Acessibilidade / Reportar erro

Processo constituinte e arranjo federativo

DOSSIÊ CONSTITUIÇÃO E PROCESSO CONSTITUINTE

Processo constituinte e arranjo federativo* * Versão original deste texto foi apresentada no V Congreso Latinoamericano de Ciencia Política, organizado pela Asociación Latinoamericana de Ciencia Política, realizado em Buenos Aires, de 28 a 30 de julho de 2010, e é resultado parcial da pesquisa "Em busca do processo constituinte: 1985-1988", desenvolvida no Centro de Estudos de Cultura Contemporânea com apoio do CNPq. O autor é especialmente grato a Brasilio Sallum Júnior. por seus valiosos comentários, os quais atenuaram as imperfeições e insuficiências do artigo.

Jefferson O. Goulart

Professor do departamento de ciências humanas da Unesp e pesquisador do Cedec

Comecemos por um enunciado amplamente aceito, para não dizer axiomático: a Carta de 1988 é a mais avançada das constituições republicanas brasileiras, tanto pela consagração de dispositivos democráticos quanto pela afirmação dos direitos de cidadania. Ademais, edificou uma ordem federativa notabilizada pelo fortalecimento dos níveis subnacionais de governo, cujas prerrogativas (e receitas) foram significativamente ampliadas. O consenso genérico, entretanto, não deve obscurecer o fato de que ainda há muitas questões a serem investigadas em relação ao processo constituinte em geral e ao arranjo federativo dele resultante, em particular.

A dinâmica da constituinte não pode ser reduzida a sua dimensão jurídica, pois é pautada por ritmos e interesses de natureza política. Se, com efeito, a nova lei amplia direitos individuais e coletivos, é também verdade que eles carregam a marca de seu tempo. Nessa perspectiva, em contraste com o positivismo do direito público mais tradicional, o arcabouço constitucional é tomado como eminentemente político, na medida em que exprime os jogos e as relações de poder entre atores institucionais (Bercovici, 2008). Ou seja, se é lícito supor que "só o direito pode limitar o poder", é igualmente válido afirmar que "só o poder pode criar o direito" (Bobbio, 1986, p. 13).

Comparada às Constituições precedentes – as de 1946 e 1967, além da emenda de 1969 – a de 1988 revela-se, de fato, avançada. Por outro lado, revela-se também curiosamente relegada após sua promulgação. Com a notável exceção de Ulysses Guimarães – que a transformou em plataforma eleitoral na frustrada disputa presidencial de 1989 –, ela deixou de ser invocada como referência político-institucional chave pelas diferentes posições ideológicas. Os exemplos dessa relativa renúncia são abundantes. À direita, os conservadores condenaram o conteúdo excessivamente "detalhado" (supostamente matéria infraconstitucional), resistiram às conquistas sociais e desde sempre advogaram pela reforma constitucional sob o propósito de promover ajustes e "flexibilizações". A contrariedade com as inovações constitucionais e as bases para afirmação de sua legitimidade foram anunciadas antes mesmo do início dos trabalhos, assumindo a forma de contestação jurídica segundo a qual a Assembleia seria apenas uma fonte de poder derivada, limitada por seu próprio ato convocatório: "estabelecida a premissa de que a Assembleia Nacional Constituinte exerce poderes constituintes secundários ou derivados, cumpre assinalar que sofrem, eles, a incidência de certas restrições, que limitam sua prática" (Ramos, 1987, p. 57). Essa argumentação doutrinária, bem se sabe, tinha como objetivo político primário assegurar o mandato integral do presidente Sarney.

À esquerda, mesmo subscrevendo a constituição, o PT fez ressalvas e votou contrariamente ao projeto global, sob o argumento de que seus avanços eram tímidos1 1 Por ocasião da votação do projeto final, Luiz Inácio Lula da Silva (1988, pp. 14313-4), então deputado e líder do partido, fez pronunciamento no qual argumentava que o PT "não trazia nenhuma ilusão de que poderia, através da Constituição, resolver todos os problemas da sociedade brasileira" e que "houve avanços, é claro, mas muito aquém dos esperados. Entramos aqui defendendo uma jornada de 40 horas semanais, ficamos com 44 horas, queríamos o dobro de férias, conseguimos apenas 1/3 a mais". . Ao centro, o antigo núcleo progressista do PMDB (origem do futuro PSDB) uma vez no governo e mediante infl exão liberista promoveu reformas – na esfera social e, sobretudo, na ordem econômica – que desfiguraram muitas das conquistas que ajudou a escrever e que antes unificavam a agenda das oposições de centro-esquerda.

Ainda que a polarização ideológica entre progressistas e conservadores tenha grande valor explicativo no cômputo geral e especialmente para as acirradas disputas de ordem econômica (Pilatti, 2008), tal síntese sobre a dinâmica constituinte não dá conta de suas múltiplas dimensões e conflitos. Outras posições devem ser consideradas nesse mosaico. Do contrário, não é possível explicar adequadamente o retrocesso em relação à reforma agrária (inseparável da grande mobilização liderada pela União Democrática Ruralista), a ativa presença de atores extrainstitucionais nesse processo decisório e outros resultados surpreendentes.

Enfim, é imperativo alargar o escopo analítico. Modelos explicativos herméticos oferecem pouca ajuda e não vão além de fórmulas viciadas, cujas respostas são formuladas ex ante. No escopo das questões federativas, por exemplo, não haveria espaço para problematizar a descentralização ou a assunção de prerrogativas pelos municípios, porque supostamente tais questões não integram o repertório do federalismo original preconizado por

Madison, Jay e Hamilton – restrito às relações entre União e estados e seus correspondentes freios e contrapesos. Instituições importam, mas é indispensável compreender por quem e em quais circunstâncias foram engendradas. Regras do jogo são determinantes, assim como os atores e seus cálculos, que produzem essas mesmas instituições, mas o contexto histórico-político e a ação política e social não são variáveis desprezíveis.

Sem pretensão de formular um novo modelo analítico ou de realizar uma exegese teórico-metodológica – mesmo porque este ensaio tem caráter limitado e assumidamente provisório –, tomamos como hipótese que uma abordagem estritamente institucionalista é insuficiente para oferecer explicações conclusivas sobre o processo constitucional.

A Constituição de 1988 não poderá ser compreendida adequadamente se não for inserida no contexto da transição brasileira, ou seja, ela se inscreve em um processo de influências recíprocas em que a democratização da sociedade e a mudança de regime político transcorrem de modo a influírem e a serem infl uenciados pelo processo constitucional. Daí que uma análise criteriosa precise necessariamente apreender o escopo e a complexidade de seu objeto. Em outras palavras, tomar as partes (no caso, a questão federativa) em sintonia com o todo (o processo constituinte), para então identificar relações de interdependência entre elas e eventuais originalidades da matéria. Esse percurso analítico abre possibilidades de redefinição de enfoques de modo a oferecer explicações convincentes sobre o geral e o particular, ou, pelo menos, sobre alguns de seus aspectos.

O ensaio será desenvolvido em três etapas. Primeiramente, será problematizada a relação entre transição e processo constituinte. Em seguida, serão discutidas questões relativas ao escopo federativo. Ao final, algumas pistas e hipóteses explicativas preliminares.

Transição, crise de hegemonia e processo constituinte

A transição sugere um componente valorativo subjacente, isto é, supõe ritos de passagem com resultados predeterminados que obrigatoriamente implicariam a superação do regime autoritário precedente e um ponto de chegada necessariamente democrático. Mas a "democracia consolidada é apenas uma das possíveis consequências do colapso de regimes autoritários" (Przeworski, 1994, p. 60). A advertência é duplamente valiosa: tanto porque desautoriza concepções deterministas da história, quanto porque repõe desafios clássicos do pensamento político, dentre os quais o estabelecimento de uma ordem razoavelmente estável e amplamente aceita entre governantes e governados, ou seja, um ordenamento legítimo.

No caso brasileiro, a literatura já demonstrou fartamente que os militares se dividiam basicamente em dois campos: o primeiro, mais duro, defensor do endurecimento e da manutenção sine die do regime; o segundo, mais moderado, que advogava a tese de sua progressiva institucionalização com manutenção da tutela fardada, controle de áreas estratégicas do Estado e algum grau de partilha do poder com as elites civis – linha sagrada vitoriosa com a ascensão do presidente Geisel e do grupo castelista, ainda que não sem tensões. Mas como a história comporta o acaso e a indeterminação, a transição assumiu contornos complexos e imprevistos. Assim se estabelece "a dialética da concessão, por parte do regime, e da conquista, por parte da sociedade" (Stepan, 1986, p. 57). Inviabilizou-se, inclusive, a distensão lenta, gradual e segura, cujos objetivos e desfechos não foram acordados: nem entre os próprios militares (sobretudo os setores instalados na comunidade de informações e nas instituições repressivas); nem entre eles e a oposição política, que não aceitou seus limites; tampouco com a sociedade civil, que protagonizou agitações singulares, como as que deram origem ao novo sindicalismo e ao maior movimento político-civil da história do país, a campanha "Diretas já".

A partir da tipologia desenvolvida por G. O'Donnell e P. Schmitter, e resgatada por Przeworski (1994), podemos sintetizar esquematicamente o desfecho da transição brasileira como o triunfo de um pacto entre posições moderadas: um acordo que isola os "linhas-duras" do bloco autoritário e das oposições para celebrar arranjos e instituições preconizados por "reformistas" de ambos os campos. Tal desenho retrata com razoável fidelidade a trajetória brasileira e seu momento decisivo (mas não último) representado pela Aliança Democrática, consórcio que reuniu os dissidentes do regime sob a forma da Frente Liberal e do PMDB, sob a liderança do igualmente moderado Tancredo Neves.

Nessas circunstâncias, as ideias de um novo pacto e de um novo sistema político ganham força no interior do regime militar, cuja erosão ganhou feição definitiva com o deslocamento de uma parte de sua antiga base de sustentação parlamentar na disputa sucessória de 1984. Assim, o ritmo e a correlação de forças da transição levaram à crescente aceitação da tese de uma nova Constituição – antes bandeira quase privativa das oposições política e civil2 2 Depois de um ciclo inicial mais frouxo, o regime autoritário brasileiro se distingue pela alta institucionalização, o que certamente tornou a transição mais complexa, inclusive do ponto de vista jurídico. Essa característica indica que, também no interior do regime, havia vozes em defesa de uma nova ordem constitucional, porém, a bandeira de uma nova constituição democrática é basicamente oposicionista. . Nesses termos, com destaque para a capacidade de organização e mobilização da sociedade civil, podemos incorporar a noção de que a liberalização fugiu ao controle do regime militar e passou a significar democratização (Sallum Jr., 1996).

O argumento merece ênfase: ainda em curso e sem um desfecho definido, a transição marcará o ritmo e o tom do processo constituinte, não só porque comporta enorme multiplicidade de atores em disputa pela imposição de seus interesses (Executivo, Forças Armadas, governos subnacionais, partidos políticos, sociedade civil em suas mais contraditórias formas de expressão), mas também porque a agenda constitucional não se circunscreve à substituição de um regime político ou à correspondente formatação jurídico-constitucional.

A agenda constitucional é complexa e multifacetada, na medida em que versa sobre o modelo de Estado (tanto no sentido político, que se impõe pelas exigências do Estado de Direito, quanto no econômico, que envolve as estratégias de desenvolvimento) e todas as definições daí decorrentes. Ademais, "assembleias constituintes são meios preventivos para limitar e controlar o poder, preparando a sociedade para a mudança política por meio de uma moldura jurídica, exatamente para evitar a ruptura revolucionária" (Faoro, 2007, p. 182). Tomando o argumento ao pé da letra, o processo constitucional enseja uma pactuação de alta complexidade, cujo objetivo consiste precisamente em impedir uma solução de ruptura para a transição. Busca-se, então, a autoridade baseada na legitimidade, ou seja, uma ordem legítima que supõe consentimento.

Mesmo que uma nova constituição tenda a assumir um caráter fundacional, no sentido de que promova algum grau de rompimento, anuncie um novo ordenamento e sintetize a superação da antiga ordem – porque envolve soberania, autodeterminação e a noção normativa de contrato (Faoro, 2007) –, há fortes razões para sustentar que nossa transição só se completou na década de 1990, por ocasião da implantação do Plano Real e do governo de Fernando Henrique Cardoso. Emerge, ali, uma nova hegemonia, que, para se consumar, promove novas mudanças constitucionais. Expliquemos melhor:

A gestão FHC imprimiu um forte ritmo de reformas porque identificou a raiz do problema da instabilidade econômica no Estado e, também, porque foi capaz de tornar seu ideário liberalizante hegemônico na sociedade, com correspondente maioria no Parlamento. Tal prevalência de valores traduziu-se em reorganizar o Estado, conjugando interesses os mais diversificados que, para além dos benefícios alcançados através da estabilidade, reuniram num mesmo lado o grande empresariado do sistema financeiro e expressivos segmentos do setor produtivo, amplas parcelas dos desorganizados de baixo, assalariados e boa porção das classes médias, a maior parte da mídia, investidores internacionais etc. (Goulart, 2002, pp. 41-2).

O processo constituinte reorienta e reorganiza os rumos da transição não apenas pelos resultados que produz em termos institucionais, mas também porque promove realinhamentos políticos, redefine a correlação de forças e a agenda do país. Ademais, "a nova 'institucionalidade' produzida pela Constituinte gerou dificuldades adicionais para a finalização da transição política" (Sallum Jr., 1996, p. 156), vale dizer, impasses jurídicos, políticos e socioeconômicos, cuja resolução implicaria a existência de uma nova hegemonia capaz de superá-los. Portanto, o segundo aspecto distintivo da transição que incide decisivamente na dinâmica dos trabalhos constituintes diz respeito à carência de um projeto hegemônico.

Os anos de 1980 são marcantes sob vários aspectos: i) cenário econômico profundamente modificado a partir dos efeitos deletérios das crises do petróleo, na década anterior, e da recessão que se instala na América Latina; ii) mudanças mundiais que incidem diretamente sobre o desempenho das economias da periferia do capitalismo, seja no nível da (in)disponibilidade do fluxo de capitais, seja no plano da competitividade, enfraquecendo-as ainda mais; iii) crescente enfraquecimento político do regime militar, tendência agudizada no pleito de 1982 com a perda de maioria do PDS no Congresso Nacional e a eleição de governadores de partidos de oposição nos principais estados da federação (SP, RJ e MG); iv) simultaneamente à crise do regime político, sinais de esgotamento do modelo desenvolvimentista de Estado que impulsionou o país e, que, no essencial, não só não foi alterado como, sofreu aperfeiçoamentos durante o regime militar.

Essa conjunção de fatores fracionou decisivamente o regime, além de impor obstáculos gigantescos à governabilidade do governo civil instalado em 1985. Tais dificuldades são essenciais para se compreender, de um lado, o insucesso dos planos de ajuste e das políticas macroeconômicas e, de outro, a fragilidade política do governo da Aliança Democrática, conduzido por José Sarney. Tentativas de retomar o caminho do desenvolvimento se frustraram basicamente porque se assentaram sobre as mesmas bases do paradigma em crise e porque faltava sustentação político-institucional e social. Nesses termos, o antigo pacto que assegurou vantagens a diversos segmentos (empresariado, burocracia e funcionários de empresas estatais, classes médias, trabalhadores qualificados de setores de ponta da economia como o setor automobilístico etc.) não só ruiu, como provocou tensões.

Do ponto vista estritamente numérico, maioria não faltou ao governo da Nova República, no processo constituinte: de um total de 559 cadeiras, o PMDB contabilizava 307 constituintes, enquanto o PFL tinha outros 134 parlamentares, perfazendo a bagatela de 78,8% da representação partidária3 3 Ao final dos trabalhos constituintes, PMDB e PFL tiveram suas bancas diminuídas (respectivamente para 234 e 126 parlamentares) em razão das migrações partidárias e, principalmente, do surgimento do PSDB. . A despeito do enfraquecimento do governo, é indispensável observar que as eleições de 1986 transcorreram sob o efeito político devastador do Plano Cruzado, o qual rendeu maciça vitória aos partidos governistas e efêmero prestígio para Sarney e seu governo. Assim, a maioria da representação da Aliança Democrática foi numérica, domínio ampliado pela presença de um terço de senadores biônicos face ao modelo adotado de Congresso Constituinte. Em tese, portanto, a situação tinha ampla e confortável maioria para fazer valer suas preferências. A propósito, quais prioridades? Aqui é imperativo fazer um registro político e uma distinção conceitual.

O PMDB sempre teve um caráter sabidamente frentista (catch all, partido-ônibus...). Sua pluralidade interna não foi problema na oposição ao regime autoritário, porque havia razoável unidade negativa em seu interior, isto é, coesão em torno da rejeição ao arbítrio e de uma plataforma difusamente democrática. Na constituinte, porém, confirmou-se a previsível dispersão político-ideológica dessa diversidade. Vale frisar: "Fleischer aponta que, da bancada do PMDB na Constituinte, 40 representantes eram oriundos do PDS e 42 da antiga Arena", números que levaram Campello de Souza a sustentar que a maior bancada da Constituinte não foi o PMDB, e sim a Arena de 1979: "nada menos que 7 dos 559 constituintes atuais tiveram passagem pela legenda que apoiou o autoritarismo" (Leme, 1992, p. 95). A tensão interna ao PMDB foi permanente, atingindo pontos nevrálgicos: (a) na disputa pela liderança do partido na constituinte (vencida pelo progressista Mário Covas contra Luiz Henrique da Silveira, candidato centrista patrocinado por Ulysses Guimarães); (b) na mudança regimental e na formação do Centrão, que representou uma espécie de desautorização da liderança partidária; e (c), finalmente, na consumação da cisão do grupo que deu origem ao PSDB.

Maioria parlamentar, portanto, não é sinônimo de hegemonia. Fruto do desempenho eleitoral das oposições, da experimentação e da incerteza próprias da tran-sição, "instaura-se no Brasil aquilo que Gramsci denominava de crise de hegemonia. O núcleo governamental não consegue mais dirigir a aliança desenvolvimentista e a sociedade como um todo. Os representantes dissociam-se dos representados". As consequências desse cenário são o fracionamento e a polarização ideológica e política, determinando "a desagregação no interior do bloco dominante" (Sallum Júnior, 1995, p. 160). Para este intérprete da transição, a crise terminal do pacto que sustentou o Estado desenvolvimentista está na raiz do problema e se refletiu nas frustradas tentativas de ajuste macroeconômico (malsucedidas precisamente porque tentadas em bases obsoletas), mas é evidente que uma desagregação de tal ordem não deixaria de se refletir na mudança de regime político e também no processo constituinte. Alguns aspectos evidenciam essa fragmentação:

1) embora majoritário, o PMDB jamais forjou sólida unidade política e programática, haja vista a inclinação da liderança de Mário Covas de se aproximar de posições à esquerda e do acirrado antagonismo ao governo, pela Aliança Democrática. Com a mudança do regimento interno e o surgimento do Centrão, o partido faz uma inflexão ao centro e à direita, influindo, obviamente, no conteúdo final da Constituição;

2) a relação de forças resultante das eleições de 1982 e 1986 conferiu grande influência, aos governadores, sobre temas nacionais, incluindo seu peso na campanha pelas eleições presidenciais diretas, a escolha da chapa Tancredo-Sarney e posições de veto em questões federais, em função da ascendência sobre as bancadas no Congresso (Abrucio, 1998);

3) em contraste com a tradição constitucional do país, a recusa tanto à esquerda como à direita em iniciar os trabalhos tomando como base um anteprojeto de Constituição – incluindo o desprezo inicial pelo produto da Comissão Provisória de Estudos Constitucionais, constituída em julho de 19854 4 Análises de juristas e relatos de protagonistas indicam que, já após o impasse diante da primeira versão do projeto constitucional, o conteúdo da "Comissão Arinos" foi invocado como alternativa de negociação. Na questão federativa – nos enunciados básicos e no tratamento como cláusula pétrea (ausente do ato convocatório) –, o texto constitucional e o anteprojeto da "Comissão Arinos" são razoavelmente coincidentes. – traduziu elevada falta de consenso substantivo das forças políticas;

4) a escolha de uma metodologia descentralizada (comissões temáticas e subcomissões) contribuiu decisivamente para gerar um modelo procedimental politicamente fragmentado, estimulando a emergência de núcleos mais autonomizados e considerável grau de polarização ideológica. Nesses termos, formam-se dois grandes partidos – progressistas e conservadores – que deram a tônica da disputa (Pilatti, 2008).

Assim, a inexistência de um projeto hegemônico capaz de organizar o processo político significou a ausência de controle da agenda da Constituinte ou, dito de outra forma, fragilizou a possibilidade de um controle efetivo, em razão da pulverização das forças políticas. Expliquemos.

Embora haja evidências de que os partidos tenham sido capazes de organizar interesses, como ocorre em qualquer democracia (Coelho, 1999); de que os procedimentos (estruturas decisórias, dentre as quais, comissões e subcomissões) e o protagonismo do campo progressista tenham influído decisivamente para o teor dos resultados produzidos (Pilatti, 2008); de que a capacidade de organização da sociedade civil tenha logrado êxito no propósito de fixar exogenamente suas próprias demandas (Brandão, 2011; Araujo, 2009; Michiles et al. 1989); ou ainda de que se tenha superado impasses como o caráter congressual da Constituinte e a mudança de regimento interno que limitou algumas conquistas do campo progressista, o ambiente de fragmentação conferiu um caráter mais suscetível e poroso à constituinte, cuja explicação reside precisamente na incapacidade de se forjar um polo hegemônico5 5 Embora o governo federal (através da "Comissão Arinos") alguns partidos políticos e outras instituições tenham apresentado projetos constitucionais completos, tais tentativas não foram suficientes para ensejar uma visão globalizante de Estado e de sociedade, tampouco para tornar-se hegemônica na transição. . Nesses termos, se não se pode falar categoricamente em primazia das partes, estamos autorizados a inferir que nenhuma força política tenha imposto seu projeto e sua concepção de mundo, isto é, nenhum agrupamento (partidos, governo, classe social etc.) formulou um projeto global para o país a partir do qual pudesse polarizar a disputa constitucional.

Se, com efeito, havia consenso em relação à mudança de regime político, o mesmo não se pode dizer em relação ao modelo de Estado. Os protagonistas desse processo pareciam ter ciência da complexidade das perguntas que se impunham (sintetizadas na nomenclatura das oito comissões temáticas), mas não ofereceram respostas abrangentes nem dispunham de ascendência política para enfrentá-las. Assim, liberais se empenhariam por um Estado mínimo, socialistas por uma economia amplamente planificada e social-democratas por um sistema de welfare. É notável que nenhuma dessas prescrições tenha se apresentado de maneira pura ou triunfado de forma clara e que, dessa forma, os resultados finais tenham comportado ingredientes de todas elas.

Nesse cenário politicamente dispersivo operou-se uma inflexão na dinâmica política, espécie de esquerdização da transição6 6 Como todo juízo requer critérios comparativos, assumimos a ideia de que a direitização se consagra com a derrota da emenda Dante de Oliveira e a composição da Aliança Democrática, sob a influência da Frente Liberal e a liderança moderada de Tancredo Neves. Assim se consuma a subtração do ingrediente popular da transição. . Como a correlação de forças não admitia rompimento com o status quo e a Constituinte era entendida como imposição de uma solução pactuada em busca de legitimidade para uma nova ordem, prevaleceu uma quase-ruptura: "[a constituinte] representou o processo mais radical do período de transição no Brasil"7 7 Depoimento do deputado constituinte José Genoino Neto, entrevista ao grupo de pesquisa "Em busca do processo constituinte: 1985-1988", em 4 de julho de 2008. .

Arranjo federativo

A sintética descrição do cenário em que transcorreu o processo constituinte demonstra que: (a) a maioria construí-da em torno do governo da Nova República não se manteve coesa a ponto de formatar a nova Carta a partir de um projeto hegemônico; e (b), a despeito da percepção das elites políticas de que a reforma do Estado era crucial, o comportamento dos constituintes não se pautou unicamente pelo corte partidário e menos ainda por alinhamento com o Executivo, obedecendo a lógicas diversas – inclusive regionalistas e suprapartidárias8 8 Coelho (1999) argumenta de forma convincente que os confl itos ideologicamente radicalizados não ocorrem à revelia dos partidos políticos, mas desconsidera, de um lado, os atores extraparlamentares e, de outro, que arranjos pontuais temáticos podem efetivamente transcender as identidades partidárias. .

No plano institucional, uma das características marcantes do regime autoritário se revelava na intensidade com que o poder era concentrado em seu nível superior, isto é, no rigoroso controle exercido pela União e na restrita permeabilidade do Estado relativamente à sociedade civil. À medida que se ampliavam as demandas locais e regionais e que crescia a influência dos governadores, colocava-se em pauta a necessidade de restabelecer uma correspondente institucionalidade federativa – política e tributário-fiscal – capaz de atualizar-se frente às transformações da sociedade brasileira e compatível com os compromissos da Aliança Democrática.

Note-se que a agenda da descentralização emerge antes mesmo do processo constitucional, a ponto de o "discurso anticentralização adquirir expressão nacional, transformar-se em slogan de governadores, objeto de pronunciamentos parlamentares e acumular propostas não só no plano partidário, como nas entidades e lideranças da sociedade civil". Um cenário em que a demanda por mais recursos para estados e municípios foi impulsionada, "no plano financeiro, com o apoio de governadores, vereadores e de boa parte dos deputados, preocupados em garantir mais recursos para suas regiões e estados" (Leme, 1992, p. 48).

Para além das definições de natureza doutrinária de maior visibilidade – como a ordem econômica, os direitos sociais ou o ordenamento estritamente político –, a agenda federativa representava aspiração por descentralização. Com a atmosfera democratizante do país, a desconcentração de poder também se traduziu em movimento de diástole, no sentido de tornar efetivo o aumento de prerrogativas das unidades subnacionais. Em outras palavras, mais poder e mais recursos para estados e municípios.

A descentralização não é particularidade da transição brasileira. Expressa um movimento mais geral associado a países como Espanha e França e ao restabelecimento de regimes democráticos em países subdesenvolvidos, com destaque para os da América Latina. Assim, a descentralização também se inscreve na reforma do Estado como um recurso de mudança da cultura política hegemonizada pelo autoritarismo e está associada, portanto, ao aprofundamento democrático. No caso brasileiro, além do clamor democrático e da emergência dos movimentos sociais de âmbito local, alguns aspectos permearam fortemente as definições relativas à desconcentração de poderes. Dentre eles, o conflito distributivo decorrente da crise fiscal e o papel central desempenhado pelos governadores na reta final da transição.

O movimento pela descentralização remonta ao ciclo derradeiro do regime autoritário: "existe um conjunto de evidências de que o processo recente de descentralização fiscal, que é uma tendência manifesta desde meados da década de 70, antecede em muito o movimento da Constituinte [...]", de sorte que "a União detinha, por exemplo, 66% dos tributos totais em 1980, 60% na média de 19851988 [e], agora sob o impacto da Constituição ficou com 54%" (Dias, 1995, p. 84). Essa tendência já fora registrada por ocasião dos debates e da aprovação da Emenda Passos Porto, em 1983, cuja marca era precisamente a maior desconcentração de recursos através da elevação da quota de estados e municípios nos correspondentes Fundos de Participação (FPE e FPM). Em sua fase descendente, o regime autoritário também identificava a busca por governabilidade, e mesmo por longevidade, à concessão de benesses aos governadores, em razão de sua ascendência junto às elites políticas estaduais e da influência que passaram a exercer sobre as bancadas no Congresso, especialmente após as eleições diretas de 1982 (Abrucio, 1998). Fato é que o enfraquecimento da União é inseparável da débâcle do regime.

Há mais um ingrediente acerca do arranjo federativo na Constituinte, que contrasta com outros temas: é assunto que constitui agenda restrita às elites políticas. Ao contrário de assuntos mais ideologizados e/ou vinculados a direitos individuais e coletivos, os quais provocaram mobilização social antes e durante o processo constituinte (Brandão, 2011), as questões federativas não são socialmente mobilizadoras. A propósito, seria surpreendente que, em um cenário polarizado e complexo (com debates sobre regime e sistema de governo, questões fundiárias e outros temas), a temática federativa pudesse empolgar a sociedade.

Exemplos: de um total de 11.989 emendas de iniciativa popular encaminhadas no período inicial dos trabalhos, quantidades relativamente modestas foram endereçadas às subcomissões e comissões temáticas que tratavam direta e indiretamente de temas federativos. As subcomissões da "União, Distrito Federal e Territórios", dos "Estados" e dos "Municípios e Regiões", que formavam a "Comissão da Organização do Estado", receberam, respectivamente 232, 186 e 328 propostas (totalizando 746), ao passo que a "Comissão da Ordem Social" contabilizou 2.257 proposituras (Michiles et al., 1989)9 9 Não obstante, não se deve reduzir a efetividade da participação societária à coleta de assinaturas para emendas de iniciativa popular. O peso da sociedade civil organizada tem dois exemplos extraordinários no processo constituinte, embora com orientações ideológicas distintas: de um lado, o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) na agenda trabalhista e social e, de outro, a União Democrática Ruralista (UDR) nos temas do direito à propriedade e da estrutura fundiária. Essas entidades não só organizaram grandes mobilizações sociais, como lograram amplo êxito em suas reivindicações, desempenhando grande protagonismo nas negociações com os atores institucionais (partidos, bancadas e governo). .

No nível das organizações e da coleta e encaminhamento de emendas de iniciativa popular, o quadro se repete: o grupo de menor capacidade de agregação é justamente o que envolve instituições vinculadas aos poderes Executivo e Legislativo (associações de municípios, prefeituras e legislativos municipais e estaduais etc.), que reuniu 17 entidades, recolheu 479.052 assinaturas e encaminhou apenas 6 emendas que cumpriram as exigências regimentais10 10 Em contraste, o grupo de entidades sindicais amealhou, respectivamente, 1 entidades, angariou 6.081.248 assinaturas e protocolou 41 emendas em conformidade com o Regimento Interno (Michiles et al., 1989, pp. 108-9). . Em termos substantivos, as propostas de escopo federativo envolviam soberania territorial (cujo destaque foi a aprovação do estado de Tocantins, além da transformação dos antigos territórios em estados11 11 Outras propostas de divisão territorial envolveram pelo menos os estados da Bahia, Minas Gerais e Pará. ), bem como autonomia e a critérios para criação de municípios, competências tributárias, gestão urbana etc.

Esse período de transição/democratização registra enorme vigor da ação coletiva originária da sociedade civil. Sua lógica é a da tentativa de obtenção de ganhos em um cenário socioeconômico marcado por injustiças e conflitos distributivos crescentemente radicalizados – a "década perdida", inevitavelmente associada à estagnação econômica e seus perversos efeitos sociais. Não é casual que, mesmo em um país de modesta tradição de organização trabalhista autônoma, tenham florescido incontáveis instituições associativas e se registre a ascensão do grande ciclo de greves (Noronha, 2009) – o maior da história.

Nesses termos, admitindo-se a noção de que "o poder político do Povo está concentrado no voto" e que, diversa e complementarmente, "[o poder] da Sociedade Civil [reside] na militância associativa", difícil refutar a hipótese de que, no cômputo geral, a transição brasileira e em especial o processo constituinte sejam momentos em que "o polo dinâmico da democracia tende a ser a Sociedade Civil" (Araujo, 2009, p. 19). Não obstante o notável protagonismo da participação civil, imperativo destacar que especificamente no tema do federalismo "não houve participação popular e a sociedade civil teve um papel menos importante"12 12 Depoimento de Celina Souza, op. cit. A percepção é corroborada pelo exaustivo levantamento de Brandão (2011), que também não identifica mobilização social pela agenda federativa. . Exceção digna de registro e que não deixa de confirmar a regra foi a emenda de iniciativa popular sobre a reforma urbana, que resultou no capítulo da Política Urbana (Artigos 182 e 183), cujo enunciado constitucional e posterior regulamentação infraconstitucional (LF nº 10.257, de 10 de julho de 2001, conhecida como Estatuto da Cidade) representaram expressiva ampliação de prerrogativas dos municípios.

Em síntese, o cenário tem tendências fragmentárias em razão da dispersão das forças políticas (ausência de projeto hegemônico), o tema da descentralização antecede a dinâmica constitucional (remonta ao colapso do regime autoritário) e a agenda federativa é tratada essencialmente por atores institucionais (governos, partidos e parlamentares).

Instituições e protagonistas

A caracterização do arranjo federativo presente na Constituição de 1988 como um modelo mais descentralizado, cooperativo e menos assimétrico repousa em pelo menos três aspectos. O primeiro deles diz respeito à distribuição menos desigual de recursos tributários e ao aumento da participação de estados e municípios no bolo das receitas, especialmente nos Fundos de Participação (FPE e FPM) com consequente prejuízo da União. O segundo aspecto revela-se na concepção de entes federativos dotados de autonomia e soberania, incluindo nesse escopo, além dos estados, o reconhecimento original dos municípios e do Distrito Federal. O terceiro é o de ampliação de competências compartilhadas entre as três esferas de governo, de forma a conferir, aos entes federativos, mais autonomia para implantar políticas públicas (saúde, educação, cultura, habitação etc.)13 13 O caso mais notável em termos de institucionalização parece ser o do Sistema Único de Saúde (SUS), que, afora uma estrutura compartilhada entre os três níveis de governo, loca no nível municipal sua esfera gestora. .

As questões federativas foram tratadas no âmbito de duas comissões temáticas e suas respectivas subcomissões. Na comissão de "Organização do Estado", (subcomissões de "União, Distrito Federal e Territórios", "Estados" e "Municípios e Regiões") e na comissão do "Sistema Tributário, Orçamento e Finanças" (subcomissão de "Tributos, Participação e Distribuição da Receita"). Seguindo os critérios da partilha que dividiu seu controle, PMDB e PFL compartilhavam, respectivamente, a relatoria e a presidência de praticamente todas as comissões e subcomissões.

Quanto ao quadro de forças, é emblemática, por exemplo, a composição da comissão de "Tributos, Orçamento e Finanças": de maioria peemedebista/ pefelista (26 e 15 parlamentares de cada partido, respectivamente), 27 dos 63 membros titulares (42% da comissão) tinham passagem por executivos estaduais e municipais; entre eles, 4 ex-governadores, 2 ex-vice-governadores, 9 ex-prefeitos e 1 ex-vice-prefeito. Essa composição favorecia "fortalecimento financeiro dos estados e municípios, pois como observa [José Roberto] Afonso, 'eles estavam ali pensando cada um em seu estado e em sua prefeitura, e pouca gente pensando no país'" (Leme, 1992, p. 149). Composições igualmente referenciadas pelo recorte regional se espalham: "a região nordeste, com 32,25% dos representantes da Constituinte, teve maior representação na subcomissão dos 'Municípios e Regiões', obtendo 40% da representação", fenômeno que se repetiu na subcomissão de "Tributos, Participação e Distribuição de Receitas", com 41,67% das vagas (Coelho, 1999, p. 170).

Desde as etapas das subcomissões e comissões temáticas já se esboçou o teor do novo arranjo. Embora tenham sido registradas mudanças nos percentuais de transferências dos Fundos de Participação dos Estados e dos Municípios, ao fim e ao cabo a elevação favorável aos governos subnacionais se tornou irreversível. Nem mesmo as etapas subsequentes, da comissão de sistematização e das votações em plenário (em dois turnos), tampouco o surgimento do Centrão e a correspondente mudança de correlação de forças em favor dos conservadores suprimiram o desenho favorável aos governos subnacionais.

Na dimensão fiscal-tributária, o "bode na sala" foi o debate sobre o poder residual, incluído para beneficiar estados e municípios. Como a prerrogativa de criar novos tributos após a promulgação da nova Constituição seria restrita às poucas unidades federativas com sólida base econômica, tal prerrogativa acabou se transformando em moeda de troca na consolidação do aumento de transferências da União para os estados. Em resumo, como assume o constituinte Fernando Bezerra (PMDB/CE), relator da subcomissão de "Tributos, Participação e Distribuição de Receitas", as bancadas de regiões mais pobres (Norte, Nordeste e Centro-Oeste) barganharam a autonomia tributária estadual pelo aumento das transferências: "a gente precisava deles [bancada paulista] para diminuir o espaço tributário da União" (Leme, 1992, p. 150).

O processo decisório transcorreu sob uma clivagem ideológica mais diluída face aos interesses regionalistas que ofuscavam as identidades partidárias. Em pronunciamento emblemático na comissão de "Organização do Estado", o constituinte Davi Alves Silva (PDS/MA) sintetiza essa posição: "temos de defender o nosso ideal independentemente de partidos. A questão não é partidária, é democrática, é o sentimento de um povo que está sufocado por aqueles que nunca respeitaram a liberdade"14 14 Diário da Assembleia Nacional Constituinte (Suplemento); ata da reunião de 28 de maio de 1987. . Os anais oferecem fartas manifestações dessa natureza e predominam pactos políticos pontuais: na falta de hegemonia que pudesse orientar a dinâmica constituinte no sentido de um projeto catalisador e de uma correspondente maioria parlamentar, prevalecem pactuações ad hoc.

Se parece difícil contestar que na temática social e, sobretudo, no capítulo da ordem econômica, prevaleceram clivagens ideológicas em razão da polaridade e da radicalização desses temas (Pilatti, 2008), tal perspectiva não explica a totalidade do processo constituinte, notadamente no que concerne ao debate sobre o arranjo federativo e aos atores que o protagonizaram. Vale destacar: "não havia força política relevante que defendesse os interesses da União. Nenhum agrupamento importante atuou segundo projeto de reorganização do Estado em que a União tivesse papel relevante" (Sallum Jr., 1996, p. 141). Assim prevalece uma dinâmica caracterizada pela autonomização de múltiplos núcleos de poder (partidos e facções partidárias, bancadas regionais, governadores, prefeitos etc.) em relação à União e à presidência da República.

Também é digno de nota que o maior número de parlamentares identificados com os espectros de direita e centro-direita estivessem agrupados, respectivamente, nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Inversamente, esquerda e centro-esquerda tinham mais expressão no Sudeste15 15 A propósito, ver a tabela de Autoidentificação Ideológica dos Deputados Constituintes por Partidos (Coelho, 1999, p. 118). . Cruzando-se a representação partidária regional com as respectivas localizações no contínuo direita-esquerda, obtém-se dados ilustrativos: no campo da esquerda, enquanto a bancada do PDT, de 26 parlamentares, tem ampla predominância gaúcha e fluminense, a representação petista não registra nenhum parlamentar eleito nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. À direita, a tendência é inversa: mais da metade da bancada do PFL (51,5%) tinha origem no Nordeste e a soma desta fração com o Norte e o Centro-Oeste totalizava 94 constituintes, ou seja, 71,2% dos pefelistas. Ao centro, o PMDB expressava menor desequilíbrio regional e mantinha as feições multi-ideológicas internas que se traduziriam na incorporação de seus membros a blocos antagônicos e em múltiplos alinhamentos (Goulart, 2002).

Nesse cenário, "quando o governo federal se dispôs a participar da disputa em torno das receitas, encontrou as alianças seladas e a partilha do bolo tributário previamente acertada entre as esferas subnacionais", o que sinalizava que a disputa federativa já havia sido concluída nos termos do montante assegurado a estados e municípios, rejeitando qualquer proposta que descentralizasse encargos. Em tais circunstâncias, o governo federal, impotente "para romper as alianças estabelecidas, assistiria à remontagem da estrutura em vigor desde meados da década de 1960, com o sinal trocado, indicando ser ele agora o grande perdedor. E, com ele, o equilíbrio federativo" (Oliveira, 1995, p. 89).

Assim, na distribuição de receitas, foi consumada a ampliação de transferências cuja dinâmica ensejou um jogo de soma zero por não haver elevação de alíquotas. Tome-se como exemplo a partilha do Imposto de Renda, sobre o qual a participação dos estados salta de 14% para ,5% (compondo o Fundo de Participação dos Estados) enquanto o naco dos municípios aumenta de 17% para 22,5% (compondo o Fundo de Participação dos Municípios). A parcela da União sobre este tributo sofreu regressão de 67% para 53%. Mudança similar ocorreu com a partilha do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI)16 16 Para uma comparação completa do quadro de partilha e distribuição de tributos na Constituição de 1988, ver Oliveira (1995, pp. 1-2). .

Há uma hipótese complementar que também não pode faltar nessa avaliação: a agenda governamental tinha outras prioridades na Constituição – como a definição do papel das Forças Armadas, a manutenção do sistema de governo e, sobretudo, a fixação do mandato presidencial –, de sorte que as demandas federativas e mesmo regionais transformaram-se em espécie de moeda de troca. A despeito de tentativas frustradas mediante emendas modificativas, nestas houve flexibilidade do Executivo para a negociação, ao passo que nas questões centrais prevaleceu maior rigidez.

Mas a descentralização obviamente não se resume à divisão de receitas. O federalismo da Constituição de 1988 é aceito (sem contestação relevante) como mais cooperativo também pela partilha de competências que ela define. A forma pela qual a legislação complementar estabelece as regras de cooperação entre os entes federativos abre brechas para que a União se imponha a estados, municípios e ao DF, uma vez que ela detém o poder de iniciativa sobre eles. Essa proeminência se mantém pelo fato de que o estabelecimento de normas gerais assegura vantagem à União, em que pese persistirem campos de autonomia nos níveis descentralizados.

Além de fixar 29 atribuições exclusivas para a União (Artigo 22), são instituídas competências comuns a todos os níveis de governo em 12 itens (Artigo 23) e legislação concorrente em 16 incisos (Artigo 24), neste caso com com exclusão dos municípios. Nesses termos, a cooperação seria mais do que um suposto jurídico, um enunciado normativo. Supondo existir distinção entre coordenação e cooperação, cumpre considerar que a primeira é "um modo de distribuição e exercício conjunto de competências no qual os vários integrantes da Federação possuem certo grau de participação". Ou seja, se "a vontade das partes é livre e igual, com manutenção integral de suas competências: os entes federados sempre podem atuar de maneira isolada ou autônoma" (Bercovici, 2003, p. 151). Tal autonomia confere aos governos a prerrogativa de não serem necessariamente cooperativos. A cooperação depende dos incentivos oferecidos caso a caso.

A coordenação federativa assume sua face real na divisão de prerrogativas e atribuições concorrentes, de sorte que todos "concorrem em uma mesma função, mas com âmbito e intensidade distintos. Cada parte decide, dentro de sua esfera de poderes, de maneira separada e independente, com a ressalva da prevalência do direito federal" (Bercovici, 2003, p. 151). O formato dessa divisão e a primazia da esfera arbitrária em nível federal constam da Constituição: "a superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário"17 17 A esse respeito, ver Art. 24, § 4º da Constituição Federal de 1988. . Tal definição implica o caráter vinculatório da legislação federal, impondo uma hierarquia das normas constitucionais, de sorte que "todo Direito relevante é um Direito federal. Os estados acabam sendo quase apenas entes gestores do Direito federal" (Souza, 2005, p. 111).

O efeito prático desse enunciado é que constituições estaduais, leis orgânicas municipais e demais normas do arcabouço jurídico subnacional precisam estar necessariamente em conformidade com a Constituição Federal. No limite, disputas diversas e Ações Diretas de Inconstitucionalidade serão arbitradas tendo como destino final o Supremo Tribunal Federal (STF), cujas decisões levarão em conta o princípio geral da primazia do Direito fundante, qual seja, o arcabouço federal. Não se trata, contudo, de enunciado estritamente jurídico, pois suas implicações também são político-institucionais.

Embora os mecanismos de regulação intergovernamental sejam anunciados, na prática cabe à União instituí-los da forma que lhe for mais conveniente: a competência concorrente em termos de legislação não retira da esfera federal o controle sobre seus resultados. A engrenagem mostra-se ainda mais complexa ao se considerar que a mesma Constituição fortaleceu expressivamente as prerrogativas do Executivo, afirmando um modelo presidencialista agudo o suficiente para controlar a agenda legislativa. Esse arranjo institucional determinará o padrão decisório que se seguirá à dinâmica constituinte. Fato é que, assim, "o governo controla a produção legislativa e esse controle é resultado da interação entre poder de agenda e apoio da maioria". Primazia nítida: "a Constituição confere ao presidente o monopólio sobre iniciativa legislativa. A alteração do status quo legal, nas áreas fundamentais, depende da iniciativa do Executivo" (Limongi, 2006, pp. 25, 41).

Aqui há que se fazer uma distinção importante relativamente ao processo decisório: a inflexão no sentido de fortalecer o Executivo se dá em termos efetivamente democráticos, ao contrário do período autoritário precedente em que o Legislativo foi inferiorizado, quando não suspenso. Um ótimo exemplo dessa diferença pode ser identificado na análise comparativa entre os instrumentos do decreto-lei (DL) e da medida provisória (MP). Embora a MP confira largo poder ao Executivo porque altera o status quo de forma unilateral, há regras que impõem sua apreciação e votação futuras pelo Legislativo – procedimento de contrapeso próprio de sistemas parlamentaristas (no caso brasileiro, inspirado pelo modelo italiano). Já o DL facultava ao Executivo poderes quase imperiais de baixar regras e impor leis, independentemente do Legislativo. Nesse sentido, a nova configuração constitucional é efetivamente mais equilibrada, conquanto favoreça o Executivo. Ainda assim, trata-se de uma alteração institucional democratizante.

De todo modo, as prerrogativas do Executivo incluem atribuições exclusivas em políticas públicas, ainda que estas estejam sob a responsabilidade executiva e/ou operacional dos níveis subnacionais: "os constituintes não apenas não pretenderam limitar a União em sua autoridade para legislar sobre ações de estados e municípios como lhe autorizaram exclusividade para legislar sobre políticas que estavam sendo transferidas para estados e municípios" (Arretche, 2009, p. 391). Inevitável, portanto, reconhecer a amplitude da autoridade decisória da União. Todavia, essa assimetria difere do estágio pré-constituinte, quando estados e municípios detinham pouca autonomia e cumpriam basicamente o papel de meros executores de políticas públicas definidas nas esferas superiores. Na prática, as relações intergovernamentais passam a ser regidas pela assimetria de prerrogativas. Mesmo quando os entes subnacionais supostamente têm interesse em matérias vantajosas (gestão de políticas públicas ou transferências extraconstitucionais), a tensão e a competição federativa (seja entre os próprios governos subnacionais ou destes contra a União) não irão desaparecer, porque cada arranjo institucional implicará cálculos específicos. Isso explica, inclusive, a recusa ou o baixo interesse de estados e municípios em assumir responsabilidades inicialmente vistas como atraentes.

* * *

Souza (2005) assinala oportunamente que o arranjo federativo da Constituição de 1988 não formatou mecanismos capazes de ensejar coordenação e cooperação intergovernamentais para inibir a prevalência de condutas concorrentes. Não se pode ignorar, no entanto, que em qualquer modelo federativo, os dois eixos em torno dos quais as instituições operam são precisamente a cooperação e a competição. Em um país de tão fortes clivagens regionais não é de se estranhar que a concorrência seja um traço recorrente, tanto em nível horizontal (dos governos subnacionais entre si) quanto vertical (destes com a União). Mais: por óbvio que possa parecer, a conclusão de um processo constitucional não encerra as disputas entre os atores das diferentes esferas governamentais, apenas delimita seu marco institucional de referência.

Diante da ausência de mecanismos mais simétricos de coordenação e mesmo ampliando receitas e compartilhando prerrogativas com os níveis subnacionais de governo na 1 implantação de políticas públicas, o arranjo constitucional fez com que estes ficassem privados de influir nas futuras arenas decisórias. Embora o novo modelo tivesse perfil mais cooperativo em relação ao precedente, a autoridade jurisdicional permaneceu concentrada no nível da União. Em suma: "a CF 88 não produziu instituições políticas que tornariam o governo central fraco em face dos governos subnacionais" (Arretche, 2009, p. 411).

Assim se desenvolve uma descentralização provisória no processo constituinte, seguida de período pródigo em promover um revigoramento da União com proporcional perda dos governos subnacionais. Embora a análise do período posterior à Constituinte não integre o escopo deste ensaio, vale destacar sinteticamente que, sobretudo durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, foram processadas várias mudanças que reverteram alguns dos triunfos constitucionais dos governos subnacionais, dentre as quais: o Fundo Social de Emergência (depois Fundo de Estabilização Fiscal), a "Lei Kandir", a renegociação das dívidas dos estados e intervenção em bancos estaduais, o contingenciamento orçamentário, as reformas constitucionais estruturais, em especial a da Previdência, além da elevação de alíquotas de tributos não compartilhados com estados e municípios (Goulart, 2004).

O governo FHC radicalizou a abordagem da agenda fiscal (Kugelmas e Sola, 2000) com medidas que pretendiam salvaguardar o Plano Real e manter a infl ação sob controle – pedra de toque da vitória política do governo. Mudanças que efetivamente promoveram reconcentração de recursos pela União e que anularam boa parte da precedente vitória de estados e municípios. Isso foi possível por duas razões fundamentais: a União não perdeu o controle institucional sobre o arranjo federativo (monopólio da iniciativa legislativa, primazia presidencialista etc.) e, diferentemente da situação anterior, emergiu finalmente uma nova hegemonia capaz de impor sua agenda – no caso, da liberalização e da estabilização.

No sentido do estabelecimento de um arranjo constitucional efêmero – cujo escopo aqui se circunscreve à questão federativa –, parece mesmo premonitória a análise de que "Constituições adotadas apenas para reforçar vantagens políticas transitórias, que não passam de pactos de dominação entre os vencedores mais recentes, duram apenas enquanto permanecerem as condições que deram origem à vitoria política mais recente" (Przeworski, 1994, p. 59). Agora a síntese analítica parece cristalina: o ritmo da transição e a correlação de forças no processo constituinte impuseram um resultado favorável à descentralização sem, contudo, fragilizar institucionalmente a União. Sem bases políticas e institucionais sólidas para sustentá-las de forma duradoura, as conquistas que beneficiaram circunstancialmente estados e municípios se revelaram relativamente provisórias. Não só não houve engessamento de normas e resultados, como a própria forma como foi disposta a Constituição permitiu mudanças que alteraram o status quo. Essa recentralização posterior ao ciclo constitucional, contudo, não foi tão drástica a ponto de regredir aos patamares do regime autoritário, uma vez que governos estaduais e municipais passaram a gozar efetivamente de um grau superior de autonomia.

Cumpre então aclarar minimamente o paradoxo: por que uma Constituição que fortalece as unidades subnacionais comporta, simultaneamente, normas capazes de lhes impor perdas futuras? Se as instituições são basicamente as mesmas, por que resultados tão distintos em momentos diferentes?

A hipótese é a de que as razões não são exclusivamente institucionais, embora haja evidências de difícil contestação de que se fortaleceu o centro (aqui entendido como a União, também sob o impulso presidencialista que lhe foi conferido). Como a dinâmica da competição federativa não pode 3 ser dissociada de seu contexto, a agenda macroeconômica e a correlação de forças são variáveis fundamentais na medida em que indicam a força ou a fragilidade dos atores. E é inegável que a União estava muito fragilizada naquele momento delicado da transição, ao contrário do período em que os governos de Fernando Henrique Cardoso, principalmente, promoveram alterações que implicaram revezes para estados e municípios. Imperativo observar que nesse período a agenda é distinta porque já não comporta os múltiplos constrangimentos da transição (sintetizados nos desafios de uma nova ordem jurídica, de um novo regime político e de um novo equilíbrio federativo).

A imposição de uma agenda, portanto, não depende apenas de parâmetros institucionais ou dos incentivos que estes possam produzir. Trata-se de um triunfo que também está sujeito, de um lado, ao escopo temático que enseja e, de outro, às escolhas das elites políticas e eventualmente de atores extrainstitucionais. Nesses termos, podemos avaliar melhor como a descentralização tem êxito em 1988, ao passo que no ciclo seguinte triunfa a agenda do ajuste fis-cal. Nada indica, porém, que as disputas federativas tenham chegado a um final. Como se diz, a luta continua! Que o digam as nervosas pugnas pelos royalties do pré-sal e outros incontáveis combates por recursos de poder.

  • ABRUCIO, F. 1998. Os Barões da Federação: os governadores e a redemocratização brasileira. São Paulo: Hucitec-DCP/USP.
  • ARAUJO, C. 2009. "O processo constituinte: sociedade civil e povo na transição". In: GOULART, J. O. (org.). As múltiplas faces da Constituição cidadã São Paulo: Cultura Acadêmica, pp. 13-25
  • ARRETCHE, M. 2009. "Continuidades e descontinuidades da Federação Brasileira: de como 1988 facilitou 1995". Dados, v. 52, n. 2, pp. . 377-423. Rio de Janeiro: Iuperj.
  • BERCOVICI, G. 2003. Desigualdades regionais, Estado e Constituição São Paulo: Max Limonad.
  • _____. 2008. Soberania e Constituição: para uma crítica do constitucionalismo. São Paulo: Quartier Latin.
  • BOBBIO, N. 1986. O futuro da democracia: uma defesa das regras do jogo. Rio de Janeiro: Paz e Terra.
  • BRANDÃO, L. C. 2011. Os movimentos sociais e a Assembleia Nacional Constituinte de 1987-1988: entre a política institucional e a participação popular. São Paulo, 328 f. Dissertação (Mestrado em Sociologia) Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo.
  • COELHO, R. 1999. Partidos políticos, maiorias parlamentares e tomada de decisão na Constituinte São Paulo, 291 f. Tese (Doutorado) em Ciência Política Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo.
  • DIAS, G. 1995. "Reformas econômicas: o eixo federativo e as novas coalizões". In: SOLA, L. & PAULANI, L. (orgs.), Lições da Década de 80. São Paulo: Edusp.
  • FAORO, R. 2007. A República inacabada COMPARATO, F.K. (org.). São Paulo: Globo.
  • GOULART, J. O. 2002. Poder local e novas experiências democráticas Tese (Doutorado) em Ciência Política. São Paulo, 384f. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo.
  • _____. 2004. "Descentralização tributária e poder local". Leviathan: Cadernos de Pesquisa Política. n. 1. São Paulo: Humanitas-FFLCH/USP. pp. 201-29.
  • KUGELMAS, E.; SOLA, L. 2000. "Recentralização/descentralização dinâmica do regime federativo no Brasil dos anos 90". Tempo Social, v. 11, n. 2, pp.63-81.
  • LEME, H.C. 1992. O Federalismo na Constituição de 1988: representação política e a distribuição de recursos tributários. Campinas, 202f. Dissertação (Mestrado) em Ciências Sociais Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas.
  • LIMONGI, F. 2006. "A democracia no Brasil". Novos Estudos, n. 76. São Paulo: Cebrap. pp. 17-41.
  • LULA DA SILVA, L. I. Discurso proferido na sessão de 22 de setembro de 1988. Diário da Assembleia Nacional Constituinte de 23 de setembro de 1988, pp. 14313-14314.
  • MICHILES, C. et al. 1989. Cidadão constituinte: a saga das emendas populares. Rio de Janeiro: Paz e Terra.
  • NORONHA, E.G. 2009. "Ciclo de greves, transição política e estabilização: Brasil, 1978-2007". Lua Nova, n. 76. São Paulo: Cedec. pp. 119-68.
  • OLIVEIRA, F. 1995. Crise, reforma e desordem do sistema tributário nacional Campinas: Editora da Unicamp.
  • PILATTI, A. 2008. A Constituinte de 1987-1988: progressistas, conservadores, ordem econômica e regras do jogo. Rio de Janeiro: Lumen Juris/Ed. PUC-RJ.
  • PRZEWORSKI, A. 1994. Democracia e mercado: reformas políticas e econômicas na Europa Oriental e na América Latina. Rio de Janeiro: Relume-Dumará
  • RAMOS, S. 1987. Assembleia Constituinte o que pode, o que não pode; natureza, extensão e limitação de seus poderes. Rio de Janeiro: Alhambra.
  • SALLUM Jr., B. 1995. "Transição política e crise de Estado". In: SOLA, L. & PAULANI, L. (orgs.). Lições da década de 80 São Paulo: Edusp.
  • _____. 1996. Labirintos: dos generais à Nova República. São Paulo: Hucitec.
  • SOUZA, C. 2005. "Federalismo, desenho constitucional e instituições federativas no Brasil pós-1988". Curitiba. Revista Sociologia e Política, n. 24, pp. 105-21.
  • _____. 2008. "Regras e contexto: as reformas da Constituição de 1988". Dados, vol. 51, n. 4, pp. 791-823.
  • STEPAN, A. 1986. Os militares: da abertura à Nova República. Rio de Janeiro: Paz e Terra.
  • *
    Versão original deste texto foi apresentada no V Congreso Latinoamericano de Ciencia Política, organizado pela Asociación Latinoamericana de Ciencia Política, realizado em Buenos Aires, de 28 a 30 de julho de 2010, e é resultado parcial da pesquisa "Em busca do processo constituinte: 1985-1988", desenvolvida no Centro de Estudos de Cultura Contemporânea com apoio do CNPq. O autor é especialmente grato a Brasilio Sallum Júnior. por seus valiosos comentários, os quais atenuaram as imperfeições e insuficiências do artigo.
  • 1
    Por ocasião da votação do projeto final, Luiz Inácio Lula da Silva (1988, pp. 14313-4), então deputado e líder do partido, fez pronunciamento no qual argumentava que o PT "não trazia nenhuma ilusão de que poderia, através da Constituição, resolver todos os problemas da sociedade brasileira" e que "houve avanços, é claro, mas muito aquém dos esperados. Entramos aqui defendendo uma jornada de 40 horas semanais, ficamos com 44 horas, queríamos o dobro de férias, conseguimos apenas 1/3 a mais".
  • 2
    Depois de um ciclo inicial mais frouxo, o regime autoritário brasileiro se distingue pela alta institucionalização, o que certamente tornou a transição mais complexa, inclusive do ponto de vista jurídico. Essa característica indica que, também no interior do regime, havia vozes em defesa de uma nova ordem constitucional, porém, a bandeira de uma nova constituição democrática é basicamente oposicionista.
  • 3
    Ao final dos trabalhos constituintes, PMDB e PFL tiveram suas bancas diminuídas (respectivamente para 234 e 126 parlamentares) em razão das migrações partidárias e, principalmente, do surgimento do PSDB.
  • 4
    Análises de juristas e relatos de protagonistas indicam que, já após o impasse diante da primeira versão do projeto constitucional, o conteúdo da "Comissão Arinos" foi invocado como alternativa de negociação. Na questão federativa – nos enunciados básicos e no tratamento como cláusula pétrea (ausente do ato convocatório) –, o texto constitucional e o anteprojeto da "Comissão Arinos" são razoavelmente coincidentes.
  • 5
    Embora o governo federal (através da "Comissão Arinos") alguns partidos políticos e outras instituições tenham apresentado projetos constitucionais completos, tais tentativas não foram suficientes para ensejar uma visão globalizante de Estado e de sociedade, tampouco para tornar-se hegemônica na transição.
  • 6
    Como todo juízo requer critérios comparativos, assumimos a ideia de que a direitização se consagra com a derrota da emenda Dante de Oliveira e a composição da Aliança Democrática, sob a influência da Frente Liberal e a liderança moderada de Tancredo Neves. Assim se consuma a subtração do ingrediente popular da transição.
  • 7
    Depoimento do deputado constituinte José Genoino Neto, entrevista ao grupo de pesquisa "Em busca do processo constituinte: 1985-1988", em 4 de julho de 2008.
  • 8
    Coelho (1999) argumenta de forma convincente que os confl itos ideologicamente radicalizados não ocorrem à revelia dos partidos políticos, mas desconsidera, de um lado, os atores extraparlamentares e, de outro, que arranjos pontuais temáticos podem efetivamente transcender as identidades partidárias.
  • 9
    Não obstante, não se deve reduzir a efetividade da participação societária à coleta de assinaturas para emendas de iniciativa popular. O peso da sociedade civil organizada tem dois exemplos extraordinários no processo constituinte, embora com orientações ideológicas distintas: de um lado, o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) na agenda trabalhista e social e, de outro, a União Democrática Ruralista (UDR) nos temas do direito à propriedade e da estrutura fundiária. Essas entidades não só organizaram grandes mobilizações sociais, como lograram amplo êxito em suas reivindicações, desempenhando grande protagonismo nas negociações com os atores institucionais (partidos, bancadas e governo).
  • 10
    Em contraste, o grupo de entidades sindicais amealhou, respectivamente, 1 entidades, angariou 6.081.248 assinaturas e protocolou 41 emendas em conformidade com o Regimento Interno (Michiles et al., 1989, pp. 108-9).
  • 11
    Outras propostas de divisão territorial envolveram pelo menos os estados da Bahia, Minas Gerais e Pará.
  • 12
    Depoimento de Celina Souza, op. cit. A percepção é corroborada pelo exaustivo levantamento de Brandão (2011), que também não identifica mobilização social pela agenda federativa.
  • 13
    O caso mais notável em termos de institucionalização parece ser o do Sistema Único de Saúde (SUS), que, afora uma estrutura compartilhada entre os três níveis de governo, loca no nível municipal sua esfera gestora.
  • 14
    Diário da Assembleia Nacional Constituinte (Suplemento); ata da reunião de 28 de maio de 1987.
  • 15
    A propósito, ver a tabela de Autoidentificação Ideológica dos Deputados Constituintes por Partidos (Coelho, 1999, p. 118).
  • 16
    Para uma comparação completa do quadro de partilha e distribuição de tributos na Constituição de 1988, ver Oliveira (1995, pp. 1-2).
  • 17
    A esse respeito, ver Art. 24, § 4º da Constituição Federal de 1988.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Maio 2013
    • Data do Fascículo
      2013
    CEDEC Centro de Estudos de Cultura Contemporânea - CEDEC, Rua Riachuelo, 217 - conjunto 42 - 4°. Andar - Sé, 01007-000 São Paulo, SP - Brasil, Telefones: (55 11) 3871.2966 - Ramal 22 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: luanova@cedec.org.br