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Aos 180, um escritor vivo e atuante

At 180, a still alive and active writer

Juntando-se às comemorações dos 180 anos de nascimento de Machado de Assis, a Machado de Assis em linha publica seu 27o número, no qual reúne trabalhos de pesquisadores Provo, Rio de Janeiro, Roma, Salvador e São Paulo. É mais uma mostra de que "o velhinho, também conhecido como Bruxo do Cosme Velho, continua vivo e atuante", conforme as palavras de Carlos Drummond de Andrade (2019ANDRADE, Carlos Drummond de. Bruxo. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 18 dez. 1982, Caderno B, p. 6. In: ______. Amor nenhum dispensa uma gota de ácido: escritos de Carlos Drummond de Andrade sobre Machado de Assis. Organização e apresentação de Hélio de Seixas Guimarães. São Paulo: Três Estrelas, 2019. p. 151.).

Nesta edição, três artigos ocupam-se da recepção da obra de Machado de Assis. Thiago Mio Salla e Luiza Helena Damiani Aguilar, da Universidade de São Paulo, coligem e estudam textos com os registros das primeiras reações à coletânea de contos de 1882. Os autores de "A recepção de Papéis avulsos e a cristalização de lugares-comuns da crítica machadiana: proposta analítica e editorial" mostram que, depois do desconcerto causado pela publicação das Memórias póstumas de Brás Cubas (1880-1881), os críticos começavam a identificar traços comuns ao romance e aos contos, tais como a presença de "uma filosofia triste" e do "humorismo", que se cristalizariam na fortuna crítica posterior.

Bethany Beyer, da Brigham Young University, estuda em "Recepção e circulação da obra dramática machadiana" a acolhida de textos do gênero dramático, com um levantamento que engloba países anglófonos e hispanófonos. Se no Brasil as reações a esses textos são muitas vezes depreciativas, além de esparsas e escassas, Beyer mostra que nos países de língua inglesa e espanhola elas são praticamente nulas. Assim, a autora discute como a projeção internacional de Machado de Assis tem se voltado aos romances e aos contos, o que resulta numa visão parcial e incompleta da variedade e amplitude dos escritos do autor que, em vida, publicou seis volumes com peças teatrais.

A recepção no exterior, em tensão com a crítica brasileira, é o assunto do artigo "Helen Caldwell, Cecil Hemley e os julgamentos de Dom Casmurro", publicado na seção "Páginas recolhidas". Pela análise de quatro cartas trocadas em 1952 entre a tradutora e o editor da primeira tradução de Dom Casmurro para o inglês, Hélio de Seixas Guimarães mostra como se definiu a tradução alternativa do romance, baseada no questionamento da autoridade e da confiabilidade do narrador; indica ainda como a interpretação dissonante, influente sobre as futuras leituras da obra, resultou no silenciamento do trabalho de uma tradutora e crítica fundamental para a internacionalização da obra machadiana.

As relações entre amor e interesse material estão no centro de dois outros artigos desta edição: "'Miss Dollar': o amor idealizado e o dinheiro como caminhos para a formação do par amoroso" e "Brás Cubas, Marcela e crônicas: desejo e interesse". No primeiro, Naiara Santana Pita e Mirella Márcia Longo Vieira Lima, da Universidade Federal da Bahia, tomam a história de Contos fluminenses para dizer que, já nos seus primeiros contos, Machado não dissocia amor e dinheiro; pelo contrário, indica como muitas vezes eles se conciliam para a formação do par amoroso. No segundo artigo, Roberta da Costa de Sousa, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, mostra como ilusão, pragmatismo e interesse participam da relação entre Brás Cubas e Marcela; segundo a autora, isso seria expressão do ceticismo machadiano em relação ao amor, presente também em suas crônicas.

O ceticismo é o assunto central de Sérgio Buarque de Holanda, homenageado na seção "Da tradição crítica" com a publicação de um artigo seu que saiu pela primeira vez em 1940. Na apresentação do artigo, Marcelo Diego, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, ressalta o tom respeitoso com que o crítico literário, historiador e jornalista discorda dos argumentos do então recém-lançado livro de Afrânio Coutinho, A filosofia de Machado de Assis. No centro da discordância está o grau de importância que cada um atribuía à recepção dos escritos de Pascal na obra machadiana: enquanto Coutinho defende o jansenismo como principal fonte da "filosofia de Machado de Assis", Holanda propõe o ceticismo como a atitude que melhor caracterizaria o seu pensamento e a origem do seu humorismo: "Na ideia de um mundo absurdo - não trágico, mas absurdo - somada a esse sentimento de penúria encoberto pela ironia, é que, segundo me parece, devem ser procuradas as origens do 'humour' de Machado de Assis" (HOLANDA, 1940HOLANDA, Sérgio Buarque de. A filosofia de Machado de Assis. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 22 dez. 1940, p. 17 -20.).

Tiago Seminatti, em "Rubião, inimigo de si: a representação da interioridade em Quincas Borba, de Machado de Assis", coteja as duas versões do romance, publicadas em folhetim no periódico A Estação, entre 1896 e 1891, e em livro em 1891. O pesquisador da Universidade de São Paulo mostra como as diferenças entre as versões sinalizam a importância que o discurso indireto livre tem no processo de escrita do texto, cujo modo de narrar sugere a moderna coisificação dos homens por outros homens.

Por fim, Sonia Netto Salomão resenha o livro Machado de Assis: permanências (Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa; 7Letras, 2018. 324 p.), que reúne ensaios de 17 estudiosos. Neles, procura-se sondar o legado e a presença do escritor e dos seus escritos em artistas que o sucederam, registrando uma outra dimensão da recepção do escritor: aquela protagonizada por seus pares.

A todos, boas leituras!

Referências

  • ANDRADE, Carlos Drummond de. Bruxo. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 18 dez. 1982, Caderno B, p. 6. In: ______. Amor nenhum dispensa uma gota de ácido: escritos de Carlos Drummond de Andrade sobre Machado de Assis. Organização e apresentação de Hélio de Seixas Guimarães. São Paulo: Três Estrelas, 2019. p. 151.
  • HOLANDA, Sérgio Buarque de. A filosofia de Machado de Assis. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 22 dez. 1940, p. 17 -20.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Jul 2019
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2019
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