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DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DE FATORES DE RISCO E TEORES DE FLÚOR NA ÁGUA DE ABASTECIMENTO PÚBLICO EM ESCALA MUNICIPAL

Resumo

Fluoretação das águas de abastecimento público é uma importante medida de prevenção da cárie dentária e está vinculada ao objetivo 6 do desenvolvimento sustentável. O estudo objetiva avaliar o teor de flúor nas águas de abastecimento em âmbito estadual. Utilizou-se dados secundários do SISAGUA (município; ano, data, procedência e ponto de coleta; forma de abastecimento; sistema de abastecimento; concentrações de cloro e fluoreto) e do IBGE (IDH, Índice FIRJAN de desenvolvimento municipal e população estimada) para analisar distribuição espacial e fatores de risco da fluoretação. Das 26.390 amostras, apenas 17,8% apresentavam teor de flúor ideal, com maior prevalência nas coletas realizadas em 2016, em áreas urbanas isoladas, em sistemas de abastecimento de água, e com presença de cloro acima do ideal (p < 0,001). Dos 182 municípios avaliados, apenas 16,7% apresentaram maioria das amostras com teor ideal de flúor. Municípios com população inferior a 30 mil habitantes apresentaram prevalência de teor de flúor inadequado (abaixo ou acima do ideal) 2,12 (IC95%=1,92-4,88) vezes superior aos municípios com grandes populações (análise multivariada). Conclui-se que menos de 1/5 da população cearense está exposta a teores adequados de flúor nas águas de abastecimento público e cidades com população inferior a 30 mil habitantes são mais afetadas.

Palavras-chave:
Flúor; Fluoretação das Águas; Vigilância em Saúde Ambiental; Geografia da Saúde

Abstract

Fluoridation of public water supplies is an important measure to prevent dental caries and is linked to Sustainable Development Objective 6. This study aimed to evaluate the fluoride content of Ceará's municipalities. The research used secondary data from SISAGUA (municipality; year, date, source and point of collection; form of supply; supply system; chlorine and fluoride concentrations) and the IBGE (HDI, population, FIRJAN Municipal Development Index, and estimated population) for spatial distribution and the analysis of fluoride risk factors. Of the 26,390 samples collected, only 17.8% had ideal fluoride content, with a higher prevalence in samples collected in 2016, in isolated urban areas, in water supply systems, and in chlorine levels above the ideal. Of the 182 municipalities evaluated, 16.7% had most of the samples with ideal fluoride content. In a multivariate analysis, municipalities with a population below 30 thousand inhabitants had a prevalence of inadequate fluoride content (below or above the ideal) 2.12 (95% CI = 1.92-4.88) times higher than municipalities with large populations. It is concluded that less than a fifth of Ceará's population is exposed to adequate public water fluoride levels, and cities with fewer than 30,000 inhabitants are the most affected.

Keywords:
Fluoride; Water Fluoridation; Environmental Health Surveillance; Health Geography

Resumen

La fluoración de los suministros públicos de agua es una medida importante para prevenir la caries dental y está vinculada al objetivo 6 del desarrollo sostenible. El objetivo del estudio fue promover una evaluación estatal del contenido de fluoruro en el agua. Para eso, el análisis de datos secundarios del SISAGUA (ciudad, año, fecha, origen y punto de colecta; forma de abastecimiento; sistema de abastecimiento; concentraciones de cloro y flúor) y del IBGE (IDH, población, índice de desarrollo municipal FIRJAN y población estimada) para distribución espacial y análisis de factores de riesgo. De las 26.390 muestras recolectadas, solo el 17,8% presentó un contenido ideal de flúor, con mayor prevalencia en las recolectas realizadas en 2016, en áreas urbanas aisladas, en sistemas de abastecimiento de agua y con presencia de cloro por encima del óptimo (p < 0,001). De los 182 municipios evaluados, solo el 16,7% tuvo la mayoría de muestras recolectadas con contenido ideal de flúor. En un análisis multivariado, los municipios con población menor de 30 mil habitantes tuvieron una prevalencia de contenido inadecuado de flúor (por debajo o por encima del ideal) 2,12 (IC95%=1,92-4,88) veces mayor que los municipios con gran población. Se concluye que menos de la quinta parte de la población de Ceará está expuesta a niveles adecuados de fluoruro en el suministro público de agua y las ciudades con población inferior a 30 mil habitantes son las más afectadas.

Palabras-clave:
Flúor; Fluoración del agua; Vigilancia de la salud ambiental; Geografía de la Salud

INTRODUÇÃO

O direito humano à água de qualidade é reconhecido pela Organização das Nações Unidas (ONU) desde 2010, estando entre os objetivos de desenvolvimento sustentável preconizado pela organização e apoiado pelo Brasil (Nações Unidas Brasil, 2022NAÇÕES UNIDAS BRASIL. Objetivos de desenvolvimento sustentável. [acesso em 03 de julho de 2022]. Disponível em: https://brasil.un.org/pt-br/sdgs
https://brasil.un.org/pt-br/sdgs...
). Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável são um apelo global à ação para acabar com a pobreza, proteger o meio ambiente e o clima e garantir que as pessoas, em todos os lugares, possam desfrutar de paz e de prosperidade. Entre os 17 objetivos preconizados, temos o de número 6, que se refere a água potável e saneamento.

Dentre os parâmetros de qualidade da água, o teor de flúor é um dos mais importantes por prevenir e reduzir a incidência de cárie dentária em larga escala (SILVA; HELLER, 2016SILVA, P. N.; HELLER, L. O direito humano à água e ao esgotamento sanitário como instrumento para promoção da saúde de populações vulneráveis. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v.21, n.6, p.1861-69, 2016.). Apesar de poder ser disponibilizado de forma tópica nos cremes dentais e nos consultórios odontológicos, a via sistêmica por meio da fluoretação das águas apresenta os maiores sucessos na prevenção de problemas de saúde pública (RAMIRES; BUZALAF, 2007RAMIRES, I.; BUZALAF, M. A. R. A fluoretação da água de abastecimento público e seus benefícios no controle da cárie dentária: cinquenta anos no Brasil. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v.12, n.4, p.1057-65, 2007.), com o melhor custo-benefício na prevenção da cárie dentária (PETERSEN; OGAWA, 2016PETERSEN, P. E.; OGAWA, H. Prevention of dental caries through the use of fluoride – the WHO approach (Editorial). Community Dental Health, Suffolk, v.33, p.66-68, 2016.).

Desde 1974, a Lei Federal 6.050, que obriga a existência de unidades de fluoretação das águas em todas as estações de tratamento de águas novas e/ou reformadas, tem feito o governo brasileiro investir em ações relacionadas à fluoretação das águas (BRASIL, 1974BRASIL. Lei nº 6.050, de 24 de maio de 1974. Dispõe sobre a fluoretação da água em sistemas de abastecimento quando existir estação de tratamento. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil03/LEIS/L6050.htm. Acesso em: 25 nov. 2020.
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).

A opção brasileira pela utilização de fluoreto em sistemas de abastecimento público é decorrente de sua extensão territorial, do baixo custo e dos benefícios ocorrerem independentes das condições socioeconômicas da população. Mas para esse benefício ser eficaz, é necessário que o flúor esteja com os teores ideais initerruptamente (KOZLOWSKI; PEREIRA, 2003KOZLOWSKI, F. C.; PEREIRA, A. C. Métodos de utilização de flúor sistêmico. In: PEREIRA, A. C. e cols. Odontologia em Saúde Coletiva: planejando ações e promovendo saúde. Porto Alegre: Artmed, 2003. p. 265-274.).

As doses ideais de flúor na água a ser consumida são descritas na literatura com base na média anual da temperatura máxima diária. De acordo com as temperaturas nas localidades brasileiras, os níveis de flúor deveriam estar entre 0,6 e 0,8 mg F/l, a fim de prevenir a cárie dentária (FRAZÃO; PERES; CURY, 2011FRAZÃO, P.; PERES, M. A.; CURY, J. A. Qualidade da água para consumo humano e concentração de fluoreto. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 45, n.5, 964-73, 2011.). Teores abaixo do ideal são ineficazes na prevenção da cárie, enquanto teores acima do ideal incrementam o risco de fluorose dental e óssea (NORO; OLIVEIRA; LEITE, 2006NORO, L. R. A.; OLIVEIRA, A. G. R. C.; LEITE, J. O desafio da vigilância em saúde bucal no Sistema Único de Saúde. In: Dias, A. A. e cols. Saúde bucal coletiva: metodologia de trabalho e práticas. São Paulo: Santos, 2006. p. 187-210.).

Estudo de Frazão e Narvai (2017)FRAZÃO, P.; NARVAI, P. C. Fluoretação da água em cidades brasileiras na primeira década do século XXI. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v.51, p. 47, 2017. demonstrou aumento no número de municípios brasileiros com água fluoretada (de 67,7% para 76,3%) na primeira década deste milênio. Contudo, este aumento foi influenciado por fatores como tamanho e índice de desenvolvimento humano dos municípios. Neste contexto, é necessário que se investigue se a fluoretação ocorre de forma adequada, ou seja, em níveis eficazes para prevenção de cárie dentária (FRAZÃO; PERES; CURY, 2011FRAZÃO, P.; PERES, M. A.; CURY, J. A. Qualidade da água para consumo humano e concentração de fluoreto. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 45, n.5, 964-73, 2011.). Além disso, investigar se existem fatores mediando estes níveis também é essencial para a avaliação desta importante política pública.

Neste contexto, o Ministério da Saúde, por intermédio da Instrução Normativa 01 de 07 de março de 2005, institui as competências da Vigilância em Saúde Ambiental, nas três esferas de gestão, tendo como uma de suas atribuições a Vigilância da água de consumo humano, no qual se desenvolveu o Programa Nacional de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano (VIGIAGUA). Para uma efetiva vigilância da água utilizada pela população, o Ministério da Saúde edita ainda em 2005 a Portaria 518, que estabelece os padrões de potabilidade da água de consumo humano, dentre os padrões a serem monitorados está o teor de flúor.

Assim, no Ceará, o VIGIAGUA foi implementado em 2005, e é coordenado e acompanhado pelo Célula de Vigilância Ambiental (CEVAM) da Coordenadoria de Vigilância em Saúde Ambiental e da Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora (COVAT) da Secretaria de Vigilância e Regulação em Saúde (SEVIR), da Secretaria de Saúde do Estado do Ceará. Este visa garantir a população acesso a água de qualidade, e que atenda ao padrão de potabilidade, como também avaliar os riscos que representam para a saúde (XAVIER et al., 2019XAVIER, V. C. O.; COSTA, M. T. P.; FRAGA, A. C. A.; BURGOA, M. I. R.; ALMEIDA, L. C.; VASCONCELOS, M. P.; COSTA, T. E. S. Análise do flúor no sistema de abastecimento do Ceará. Cadernos ESP, Fortaleza, v.13, n.2, p.12-23, 2019.).

Todavia, apesar da estruturação do VIGIAGUA no Ceará, esse programa ainda é pouco efetivo no acompanhamento dos teores ideias de flúor, pois somente a partir do ano de 2014 foi possível a realização de controle laboratorial de seus teores. Adicionalmente, não se sabe se há variáveis mediadoras de uma possível variância entre os municípios, e ao longo do tempo em cada município (RAMIRO et al., 2018RAMIRO; A. P.; SOUSA, C. F. S.; TEIXEIRA, R. O.; BRITO, O. A. F. A.; MARTOREL, L. B.; JORDÃO, L. M. R. Avaliação da concentração de fluoreto em água de abastecimento de Centros Municipais de Educação Infantil: um estudo exploratório. Scientific Investigation in Dentistry, Anápolis, v.23, n.1, p.2-6, 2018.).

Assim, tendo em vista a importância do controle do teor de flúor na redução dos índices de cárie dentária e na segurança quanto a fluorose ósseo dentária, o presente estudo se propôs promover a avaliação de âmbito estadual do teor de flúor existentes na água.

METODOLOGIA

TIPO DE ESTUDO E POPULAÇÃO ALVO

A presente pesquisa desenvolveu um estudo do tipo ecológico, a partir da análise de dados secundários do Sistema de Informação de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano (SISAGUA) e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) dos Municípios do Ceará.

COLETA DAS AMOSTRAS

TOs pontos determinados para a coleta de água pelo SISAGUA são definidos pelos municípios a partir de critérios de riscos e vulnerabilidade da população coberta pelo sistema de abastecimento de água, com orientação do Guia de Vigilância e Controle da Qualidade da Água par Consumo Humano do Ministério da Saúde (BRASIL, 2006BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Vigilância e controle da qualidade da água para consumo humano. Brasília: Ministério da Saúde, 2006. 212p.).

Os funcionários responsáveis pela coleta são treinados, os instrumentos, calibrados para esse fim, e as amostras, revisadas pelo supervisor, para posteriormente serem avaliadas e interpretadas. Para a análise das amostras utilizou-se o método eletrométrico por meio de eletrodo íon-específico. O número total de coletas foi avaliado na pesquisa.

EXTRAÇÃO DE DADOS

O banco de dados do SISAGUA de todos os municípios cearenses nos anos disponíveis (2014, 2015 e 2016) foi utilizado como fonte de dados para a pesquisa. As informações oriundas do SISAGUA foram exportadas para planilhas, onde foram selecionadas as seguintes variáveis: nome e código do município; Coordenadoria Regional de Saúde (CRES) onde está localizado o município; ano e data da coleta da amostra de água; forma de abastecimento (sistema de abastecimento de água-SAA, solução alternativa coletiva-SAC, solução alternativa individual-SAI); nome e código do sistema de abastecimento de água; procedência da coleta (estação de tratamento, sistema de distribuição, intra domiciliar); ponto de coleta; zona (rural, urbana); descrição do local (endereço); concentração de cloro residual livre na amostra de água (valor em mg/l) e concentração de fluoreto na amostra de água (valor em mg/l). Os dados foram obtidos no núcleo de vigilância ambiental da coordenadoria de promoção e proteção a saúde da Secretaria de Saúde do Ceará.

Com base nas informações existentes, foram calculados os seguintes indicadores: Média anual municipal dos teores de fluoreto (em parte por milhão [ppm]) para os anos de 2014, 2015 e 2016. Após isso, as coletas foram categorizadas por faixas de teor de flúor na água conforme sugestão para localidades com temperatura média entre 26,3°C e 32,5°C, teor ideal entre 0,6-0,8 ppm de flúor por município/CRES (Coordenadoria Regional de Saúde) por ano, teor sub-ótimos de flúor (abaixo de 0,6 ppm) por município/CRES por ano, teor acima do ideal de flúor (> 0,8 ppm) por município/CRES por ano (CECOL/USP, 2011CECOL/USP. Centro Colaborador do Ministério da Saúde em Vigilância da Saúde Bucal. Consenso técnico sobre classificação de águas de abastecimento público segundo o teor de flúor. São Paulo: Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo; 2011.).

PERFIL SOCIODEMOGRÁFICO DOS MUNICÍPIOS

Além das coletas, os municípios foram categorizados com base no mesmo parâmetro baseado no perfil de coleta mais frequente (abaixo do ideal, ideal, acima do ideal)12, para posterior associação com dados sociodemográficos. Após isso, o site do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) foi acessado para coleta de informações acerca de: Índice de Desenvolvimento Humano em 2010, Índice FIRJAN de Desenvolvimento Municipal em 2010 e estimativa de população em 2019 (IBGE, 2020IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico 2010. Rio de Janeiro: IBGE. [acesso em 08 de julho de 2020]. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/
https://www.ibge.gov.br/...
).

O Índice Firjan de Desenvolvimento Municipal (IFDM) analisa o desenvolvimento socioeconômico de cada um dos mais de 5 mil municípios brasileiros, em três áreas: Emprego & Renda, Educação e Saúde. Criado em 2008, ele é feito, exclusivamente, com base em estatísticas públicas oficiais, disponibilizadas pelos ministérios do Trabalho, Educação e Saúde. O índice varia de 0 a 1 ponto, sendo que quanto mais próximo de 1 maior o desenvolvimento socioeconômico do município. Os dados estão disponíveis em https://www.firjan.com.br/ifdm/ (FIRJAN, 2020FIRJAN. Índice FIRJAN de Desenvolvimento Municipal (IFDM). [acesso em 03 de junho de 2022]. Disponível em: https://www.firjan.com.br/ifdm/
https://www.firjan.com.br/ifdm/...
).

ANÁLISE DOS DADOS

Os dados foram exportados para o software Statistical Packcage for the Social Sciences (SPSS) versão 20,0 para Windows no qual as análises foram realizadas adotando uma confiança de 95%. As variáveis quantitativas foram categorizadas e cruzadas com as amostras coletadas de flúor e com os municípios por meio dos testes qui-quadrado e exato de Fisher. O software QGIS 3.12 foi utilizado para construção dos dados georeferenciados.

RESULTADOS

ANÁLISE DAS AMOSTRAS COLETADAS DE ÁGUA

Um total de 26.390 amostras foram coletadas e avaliadas em 182 dos 184 municípios cearenses com uma mediana de 134 coletas por município, variando de 2 a 3734 coletas entre 2014 e 2016. Apenas os municípios de Abaiara e Barro, cidades do sul do Estado, não tiveram amostras analisadas nesse período. Maioria significativa das amostras (63%) apresentavam teor de flúor abaixo do ideal, 17,8% das amostras apresentaram teor ideal e 19,2% apresentaram teor acima do ideal (p < 0,001) (Tabela 1, Figura 1).

Tabela 1
Número de observações por ano, zona, forma de coleta e teor de cloro em relação a fluoretação das águas em municípios do estado do Ceará.

Figura 1
Municípios Cearenses com maioria de amostras abaixo do ideal, ideal ou acima do ideal para concentração de flúor na água consumida pela população nos anos de 2014, 2015 e 2016.

A quantidade de amostras coletadas com teor acima do ideal foi significativamente superior nos anos de 2014 e 2015, enquanto em 2016 a proporção de amostras com teor ideal e abaixo do ideal foram superiores (p < 0,001).

As amostras coletadas na zona rural apresentaram maior proporção de teor ideal ou acima do ideal (p < 0,001) e quando as amostras foram coletadas em comunidades quilombola, comunidades ribeirinhas, núcleo/propriedade rural, povoado/lugarejo, projeto de assentamento ou sede de distrito a proporção de amostras abaixo do ideal foi significativamente superior de quando a coleta se deu em áreas urbanas isoladas (p < 0,001) (Tabela 1).

As amostras coletadas de soluções alternativas coletivas e individuais apresentaram maior teor acima do ideal ao passo que as amostras coletadas de sistemas de abastecimento de água apresentaram maior prevalência de amostras com teor ideal ou acima do ideal (p < 0,001). Coletas procedentes de pontos de captação apresentaram maior prevalência de amostras com teor de flúor abaixo do ideal, ao passo que coletas advindas de estação tratamento, intra-domiciliar, sistema de distribuição e solução alternativa apresentaram altas frequências de teor de flúor elevado (p < 0,001) (Tabela 1).

PERFIL SOCIODEMOGRÁFICO DOS MUNICÍPIOS CEARENSES E SUA INFLUÊNCIA NO TEOR DE FLÚOR DA ÁGUA

A maioria dos municípios cearenses teve a maior parte das amostras coletadas com taxa de flúor abaixo do ideal (66,5%), 32 municípios teve a maioria das amostras com teor de flúor ideal (16,7%) e 24 municípios teve a maioria das amostras com teor de flúor acima do ideal (12,5) (p < 0,001).

A maior parte dos municípios apresentava IDH médio no ano de 2010 entre 0,600 e 0,699 (71,4%), Índice FIRJAN de Desenvolvimento Municipal no ano de 2010 entre 0,6 e 0,8 (70,0%) e população estimada em 2019 entre 15 e 30 mil habitantes (36,3%).

Da quantidade de pontos de coleta por município, a maioria teve entre 101 e 200 pontos de água coletados (40,1%), e apresentavam sistemas de água integrados (50,2%) e com abastecimento fornecido pela Companhia de Água e Esgoto do Estado do Ceará (CAGECE) (90,1%).

As variáveis Região, IDH 2010, Índice FIRJAN 2010, População 2019, Número de pontos coleta água, Sistema de águas e Serviço de abastecimento não foram significantemente associadas com o teor de flúor geral dos municípios (Tabela 2), mas em análise multivariada municípios com população até 30 mil habitantes apresentaram 2,12 vezes (IC95% = 1,92-4,88) maior prevalência de taxas de flúor inadequada (p=0,037) (Tabela 3).

Tabela 2
Perfil sociodemográfico e de serviços de distribuição de água dos municípios e sua influência no teor de flúor municipal.
Tabela 3
Análise multivariada de fatores de risco a baixo teor de flúor municipal inadequado no estado do Ceará.

DISCUSSÃO

Um percentual muito baixo de municípios cearenses apresentou teores ideais de flúor na água de abastecimento público. Este fato é preocupante e vem de encontro ao preconizado pela OMS sobre as Diretrizes para a Qualidade da Água Potável (FAWELL et al., 2006FAWELL, J.; BAILEY, K.; CHILTON, J.; DAHI, E.; FEWTRELL, L.; MAGARA, Y. Fluoride in Drinking Water. London: World Health Organization/IWA Publishing. 2006. 144p.) e pela Lei Federal 6.050 (BRASIL, 1974BRASIL. Lei nº 6.050, de 24 de maio de 1974. Dispõe sobre a fluoretação da água em sistemas de abastecimento quando existir estação de tratamento. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil03/LEIS/L6050.htm. Acesso em: 25 nov. 2020.
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) sobre a necessidade de cobertura coletiva deste benefício para a população. Observou-se também que municípios pequenos tiveram 2,12 vezes mais chances de ter taxa de flúor não ideal, demonstrando ser este um fator que influencia a fluoretação das águas no estado do Ceará.

Políticas públicas, no caso da saúde, além de suas finalidades específicas, devem atuar no sentido de reduzir as desigualdades. Embora este efeito não seja obtido em todas as situações, sendo frequentes casos em que a implementação de determinadas ações resulta em aumento das desigualdades. Assim, é imperativo analisar situações concretas de implementação dessas políticas, para que, ajustes possam ser realizados, caso necessário. Desta forma, o objetivo de mapear o teor de flúor dos municípios cearenses e avaliar fatores de risco a níveis inadequados teve por finalidade colaborar com as políticas públicas no sentido de oferecer informação e contribuir para o planejamento e controle das ações governamentais. Políticas apropriadas para o uso do flúor exercem influência radical na saúde bucal, melhorando a saúde geral e a qualidade de vida para as populações em todo o mundo. Estas políticas variam de intervenções em nível populacional e até mesmo para domicílio em nível individual WHELTON et al., 2019WHELTON, H. P; SPENCER, A. J.; DO, L. G.; RUGG-GUNN, A. J. Fluoride Revolution and Dental Caries: Evolution of Policies for Global Use. Journal of Dental Research, Newcastle, v.98, n.8, p.837-846, 2019.).

De acordo com Narvai et al. (2014)NARVAI, P. C.; FRIAS, A. C.; FRATUCCI, M. V. B.; ANTUNES, J. L. F.; CARNUT, L.; FRAZÃO, P. Fluoretação da água em capitais brasileiras no início do século XXI: a efetividade em questão. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v.38, n.102, p.562-571, 2014., desde que os conhecimentos sobre o impacto dos dentifrícios na prevenção da cárie dentária foram consolidados (FEATHERSTONE, 1999FEATHERSTONE, J. D. Prevention and reversal of dental caries: role of low level fluoride. Community Dental Oral Epidemiology, v.27, n.1, p. 31-40, 1999.; NADANOVSKY; SHEIHAM, 1995NADANOVSKY, P.; SHEIHAM, A. Relative contribution of dental services to the changes in caries levels of 12-year-old children in 18 industrialized countries in the 1970s and early 1980s. Community Dental Oral Epidemiology, v.23, n.6, p. 331-339, 1995.), a necessidade de continuar investindo na fluoretação das águas começou a ser debatida. Contudo, segundo Horowitz (1996)HOROWITZ, H. S. The effectiveness of community water fluoridation in the United States. Journal of Public Health Dentistry, New York, v.56, n.5, p.253-258, 1996., a fluoretação das águas continua efetiva, principalmente para populações de risco, como é o caso da população nordestina, que é uma das regiões brasileiras com piores dados epidemiológicos relacionados a cárie dentária (SAINTRAIN et al., 2015SAINTRAIN, M. V. L.; CORREA, C. R. S.; SAINTRAIN, S. V.; NUTO, S. A. S.; VIEIRA-MEYER, A. P. G. F. Brazilian adolescents’ oral health trends since 1986: an epidemiological observational study. BMC Research Notes, v.8, p.554, 2015.). Ademais, Antunes e Narvai (2010)ANTUNES, J. L. F.; NARVAI, P. C. Políticas de saúde bucal no Brasil e seu impacto sobre as desigualdades em saúde. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v.44, n.2, p.360-365, 2010. ponderaram que, no caso brasileiro, a cobertura da fluoretação da água é extremamente desigual, assinalando que a intervenção avançou mais nos estados do Sul e Sudeste, onde se concentra a maior parte da riqueza do País, sendo insuficiente nas regiões Norte e Nordeste. Estes dados demonstram a relevância da realização deste estudo em um Estado nordestino.

A prevalência de teor de flúor inadequado (abaixo ou acima do ideal) detectado nos municípios com população inferior a 30 mil habitantes, apresentando 2,12 vezes mais chances de ter taxa de flúor não ideal aos municípios com menores populações é corroborada por Saliba, Moimaz, Tiano (2006)SALIBA, N. A.; MOIMAZ, S. A. S.; TIANO, A. V. P. Fluoride Level in Public Water Supplies of Cities from the Northwest Region of São Paulo State, Brazil. Journal of Applied Oral Science, Bauru, v.14, n.5, p.346-50, 2006.. Estes pesquisadores consideraram que municípios de pequeno e médio porte podem ter dificuldades em realizar o controle da adição de flúor nas águas de abastecimento público em função da falta de infraestrutura laboratorial e técnica.

O estudo de Saliba, Moimaz e Tiano (2006)SALIBA, N. A.; MOIMAZ, S. A. S.; TIANO, A. V. P. Fluoride Level in Public Water Supplies of Cities from the Northwest Region of São Paulo State, Brazil. Journal of Applied Oral Science, Bauru, v.14, n.5, p.346-50, 2006. analisou, em 2006, o teor de flúor das águas de abastecimento de 40 municípios paulistas de pequeno e médio porte. Dos 144 pontos de água coletadas, 61,81% foram classificadas como inaceitáveis. Constatou-se que 33 destes municípios realizavam a fluoretação, sendo que em 78,79% deles o teor de flúor variava entre os pontos ao longo do período estudado. Podendo ensejar que a maioria destes municípios não mantém o controle adequado sobre os níveis de flúor na água de abastecimento, pois a adição de flúor ocorre de forma descontínua e na maioria das vezes em teores fora dos parâmetros. Dados semelhantes a estes foram encontrados em nosso estudo, com muita variação dos níveis de flúor entre os municípios estudados, e no próprio município, variando de local e mês de coleta.

Importante mencionar que mesmo com a Lei Federal nº 6.050 (BRASIL, 1974BRASIL. Lei nº 6.050, de 24 de maio de 1974. Dispõe sobre a fluoretação da água em sistemas de abastecimento quando existir estação de tratamento. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil03/LEIS/L6050.htm. Acesso em: 25 nov. 2020.
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), que determina a obrigatoriedade da fluoretação dos municípios brasileiros com estações de tratamento de água, ainda existem diversas localidades sem acesso à água fluoretada. Embora o consumo de água fluoretada permita que a população seja exposta frequentemente a pequenos níveis de flúor diariamente, constituindo-se em uma ação muito efetiva na prevenção da doença cárie (FIGUEIREDO, 2016FIGUEIREDO, M. C.; BENVEGNÚ, B. P.; SILVEIRA, P. P. L.; SILVA, A. M.; SILVA, K. V. C. L. Saúde bucal e indicadores socioeconômicos de comunidades quilombolas rural e urbana do Estado do Rio Grande do Sul, Brasil. Revista da Faculdade de Odontologia de Lins, Lins, v.26, n.2, p.61-73, 2016.).

A pesquisa detectou que maioria dos municípios cearenses (n=126; 68,4%) teve parte das amostras coletadas com taxa de flúor abaixo do ideal, 32 municípios apresentaram a maioria das amostras com teor de flúor ideal e em 24 municípios a maioria das amostras coletada apresentou teor de flúor acima do ideal.

Esta diversidade requer a compreensão de que o Fluoreto (F-) é conhecido por ter efeitos benéficos e adversos em humanos, dependendo do total da ingestão (VEEPERV; KARRO, 2019VEEPERV, K.; KARRO, E. Optimal Fluoride Concentration in Drinking Water as a Function of Calcium Content. IOP Conf. Series: Earth and Environmental Science, 221 (2019):012029, 2019.). Não é incomum que águas subterrâneas, mesmo onde a água tratada esteja disponível, sejam fonte água para a comunidade, principalmente em regiões rurais. Exemplos são observados na área rural de Sobral-CE (MORAIS, 1999MORAIS, I. R. Fluorose dentária: um estudo epidemiológico em escolares de 10 a 14 anos numa comunidade rural com altos teores naturais de flúor na água de consumo, Sobral - Ceará. 1999. 118f. Dissertação (Mestrado em Saúde Pública) - Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 1999.) e Catolé do Rocha-PB (MARTINS; FORTE; SAMPAIO, 2012MARTINS, E. T. L.; FORTE, F. D. S.; SAMPAIO, F. C. Mapeamento dos teores residuais de flúor de águas da zona rural do sertão nordestino do Brasil. Revista de Odontologia UNESP, Araraquara, v.41, n.3, p.147-153, 2012.). Neste sentido, um estudo de monitoramento de águas subterrâneas de longo prazo foi realizado na Estônia, tendo como intuito avaliar a ocorrência de valores de fluoreto na água e sua relação com o teor de cálcio das águas subterrâneas. Observou-se que a ocorrência de fluoretos está correlacionada a variações nas águas subterrâneas como o tipo químico, que é a função do conteúdo proporcional dos principais cátions e ânions (VEEPERV; KARRO, 2019VEEPERV, K.; KARRO, E. Optimal Fluoride Concentration in Drinking Water as a Function of Calcium Content. IOP Conf. Series: Earth and Environmental Science, 221 (2019):012029, 2019.). O conteúdo de íons cálcio na água subterrânea tem um efeito importante na concentração de flúor, na medida em que o Ca é um elemento que remove o F da água por meio da formação e precipitação de CaF2 (VEEPERV; KARRO, 2019VEEPERV, K.; KARRO, E. Optimal Fluoride Concentration in Drinking Water as a Function of Calcium Content. IOP Conf. Series: Earth and Environmental Science, 221 (2019):012029, 2019.). Em nossa pesquisa, não tivemos a possibilidade de averiguar em profundidade esta questão, contudo, nossos achados da zona rural, onde a utilização de águas subterrâneas é mais comum, mostram diferenças estatisticamente significantes quanto a proporção de teor ideal ou acima do ideal.

De acordo com Yarmolinsky et al. (2009)YARMOLINSKY, J. et al. Variation in urban and rural water fluoride levels in Ontario. Journal of Canadian Dental Association, Ottawa, v.75, n.10, p.707, 2009., é possível aceitar níveis levemente mais altos fluoreto na água se sua ocorrência for natural, ou seja, é aceitável, sobretudo em contextos de escassez de água, permitir a ingestão de águas com 1,3 mg F/L ou 1,4 mg F/L. Concentração de fluoreto natural de 1,5 mg F/L é tolerável para consumo no Brasil se não houver tecnologia de custo-benefício aceitável para ajuste/remoção do seu excesso (FRAZÃO et al., 2013FRAZÃO, P.; SOARES, C. C. S.; FERNANDES, G. F.; MARQUES, R. A. A.; NARVAI, P. C. Fluoretação da água e insuficiências no sistema de informação da política de vigilância à saúde. Revista da Associação Paulista de Cirurgiões Dentistas, São Paulo, v. 67, n.2, p. 94-100, 2013.). Se levarmos em consideração esta indicação, um percentual um pouco maior de nossa amostra pode ser considerável adequado, mas, mesmo assim, temos a grande maioria das amostras fora do padrão desejável.

As coletas realizadas nas comunidades quilombola, comunidades ribeirinhas, núcleo/propriedade rural, povoado/lugarejo, projeto de assentamento ou sede de distrito apresentaram maior proporção de amostras abaixo do ideal e significativamente superior de quando a coleta se deu em áreas urbanas isoladas. Estes dados refletem a desigualdade social que perdura nas populações menos favorecidas, assim como a dificuldade de algumas políticas públicas de diminuir as desigualdades sociais. Para Frazão et al. (2013)FRAZÃO, P.; SOARES, C. C. S.; FERNANDES, G. F.; MARQUES, R. A. A.; NARVAI, P. C. Fluoretação da água e insuficiências no sistema de informação da política de vigilância à saúde. Revista da Associação Paulista de Cirurgiões Dentistas, São Paulo, v. 67, n.2, p. 94-100, 2013., a fluoretação da água de abastecimento público é uma importante estratégia da política nacional para intervenção sobre as desigualdades em saúde bucal. Exige, no entanto, medidas de planejamento e constante aperfeiçoamento tanto por parte do setor saúde, quanto pelo setor ambiental.

Estudo comparativo foi realizado em uma comunidade quilombola que recebe abastecimento de água tendo concentração de flúor considerada adequada (0,6 a 0,9 mgF/L), de acordo com a temperatura, e em outra comunidade não abastecida por rede de água fluoretada. A análise da água realizada pelo Centro de Ecologia da UFRGS observou insignificante o limite de detecção de fluoreto (0,12; 0,14; 0,10 mgF/L) nas águas coletadas na fonte de abastecimento desta comunidade rural. Consequentemente, esta comunidade apresentou um maior índice de cárie quando comparada a comunidade que possuía acesso à água fluoretada. Sendo assim, o abastecimento de água fluoretada demonstra ainda ser extremamente importante no âmbito coletivo (FIGUEIREDO, 2016FIGUEIREDO, M. C.; BENVEGNÚ, B. P.; SILVEIRA, P. P. L.; SILVA, A. M.; SILVA, K. V. C. L. Saúde bucal e indicadores socioeconômicos de comunidades quilombolas rural e urbana do Estado do Rio Grande do Sul, Brasil. Revista da Faculdade de Odontologia de Lins, Lins, v.26, n.2, p.61-73, 2016.) e em populações vulneráveis, como já advogado por Horowitz (1996)HOROWITZ, H. S. The effectiveness of community water fluoridation in the United States. Journal of Public Health Dentistry, New York, v.56, n.5, p.253-258, 1996..

No entanto, o flúor também pode ter um efeito adverso (NORO; OLIVEIRA; LEITE, 2006NORO, L. R. A.; OLIVEIRA, A. G. R. C.; LEITE, J. O desafio da vigilância em saúde bucal no Sistema Único de Saúde. In: Dias, A. A. e cols. Saúde bucal coletiva: metodologia de trabalho e práticas. São Paulo: Santos, 2006. p. 187-210.). O fato de que 24 municípios tiveram a maioria das coletas com teor de flúor acima do ideal, há eminência de efeitos antagônicos, como a fluorose dental e ou óssea, o que também precisa ser levado em conta na implementação desta política pública. Pesquisadores esclarecem que o flúor tem afinidade apenas para os tecidos mineralizados. Assim sendo, há risco para os dentes e ossos, porém com diferenças evidentes entre eles. Enquanto para os dentes, o período crítico se limita à idade da criança em que os dentes estão em desenvolvimento (efeito sistêmico pré-eruptivo), para os ossos, o risco se perpetua ao longo da vida da pessoa. Portanto, os autores ressaltam que o conhecimento sobre o mecanismo de desenvolvimento da fluorose é importante para entender o período de risco de sua ocorrência e a relevância clínica para as regras de vigilância que regulam o motivo da concentração ótima (CURY et al.; 2019CURY, J. A.; RICOMINI-FILHO, A. P.; BERTI, F. L. P.; TABCHOURY, C. P. M. Systemic effects (risks) of water fluoridation. Brazilian Dental Journal, Ribeirão Preto, v.30, n.5, p.421-428, 2019.).

CONCLUSÃO

Apesar da contribuição do presente estudo, o mesmo não ocorreu sem limitação. Inicialmente, é preciso lembrar que o mesmo foi realizado com base em dados secundários, onde a coleta e análise das amostras foi realizada pelos próprios municípios, não sendo possível garantir homogeneidade no processamento das mesmas. Trabalhamos com os três anos disponíveis dos dados, sendo interessante a realização de estudo com maior período, sendo assim possível a verificação da plausível influência temporal nos níveis de flúor.

Concluímos que a maior parte dos municípios cearenses não fluoreta suas águas da forma ideal, tendo níveis abaixo (sem eficácia) ou acima (com risco de fluorose dental e óssea) do preconizado para a região. Ademais, observamos que o porte populacional tem influência nos níveis de fluoretação, demonstrando a iniquidade na implementação da política de fluoretação das águas no estado do Ceará. Os dados internacionais são inequívocos ao demonstrarem o impacto positivo do flúor na prevenção da cárie dentária.

Assim, urge a realização de ajustes na implementação da política de fluoretação das águas no estado do Ceará para que sua população possa usufruir plenamente dos benefícios desta política, que é implementada com recursos públicos.

A realidade de municípios de pequeno porte, como analisada em território cearense, é motivo de reflexão para pensarmos o planejamento urbano regional. Entretanto, é preciso fazer uma análise crítica do que seja esse planejamento urbano regional, que está diretamente associado ao modelo de desenvolvimento adotado pelo Estado do Ceará, que vem acentuando as desigualdades sociais. É preciso se contrapor a esta proposta, de forma crítica, como nos diz Milton Santos (2007, p.11)SANTOS, M. Economia espacial: críticas e alternativas. 2. ed. São Paulo: EDUSP, 2007. 208 p.:

“...em um primeiro momento, julgávamos hostis aos interesses dos países subdesenvolvidos e mais recentemente nos apareceram como o instrumento privilegiado da difusão do capital, tanto para agravar o subdesenvolvimento como para manter a estrutura de classes e assegurar a expansão da pobreza. [...] Tais teorias, postas sem recato maior ao serviço exclusivo do capital e sobretudo do capital internacional, mostraram-se indiferentes à sorte da grande maioria das coletividades nacionais do Terceiro Mundo.”

Portanto, ao discutir a fluoretação na água de consumo humano e a responsabilidade dos municípios na gestão e condução da política de saneamento, é preciso também ter em mente que estamos lidando com um processo que vem, historicamente, reproduzindo as condições de vida destes territórios. É preciso romper com esta dinâmica por meio de Planejamentos Urbanos Regionais que levem em consideração as potencialidades locais e todos os atores envolvidos no processo de desenvolvimento.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Fev 2023
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    06 Mar 2021
  • Aceito
    25 Maio 2022
  • Publicado
    15 Nov 2022
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