sociograma, indicando a centralidade de grau pelo tamanho dos nós.

Figura 1
Sociograma da rede de segurança do porto de Santos

Nós: atores organizacionais, representados em diferentes tamanhos de acordo com a centralidade de grau; Nós em cinza escuro: atores públicos; Nós em cinza claro: atores privados; Linhas: relações formais ou informais em atividades de segurança portuária em algum momento no decorrer de 2019.


O sociograma indica vários atores públicos centrais, sobretudo a Cesportos e a Polícia Federal. A Cesportos é um colegiado com atribuições relativas ao Código Internacional para a Segurança de Navios e Instalações Portuárias (ISPS Code) adotado pela Organização Marítima Internacional (OMI) após os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001. Composto por medidas obrigatórias e recomendações para navios, companhias de navegação e terminais portuários, o ISPS Code constitui uma emenda à Convenção Internacional para a Salvaguarda da Vida Humana no Mar (SOLAS), atualmente ratificada por 166 países, incluindo o Brasil, que atribui as responsabilidades por seu cumprimento para uma comissão nacional e 21 comissões estaduais.6 6 A Cesportos é composta por representantes da Polícia Federal, Receita Federal, Capitania dos Portos, Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ), Autoridade Portuária, por meio da Guarda Portuária, e da Secretaria de Segurança Pública do governo estadual (SSP-SP), por meio das Polícias Civil e Militar. No banco de dados, os membros da Cesportos foram conectados ao nó que representa a comissão, em vez de conectá-los uns aos outros. Essa pareceu uma opção mais justificada, tendo em vista que alguns membros se relacionavam institucionalmente apenas no âmbito da comissão. Essa opção também está de acordo com a análise de Brewer (2014), que excluiu os laços “latentes” da mera coparticipação em comissões e incluiu apenas os laços “ativos” entre os atores. A Cesportos tem atribuições próprias que a distingue dos seus membros, como a Polícia Federal, que coordena a comissão. Na segurança portuária, a Polícia Federal atua na prevenção, na repressão e na investigação de crimes praticados a bordo ou contra embarcações e bens, serviços ou interesses da União, como o tráfico internacional de drogas. Além da área de inteligência, um Núcleo Especial de Polícia Marítima (NEPOM) realiza patrulhamentos com lanchas no estuário e participa de outras ações ostensivas.

Mas o sociograma também aponta que uma das posições mais centrais nessa rede é ocupada por uma categoria de ator privado que representa os terminais portuários, administrados por empresas sob arrendamento ou autorização. As relações dos terminais em atividades de segurança portuária são mantidas por funcionários próprios que compõem o segmento orgânico da segurança privada, especialmente os Supervisores de Segurança Portuária (SSP) - cargo definido e exigido pelo ISPS Code. Entre outras coisas, esses funcionários são responsáveis pela implementação das medidas exigidas pelo código internacional, pela coordenação das atividades de segurança e pela comunicação com os outros atores públicos e privados.

Os resultados das outras medidas de centralidade são semelhantes. A Tabela 1 apresenta os resultados das centralidades de grau, proximidade e intermediação. Diferentemente da medida de grau, as outras duas medidas levam em conta o conjunto das relações da rede, incluindo as indiretas que envolvem intermediários.

Tabela 1
Medidas de centralidade

A centralidade de proximidade considera a distância que separa os atores na rede. Quanto mais perto um ator estiver posicionado dos outros e menos dependente for de intermediários, ocupando, assim, uma posição central, mais facilidade ele terá para acessar os recursos intercambiados na rede e disseminá-los, visto que não terá muitas restrições. Por outro lado, a centralidade de intermediação concebe a importância dos próprios atores que se situam entre os outros. Partindo da premissa de que os recursos tendem a fluir pelos caminhos mais curtos na rede, os atores situados no meio de muitos desses caminhos representam elos necessários e, por isso, também ocupam posições centrais ao receberem tais recursos e ao terem a capacidade de controlar os seus fluxos. Ambas as medidas variam de 0 a 1 - quanto mais próximas de 1, maior a centralidade (De Nooy, Mrvar e Batagelj, 2019DE NOOY, Wouter; MRVAR, Andrej; BATAGELJ, Vladimir. 2019. Exploratory social network analysis with Pajek. 3. ed. New York: Cambridge University Press.; Freeman, 1979FREEMAN, Linton. 1979. Centrality in social networks: conceptual clarification. Social Networks, v. 1, n. 3, pp. 215-239.).

Os resultados apresentados na Tabela 1 demonstram que as três medidas de centralidade apontam para um mesmo conjunto de atores centrais na rede de segurança portuária. Os atores mais conectados se posicionam igualmente mais próximos de todos os outros e intermedeiam um maior número de relações. Entre os atores públicos centrais estão, principalmente, a Cesportos e a Polícia Federal, enquanto os terminais portuários são atores privados que também ocupam posições centrais na rede. A Tabela 1 ainda demonstra que a diferença entre os atores centrais e os demais é maior em grau e proximidade do que em intermediação, mas ainda assim apresenta uma variação relativamente baixa. Mensurada em uma escala de 0 a 1, da menor à maior variação entre a centralidade de cada um dos atores, a rede apresenta uma centralização de 0.4934 em grau, 0.4656 em proximidade e 0.2240 em intermediação. Os resultados apontam para uma rede intermediária entre formas horizontalizadas e verticalizadas, com menor ou maior dependência de atores centrais bem conectados e próximos de todos os demais - de todo modo, uma rede independente de atores centrais que precisam intermediar relações (De Nooy, Mrvar e Batagelj, 2019DE NOOY, Wouter; MRVAR, Andrej; BATAGELJ, Vladimir. 2019. Exploratory social network analysis with Pajek. 3. ed. New York: Cambridge University Press.).

As próximas seções buscam aprofundar esses resultados quantitativos ao ir além das premissas subjacentes às medidas de centralidade e centralização. Uma análise do conteúdo das relações mantidas pela Cesportos, pela Polícia Federal e pelos terminais portuários permite compreender as posições centrais que tais atores ocupam ao explorar qualitativamente os diferentes tipos de capitais buscados e mobilizados.

Autoridades e competências

Um primeiro recurso elencado pela perspectiva teórica das redes de segurança é o capital político, entendido como a capacidade dos atores públicos ou privados de influenciar políticas alinhadas aos seus objetivos (Dupont, 2004DUPONT, Benoît. 2004. Security in the age of networks. Policing and Society, v. 14, n. 1, pp. 76-91.). Mais do que isso, porém, alguns atores envolvidos na segurança portuária têm a capacidade de, por si, impor políticas, visto que já dispõem de “ferramentas legais” a seu favor (Stenning, 2000STENNING, Philip C. 2000. Powers and accountability of private police. European Journal on Criminal Policy and Research, v. 8, pp. 325-352., p. 330). Esse tipo de recurso se aproxima do que Bourdieu (2011BOURDIEU, Pierre. 2011. Razões práticas: sobre a teoria da ação. 11. ed. Campinas: Papirus. ) chamou de capital jurídico, uma forma objetivada e codificada de autoridade, reconhecida legalmente, que implica “papéis formais” na segurança portuária e relações hierárquicas entre os atores (Brewer, 2014BREWER, Russell. 2014. Policing the waterfront: networks, partnerships, and the governance of port security. Oxford: Oxford University Press. , p. 25).

No caso da Cesportos, tal capital político é previsto juridicamente. Algumas das suas competências incluem baixar normas sobre segurança portuária em nível estadual e apresentar propostas para consolidar ou alterar legislações. Em 2019, a comissão mobilizou esse capital na elaboração de uma proposta de mudança legislativa com o objetivo de tipificar o crime de invasão nos terminais portuários - problema enfrentado em greves e manifestações, atualmente tipificado como crime contra a organização do trabalho. Além dos intercâmbios entre seus membros permanentes, a comissão também buscou atores privados dispostos a apoiar a proposta, como uma entidade da classe empresarial que representa os terminais.

Em geral, diante de problemas como esse, as competências da Cesportos atribuem à comissão um papel de coordenação que leva à busca de outros atores públicos e privados. Durante as entrevistas, foram apontadas relações com o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) e a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), visando a coordenação das medidas de segurança durante visitas presidenciais ou ministeriais ao porto, com órgãos da Prefeitura de Santos, em eventuais circunstâncias de os problemas de segurança portuária também afetarem o município, e com terminais retroportuários para discutir a possibilidade de implementação das medidas de segurança do ISPS Code.

Além da coordenação, esse capital jurídico se manifesta em relações hierárquicas de autoridade, sobretudo em regulações e fiscalizações. Sendo a responsável pelo ISPS Code, a Cesportos realiza auditorias nos terminais portuários e cumpre atribuições que exigem relações com os SSP dos terminais, com a Guarda Portuária e com outros atores não necessariamente situados no porto, como as Organizações de Segurança (OS).7 7 As OS são empresas credenciadas pela Comissão Nacional de Segurança Pública nos Portos, Terminais e Vias Navegáveis (Conportos) para a elaboração dos estudos de avaliação de risco e dos planos de segurança dos terminais portuários, ambas exigências do ISPS Code. Em caso de descumprimento do ISPS Code, a comissão comunica formalmente a ANTAQ, que regula os arrendamentos, realiza auditorias próprias nos terminais e aplica multas. Relações semelhantes envolvendo esse capital jurídico são mantidas pela Alfândega da Receita Federal, que estabelece requisitos de segurança para os recintos alfandegados atuantes no comércio exterior, como é o caso dos terminais, realizando fiscalizações periódicas. A Guarda Portuária, embora submetida às mesmas obrigatoriedades que os terminais portuários, ainda exerce autoridade sobre os terminais situados na área do porto organizado e sob administração da SPA, reunindo os planos de segurança desses terminais e, eventualmente, acompanhando simulados de segurança e realizando reuniões com os SSP.

Reuniões com o objetivo de estabelecer uma agenda comum indicam certa dose de autonomia dos terminais portuários. Embora o ISPS Code fale “só uma língua”, segundo um SSP, “tem a minha experiência, tem a minha visão, tem a minha especialização” e “são implementadas diversos procedimentos da empresa” (E1, informação verbal). De acordo com o gestor de uma multinacional, “os mesmos padrões de segurança” são implementados nos terminais administrados pela empresa ao redor do globo (E7, informação verbal). De fato, enquanto as regulações e as fiscalizações submetem os terminais às relações hierárquicas de autoridade, elas também atribuem competências aos SSP que os levam à relações mais horizontais com outros atores. No cumprimento dos procedimentos do ISPS Code, por exemplo, os SSP se comunicam com os oficiais de segurança dos navios que atracam nos terminais - seja em contatos protocolares para a troca de documentações e informações, seja por alertas ou situações de irregularidade, casos em que os SSP realizam uma intermediação entre os oficiais dos navios e os atores públicos, como a Capitania dos Portos. Os SSP também representam importantes pontos de ligação para outros atores privados, como empresas transportadoras, quando ocorrem desvios, assaltos ou sequestros de caminhoneiros, ainda que essas relações não decorram do ISPS Code.

Nos termos discutidos neste artigo, o capital jurídico é mobilizado em regulações, fiscalizações e coordenações que decorrem de “papéis formais” na segurança portuária (Brewer, 2014BREWER, Russell. 2014. Policing the waterfront: networks, partnerships, and the governance of port security. Oxford: Oxford University Press. , p. 25). Mas as competências legais também levam à relações que assumem outros capitais como seus conteúdos. O caso da Polícia Federal é ilustrativo, pois embora desempenhe esses papéis no âmbito da Cesportos, as suas competências na prevenção, reação e investigação de crimes, como o tráfico internacional de drogas, envolvem o intercâmbio de outros capitais em suas relações.

Associações e grupos

Um segundo tipo de recurso é o capital social, entendido como a capacidade de iniciar, manter e expandir relações nas atividades de segurança, na participação em grupos e assim por diante (Diphoorn e Grassiani, 2016DIPHOORN, Tessa; GRASSIANI, Erella. 2016. Securitizing capital: a processual-relational approach to pluralized security. Theoretical Criminology, v. 20, n. 4, pp. 430-445.; Dupont, 2004DUPONT, Benoît. 2004. Security in the age of networks. Policing and Society, v. 14, n. 1, pp. 76-91.). Em grande medida, esse conceito é operacionalizado pelas medidas de centralidade, que partem da premissa de que os atores mais conectados e próximos dos demais contam com mais fontes de informações, materiais e apoio (De Nooy, Mrvar e Batagelj, 2019DE NOOY, Wouter; MRVAR, Andrej; BATAGELJ, Vladimir. 2019. Exploratory social network analysis with Pajek. 3. ed. New York: Cambridge University Press.). Na definição de Bourdieu (1986BOURDIEU, Pierre. 1986. The forms of capital. In: RICHARDSON, John G. (ed.). Handbook of theory and research for the sociology of education. Westport: Greenwood. pp. 241-258. , p. 21), esse capital representa um agregado de recursos que podem ser acessados por meio das “redes de conexões”. Em grande medida, as redes de cada ator público e privado ainda representam recursos de maneira independente, que são buscados pelos demais atores nas relações que formam a rede de segurança portuária (Brewer, 2014BREWER, Russell. 2014. Policing the waterfront: networks, partnerships, and the governance of port security. Oxford: Oxford University Press. ).

A posição central ocupada pela Cesportos na rede de segurança portuária se deve largamente à sua constituição como um órgão colegiado, o que conecta a comissão a cada um dos seus membros permanentes. Relações formais mantidas no cumprimento de suas atribuições e relações informais no cotidiano deixam à disposição da comissão e dos demais os recursos institucionais de cada membro. O capital econômico torna isso evidente, uma vez que a Cesportos não possui verba própria, dependendo da mobilização de recursos materiais e financeiros entre as organizações que a compõem - um capital social que também é previsto juridicamente. Muitos outros recursos são acessados por esse meio, incluindo as redes de conexão dos seus membros. Durante o período analisado, por exemplo, a Cesportos não manteve relações com agências estrangeiras ou organizações internacionais, visto que essas relações são mantidas pela Polícia Federal e pela Alfândega, que transmitem o que é de interesse da comissão. Além disso, como Bourdieu (1986BOURDIEU, Pierre. 1986. The forms of capital. In: RICHARDSON, John G. (ed.). Handbook of theory and research for the sociology of education. Westport: Greenwood. pp. 241-258. ) enfatiza, o capital social não é dado; é o resultado dos esforços em prol de relações úteis. Esses esforços podem ser vistos na institucionalização da ANTAQ como membro permanente - antes membro convidado -, resultado de “um serviço forte, um lobby”, segundo uma interlocutora da comissão (E8, informação verbal).

O capital social de alguns atores privados também é buscado pela Cesportos, sobretudo das entidades da classe empresarial portuária. Quando é necessário disseminar informações de interesse comum a todos os terminais, a Cesportos costuma buscar essas entidades como um “elo de comunicação”, segundo um dos representantes sindicais: “quando há uma demanda da Cesportos, por exemplo: ‘ah, a Cesportos está precisando implementar alguma iniciativa diferente’, em vez de ela sair bater na porta de cada um desses terminais, ela nos aciona” (E14, informação verbal). Igualmente, quando são necessários recursos para a realização de atividades que sejam do interesse geral dos terminais portuários, a Cesportos busca o apoio do capital econômico dessas entidades, que reúnem os recursos financeiros e materiais dos terminais associados, incluindo instalações físicas. Foi o caso de um curso ministrado por membros da Cesportos aos SSP, em 2019: “quando nós somos demandados, nós ajudamos a organizar os temas ou usamos a estrutura do próprio [sindicato] para fazer os eventos” (E14, informação verbal).

O pertencimento às entidades da classe empresarial garante, ainda, um capital social relevante para os terminais portuários. Sob demanda ou de modo mais regular, algumas dessas entidades estabelecem “fóruns comuns de discussão”, nos termos do representante sindical (E14, informação verbal). Em âmbito formal, esse capital social ainda envolve o pertencimento a grupos empresariais que reúnem terminais portuários e retroportuários, o que facilita o contato entre os seus gestores para a troca de experiências e a comunicação diante de suspeitas. Contudo, o capital social dos terminais também pode ser visto informalmente. Os SSP mantêm muitas relações entre si, “existe uma corrente entre nós”, segundo um dos interlocutores (E15, informação verbal). Algumas dessas relações são decorrentes de contatos anteriores nas Forças Armadas, por exemplo, mas o próprio cotidiano da segurança portuária acaba criando laços entre os gestores de segurança:

Todos nós da segurança acabamos tendo [contato]. Porque assim, o porto, e segurança do porto, querendo ou não, é fechado. […] Nós nos conhecemos, nós nos conhecemos. […] O itinerário [da pessoa] já é gravado por toda a segurança do porto de Santos. […] Nós ficamos tachados dentro do porto. Tanto é que quem entra no porto é por indicação e acaba trocando de trabalho até por indicação, na maior parte das vezes. Porque um chama o outro. Porque é uma atividade muito específica. Trabalhar em porto é uma atividade extremamente específica. Você que é especializado em porto, as pessoas aqui do porto procuram pessoas do porto (E2, informação verbal).

Esse cotidiano dá origem a grupos informais por meio de aplicativos, mas também reuniões, visitas e outras atividades conjuntas. Alguns grupos incluem SSP de todos os terminais portuários, enquanto outros são formados por SSP de terminais específicos, unidos por questões geográficas ou funcionais - como os terminais da Ilha Barnabé, que movimentam produtos químicos, combustíveis e outros granéis líquidos de risco, e os terminais que movimentam contêineres, onde se concentram as atividades de segurança contra o tráfico internacional de cocaína. Essas relações foram comentadas pelo interlocutor de uma empresa de segurança privada que presta serviços para um grande terminal de contêineres, cujo SSP “tem conexão com todos os terminais, eu sei disso, eles trocam figurinhas” e “entre eles, os gestores, eles têm uma rede” (E17, informação verbal).

Por sua participação na Cesportos e pela responsabilidade de coordenar a comissão, a Polícia Federal também recebe e dissemina grande parte dos recursos que são intercambiados entre os membros. A sua posição central na rede é um indicativo desse capital social. Mais do que associações e grupos, porém, a sua rede de conexões é formada por um amplo conjunto de contatos, ativados de acordo com ações ostensivas e investigações em curso que exigem a busca de outros recursos materiais e informacionais.

Finanças e equipamentos

Um terceiro tipo de recurso é o capital econômico. Por um lado, esse capital inclui os recursos financeiros propriamente ditos, sendo uma forma de medir a capacidade de financiamento das atividades de segurança (Dupont, 2004DUPONT, Benoît. 2004. Security in the age of networks. Policing and Society, v. 14, n. 1, pp. 76-91.). Por outro, ele inclui os diversos recursos materiais que objetivam essa capacidade financeira, tais como o efetivo de homens, veículos, tecnologias e outros equipamentos adquiridos e mantidos pelas organizações, também buscados e mobilizados nas relações (Brewer, 2014BREWER, Russell. 2014. Policing the waterfront: networks, partnerships, and the governance of port security. Oxford: Oxford University Press. ; Diphoorn e Grassiani, 2016DIPHOORN, Tessa; GRASSIANI, Erella. 2016. Securitizing capital: a processual-relational approach to pluralized security. Theoretical Criminology, v. 20, n. 4, pp. 430-445.).

Recursos materiais são de suma relevância para as relações mantidas pela Polícia Federal, que reúne seus capitais com os de outros atores públicos em operações conjuntas. Em 2019, três grandes operações foram realizadas no porto de Santos com o objetivo de combater crimes ambientais, tráfico de drogas e contrabando: a Operação Descarte e as Operações Santos I e II, que envolveram a Receita Federal, Marinha, Guarda Portuária, Polícia Militar e a ANTAQ.8 8 Essas operações também envolveram a Fundação Florestal, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama) e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Como as atividades dessas organizações no âmbito das próprias operações não se enquadravam no escopo da segurança portuária, definido anteriormente como questões de security, elas não foram incluídas na rede analisada, embora sua inclusão não afetasse significativamente os resultados da análise quantitativa. Mais comuns são as operações com atores específicos, sobretudo aquelas em conjunto com a Alfândega da Receita Federal, pois há demandas recíprocas de recursos materiais, desde cães farejadores até lanchas. Em suas atividades individuais e conjuntas, tanto a Polícia Federal quanto a Alfândega ainda buscam recursos da Marinha, da Guarda Portuária e da Polícia Militar, como cães para inspeções, lanchas em ações ostensivas e homens e viaturas para escoltas, apoio armado ou serviços especializados, conforme relata um interlocutor da Alfândega:

Esses dias mesmo nós tivemos uma situação atípica, foi na semana passada, em que houve uma movimentação suspeita de mergulhadores próximos a um navio que costuma fazer a rota da Europa e que poderiam estar tentando introduzir drogas no navio. […] Foram detidos alguns mergulhadores, só que não foi encontrado nada com eles além do equipamento. Mas é uma situação no mínimo bizarra, o que estariam fazendo ali. Então, como a Alfândega não dispõe de equipe de mergulhadores e tampouco a Polícia Federal, nós solicitamos o apoio de uma unidade da Polícia Militar, que é a Polícia Ambiental, que eles têm mergulhadores. Eles fizeram então uma varredura no casco do navio, para ver se havia alguma coisa presa, que é uma das formas que você tem de poder enviar a droga (E10, informação verbal).

Além dessas atuações em conjunto com a Alfândega, as relações mantidas pela Polícia Federal durante o período analisado incluíam contatos com a Aeronáutica, especificamente para o uso da base aérea, e com a Polícia Civil, para receber apoio com veículos e outros serviços especializados. Perícia, exame necroscópico e carro de cadáver, nos termos de uma interlocutora da Polícia Civil, são demandados pela Polícia Federal, que investiga os óbitos a bordo de navios de cruzeiro “para ver se realmente foi uma morte acidental ou se teve ali um homicídio”, mas, por não contar com esses recursos, “ela faz parceria com a gente” (E9, informação verbal).

Esse intercâmbio de recursos materiais não se limita às relações entre os atores públicos, uma vez que os terminais portuários também costumam ser buscados por capitais desse tipo. Individualmente ou em operações conjuntas com a Polícia Federal, como exemplificado no caso da apreensão de cocaína que culminou na Operação Spaghetti Connection, a Alfândega inspeciona contêineres e outras cargas selecionadas por meio de análises de risco ou monitoradas em investigações. Para tais ações presenciais nos terminais portuários, os fiscais precisam coordenar ações com os SSP e os outros gestores que ordenam o posicionamento dos contêineres em locais específicos, designam funcionários para a desova das cargas e providenciam os equipamentos necessários à inspeção.

Ainda, algumas relações mantidas pelos terminais portuários envolvem recursos financeiros propriamente ditos, tanto buscados quanto mobilizados. Por um lado, muitos terminais integram programas voluntários, como o Operador Econômico Autorizado (OEA) da Receita Federal, que garante menores interrupções de fiscalização e maiores benefícios econômicos em troca do cumprimento de medidas de segurança. Programas semelhantes a nível internacional, eventualmente, exigem o contato entre os SSP e os gestores da segurança de empresas multinacionais dos modais de transporte marítimo e rodoviário, bem como com importadoras e exportadoras, visto que elas precisam verificar as medidas implementadas nos terminais por meio de checklists on-line ou auditorias in loco. Dependendo do programa, os SSP são contatados pelas agências estrangeiras responsáveis, como é o caso da U.S. Customs and Border Protection (CBP), que verifica o Customs Trade Partnership Against Terrorism (CTPAT).9 9 A CBP é uma agência vinculada ao Departamento de Segurança Interna dos Estados Unidos que mantém uma equipe na sede da Alfândega do Porto de Santos como parte da Container Security Initiative (CSI). A iniciativa visa o controle dos contêineres destinados aos Estados Unidos antes do seu embarque para o país. Por outro lado, os terminais mobilizam recursos financeiros na contratação de vários serviços de segurança, incluindo consultorias e OS que auxiliam no cumprimento das medidas de segurança obrigatórias ou voluntárias, empresas que terceirizam scanners e seus operadores e, principalmente, vigilantes de empresas de segurança privada especializada que realizam o controle de acesso, patrulhamentos internos e outras atividades sob gestão da segurança privada orgânica dos terminais portuários.

Essa mobilização de recursos financeiros diferencia os terminais portuários dos atores públicos. Interlocutores da Alfândega e da Guarda Portuária ressaltaram os típicos entraves dos processos licitatórios e muitas atividades-fim que não podem ser terceirizadas. Recursos materiais, por sua vez, são conteúdos de muitas relações da Polícia Federal. De fato, embora esses recursos também sejam intercambiados por meio do capital social da Cesportos, o apoio com homens, viaturas e embarcações se faz ainda mais relevante para as ações ostensivas da Polícia Federal, algo semelhante ao que ocorre com o capital cultural.

Informações e conhecimentos

Um quarto tipo de recurso é o capital cultural, entendido como a expertise acumulada e transmitida formalmente por meio de treinamentos, o conhecimento adquirido no cotidiano e as informações propriamente ditas, coletadas e analisadas em atividades de segurança (Nokleberg, 2019; Diphoorn e Grassiani, 2016DIPHOORN, Tessa; GRASSIANI, Erella. 2016. Securitizing capital: a processual-relational approach to pluralized security. Theoretical Criminology, v. 20, n. 4, pp. 430-445.; Dupont, 2004DUPONT, Benoît. 2004. Security in the age of networks. Policing and Society, v. 14, n. 1, pp. 76-91.). Essas formas correspondem às distinções de Bourdieu (1986BOURDIEU, Pierre. 1986. The forms of capital. In: RICHARDSON, John G. (ed.). Handbook of theory and research for the sociology of education. Westport: Greenwood. pp. 241-258. ) entre o capital cultural incorporado em disposições corporais e mentais, objetificado em instrumentos, máquinas e bens culturais, e institucionalizado, quando sancionado formalmente por meio de qualificações oficiais.

Na busca pelo conhecimento institucionalizado, alguns atores são convidados pela Cesportos a contribuir com os seus projetos. Em 2019, por exemplo, a comissão iniciou o desenvolvimento do Plano de Reação Estratégica do Porto de Santos (PRESP), um protocolo unificado para responder aos crimes no porto. Além da participação dos seus membros permanentes, a elaboração do plano também envolveu a Aeronáutica e o Exército. Segundo a coordenadora da comissão, “eles têm uma formação de reação estratégica mesmo, eles estudam isso, eles têm isso como base científica” (E8, informação verbal):

Então, eu falei assim: cada um vem contribuir com a sua base científica, como é que você poderia armar esse plano de reação estratégica? Eu entendo aqui do porto, de como funciona, a Marinha entende muito do porto, mas o Exército tem outra expertise, a Aeronáutica vai ter outra visão. Por exemplo, o que eles podem nos ameaçar via aérea? Qual tipo de ameaça a gente pode sofrer? Pra gente poder pensar um cenário como um todo, um cenário… O que eu não enxergo, o outro enxerga, porque cada um tem uma visão, eles veem o porto de uma maneira diferente da minha (E8, informação verbal).

Nas relações intersetoriais, ao contrário, a própria Cesportos é a responsável pela qualificação oficial dos SSP dos terminais portuários. Durante o período analisado, membros da Cesportos ministraram o 19º Curso Especial de Supervisor de Segurança Portuária, além de capacitações dos SSP para a elaboração dos estudos de avaliação de risco e dos planos de segurança dos terminais. Até o final de 2018, esses estudos e planos eram elaborados exclusivamente pelas OS, mas essa política foi alterada para que as unidades de segurança dos próprios terminais possam elaborá-los.

Para além dessas qualificações oficiais e institucionalizadas, os SSP são importantes pontos de contato para o acesso às informações e aos conhecimentos sobre as operações portuárias e o cotidiano das atividades de segurança. Eventualmente, essas informações são buscadas por atores públicos, como a Cesportos e a ANTAQ, para auxiliar na criação ou atualização de normativas. De fato, muitas dessas normativas que decorrem do capital jurídico dos atores públicos exigem o envio de informações pelos terminais portuários. Dados e imagens são disponibilizados em tempo real para a Central de Operações e Vigilância (COV) da Alfândega da Receita Federal, os crimes identificados no interior dos terminais devem ser relatados à Cesportos por meio dos Relatórios de Ocorrência de Ilícitos Penais (ROIP) e a comissão baixa portarias para o envio de informações específicas. Mas os SSP também são pontos de contato para atores privados: gestores de segurança das empresas do modal de transporte rodoviário, por exemplo, buscam algo semelhante a uma “consultoria” com os SSP, a fim de aprimorarem suas próprias políticas, segundo um ex-SSP (E3, informação verbal).

O intercâmbio de informações assume uma relevância estratégica em ocorrências que exigem coordenação. Quando estivadores invadiram terminais portuários em movimentos grevistas, por exemplo, as reuniões entre os membros da Cesportos incluíram os SSP desses terminais, bem como os seus representantes sindicais, no intuito de elaborar ações conjuntas e montar uma “rede de inteligência”, nos termos de uma interlocutora da comissão: “a gente montou um grupo ‘ó, eu escutei que eles vão… Pessoal está querendo fazer, invadir por não sei onde; ah, eles vão interceptar os carros que levam os funcionários’, e a gente já se antecipava” (E8, informação verbal). Igualmente, os SSP são buscados pela Polícia Federal e pela Alfândega durante o planejamento das operações, que demandam informações estratégicas para a realização de flagrantes. Segundo um SSP, essas autoridades não conhecem a “área” e a “rotina” (E15, informação verbal). Após as apreensões de drogas e outras ocorrências nos terminais, informações também são repassadas pelos SSP às autoridades policial e aduaneira para, assim, contribuir com as investigações.

Vistos como fontes privilegiadas de informações e conhecimentos, os SSP dos terminais portuários são procurados por diversos atores públicos e privados, formal ou informalmente. As relações baseadas nesse tipo de capital também correspondem à centralidade da Polícia Federal na rede. Os SSP são apenas um exemplo dos muitos atores privados que são buscados por informações, como os terminais retroportuários, os atores dos modais de transporte marítimo e rodoviário, as entidades da classe trabalhadora portuária e o Órgão Gestor de Mão de Obra (OGMO).10 10 O OGMO é uma associação civil sem fins lucrativos responsável pelo fornecimento de Trabalhadores Portuários Avulsos (TPA) aos terminais portuários. Os TPA não têm vínculo empregatício com os terminais, mas são cadastrados pelo OGMO, que administra a oferta de trabalho de acordo com a demanda dos terminais. Entre os atores públicos, além das constantes trocas de informação com a Alfândega, a Polícia Federal ocasionalmente demanda imagens das câmeras operacionalizadas pela Guarda Municipal e troca informações com a Polícia Civil, a Marinha, o Exército e a ABIN, assim como com agências estrangeiras, principalmente adidâncias policiais, seja para instruir investigações sobre drogas exportadas do porto de Santos e apreendidas em portos estrangeiros, seja para colaborar em grandes operações, como a Spaghetti Connection.

Reconhecimento e legitimidade

Um último recurso elencado pela perspectiva teórica das redes de segurança é o capital simbólico. Embora seja distinguido como um tipo específico, esse capital é definido como uma forma que pode ser assumida por quaisquer recursos reconhecidos e valorizados (Bourdieu, 1986BOURDIEU, Pierre. 1986. The forms of capital. In: RICHARDSON, John G. (ed.). Handbook of theory and research for the sociology of education. Westport: Greenwood. pp. 241-258. , 2011). Competências e papéis formais, o pertencimento a grupos e redes de conexões, bens materiais e financeiros e conhecimentos e informações, conforme discutidos anteriormente, são recursos não só mobilizados e buscados nas relações, mas também percebidos e apreciados de certas maneiras - como fontes de boa reputação e prestígio, autoridade e legitimidade perante os demais atores (Diphoorn e Grassiani, 2016DIPHOORN, Tessa; GRASSIANI, Erella. 2016. Securitizing capital: a processual-relational approach to pluralized security. Theoretical Criminology, v. 20, n. 4, pp. 430-445.; Dupont, 2004DUPONT, Benoît. 2004. Security in the age of networks. Policing and Society, v. 14, n. 1, pp. 76-91.).

Um exemplo dessa valorização é a constituição da Cesportos como um órgão colegiado e baseado na rede de conexões entre seus membros, que tendem a reconhecer positivamente esse capital social. Ao longo dos anos, de acordo com a representante da Polícia Civil, uma cultura orientada para a cooperação foi enraizada no âmbito da Cesportos e trouxe bons resultados para a segurança portuária: “você vê os números, as apreensões, os resultados, muito fruto do trabalho conjunto” (E9, informação verbal). Além dos contatos mais protocolares que são mantidos no cumprimento das atribuições da comissão, muitas relações são oportunizadas e viabilizadas por meio dessas conexões, que proporcionam apoios mútuos e a complementaridade entre os recursos de seus membros. Como “nenhuma instituição sozinha dá conta de tudo”, segundo a interlocutora, “não tem como fugir dessa rede, sabe, não é se isolar. Ninguém vai ficar forte, bam-bam-bam, porque eu sou tal órgão… Não dá. Precisa do outro. E aqui a gente conseguiu essa construção” (E9, informação verbal).

Esse reconhecimento não se limita aos recursos intercambiados pelos membros entre si e com a própria comissão; estende-se para outros atores públicos e privados. As relações de autoridade baseadas no papel formal da Cesportos, como é o caso das fiscalizações do ISPS Code, demonstram esse “capital simbólico de autoridade reconhecida” (Bourdieu, 2011BOURDIEU, Pierre. 2011. Razões práticas: sobre a teoria da ação. 11. ed. Campinas: Papirus. , p. 107). Interlocutores de entidades da classe empresarial que representam os terminais portuários, por exemplo, além de se empenharem como elos de comunicação entre a Cesportos e os terminais, também atuam para garantir o cumprimento das medidas de segurança por seus associados, de modo a evitar atritos com esse “ente mandatário” (E14, informação verbal). As demandas da Polícia Federal também são prontamente atendidas, pois, de acordo com um SSP, os terminais não só devem “abrir as portas” à Polícia Federal, como também colaboram voluntariamente “para que esses trâmites não venham a demorar” (E15, informação verbal). Esse reconhecimento ainda se manifesta no acionamento e no encaminhamento das ocorrências criminais às autoridades competentes. Diante de suspeitas ou flagrantes, os SSP acionam a Guarda Portuária ou entram em contato diretamente com as Polícias Federal ou Civil e a Alfândega. Não raramente, as Polícias Federal e Civil mantêm contato justamente para esclarecer a competência sobre o caso.

Em grande parte das relações apontadas, os SSP estão entre aqueles que reconhecem a autoridade da Cesportos e da Polícia Federal. Entretanto, eles também são valorizados pelos atores públicos e privados e são vistos como importantes pontos de contato e fontes privilegiadas de informações e conhecimentos, com muitas atribuições decorrentes do ISPS Code. A diferença é que esse reconhecimento não significa autoridade, sobretudo em relações com os atores públicos que expressam a sua subalternidade. Por exemplo, embora uma interlocutora da Cesportos reconheça o capital cultural dos SSP, valorizando o fato de que “os caras têm expertise”, ela também ressalta que “a gente dá expertise pra eles” (E8, informação verbal). Ainda, conforme ressaltado por um ex-SSP, “você tem uma subordinação, vamos dizer assim, à própria Cesportos, acaba que isso ocorre, não tem jeito” (E3, informação verbal). Isso não significa que a comissão não precisa se esforçar para que os seus capitais sejam reconhecidos. Ao lidar com temas sensíveis, como as invasões em movimentos grevistas, foram mantidas relações com entidades representativas das empresas e dos trabalhadores para que suas ações fossem “respaldadas” e realizadas “com a maior transparência, com lisura” (E8, informação verbal).

O saldo das entrevistas é que os atores públicos que ocupam posições centrais na rede de segurança do porto de Santos parecem ter conquistado esse capital simbólico, como demonstram os comentários sobre a Cesportos e a Polícia Federal. Para os interlocutores da Guarda Portuária e da Polícia Militar, a Cesportos reúne “todas as autoridades” (E5, informação verbal) ou “todos os órgãos envolvidos na área de segurança e na área de suporte” (E12, informação verbal). Mais importante, essa legitimidade é declarada pelos próprios SSP dos terminais portuários, que não só reconhecem sua subordinação, como também enaltecem os atores públicos centrais. Em determinado momento da entrevista, um desses interlocutores sugeriu que a pesquisa se concentrasse mais na Cesportos do que nos terminais, porque, em virtude das reuniões, cursos e demais atividades coordenadas pela comissão, “é ela que faz a ligação entre os terminais, entre os supervisores” (E1, informação verbal). Na percepção de outro SSP, a Cesportos “segura” as atividades de segurança portuária, seus membros “são os principais atores que nos apoiam, não só a mim, mas a todo o porto de Santos”, e a Polícia Federal, particularmente, “é o ator, na verdade, principal no porto de Santos” (E15, informação verbal).

Considerações finais

Este artigo buscou mapear a rede de segurança do porto de Santos com os objetivos de identificar os atores que ocupam posições centrais e compreender os capitais intercambiados em suas relações que influenciam suas centralidades. Os resultados demonstraram que as posições centrais da rede são ocupadas, predominantemente, por atores públicos, como a Cesportos e a Polícia Federal, mas estas não são posições exclusivas. Um dos nós centrais dessa rede representa os terminais portuários, cujas relações são mantidas por funcionários próprios que compõem o segmento orgânico da segurança privada. Os capitais intercambiados nas relações desses três atores centrais indicam os diferentes conteúdos das suas centralidades. A Cesportos, um colegiado com recursos que dependem da rede de conexões entre os seus membros, ocupa uma posição central por um amplo rol de papéis formais na regulação, fiscalização e coordenação da segurança portuária, o que demonstra a relevância dos capitais de tipo social e jurídico. A centralidade da Polícia Federal é igualmente decorrente de competências legais, mas para ações ostensivas e investigativas que requerem intercâmbios de recursos materiais e informacionais, cujo predomínio é de capitais econômicos e culturais. Em ambos os casos, sejam papéis formais ou funções operacionais, grande parte dessas competências e atribuições implicam relações com os terminais portuários, sobretudo com os SSP.

Estes achados corroboram os argumentos da governança nodal de que antigos pressupostos devem ser abordados como questões empiricamente abertas. Mesmo em zonas de trânsito e espaços fronteiriços, que costumam ser enxergados por uma lente estadocêntrica, atores privados ocupam posições centrais. As empresas que administram os terminais portuários contam com certa dose de autonomia na implementação de suas medidas de segurança, investem recursos financeiros na contratação de serviços e seus SSP compartilham conhecimentos entre si e são vistos como fontes privilegiadas de contato por vários atores públicos e privados. Contudo, muitas dessas relações decorrem da necessidade de responder às solicitações e cumprir obrigações perante atores públicos que continuam ditando os rumos da segurança portuária e sendo reconhecidos como os mais importantes, enquanto os SSP são considerados como dependentes e subordinados. Assim, a posição central da segurança privada orgânica dos terminais pode ser definida como uma “centralidade dominada” pelos capitais mobilizados e buscados por atores públicos. Ainda que os atores privados estejam entre os mais importantes da rede, o Estado continua representando a âncora da segurança portuária.

Em linhas gerais, as posições centrais, ocupadas predominantemente por atores públicos, mas associadas à centralidade dominada de importantes atores privados, são achados que convergem aos de outras redes de segurança portuária (Nøkleberg, 2020NØKLEBERG, Martin. 2020. Examining the how of plural policing: moving from normative debate to empirical enquiry. The British Journal of Criminology, v. 60, n. 3, pp. 681-702.; Brewer, 2014BREWER, Russell. 2014. Policing the waterfront: networks, partnerships, and the governance of port security. Oxford: Oxford University Press. , 2015BREWER, Russell. 2015. The malleable character of brokerage and crime control: a study of policing, security and network entrepreneurialism on Melbourne’s waterfront. Policing and Society, v. 27, n. 7, pp. 712-731.). Contudo, os atores privados em questão parecem variar, inclusive a importância do segmento orgânico da segurança privada dos terminais portuários. Nesse sentido, atores privados que ocupam posições periféricas no porto de Santos podem ocupar posições tão ou mais centrais que a segurança privada orgânica em outros portos. Mais pesquisas empíricas são necessárias para comparar as redes de segurança dos portos brasileiros entre si e com as de outros países, identificar os seus atores centrais, compreender por que eles ocupam tais posições e considerar a estabilidade ou a mudança dessas redes e posições ao longo do tempo.

Agradecimentos

Este artigo é decorrente de uma dissertação de mestrado em Sociologia, defendida na UEL e financiada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Agradeço ao Prof. Dr. Cleber da Silva Lopes pela orientação e colaboração em uma versão preliminar deste artigo, apresentada no 44º Encontro Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (ANPOCS), aos membros do Laboratório de Estudos sobre Governança da Segurança (LEGS-UEL) e às(aos) pareceristas anônimas(os) pelas valiosas sugestões à versão preliminar.

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  • 1
    Pluralização tornou-se o termo mais comum para dar conta desse processo, que não é adequadamente descrito como privatização, pois grande parte não foi antecipada ou planejada pelo Estado, tampouco implicou na substituição ou exclusão da polícia. O maior envolvimento de atores privados no policiamento ocorreu ao lado ou além dos atores públicos (Bayley e Shearing, 2001BAYLEY, David H.; SHEARING, Clifford. 2001. The new structure of policing: description, conceptualization, and research agenda. Washington, DC: National Institute of Justice.).
  • 2
    O modo como Dupont (2004DUPONT, Benoît. 2004. Security in the age of networks. Policing and Society, v. 14, n. 1, pp. 76-91.) discute essa metáfora dos capitais pode ser entendido como uma adaptação, em vez de uma aplicação completa da teoria bourdieusiana dos campos. O que a perspectiva das redes de segurança veio a definir como posição ou estrutura, decorrentes de interações concretas, difere do significado que esses termos assumem na teoria de Bourdieu (2011BOURDIEU, Pierre. 2011. Razões práticas: sobre a teoria da ação. 11. ed. Campinas: Papirus. ).
  • 3
    Não foram incluídas as relações sobre safety, que diziam respeito a problemas como acidentes ou incêndios, tampouco contatos pessoais fora das atividades de segurança portuária.
  • 4
    Três ex-gestores haviam ocupado cargos nos anos anteriores a 2019, fora do recorte temporal da pesquisa. Nestes casos, as entrevistas se concentraram nas relações que mantinham regularmente enquanto estavam em suas antigas organizações, complementando os dados coletados com os de outros interlocutores. No entanto, dois desses ex-gestores se tornaram gestores de outras organizações dentro do recorte temporal, de modo que foram entrevistados a respeito das relações mantidas por suas organizações antigas e atuais. De fato, outros interlocutores puderam ser entrevistados a respeito de duas organizações. Os membros da Cesportos, por exemplo, contribuíram com as relações mantidas pela comissão e por suas próprias organizações.
  • 5
    A quantidade exata de organizações é muito maior, dado que, por exemplo, 53 terminais portuários e retroportuários compõem o complexo e cada um dos 4.800 navios que passam anualmente pelo porto conta com um oficial de segurança. Diante da impossibilidade de entrevistar todos os gestores e identificar as relações específicas que têm com cada terminal, navio etc., as organizações foram agrupadas em categorias e representadas por um único nó na rede, seguindo a solução encontrada por Brewer (2014BREWER, Russell. 2014. Policing the waterfront: networks, partnerships, and the governance of port security. Oxford: Oxford University Press. , 2015BREWER, Russell. 2015. The malleable character of brokerage and crime control: a study of policing, security and network entrepreneurialism on Melbourne’s waterfront. Policing and Society, v. 27, n. 7, pp. 712-731.). Vale ressaltar que esse agrupamento tem implicações para a análise de redes sociais, como a impossibilidade de distinguir as centralidades das organizações de uma mesma categoria, como os terminais portuários. Na medida do possível, a análise de conteúdo apontou algumas dessas distinções entre terminais que movimentam contêineres, granéis sólidos ou líquidos, por exemplo.
  • 6
    A Cesportos é composta por representantes da Polícia Federal, Receita Federal, Capitania dos Portos, Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ), Autoridade Portuária, por meio da Guarda Portuária, e da Secretaria de Segurança Pública do governo estadual (SSP-SP), por meio das Polícias Civil e Militar. No banco de dados, os membros da Cesportos foram conectados ao nó que representa a comissão, em vez de conectá-los uns aos outros. Essa pareceu uma opção mais justificada, tendo em vista que alguns membros se relacionavam institucionalmente apenas no âmbito da comissão. Essa opção também está de acordo com a análise de Brewer (2014BREWER, Russell. 2014. Policing the waterfront: networks, partnerships, and the governance of port security. Oxford: Oxford University Press. ), que excluiu os laços “latentes” da mera coparticipação em comissões e incluiu apenas os laços “ativos” entre os atores.
  • 7
    As OS são empresas credenciadas pela Comissão Nacional de Segurança Pública nos Portos, Terminais e Vias Navegáveis (Conportos) para a elaboração dos estudos de avaliação de risco e dos planos de segurança dos terminais portuários, ambas exigências do ISPS Code.
  • 8
    Essas operações também envolveram a Fundação Florestal, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama) e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Como as atividades dessas organizações no âmbito das próprias operações não se enquadravam no escopo da segurança portuária, definido anteriormente como questões de security, elas não foram incluídas na rede analisada, embora sua inclusão não afetasse significativamente os resultados da análise quantitativa.
  • 9
    A CBP é uma agência vinculada ao Departamento de Segurança Interna dos Estados Unidos que mantém uma equipe na sede da Alfândega do Porto de Santos como parte da Container Security Initiative (CSI). A iniciativa visa o controle dos contêineres destinados aos Estados Unidos antes do seu embarque para o país.
  • 10
    O OGMO é uma associação civil sem fins lucrativos responsável pelo fornecimento de Trabalhadores Portuários Avulsos (TPA) aos terminais portuários. Os TPA não têm vínculo empregatício com os terminais, mas são cadastrados pelo OGMO, que administra a oferta de trabalho de acordo com a demanda dos terminais.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Fev 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2021

Histórico

  • Recebido
    14 Jul 2021
  • Aceito
    11 Nov 2021
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