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O CONTEXTO DAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS E AS SUAS VÍTIMAS

the context of climate changes and its victims

Resumo

As mudanças climáticas vêm causando uma crise múltipla na medida em que afetam os recursos naturais e o meio ambiente. Mas também produzem um impacto econômico que ainda não pode ser quantificado. Com efeito, a sociedade, pela primeira vez, confronta-se com um problema para o qual talvez não esteja preparada. Ademais, os resultados das mudanças climáticas na natureza geram consequências nas relações sociais, nos níveis populacionais, no estoque de alimentos, em novas doenças e expansão de algumas antigas, nos deslocamentos ambientais, enfim em temas que dificilmente seriam objeto de regulação. Não é mais permitido se classificarem todos os episódios climáticos extremos como meros “acasos naturais”, quando já se sabe que o seu agravamento é fruto sim da intervenção humana na natureza, implicando um risco existencial de proporções catastróficas, caso não seja alterado o quadro atual de degradação do ambiente. E o Direito é o instrumento de regulação das relações sociais capaz de ajustar a conduta, não só dos atores privados, mas também do Estado, a padrões ecologicamente sustentáveis e adequados à mitigação e adaptação às mudanças climáticas. Portanto, o objetivo desta pesquisa foi contextualizar as mudanças climáticas e identificar quais seriam as suas vítimas.

Palavras-chave:
Direito; Mudanças climáticas; Refugiados ambientais

Abstract

Climate change are causing a crisis in that multiple affect natural resources and the environment. But also produce an economic impact can not yet be quantified. Indeed, the company, for the first time confronted with a problem which may not be prepared. Moreover, the results of climate change on nature have consequences in social relations, population levels in the food supply, new diseases and expansion of some old shifts in environmental finally on topics that would hardly be the object of regulation. Is no longer allowed to classify all extreme weather events as mere “natural hazards”, when you already know that your fruit is rather worsening human intervention in nature, implying an existential risk of catastrophic proportions, if not change the current situation of environmental degradation. And the law is the instrument for the regulation of social relationships able to adjust the behavior not only of private actors, but also the state standards ecologically sustainable and appropriate mitigation and adaptation to climate change. Therefore, the aim of this research was to contextualize climate change and identify what are their victims.

Key words:
Law; Climate changes; Environmental refugees

Résumé

Les changements climatiques sont à l’origine d’une crise multiple dans la mesure où affecter les ressources naturelles et l’environnement. Mais aussi de produire un impact économique ne peut pas encore être quantifiée. En effet, la société pour la première fois, est confronté à un problème pour lequel ne peut être préparé. En outre, les résultats du changement climatique sur la nature génèrent des conséquences dans les relations sociales, les niveaux de population dans l’approvisionnement alimentaire, les maladies dans la nouvelle et l’expansion de certains anciens, sur les modifications de l’environnement, enfin, sur des questions qui ne serait guère l’objet d’une réglementation. Il est plus permis de classer tous les événements météorologiques extrêmes comme de simples «risques naturels» quand on sait que son aggravation est plutôt le résultat de l’intervention humaine dans la nature, ce qui implique un risque existentiel de proportions catastrophiques si le cadre actuel ne soit pas modifié dégradation de l’environnement. Et la loi est l’instrument de régulation des relations sociales capables d’ajuster la conduite non seulement des acteurs privés, mais aussi l’état, l’atténuation écologiquement durable et appropriée et l’adaptation aux normes du changement climatique. Par conséquent, l’objectif de cette recherche était de contextualiser le changement climatique et d’identifier leurs victimes seraient.

Mots-clés:
Droit; Changement climatique; Réfugiés environnementaux

INTRODUÇÃO

Os efeitos da atividade irresponsável do homem sobre a natureza, principalmente após a Revolução Industrial, fizeram com que a humanidade, ao ver prejudicada sua qualidade de vida e o progresso de sua economia, voltasse sua atenção e iniciasse discussões mundiais sobre o problema relacionado a degradações ambientais, dentre elas principalmente aquelas ocasionadas por mudanças no clima.

A Terra sempre passou por ciclos naturais de aquecimento e resfriamento, da mesma forma que períodos de intensa atividade geológica lançaram à superfície quantidades colossais de gases que formaram de tempos em tempos uma espécie de bolha gasosa sobre o planeta, criando um efeito estufa natural. Ocorre que, atualmente, a atividade industrial está afetando o clima terrestre na sua variação natural, o que sugere que a atividade humana é um fator determinante no aquecimento.

Apresenta-se uma evidência irrefutável que põe em dúvida a estabilidade do mundo atual, necessitando-se de normas jurídicas para evitar uma catástrofe maior. As mudanças climáticas talvez sejam o maior desafio imposto à humanidade desde o surgimento do mundo moderno. Nesse sentido, o Direito das Mudanças Climáticas teria como objetivo regular e articular as normas e jurisprudências de mitigação dos efeitos das mudanças climáticas, assim como prever ações jurídicas de adaptação que essa nova realidade natural e social exige.

Os indícios de que o desequilíbrio ambiental alterará o modo de vida de populações inteiras, principalmente se os cenários projetados em decorrência das mudanças climáticas confirmarem-se, exigirão um esforço mundial no sentido de dirimir as consequências dessas mudanças sobre a vida das pessoas.

Nesse aspecto, do mesmo modo que o aquecimento global vem interferindo na produção de alimentos, diminuindo as áreas agricultáveis em razão da intensificação de secas, enchentes e outros eventos, também agravará o problema dos deslocados por causas ambientais, não permitindo, em muitos casos, a permanência deles em seus lugares de origem. Tais indicativos requerem que se sistematizem mecanismos políticos e jurídicos capazes de garantir o amparo a essas pessoas, de modo a prover-lhes os direitos fundamentais quando tiverem de abandonar seus lares, ainda que seus destinos sejam outra região dentro de seus próprios países.

As situações de mobilidade humana, de modo geral, não dependem de um único fator, mas de múltiplas causas que, somadas, originam o deslocamento. Do mesmo modo que se verifica que uma combinação de eventos pode resultar no deslocamento sem, necessariamente, atribuir-se a um ou a outro a responsabilidade principal, também é possível afirmar que exista nesses a prevalência de um em especial que, em ocorrendo, torna-se determinante para o deslocamento.

De qualquer sorte, a degradação ambiental pode ser percebida nos processos de desertificação, de desmatamento, na diminuição da biodiversidade, bem como em outras situações, e, normalmente, apresenta-se como resultado da ação do homem sobre o meio ambiente, por intermédio da utilização irracional dos recursos naturais, numa velocidade extremamente maior que a de sua recuperação, buscando sustentar um modelo de desenvolvimento que exige a utilização contínua de tais recursos de forma a promover o crescimento econômico. Ademais, junto a isso, há o fato de haver um incremento populacional desordenado em grande parte do planeta, aumentando as demandas de produção e intensificando o uso da água e do solo.

Por conseguinte, o objetivo desta pesquisa foi contextualizar as mudanças climáticas e identificar quais seriam as suas vítimas, sugerindo formas de atuação positivas para sua mitigação.

ASPECTOS RELEVANTES ACERCA DAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS

O Prêmio Nobel da Paz de 2007 concedido ao ex-presidente norte-americano Al Gore e aos especialistas do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) pelo trabalho de conscientização a respeito das mudanças climáticas ressaltou a atualidade e emergência do tema. Al Gore recebeu o prêmio em razão de seu trabalho de divulgação mundial das mudanças climáticas e o IPCC por ser o órgão responsável pelas pesquisas e relatórios tidos como referência internacional sobre o assunto.

Exatamente naquele ano de 2007, a questão ganhou ainda mais destaque após a divulgação do Quarto Relatório de Avaliação das Mudanças Climáticas do IPCC, o qual atribuiu às atividades humanas o aquecimento global (IPCC, 2007IPCC, 2007: Climate Change 2007: The Physical Science Basis. Contribution of Working Group I to the Fourth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change [Solomon, S., D. Qin, M. Manning, Z. Chen, M. Marquis, K.B. Averyt, M.Tignor and H.L. Miller (eds.)]. Cambridge University Press, Cambridge, United Kingdom and New York, NY, USA.). O último relatório do IPCC era de 2001 e, nesse período, ocorreram avanços científicos e metodológicos que permitiram afirmar, com maior precisão, a influência do homem sobre o clima. O Quinto e atual relatório do IPCC foi apresentado em dois grupos: Grupo I em 2013 e Grupo II em 2014.

Os relatórios historicamente destacam que a concentração de gás carbônico – o mais importante gás do efeito estufa na atmosfera – aumentou de 280 ppm para 379 ppm (ppm = partes por milhão) desde a Revolução Industrial. As razões apontadas para o crescimento dessa concentração são a queima de combustíveis fósseis e as mudanças no uso do solo, como o avanço da agricultura e do desmatamento. Entre 1970 e 2004, houve um aumento de 80% das emissões de gases de efeito estufa, especialmente do gás carbônico. Os documentos fixam que até 2050 as emissões devem sofrer uma redução de 50% a 85%, a partir dos dados quantitativos de 2000. Os custos desses esforços seriam de 3% do PIB mundial em 2030.

Os relatórios trazem previsões alarmantes, como, por exemplo, o aumento da temperatura média global entre 1,8ºC e 4ºC até 2100, o derretimento das geleiras e das calotas polares, a elevação do nível dos oceanos acompanhada de tempestades tropicais e de furacões.

Para o Brasil, as previsões apontam que, na pior das hipóteses, o aumento de temperatura deve ser de até 4ºC no interior do país e de até 3ºC na costa. Para o extremo norte do planeta, as previsões são de que a temperatura deve aumentar 7,5ºC, no cenário mais dramático. Quanto às chuvas, os relatórios indicam que o hemisfério norte deve ter um aumento de 10% a 20% no volume, ao passo que no hemisfério sul deve ocorrer a diminuição do seu volume, na mesma proporção.

Segundo o IPCC, as políticas de mitigação das mudanças climáticas e suas respectivas práticas de desenvolvimento sustentável precisam urgentemente ser reforçadas e efetivadas, caso contrário, as emissões continuarão aumentando nas próximas décadas. Assim, os relatórios do IPCC apresentam propostas que visam a contribuir para amenizar as consequências do aquecimento global, destacando-se o incentivo do uso de energias alternativas, que não envolvam a queima de combustíveis fósseis, com a adoção de mecanismos que gerem créditos de carbono, bem como a taxação das emissões de carbono no setor energético – essa última uma proposta considerada mais agressiva.

Pela primeira vez, no Quarto relatório, o IPCC apontou que a conservação da cobertura vegetal original e o combate ao desmatamento também devem ser utilizados como ações mitigadoras para o aquecimento global. No mundo todo, houve um aumento de 40% (entre 1970 e 2004) das emissões na área florestal.

O Brasil é o quarto maior emissor de gases de efeito estufa no mundo e mais de dois terços da sua taxa de gases emitidos (62%) são provenientes do desmatamento das florestas tropicais, segundo o Quarto relatório. Ainda, de acordo com ele, aproximadamente 65% do total de potencial de mitigação estão localizados na região dos trópicos. Desse modo, a metade das metas de redução pode ser atingida evitando-se a devastação florestal. O IPCC observa, além disso, que a proteção às florestas pode trazer outros benefícios, como empregos, aumento de renda, conservação da biodiversidade e de mananciais.

Afirmando que não apenas os governos são responsáveis pelas atitudes mitigadoras, o IPCC, também, pela primeira vez, no Quarto relatório, ressaltou que mudanças no estilo de vida e no padrão de consumo da população podem ajudar no combate ao aquecimento global. Assim, é extremamente importante se entender o fenômeno do aquecimento global e suas consequências, para que a atuação da sociedade seja positiva, adotando e valorizando medidas mitigadoras.

Nesse sentido, Nobre (2008)NOBRE, Paulo. Aquecimento global, oceanos & sociedade. Interfacehs: Revista de Gestão Integrada em Saúde do Trabalho e Meio Ambiente, v. 3, n. 1, a. 1, jan./abr. 2008. destaca que, consequência do acúmulo de gases de efeito estufa de origem antrópica na atmosfera, o aquecimento global vem causando o aumento das temperaturas do ar e dos oceanos, a elevação do nível médio do mar e a retração das geleiras globais (Figura 1), além do aumento da ocorrência de fenômenos meteorológicos extremos, sendo que há décadas a comunidade científica mundial debate se o aquecimento global da atmosfera e dos oceanos, detectado de modo inequívoco pelas redes de observações atmosféricas e oceânicas globais, pode ser atribuído às atividades humanas ou não.

Figura 1
Mudanças observadas na (a) temperatura média global da superfície, (b) no nível do mar médio global obtida por marégrafo (azul) e por satélite (vermelho) e (c) na cobertura de neve do Hemisfério Norte para março-abril. Todas as mudanças são relativas às médias correspondentes para o período 1961-1990. As curvas suavizadas representam valores médios decadais, enquanto que os círculos mostram valores médios anuais. As áreas sombreadas são os intervalos de incerteza estimados a partir de uma análise abrangente das incertezas conhecidas (a e b) e de séries temporais (c). Fonte: IPCC, 2007IPCC, 2007: Climate Change 2007: The Physical Science Basis. Contribution of Working Group I to the Fourth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change [Solomon, S., D. Qin, M. Manning, Z. Chen, M. Marquis, K.B. Averyt, M.Tignor and H.L. Miller (eds.)]. Cambridge University Press, Cambridge, United Kingdom and New York, NY, USA..

Tal aquecimento, segundo o autor mencionado, é o resultado da amplificação de uma característica natural da atmosfera terrestre chamada efeito estufa (Figura 2), que consiste na transparência atmosférica para a radiação solar de onda curta, na faixa do espectro das radiações visíveis, e a opacidade atmosférica à radiação terrestre de onda longa, ou infravermelha, emitida para o espaço. Na ausência do efeito estufa, a temperatura média da superfície da terra seria de -15°C a -18°C, ou seja, toda a água seria congelada e não haveria vida.

Figura 2
O efeito estufa. Fonte: CASARA, 2007CASARA, Ana Cristina. Sustentabilidade do mecanismo de desenvolvimento limpo. 2007. 212 f. Dissertação (Mestrado em Direito), Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2007..

Conforme evidenciam Soares e Higuchi (2006)SOARES, Terezinha de Jesus; HIGUCHI, Niro. A convenção do clima e a legislação brasileira pertinente, com ênfase para a legislação ambiental no Amazonas. Acta Amazônica, Manaus, v. 36, n. 4, p. 573-580, 2006., o efeito estufa é necessário para a manutenção do clima e importante para a vida terrestre no seu todo. Em excesso, no entanto, os gases de efeito estufa formam uma espécie de cobertura espessa demais que retém o calor, aquecendo a superfície da terra além do necessário, produzindo alterações no clima terrestre e causando problemas ambientais e econômicos que atingirão todos os países do globo, especialmente, as zonas costeiras e os pequenos países insulares, pois o resultado mais significativo é o aumento do nível do mar, provocado pelo degelo das calotas polares e pelo aquecimento da água do mar.

Nessa perspectiva, a mudança do clima é uma mudança atribuída direta ou indiretamente à atividade humana que altere a composição da atmosfera global e que seja adicional à variabilidade climática natural observada ao longo de períodos comparáveis de tempo. A mudança do clima ocorre por causa de mudanças internas dentro do sistema climático ou na interação de seus componentes, ou por causa de mudanças no forçamento externo por razões naturais, ou ainda devido às atividades humanas. Geralmente não é possível fazer uma atribuição clara entre essas causas. As projeções da mudança do clima no futuro relatadas pelo IPCC geralmente consideram apenas a influência sobre o clima dos aumentos antrópicos de gases de efeito estufa e outros fatores relacionados ao homem.

Desse modo, as mudanças climáticas são associadas ao aquecimento global como consequência do aumento da concentração de gases de efeito estufa e também em mudanças do uso da terra. Ainda que a contribuição do Brasil para a concentração global de gases de efeito estufa seja menor que a dos países industrializados, a contribuição devido a queimadas (fumaça e aerossóis) é bastante elevada.

O aquecimento global recente tem impactos ambientais intensos (como o derretimento das geleiras e calotas polares), assim como em processos biológicos (como os períodos de floração). Conforme o artigo ‘Alpes perdem 10% do gelo em um ano’, publicado na Folha de São Paulo em 1/12/2005, as temperaturas na Europa, por exemplo, vêm subindo mais rapidamente que a média do planeta e, só no ano de 2003, 10% das geleiras dos Alpes derreteram, de acordo com relatório publicado em novembro de 2005 pela agência ambiental da União Europeia. Os climas mais quentes provocados pelo aquecimento global podem aumentar a incidência de casos de peste bubônica, a epidemia que matou milhões de pessoas ao longo da história e exterminou um terço da população da Europa no século XIV. Assim como aumentar o número de doenças tropicais, como a malária, a dengue e a disenteria. Seja por causa da piora nas condições de saúde, devido à disseminação destas enfermidades, ou por causa da diminuição do suprimento de água, os países da África subsaariana, da Ásia e da América do Sul são os mais vulneráveis às consequências do aquecimento da Terra. Muitas das principais moléstias que atingem os países pobres, das já citadas, malária e diarreia, passando pela subnutrição, são extremamente sensíveis às condições climáticas. (MARENGO, 2007MARENGO, José A. Mudanças climáticas globais e seus efeitos sobre a biodiversidade: caracterização do clima atual e definição das alterações climáticas para o território brasileiro ao longo do século XXI. 2. ed. Brasília: MMA, 2007., p. 19).

Também existem evidências (IPCC, 2001IPCC 2001: Climate Change 2001: Impacts, Adaptation and Vulnerability- Contribution of Working Group 2 to the IPCC Third Assessment Report. Cambridge Univ. Press. 2001.) de que eventos extremos, como secas, enchentes, ondas de calor e de frio, furações e tempestades, têm afetado diferentes partes do planeta e produzido enormes perdas econômicas e de vidas. Como exemplos, identificados por Marengo (2007)MARENGO, José A. Mudanças climáticas globais e seus efeitos sobre a biodiversidade: caracterização do clima atual e definição das alterações climáticas para o território brasileiro ao longo do século XXI. 2. ed. Brasília: MMA, 2007., podem ser citados a onda de calor na Europa em 2003, os furacões Katrina, Wilma e Rita no Atlântico Norte em 2005 e o inverno extremo da Europa e Ásia em 2006. Também se pode mencionar, no Brasil, o furacão Catarina em março 2004, a recente seca da Amazônia em 2005 e as secas já observadas no sul do Brasil em 2004, 2005 e 2006. Há, ainda, impactos relacionados, como alterações na biodiversidade, aumento no nível do mar e impactos na saúde, na agricultura e na geração de energia hidrelétrica, que já podem estar afetando o Brasil, assim como o restante do planeta. O verão de 2003 na Europa, por exemplo, foi o mais quente dos últimos 500 anos e matou entre 12 mil e 15 mil pessoas. O aquecimento também deve exacerbar o problema das ilhas de calor em todas as grandes cidades, uma vez que os prédios e o asfalto retêm muito mais radiação térmica do que as áreas não-urbanas.

De outro lado, Molion (2007)MOLION, Luiz Carlos Baldicero. Desmistificando o aquecimento global. Intergeo, v. 5, p. 13-20, 2007. critica o apelo público sobre o aquecimento global, destacando que a variabilidade natural do clima não permite afirmar que o aquecimento seja decorrente da intensificação do efeito estufa causada pelas atividades humanas ou mesmo que essa tendência de aquecimento persistirá nas próximas décadas, como sugerem as projeções produzidas pelo IPCC. Acrescenta que a aparente consistência entre os registros históricos e as previsões dos modelos não significa que o aquecimento esteja ocorrendo; na realidade, para ele, as características desses registros históricos conflitariam com a hipótese do efeito estufa intensificado: o planeta se aqueceu mais rapidamente entre 1925-1946, quando a quantidade de CO2 lançada na atmosfera era inferior a 10% da atual e se resfriou entre 1947-1976, quando ocorreu o desenvolvimento econômico acelerado após a Segunda Guerra Mundial.

No mesmo caminho, Neto (2008)NETO, Petronio de Tilio. Ecopolítica das mudanças climáticas: o IPCC e o ecologismo dos pobres. 2008. 190 f. Tese (Doutorado em Ciência Política), Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008. alega que o IPCC defende que seus relatórios são imparciais, quando na verdade constituem análises prescritivas: eles encaminham os formuladores de política em direção a determinadas opções e linhas de conduta que não são e nem poderiam ser neutras. Ele afirma que é impossível realizar escolhas desvinculadas de valores. Desse modo, para o autor, por mais que o IPCC se esforce, as possibilidades exibidas em seus relatórios se baseiam em escolhas – utilizando critérios científicos, mas ainda assim são escolhas. E, como tal, refletiriam, em alguma medida, os valores defendidos pelos agentes que fazem essas escolhas quando optam por uma teoria, quando incluem certo dado, quando suprimem algumas expressões ou quando decidem quais exemplos serão citados.

De qualquer maneira, é preciso dar atenção a James Lovelock (2006)LOVELOCK, James. A vingança de Gaia. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2006. quando sustenta que as perspectivas são sombrias, alegando que embora consigamos reagir com sucesso, passaremos por tempos difíceis, como em qualquer guerra, que nos levarão ao limite, estando em risco a própria civilização. Ele indica haver uma pequena chance dos céticos estarem certos, ou de que sejamos “salvos” por um evento inesperado, como uma série de erupções vulcânicas fortes o bastante para bloquear a luz solar e, assim, esfriar a Terra. Todavia, para o autor, apenas perdedores apostariam suas vidas em chances tão remotas, porquanto quaisquer que sejam as incertezas sobre o clima futuro, não há dúvida de que tanto os gases de efeito estufa como as temperaturas estão aumentando.

Além disso, cabe referir a preocupação com a degradação ambiental, especialmente a partir da formação do Clube de Roma em 1968, com cientistas, industriais e políticos, os quais se reuniram para analisar e discutir os limites do crescimento econômico levando em conta o uso crescente dos recursos naturais. O grupo foi o pioneiro na identificação dos principais problemas à sobrevivência da vida do planeta, tais como a industrialização acelerada, o rápido crescimento demográfico, a escassez de alimentos e o esgotamento dos recursos naturais.

O Clube de Roma influenciou o debate, realizando-se a primeira reunião da comunidade internacional para discutir o meio ambiente global, sob a nominação de Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano, realizada em Estocolmo em 1972.

Muitos anos se passaram, muitos conceitos evoluíram, chegando-se, em 2012, à Rio+20, com pouca alteração prática, cujo eixo principal foi ofertar uma oportunidade para pensar-se globalmente, a fim de agir-se localmente para um futuro comum seguro. A Conferência, dessa forma, abriu espaço para a discussão global sobre a economia verde e a governança para o desenvolvimento sustentável.

O Grupo I do Quinto e último relatório do IPCC, referente ao ano de 2013, sustenta que:

[...] o aquecimento do sistema climático é inequívoco e, desde os anos 1950, muitas das mudanças observadas não têm precedentes em décadas ou milênios. A atmosfera e o oceano se aqueceram, a quantidade de gelo e neve diminuiu, o nível do mar se elevou e as concentrações de GEE aumentaram. Cada uma das últimas três décadas têm sido sucessivamente mais quente na superfície terrestre que qualquer década anterior desde 1850. [...].

Grande parte da mudança do clima antropogênica resultante das emissões de CO2 é irreversível numa escala de tempo multissecular a milenar, exceto no caso de remoção líquida de CO2 da atmosfera num período sustentado. As temperaturas de superfície permanecerão aproximadamente constantes em níveis elevados por muitos séculos após a completa interrupção de emissões antropogênicas líquidas de CO2. Devido a grandes escalas de tempo de transferência de calor da superfície do oceano para águas profundas, o aquecimento do oceano continuará por séculos. Dependendo do cenário, cerca de 15% a 40% do CO2 emitido continuará na atmosfera por mais de 1.000 anos. [...].

A maior parte dos aspectos da mudança do clima persistirá por muitos séculos, ainda que as emissões de CO2 sejam interrompidas. (JURAS, 2013JURAS, Ilidia da Ascenção Garrido Martins. Mudança do clima: principais conclusões do 5° Relatório do IPCC. Brasília: Câmara dos Deputados/Consultoria Legislativa, 2013. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/documentos-e-pesquisa/publicacoes/estnottec/areas-da-conle/tema14/2013_24881.pdf>. Acesso em: 25 ago. 2015.
http://www2.camara. leg.br/documentos-e-...
, p. 4-9).

Nessa mesma linha de raciocínio, o Grupo II do Quinto relatório, referente ao ano de 2014, aponta, especialmente em relação à América do Sul, o encolhimento glacial dos Andes, mudanças nos extremos de fluxo do Rio Amazonas, aumento na mortalidade de plantas e florestas causadas pelo fogo na Amazônia, degradação causada por poluição e uso da terra, maior vulnerabilidade dos modos de vida dos indígenas pela ausência de água, além de efeitos no aumento do estresse social e econômico.

O Quadro 1 abaixo, extraído do Grupo II do Quarto relatório do IPCC (2014)(IPCC, 2014: Sumário para os tomadores de decisão do Quinto relatório de avaliação (2014). Traduzido por Iniciativa Verde, São Paulo, 2015. Disponível em: <http://www.iniciativaverde.org.br//lib/php/download.php?cfg=1&arq=produtos/37_2015_05_04_relatorio_ipcc_portugues.pdf&mde=ProdItem&cod=37>. Acesso em: 25 ago. 2015.
http://www.iniciativaverde.org.br//lib/p...
, específico para a América do Sul e para a América Central, situa os riscos-chave, as questões e perspectivas de adaptação e os condutores do clima, identificando os prazos (presente, período próximo – 2030-2040 e longo período – 2040-2080 e os riscos e potenciais para adaptação (muito baixo, médio e muito alto).

Quadro 1
Riscos-chave regionais das mudanças climáticas e o potencial para redução de risco através da adaptação e mitigação. Cada risco-chave é caracterizado de muito baixo para muito alto para dois prazos: o presente, curto prazo (aqui, avaliado entre 2030-2040), e longo prazo (aqui, avaliado entre 2080-2100). No curto prazo, os níveis projetados para o aumento médio da temperatura global não diverge substancialmente dos diferentes cenários de emissão. Para o período de longo prazo, os níveis de risco são apresentados em dois cenários de aumento médio da temperatura global (2°C e 4°C abaixo dos níveis pré-industriais). Esses cenários ilustram o potencial para a mitigação e adaptação para reduzir os riscos relacionados às mudanças climáticas. Os condutores de impactos climáticos estão indicados por ícones.

Nesse sentido, conforme aponto o IPCC (2014, p. 42)(IPCC, 2014: Sumário para os tomadores de decisão do Quinto relatório de avaliação (2014). Traduzido por Iniciativa Verde, São Paulo, 2015. Disponível em: <http://www.iniciativaverde.org.br//lib/php/download.php?cfg=1&arq=produtos/37_2015_05_04_relatorio_ipcc_portugues.pdf&mde=ProdItem&cod=37>. Acesso em: 25 ago. 2015.
http://www.iniciativaverde.org.br//lib/p...
: “As perspectivas para os caminhos resilientes ao clima e para o desenvolvimento sustentável estão relacionadas fundamentalmente com a condição de que o mundo cumpra com a mitigação das mudanças climáticas”. A mitigação passa por inúmeras transformações em ações e decisões econômicas, políticas, tecnológicas e sociais, conforme aponta o último relatório do IPCC, a fim de ser alcançada a sustentabilidade.

O DIREITO DAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS

Em função da incerteza e da imprevisibilidade do caos que vivenciamos hoje no mundo, é imperativo repensar uma nova relação entre o homem e a natureza, a fim de criar mecanismos para implementar ferramentas necessárias à perfectibilização desse novo relacionamento. Nessa situação, surge um novo problema: as mudanças climáticas.

Nos termos de Carvalho (2010)CARVALHO, Délton Winter de. Mudanças Climáticas e as implicações jurídico-principiológicas para a gestão dos danos ambientais futuros numa sociedade de risco global. 2010. Brasil. Disponível em: <http://www.planetaverde.org/mudancasclimaticas>. Acesso em: 13 jun. 2013.
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, o aquecimento global tem o reflexo imediato de intensificar a necessidade do gerenciamento dos riscos ambientais pelo Direito, mediante a construção de observações, vínculos e decisões sobre o futuro. Em razão desse contexto de risco global, tem-se a intensificação de uma tomada de consciência jurídica acerca do necessário comprometimento das presentes em relação às futuras gerações. O futuro, portanto, passa a ser a principal justificativa para aplicar o Direito que a própria sociedade produz de acordo com um cálculo de interesse e, cada vez mais, como uma reação para os seus próprios problemas autoproduzidos.

El cambio climático como hecho notorio, tiene implicaciones importantes en la disciplina jurídica, máxime cuando se considera que por cuenta de la afectación que del mismo pueda derivarse, pueden verse afectados total o parcialmente el goce y disfrute de los derechos reconocidos al conglomerado social. Esta situación impone un reto directo y sin precedentes a las instituciones a nivel nacional e internacional, las cuales deberán accionar tanto política como jurídicamente, ya sea para establecer un marco de política pública y regulatorio de carácter especial que tenga como finalidad afrontar el reto del cambio climático, ya sea para identificar posibles elementos útiles dentro de la legislación actual que a su vez sirvan como insumo para afrontar el cambio climático, o ambas cosas. (MACÍAS GÓMEZ, 2010MACÍAS GÓMEZ, Luis Fernando. El derecho del cambio climático: un nuevo paradigma del derecho?. 2010. Colômbia. Disponível em: <http://www.planetaverde.org/mudancasclimaticas>. Acesso em: 13 jun. 2013.
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, p. 12).

Diante disso, o Direito não apenas deve intervir para evitar que se incrementem atividades que contribuam para as mudanças climáticas, como também prevenir as ações necessárias para que a sociedade se adapte às mudanças que irão ocorrer. Significa dizer: hoje, mais do que nunca, o Direito deve corrigir as condutas, bem como prevenir os efeitos e transformações que essas condutas não corrigidas tenham provocado ao planeta e à humanidade.

A humanidade está frente à necessidade que o Direito regule o risco e previna os possíveis efeitos que dele possam derivar-se. Dessa maneira, poderia afirmar-se que, assim como se fala de uma sociedade de risco, faz-se necessário pensar a carência de um Direito do risco.

Macíaz Gómez (2010)MACÍAS GÓMEZ, Luis Fernando. El derecho del cambio climático: un nuevo paradigma del derecho?. 2010. Colômbia. Disponível em: <http://www.planetaverde.org/mudancasclimaticas>. Acesso em: 13 jun. 2013.
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indica que esse “novo Direito” seria o Direito das Mudanças Climáticas, o qual se caracterizaria por manter os princípios universais do Direito, mas cujo objeto se ampliaria a uma série de aspectos que transcendem a regulação das relações sociais, ou dessas com o ambiente natural, para passar a regular uma série de atividades cujo objeto seria a mitigação das mudanças climáticas e o controle das suas causas, bem como a orientação das ações tendentes à adaptação. Ademais, o Direito deve prever como as relações sociais devem orientar-se a uma nova forma de vida e transformação social que se produzirá por mudanças no ambiente e na forma de utilização dos recursos naturais.

O Direito Ambiental das Mudanças Climáticas - como vem a ser chamada a tutela jurídica exercida em derredor dos fenômenos das alterações de clima - resulta da preocupação dos teóricos e operadores do direito com as consequências naturais dos atos praticados pelos homens, e que tendem a causar modificação nas condições climáticas em todo o globo. [...].

Esta função pós-moderna, por assim dizer, do direito ambiental, que se traduz em um olhar hobbesiano e sistêmico, sustentado em uma legitimidade formal, tornando-se apto a coibir as atividades humanas que atentam contra o equilíbrio climático, pode ser definido como ‘direito das mudanças climáticas’. (BELLO FILHO, 2009BELLO FILHO, Ney de Barros. Direito Ambiental das Mudanças Climáticas: novos paradigmas da atuação judicial. 2009. Brasil. Disponível em: <http://www.planetaverde.org/mudancasclimaticas>. Acesso em: 13 jun. 2013.
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, p. 12-13).

Quando se trata da relação entre Direito e mudanças climáticas não se discute um novo direito, no sentido objetivo, tampouco se estabelece a ilicitude de alguma nova conduta ou ainda novas hipóteses de responsabilidade. Apenas se constata que aqueles atos ambientalmente ilícitos, já assim afirmados pela legislação em vigor, causam danos muito mais relevantes do que se imaginava antes da compreensão dos mecanismos de aquecimento do planeta. Assim, o Direito das Mudanças Climáticas é, antes de tudo, uma nova tomada de postura do discurso jurídico frente a uma realidade que as ciências “duras” são agora capazes de demonstrar.

Nesse contexto, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) vem se tornando protagonista e referência internacional em um domínio relativamente novo e complexo, o do Direito Ambiental, tema sobre o qual já julgou inúmeros processos e para os quais tem apresentado soluções inovadoras e sólidas o suficiente para se transformarem em paradigmas, segundo reconhecimento de autoridades internacionais do setor . No que diz com as mudanças climáticas, até agora, duas decisões do STJ fizeram a devida referência, ambas do Ministro Herman Benjamim. Seguem as ementas:

AMBIENTAL. MULTA PREVISTA NO ART. 14 DA LEI 6.938⁄1981. APLICAÇÃO. RECURSO ESPECIAL. ALÍNEA “C”. NÃO-DEMONSTRAÇÃO DA DIVERGÊNCIA.

[...].

3. As queimadas, sobretudo nas atividades agroindustriais ou agrícolas organizadas ou empresariais, são incompatíveis com os objetivos de proteção do meio ambiente estabelecidos na Constituição Federal e nas normas ambientais infraconstitucionais. Em época de mudanças climáticas, qualquer exceção a essa proibição geral, além de prevista expressamente em lei federal, deve ser interpretada restritivamente pelo administrador e juiz.

[...].

5. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido.

(REsp n° 1.000.731 – RO (2007/0254811-8), Relator Ministro Herman Benjamin, da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, Julgado em 25/08/2009, DJe em 08/09/2009 – grifei).

PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL. NATUREZA JURÍDICA DOS MANGUEZAIS E MARISMAS. TERRENOS DE MARINHA. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. ATERRO ILEGAL DE LIXO. DANO AMBIENTAL. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. OBRIGAÇÃO PROPTER REM. NEXO DE CAUSALIDADE. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. PAPEL DO JUIZ NA IMPLEMENTAÇÃO DA LEGISLAÇÃO AMBIENTAL. ATIVISMO JUDICIAL. MUDANÇAS CLIMÁTICAS. DESAFETAÇÃO OU DESCLASSIFICAÇÃO JURÍDICA TÁCITA. SÚMULA 282⁄STF. VIOLAÇÃO DO ART. 397 DO CPC NÃO CONFIGURADA. ART. 14, § 1°, DA LEI 6.938⁄1981.

[...].

9. É dever de todos, proprietários ou não, zelar pela preservação dos manguezais, necessidade cada vez maior, sobretudo em época de mudanças climáticas e aumento do nível do mar. Destruí-los para uso econômico direto, sob o permanente incentivo do lucro fácil e de benefícios de curto prazo, drená-los ou aterrá-los para a especulação imobiliária ou exploração do solo, ou transformá-los em depósito de lixo caracterizam ofensa grave ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e ao bem-estar da coletividade, comportamento que deve ser pronta e energicamente coibido e apenado pela Administração e pelo Judiciário.

[...].

16. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido.

(REsp n° 650.728 – SC (2003/02211786-0), Relator Ministro Herman Benjamin, da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, Julgado em 23/10/2007, DJe em 02/12/2009 – grifei).

No segundo julgamento, o Ministro Relator Herman Benjamin traça importante consideração acerca do Judiciário, afirmando que no Brasil o juiz não cria obrigações de proteção do meio ambiente; elas jorram da lei, após terem passado pelo crivo do Poder Legislativo. Ele considera que assim não precisamos de juízes ativistas, pois o ativismo é da lei e do texto constitucional. Ao contrário de outros países, nosso Judiciário não é assombrado por um oceano de lacunas ou um festival de meias-palavras legislativas. Finaliza indicando que se lacuna existe, não é por falta de lei, nem mesmo por defeito na lei; é por ausência ou deficiência de implementação administrativa e judicial dos inequívocos deveres ambientais estabelecidos pelo legislador.

O Poder Judiciário tem por objetivo aplicar as leis resolvendo o conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida. Tal atividade pauta-se pela tutela jurídica que a Constituição e as leis infraconstitucionais dão aos casos abstratos, permitindo-se a aplicação das normas que protegem bens jurídicos, independentemente das conseqüências jurídicas dos atos praticados.

Isto quer dizer que o arsenal jurídico à disposição do Judiciário existe independente do fato de as consequências dos atos ilícitos terem se agravado no decorrer do tempo.

Se antes era papel dos juízes coibir – através de normas cíveis e criminais – a derrubada de madeira em florestas em razão do dano causado aos ecossistemas, continua sendo função do Judiciário fazê-lo após a constatação de que tais atos contribuem para o aquecimento global e, por via de conseqüência, para as mudanças climáticas. (BELLO FILHO, 2009BELLO FILHO, Ney de Barros. Direito Ambiental das Mudanças Climáticas: novos paradigmas da atuação judicial. 2009. Brasil. Disponível em: <http://www.planetaverde.org/mudancasclimaticas>. Acesso em: 13 jun. 2013.
http://www.planetaverde.org/mudancasclim...
, p. 15).

Outra situação de extrema importância dentro do tema diz respeito à instituição da Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC), Lei n° 12.187/09, a qual caracteriza a mudança do clima em seu art. 2°, inciso VIII, como “mudança de clima que possa ser direta ou indiretamente atribuída à atividade humana que altere a composição da atmosfera mundial e que se some àquela provocada pela variabilidade climática natural observada ao longo de períodos comparáveis”.

Analisando o Projeto de lei que deu origem à PNMC, nota-se que ela foi criada para atender, principalmente, dois objetivos, quais sejam: a) reduzir as emissões antrópicas por fontes e fortalecer as remoções antrópicas por sumidouros de gases de efeito estufa no território nacional; e b) definir e implementar medidas para promover a adaptação à mudança do clima das comunidades locais, dos municípios, Estados, regiões e de setores econômicos e sociais, em particular aqueles especialmente vulneráveis aos efeitos adversos.

Tendo em vista que o Brasil, como país em desenvolvimento e não pertencente ao Anexo I da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, não possui, no âmbito do Protocolo de Quioto, compromissos quantificados de redução ou limitação de emissões de gases de efeito estufa, o objetivo de reduzir as emissões antrópicas por fontes e fortalecer as remoções antrópicas por sumidouros de gases de efeito estufa no território nacional apresenta caráter voluntário. Esse objetivo, associado à promoção da adaptação aos efeitos da mudança do clima, refletem os compromissos assumidos pelo Brasil no contexto da Convenção sobre Mudança do Clima, particularmente aqueles associados ao artigo 4.1.b, que estabelece:

Todas as Partes, levando em conta suas responsabilidades comuns mas diferenciadas e suas prioridades de desenvolvimento, objetivos e circunstâncias específicos, nacionais e regionais, devem formular, implementar, publicar e atualizar regularmente programas nacionais e, conforme o caso, regionais, que incluam medidas para mitigar a mudança do clima, enfrentando as emissões antrópicas por fontes e remoções por sumidouros de todos os gases de efeito estufa não controlados pelo Protocolo de Montreal, bem como medidas para permitir adaptação adequada à mudança do clima.

Nesse sentido, a própria PNMC esclarece:

Art. 12. Para alcançar os objetivos da PNMC, o País adotará, como compromisso nacional voluntário, ações de mitigação das emissões de gases de efeito estufa, com vistas em reduzir entre 36,1% (trinta e seis inteiros e um décimo por cento) e 38,9% (trinta e oito inteiros e nove décimos por cento) suas emissões projetadas até 2020.

Parágrafo único. A projeção das emissões para 2020 assim como o detalhamento das ações para alcançar o objetivo expresso no caput serão dispostos por decreto, tendo por base o segundo Inventário Brasileiro de Emissões e Remoções Antrópicas de Gases de Efeito Estufa não Controlados pelo Protocolo de Montreal, a ser concluído em 2010.

Braccini (2010)BRACCINI, Bruna Zaccaro. O Poder Público e as mudanças climáticas: breve avaliação sobre a estrutura e os instrumentos adotados. 2010. Brasil. Disponível em: <http://www.planetaverde.org/mudancasclimaticas>. Acesso em: 13 jun. 2013.
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assevera que a PNMC, na mesma linha das normas estaduais, reforça a importância da difusão de informações, na medida em que promove a disseminação de dados sobre o tema, a educação, a capacitação e a conscientização pública sobre a mudança do clima. Nesse panorama, a lei prevê a promoção e o desenvolvimento de pesquisas científico-tecnológicas, e a difusão de tecnologias, processos e práticas orientadas à mitigação e à adaptação às mudanças climáticas

OS “REFUGIADOS AMBIENTAIS”

Uma das questões de relevante projeção é a do aumento de pessoas deslocadas por causas ambientais, que se elevará significativamente até a metade deste século, produzindo uma quantidade enorme de indivíduos que, repentinamente ou em face de um processo gradual de destruição do meio ambiente, serão forçados a abandonar seus lares em busca de outro lugar onde lhes seja garantida a sobrevivência. Estima-se, inclusive, que o número de pessoas deslocadas por questões ambientais já supere a própria quantidade de refugiados perseguidos por razões políticas, sociais ou religiosas.

Atualmente, mesmo que se verifique que existam recursos naturais suficientes em um outro local para abrigar toda uma população deslocada, ainda que dentro de uma mesma nação, existirá todo um arranjo jurídico que terá de ser respeitado para que estas pessoas sejam aceitas e recebam uma proteção digna, além de toda a questão referente à adaptação que precisará ser observada, pois, por mais que as distâncias que separam um povo e outro sejam pequenas, as diferenças culturais e sociais entre estes poderão ser muito grandes, não bastando apenas que se garanta sua proteção física, mas também que se considere toda a carga de valores éticos, morais e culturais que permeiam os grupos envolvidos. (SCHNEIDER, 2009SCHNEIDER, Tiago de Jesus. Um novo desafio ao direito: deslocados/migrantes ambientais. Reco nhecimento, proteção e solidariedade. 2009. 128 f. Dissertação (Mestrado em Direito), Universidade de Caxias do Sul, Caxias do Sul, 2009., p. 18).

Nesse cenário, a determinação das causas que provocam a movimentação do homem pelo planeta é fundamental no momento de distinguir as pessoas que se movem de forma quase que natural, em busca de melhores condições de vida para si e para os seus e que, diante da escolha, poderiam permanecer no mesmo lugar ou retornar, no caso do local escolhido não se refletir no que foi desejado, e aquelas que não têm outra opção senão a de deslocarem-se para outros locais, a fim de garantirem a sobrevivência, em razão do local anteriormente habitado por elas não oferecer qualquer estrutura para tanto.

A condição de refugiado é obtida pela fuga de uma pessoa de seu próprio país para outro, em razão de causas pré-determinadas que incluam, entre outras, perseguições políticas, conflitos internos e violações de direitos humanos. Exige-se, portanto, que haja a transposição de uma fronteira nacional para que se caracterize o refúgio. Não raras são as vezes, contudo, que isso deixa de ocorrer, seja pela dificuldade em si de alcançar os limites entre um país e outro ou mesmo pela própria indisposição em buscar a proteção de um novo Estado quando ainda restam alternativas, ainda que precárias, de permanecer no próprio país, porém em outro lugar diferente daquele habitual. Quando as movimentações ocorrem dentro de um mesmo Estado, por razões idênticas ou não às das pessoas que deixam o país tem-se uma categoria de indivíduos que são conhecidos como deslocados internos. (RENAUD et al., 2007RENAUD, Fabrice; BOGARDI, Jano J.; DUN, Olivia. WARNER, Coco. Control, adapt or flee: hom to face environmental migration?. InterSecTions, UNU-EHS, n. 5, 2007., p. 12).

A situação singular dessas pessoas assemelha-se à condição de um refugiado, apesar da ausência de reconhecimento oficial por parte dos órgãos internacionais de proteção. As causas que fazem com que um indivíduo busque proteção em outro Estado são, normalmente, as mesmas que o obrigam a deslocar-se dentro de seu próprio país. Entretanto, mesmo que estejam presentes as mesmas motivações de quem é considerado refugiado, o fato de não adentrar em um território estrangeiro reduz significativamente as possibilidades de proteção, haja vista que nenhuma organização internacional possui um mandado formal que lhe permita atuar dentro do mesmo Estado de quem é deslocado, principalmente em função do princípio da soberania que deve ser respeitado.

A estreita ligação entre motivações econômicas, sociais e ambientais torna muito complexa a atribuição a uma única causa dos fluxos dos movimentos migratórios. Wood (2001)WOOD, William. Ecomigration: linkages between environmental change and migration. In: ZOLBERG, Aristide; BENDA, Peter (Orgs.). Global migrants, global refugees: problems and solutions. New York: Berghahn Books, 2001. p. 43-61., que utiliza a expressão “migração ambiental”, assevera que os fatores ambientais, muito embora sejam, em muitas situações, ignorados ou subestimados, originam profundos impactos sobre as economias regionais e nacionais, influenciando, mesmo que indiretamente, os fluxos de migração. A dificuldade em individualizar as causas, aliada ao fato de que refugiados e migrantes constituem-se em espécies de pessoas deslocadas com nuances muito semelhantes, principalmente em relação à carência de proteção, tornam a discussão quanto à definição de uma expressão única para essas pessoas uma tarefa intrincada, haja vista, também, não existir um conceito oficial.

Cournil (2006)COURNIL, Christel. Les réfugiés écologiques: Quelle(s) protection(s), quel(s) statut(s)?. Revue du Droit Public, n. 4, p. 1035-1066, 2006. demonstra bem a situação ao referir que ‘refugiados ecológicos’, migrantes ou ‘refugiados do ambiente’, ‘refugiados do clima’, ‘eco-refugiados’, ‘pessoas deslocadas em razão de uma catástrofe natural’, ‘êxodo ecológico’, entre outros, são termos que refletem o exílio, a migração ou deslocamento em razão de algo que atente ao meio ambiente. Evidencia-se que, muito embora tais designações refiram-se, de modo geral, às pessoas que se deslocam em razão de fatores ambientais, elas não formam um conceito único, possuindo especificidades próprias que as diferenciam umas das outras. As várias acepções empregadas, contudo, permitem concluir, inquestionavelmente, que há uma nova categoria de pessoas deslocadas que não se enquadra na definição habitual de refugiados e que, por isso, merece um tratamento jurídico adequado, para que se efetive sua proteção.

Propõe-se, então, a utilização das expressões ‘migrante ambiental’ ou ‘deslocado ambiental’ como forma de atingir a todas estas pessoas, incluindo-se os próprios ‘refugiados ambientais’ como uma de suas espécies, remetendo-se a eles quando da observação dos grupos que se deslocam em função de catástrofes no meio ambiente, sob as quais o homem não tem qualquer controle. O termo ‘migrante ambiental’ é, certamente, mais utilizado e o mais fundamentado nas discussões sobre o tema, contudo, aceita-se que se utilize também a expressão ‘deslocados ambientais’. (SCHNEIDER, 2009SCHNEIDER, Tiago de Jesus. Um novo desafio ao direito: deslocados/migrantes ambientais. Reco nhecimento, proteção e solidariedade. 2009. 128 f. Dissertação (Mestrado em Direito), Universidade de Caxias do Sul, Caxias do Sul, 2009., p. 63).

Ademais, a discussão sobre as migrações ambientais foi potencializada nos últimos anos em face da perspectiva das alterações no meio ambiente decorrentes das mudanças climáticas. Estudos recentes publicados pelo IPCC (2007)IPCC, 2007: Climate Change 2007: The Physical Science Basis. Contribution of Working Group I to the Fourth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change [Solomon, S., D. Qin, M. Manning, Z. Chen, M. Marquis, K.B. Averyt, M.Tignor and H.L. Miller (eds.)]. Cambridge University Press, Cambridge, United Kingdom and New York, NY, USA.revelaram possíveis cenários para um futuro próximo que irão afetar significativamente a vida de milhões de pessoas em todo o mundo, independentemente do local onde vivem, da classe social ou da contribuição que tenham dado ao aquecimento global.

Nesse contexto, de qualquer maneira, fenômenos que antes eram considerados normais, em razão da sua regularidade, serão mais frequentes e terão uma magnitude muito maior. Ciclos hidrológicos mais intensos provocarão eventos extremos como tempestades, enchentes e inundações. Além do que, resultarão também no prolongamento dos períodos de seca e estiagem. Com isso, as áreas consideradas agricultáveis poderão diminuir e a desertificação avançará mais rapidamente, expulsando milhões de pessoas de seus ambientes, principalmente nos países mais pobres, onde os recursos tecnológicos não estão tão presentes na agricultura, o que poderia minimizar as perdas.

O Brasil não se diferencia do contexto mundial [...]. Recentemente inundações decorrentes de chuvas de proporções inéditas assolaram o Estado de Santa Catarina e, em seguida, parte do norte e o nordeste do país, deixando milhares de desalojados e desabrigados, prejudicando enormemente a economia desses Estados e ensejando a migração de indivíduos ali residentes para demais localidades.

Toda essa gama de ilustrações destina-se a demonstrar a presença significativa e irrefutável de refugiados em consequência de desastres ecológicos ao redor do planeta na atualidade – e a necessidade de seu conhecimento como tal, de modo a viabilizar sua adequada proteção –, em que pese as manifestas dificuldades jurídicas e institucionais nesta missão. (BREITWISSER, 2009BREITWISSER, Refugiados ambientais: breves notas sobre sua proteção jurídica internacional. Revista de Direito Ambiental, São Paulo, a. 14, n. 56, p. 142-166, out./dez. 2009., p. 146).

Além disso, em função dos cenários catastróficos promovidos pelo IPCC (2007)IPCC, 2007: Climate Change 2007: The Physical Science Basis. Contribution of Working Group I to the Fourth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change [Solomon, S., D. Qin, M. Manning, Z. Chen, M. Marquis, K.B. Averyt, M.Tignor and H.L. Miller (eds.)]. Cambridge University Press, Cambridge, United Kingdom and New York, NY, USA. e de alegações como a de Brown (2008)BROWN, Oli. Migration and climate change. Genebra: IOM, 2008., as quais indicam que 25% e 42% das áreas costeiras do mundo serão completamente inundadas, nos anos de 2050 e 2100, respectivamente, provocando o deslocamento de até 140 milhões de pessoas até o final do século, as pessoas envolvidas estão herdando as designações de ‘refugiados do clima’, ‘refugiados climáticos’ e ‘migrantes das mudanças climáticas’, recebendo uma atenção especial da comunidade científica, haja vista formarem a porção que mais cresce entre as pessoas deslocadas.

Os números estimados dessas pessoas não são unânimes, mas qualquer um dos dados refere-se a milhões de indivíduos forçados a fugirem do lugar que habitam em função de alterações no ambiente provocadas pelas mudanças climáticas. [...] atribui-se esta imprecisão em determinar uma quantidade aproximada de pessoas deslocadas à falta de consenso sobre a maneira como fatores relacionados à pobreza, escassez de recursos naturais e conflitos políticos podem influenciar no nexo entre migração e tensões ambientais. (BROWN, 2008BROWN, Oli. Migration and climate change. Genebra: IOM, 2008., p. 17).

Recentemente, também, no Brasil, em novembro de 2008, inúmeros municípios do Estado de Santa Catarina foram atingidos por fortes e intermináveis chuvas que, num período de cinco dias, equivaleram-se a meses de precipitação. De acordo com a Defesa Civil daquele Estado, as condições meteorológicas e geográficas da região foram determinantes para que ocorressem incontáveis desmoronamentos, matando mais de uma centena de pessoas e desabrigando outras milhares (mais de 80.000 foram obrigadas a sair de suas em busca de locais seguros).

Esses são exemplos extremos dos danos que podem ser provocados por eventos naturais desastrosos, os quais, segundo o IPCC (2007)IPCC, 2007: Climate Change 2007: The Physical Science Basis. Contribution of Working Group I to the Fourth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change [Solomon, S., D. Qin, M. Manning, Z. Chen, M. Marquis, K.B. Averyt, M.Tignor and H.L. Miller (eds.)]. Cambridge University Press, Cambridge, United Kingdom and New York, NY, USA.tornar-se-ão mais frequentes e intensos neste século, devido ao aumento da temperatura média do planeta, provocada principalmente pela ação do homem sobre os recursos naturais. De qualquer sorte, apesar da impossibilidade de demonstrar com números precisos os impactos causados pelos desastres naturais no planeta, seja no que se refere às vidas subtraídas ou aos prejuízos econômicos, sociais e ambientais causados, pode-se perceber que determinadas características são inerentes à grande parte dos eventos ocorridos.

O Grupo II do Quinto relatório do IPCC (2014, p. 30)(IPCC, 2014: Sumário para os tomadores de decisão do Quinto relatório de avaliação (2014). Traduzido por Iniciativa Verde, São Paulo, 2015. Disponível em: <http://www.iniciativaverde.org.br//lib/php/download.php?cfg=1&arq=produtos/37_2015_05_04_relatorio_ipcc_portugues.pdf&mde=ProdItem&cod=37>. Acesso em: 25 ago. 2015.
http://www.iniciativaverde.org.br//lib/p...
é enfático:

Segundo a projeção, a mudança do clima ao longo do século 21, aumentará o deslocamento de pessoas e populações (evidência média, alta concordância). O risco de deslocamento aumenta quando as populações que não têm recurso e experiência para uma migração planejada apresentam uma maior exposição a eventos climáticos extremos, tanto em áreas rurais como em áreas urbanas, especialmente nos países em desenvolvimento de baixa renda. Expandir as oportunidades de mobilidade pode reduzir a vulnerabilidade dessas populações. Mudanças nos padrões de migração podem ser a resposta para os eventos climáticos extremos e de variabilidade e mudanças climáticas de longo prazo; a migração também pode ser uma estratégia de adaptação eficaz. Há pouca confiança nas projeções quantitativas de alterações de mobilidade, sua natureza complexa e multicausal.

A mudança climática pode indiretamente aumentar os riscos de conflitos violentos na forma de guerra civil e violência intergrupos, ampliando os vetores bem documentados desses conflitos, como a pobreza e choques econômicos (média confiança). Múltiplas linhas de evidência relacionam a variabilidade climática a estas formas de conflito.

Os impactos das mudanças climáticas sobre a infraestrutura crítica e integridade territorial de muitos estados são esperados para influenciar as políticas de segurança nacional (evidência média, concordância média). Por exemplo, inundação de terras por causa da elevação do nível do mar implicaria em riscos para a integridade territorial dos países insulares, pequenas ilhas e países com extensa zona litorânea. Alguns impactos transfronteiras das alterações climáticas, tais como mudanças nas calotas de gelo marinho, recursos hídricos compartilhados e populações de peixes pelágicos, têm o potencial de aumentar a rivalidade entre as regiões e nações. No entanto, instituições nacionais e intergovernamentais representativas podem reforçar a cooperação e gerenciar muitas dessas rivalidades.

Nos termos de Breitwisser (2009)BREITWISSER, Refugiados ambientais: breves notas sobre sua proteção jurídica internacional. Revista de Direito Ambiental, São Paulo, a. 14, n. 56, p. 142-166, out./dez. 2009., o Brasil é um forte candidato a receptor de maciços volumes de deslocados ambientais, mormente em razão de sua proeminente posição na América Latina, oriunda do gigantismo de seu território em comparação com seus vizinhos. Além disso, na região, o país, sabidamente, é o que possui a legislação protetiva do meio ambiente mais rígida, ocupando lugar de destaque mundialmente pela vastidão de suas florestas e reservas naturais. Desse modo, tudo leva na direção de ser o país que, pelo menos em termos de América Latina, por mais tempo conservará condições de manutenção plena da vida humana, com qualidade de vida ambiental, no atual ritmo de degradação frenética dos recursos naturais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Quanto às mudanças climáticas, de acordo com os dados apresentados, não há mais o que contestar-se. A questão principal agora é a magnitude e a velocidade com que elas vêm acontecendo. A preocupação maior dos cientistas é com a elevação do nível do mar, provocada pelo aquecimento das águas e o derretimento do gelo nos polos, que ameaça países em todas as latitudes, mas muito especialmente os países insulares e o litoral de vários outros. Logicamente, de igual modo, também há intranquilidade no que diz com o acúmulo de gases de efeito estufa de origem antrópica na atmosfera.

Nessa seara, a principal decorrência do fenômeno das mudanças climáticas consiste em exercer uma função de legitimar, estimular e chamar a atenção do Direito para a necessidade de antecipação e controle das atividades e riscos ligados às mudanças climáticas. Da mesma forma, as mudanças no clima global ensejam um aumento da sensibilização e da redução da tolerabilidade do Direito frente aos riscos produzidos e localizados em áreas especialmente vulnerabilizadas pelo processo de aquecimento global. Significa dizer, a necessidade da disciplina do Direito das Mudanças Climáticas.

Além disso, os Estados possuem obrigações comuns de auxiliar as vítimas das mudanças climáticas, exigindo-se, no entanto, daqueles que, através de suas ações, tiveram um grau maior de participação na origem dos eventos que resultaram em deslocados, uma imputação diferenciada de atribuições que permitam aos países atingidos minimizarem as consequências das alterações em seu ambiente, mitigarem os efeitos econômicos e sociais à população e possibilitarem que se garanta um reassentamento seguro e eficiente nos casos em que não é possível o retorno, quando, por exemplo, ocorrerem inundações pela elevação do nível do mar.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Aug 2015

Histórico

  • Recebido
    Jul 2015
  • Aceito
    Ago 2015
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