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DISCURSO DE A(U)TORES DA PAISAGEM DO PANTANAL DA NHECOLÂNDIA

DISCOURS D’AUTEURS/D’ACTEURS DU PAYSAGE DU PANTANAL DE NHECOLÂNDIA

RESUMO

A inclusão da análise de sentimentos na abordagem ambiental reflete os diferentes olhares em relação à paisagem de um Território. Sendo assim, com metodologia baseada em entrevistas semi-dirigidas, aplicadas a pantaneiros, habitantes a mais de 20 anos no Pantanal, esse trabalho objetivou, através da análise do discurso, compreender as interações entre os a(u)tores da paisagem pantaneira com a natureza, e sobretudo com os elementos que compõem a paisagem do Pantanal da Nhecolândia. Os resultados demonstraram uma proximidade, conscientização e relação íntima perante a importância ambiental da área e dos elementos da paisagem, além de detectarem indícios de uma relação que caminha para a eminência de um conflito cultural entre pantaneiros e os novos proprietários de terras no Pantanal da Nhecolândia.

Palavras-chaves:
Cultura; Pantaneiro; Entrevistas-semidirigidas

RÉSUMÉ

L’inclusion de l’analyse des sentiments dans l’approche environnementale renseigne sur les différents regards portés au paysage d’un territoire. Ainsi, grâce à une méthodologie basée sur des entretiens semi-directifs, appliqués aux Pantaneiros, résidant de plus de 20 ans dans le Pantanal da Nhecolândia, cette étude vise, à travers de l’analyse du discours, à comprendre les interactions entre les acteurs/auteurs du paysage du Pantanal avec la nature, et en particulier avec les éléments qui composent le paysage du Pantanal da Nhecolândia. Les résultats ont montré une proximité, une sensibilisation et une relation intime face à l’importance de l’environnement de la région et des éléments du paysage, en plus d’éléments indiquant le cheminement vers un conflit culturel entre les Pantaneiros et les nouveaux propriétaires de fermes du Pantanal da Nhecolânida.

Mots clés:
Culture; Pantaneiro; Entretiens semi-directifs

ABSTRACT

The inclusion of the analysis of feelings in the environmental approach reflects the different views regarding the landscape of a Territory. Thus, with a methodology based on semi-directed interviews, applied to the pantaneiros, inhabitants of the Pantanal for over twenty years, this study aimed, through discourse analysis, to understand the interactions between the authors/actors of the Pantanal landscape and nature, especially with the elements that make up the landscape of the Pantanal of Nhecolândia. The results showed a proximity, awareness and intimate relationship in view of the environmental importance of the area and the elements of the landscape, as well as detecting signs of a relationship leading to the prominence of a cultural conflict between pantaneiros and the new landowners in the Pantanal of Nhecolândia.

Keywords:
Culture; Pantaneiro; Semi-directed interviews

INTRODUÇÃO

De acordo com Souza (2010)SOUZA, Reginaldo José de. O Sistema GTP (Geossistema - Território - Paisagem) aplicado ao estudo sobre as dinámicas sócio-ambientais em Mirante do Paranapanema - SP. Dissertação (Mestrado) - Univ. Estadual Paulista, Faculdade de Ciência e Tecnologia. Presidente Prudente, 2010. uma nova possibilidade de abordagem na Ciência Geográfica diz respeito à percepção do indivíduo sobre seu espaço de vida. A análise dos diferentes modos de captação da e reação à paisagem pelas pessoas em sua vida quotidiana também é um importante elemento para aprofundar o conhecimento sobre as dinâmicas socioambientais em um dado território.

Tais afirmações vão ao encontro das reflexões de Risso (2008. p. 72)RISSO, Luciene C. Paisagens e cultura: uma reflexão teórica a partir do estudo de uma comunidade indígena amazônica. Espaço e Cultura. Rio de Janeiro: UERJ, janeiro/junho de 2008. que diz respeito à inclusão de sentimentos em relação à visão da paisagem. É explicado que afetividades, vivências, experiências, valores, a cultura simbólica, as experiências com a Natureza, ou percepção, refletem diferentes sentimentos e comportamentos com relação a paisagem. Para cada pessoa ou grupo a paisagem terá um significado, porque as pessoas atribuem valores e significados diferentes às paisagens, traduzidos em sentimentos de enraizamento ou desapego a lugares.

O olhar colocado sobre a paisagem é, às vezes, subjetivo e plural. A realidade paisagística é percebida por observadores de um lugar, de um tempo, de uma cultura e objeto de uma apresentação que é representação. […] A paisagem não existe em si, ela é um olhar particular sobre um fragmento da realidade geográfica, uma invenção histórica e cultural. (PASSOS, 2006PASSOS, M.M. A Raia Divisória: geossistema, paisagem e eco-história. Maringá: Eduem, 2006.. p. 68).

As transformações históricas e a dinâmica atual da paisagem devem ser abordadas a partir de uma análise integrada, com ênfase nas relações existentes entre os elementos, isto é, com ênfase aos processos determinantes da construção paisagística.

Nas últimas décadas, os elementos que compõem a paisagem Pantaneira vêm sendo alvo frequente de análise, sobretudo referente à sub-região denominada de Pantanal da Nhecolândia, área central do Pantanal Mato-Grossense, podendo ser referenciadas as obras de Brasil (1982 apud Queiroz Neto, 2000QUEIROZ NETO, J.P.; LUCATI, H M., SAKAMOTO, A Y. Granulometria dos solos Arenosos da lagoa do Meio (Fazenda Nhumirim, Embrapa Pantanal). In: SIMPÓSIO SOBRE RECURSOS NATURAIS E SÓCIO-ECONÔMICOS DO PANTANAL, MANEJO E CONSERVAÇÃO, 3. 2000, Corumbá, MS.. Anais...Corumbá, MS. EMBRAPA-CPAP/UFMS, 2000.), Cunha (1980)CUNHA, N.G. Considerações sobre os solos da sub-região da Nhecolândia, Pantanal Mato-Grossense. Corumbá, EMBRAPA-EUPAE de Corumbá, 1980. (Circular técnico, 1)., Mourão (1989)MOURÃO, G. M. Liminologia comparativa de três lagoas (duas “baías e uma “salina”) do Pantanal da Nhecolândia, MS. São Carlos: UFSCAR, 1989. 135p., RADAMBRASIL (1982)RADAMBRASIL, Ministério das Minas e Energia. Secretaria Geral. Folha SE. 21 Corumbá e parte da Folha SE. 20, Geologia, Pedologia, Geomorfologia, Vegetação e Uso e Ocupação da Terra. Vol. 27, Rio de Janeiro, 1982., Almeida e Lima (1959 apud FERNANDES, 2000FERNANDES, E., Caracterização dos Elementos do meio Físico e da Dinâmica da Nhecolândia, (Pantanal Sul-Mato-grossense). Universidade de São Paulo, Dissertação de mestrado, São Paulo, 2000.), Soares et al. (2003)SOARES, A. P.; SOARES, P. C.; ASSINE, M.L. Areais e Lagoas do Pantanal, Brasil: herança paleoclimática?. Revista Brasileira de Geociências. Volume 33, 2003. p. 211 - 224., Sakamkoto (1997)SAKAMOTO, A.Y..“Dinâmica Hídrica em uma Lagoa “Salina” e seu Entorno no Pantanal da Nhecolândia: Contribuição ao Estudo das Relações Entre o Meio Físico e a Ocupação, Fazenda São Miguel do Firme, MS”. (Tese de doutoramento) Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas/USP São Paulo, 1997., dentre outros. No entanto, cabe salientar que as análises que constitui esses trabalhos referem-se apenas às dinâmicas dos elementos físicos-naturais que compõem a paisagem.

Dentre os elementos constituintes da paisagem do Pantanal da Nhecolândia, o homem também está agregado e participa ativamente das dinâmicas de construção e reconstrução da paisagem, acelerando ou desacelerando os processos de origens naturais pautados em objetivos de ordem sócios-econômicas, políticas e/ou até mesmo culturais (relações quotidianas).

É de suma importância, portanto, para o alcance da complexidade ambiental da dinâmica paisagística do Pantanal da Nhecolândia, a realização de uma analise pautada na apreensão dos aspectos cotidianos dos agentes humanos diretos e indiretos da paisagem, uma vez que estes são considerados os responsáveis pela construção social da mesma, exercendo, também, papel de atores e/ou autores dentro deste processo.

Portanto, faz-se necessário analisar qual a relação deste elemento (homem) com os demais elementos constituintes da paisagem do Pantanal da Nhecolândia.

As sociedades / as pessoas percebem seu espaço de vivência, adquirem, formam e transmitem conhecimento sobre seus lugares e territórios por meio da linguagem, de sons, de sabores, odores, e imagens […] É esta a percepção que define o grau da reação dos indivíduos às paisagens, atribuição de valores, sentimentos, identidade. É ela que expressa quais as paisagens que realmente fazem parte da vida e do quotidiano de cada um dos indivíduos e suas particularidades. (SOUZA, 2010SOUZA, Reginaldo José de. O Sistema GTP (Geossistema - Território - Paisagem) aplicado ao estudo sobre as dinámicas sócio-ambientais em Mirante do Paranapanema - SP. Dissertação (Mestrado) - Univ. Estadual Paulista, Faculdade de Ciência e Tecnologia. Presidente Prudente, 2010.. p. 135)

Assim, o objetivo deste estudo é identificar e compreender através da análise do discurso, as interações entre os a(u)tores da paisagem pantaneira com a natureza, bem como a percepção desses a(u)tores sobre os elementos que compõem a paisagem do Pantanal da Nhecolândia.

METODOLOGIA

Souza (2010)SOUZA, Reginaldo José de. O Sistema GTP (Geossistema - Território - Paisagem) aplicado ao estudo sobre as dinámicas sócio-ambientais em Mirante do Paranapanema - SP. Dissertação (Mestrado) - Univ. Estadual Paulista, Faculdade de Ciência e Tecnologia. Presidente Prudente, 2010. apresenta um esquema de representação da convergência de diferentes olhares sobre o território e a paisagem (Figura 1), elaborado sobre a alegação de que “todas as formas de um indivíduo apreender seu espaço de vivência nos fornecem importantes elementos para aprofundarmos nosso conhecimento sobre as dinâmicas socioambientais em um dado território” (p.43).

FigurA 1
Esquema de representação da convergência de diferentes olhares sobre o território e a paisagem

O autor esclarece que a partir de juízos de valores as pessoas expressam as características positivas ou negativas, boas ou ruins a respeito dos lugares em que vivem. Assim, com base na identidade, o sentimento de pertencimento (ou não) a um determinado lugar é refletido e, a partir dos anseios e projetos, revelam-se as ambições futuras, individuais ou coletivas, temores e expectativas em relação às transformações do porvir, as quais, consequentemente, serão materializadas nas paisagens existentes no território.

Desta forma, pautado na memória, nas lembranças de acontecimentos passados, de fatos que marcaram/moldaram um determinado modo de ver e agir, e que permiti auxiliar na identificação e/ou relação com as marcas deixadas nos lugares, facilita-se o ato de declarar as transformações que denunciam a dinâmica mutável da paisagem.

Assim, dos autores,/atores da paisagem, ou seja, dentre aqueles que individualmente ou coletivamente contribuem direta ou indiretamente à produção, organização e reorganização da paisagem no Pantanal da Nhecolândia (proprietário das Fazendas, pantaneiros, responsáveis institucionais, dentre outros), o pantaneiro é aquele que mais se destaca diretamente na constituição da paisagem pantaneira dentre os outros elementos que a compõem.

O HOMEM PANTANEIRO

As concepções de Proença (1997)PROENÇA, A. C. Pantanal - Gente, Tradição e História. Ed. do autor. Campo Grande, MS: 1997., escalrecem que os índios iniciaram a história da ocupação humana no Pantanal, onde viveram, durante séculos, uma vida errante e livre. Usando as palavras do autor, foram os senhores da terra, na qual se adaptaram ao longo dos rios ou nas serras circundantes, formando grupos tribais e lingüísticos, cada qual com seus costumes, vangloriando-se das boas qualidades de caçadores numa área repleta de biodiversidade. Tais valores se tornaram a base da cultura Sul-matogrossense e Matogrossense, e assim, muito influenciaram a música, as crenças, as lendas, a arte, a dança, a comida, etc.

Tiveram, assim, um papel fundamental na formação histórica e territorial da então esquecida Província, abrindo picadas, ensinando os caminhos aos civilizadores, com os quais algumas tribos mantiveram contato pacífico, submetendo-se a eles como bestas de carga, servindo de instrumento às ambições de conquista, subjugando-se a uma triste e vergonhosa escravidão. (PROENÇA, 1997PROENÇA, A. C. Pantanal - Gente, Tradição e História. Ed. do autor. Campo Grande, MS: 1997., p.96)

Num salto histórico da região, chegamos aos habitantes atuais do Pantanal, sem esquecer que nessa lacuna temporal, além da base indígena já relacionada, uma mescla pautada em relacionamentos e conflitos entre paraguaios, bolivianos e desbravadores, sobretudo do restante da região Centro-sul do Brasil, são as bases para compreender o indivíduo que hoje é conhecido como Homem Pantaneiro, Pantaneiro ou Peão Pantaneiro, ressaltando que mesmo com essa mistura cultural distinta este homem adquiriu uma identidade muito peculiar, real, e bem evidenciada em histórias, contos, poesia, música, cinema e demais correntes artísticas.

Vieira (2004)VIEIRA, R.A. O Homem Pantaneiro - Características e Cultura. In: SIMPÓSIO SOBRE RECURSOS NATURAIS E SÓCIO-ECONÔMICOS DO PANTANAL, SUSTENTABILIDADE REGIONAL, 4. 2004, Corumbá, MS.. Anais...Corumbá, MS. EMBRAPA PANTANAL, 2004. ressalta que o homem pantaneiro tem em sua formação a presença do índio em todas as suas características. É um povo que vive da natureza com os elementos, terra e água cujas limitações imprimem à sua vida uma forma integrada e bem diferenciada dos outros povos. Um estilo de vida, aparentemente, duro e difícil para quem não está habituado com aquele modo de viver. Entretanto, com o passar do tempo, se tornou parte intrínseca do seu meio, onde convive em harmonia com a natureza, com a família e consigo mesmo.

Outro fato inerente à cultura pantaneira, segundo Espindola (2010)ESPINDOLA, D. J. O Peão Pantaneiro (seu meio, suas lidas, suas crenças: sua historia). Revista Universo. Nº 01 - XII Jornada Científica - Campus de Niteroi, 2010. In: http://revista.universo.edu.br/index.php/1reta2/article/viewFile/272/164. Acessado em 16/09/2011.
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, é a conhecida sabedoria empírica dos homens dos pantanais, que detém um modo especial de observar e de interpretar os fenômenos naturais, a fim de orientar-se nas práticas do dia-a-dia. Esse modo de agir, norteado pelo saber empírico, testado em diversas circunstâncias da vida e repassado por sucessivas gerações, facilitou-lhe, por décadas e décadas, o manejo das atividades diárias.

O homem do campo, como também é chamado pelos habitantes locais, entende os fenômenos naturais sem mesmo nunca tê-los estudado em escola formal. Sabe quando plantar, quando colher, quando apartar o gado. O patrimônio inerente a este espaço natural exige sua identificação e sua manutenção dentro de sua característica. A violação destrói a sua cultura tentando impor outra que não a sua própria. Peão ou fazendeiro, integrado a tudo que o rodeia, sabe que as ações da natureza, enchentes e secas, são responsáveis pela riqueza e vida no Pantanal. As distâncias e o difícil acesso às demais regiões fizeram-no acostumar-se ao isolamento e à solidão, o que é quebrado quando ele manifesta o sentimento de cooperação no manejo do gado ou na participação de festas tradicionais em fazendas vizinhas. (VIEIRA, 2004VIEIRA, R.A. O Homem Pantaneiro - Características e Cultura. In: SIMPÓSIO SOBRE RECURSOS NATURAIS E SÓCIO-ECONÔMICOS DO PANTANAL, SUSTENTABILIDADE REGIONAL, 4. 2004, Corumbá, MS.. Anais...Corumbá, MS. EMBRAPA PANTANAL, 2004.. p. 01).

Ainda segundo Espíntola (2010)ESPINDOLA, D. J. O Peão Pantaneiro (seu meio, suas lidas, suas crenças: sua historia). Revista Universo. Nº 01 - XII Jornada Científica - Campus de Niteroi, 2010. In: http://revista.universo.edu.br/index.php/1reta2/article/viewFile/272/164. Acessado em 16/09/2011.
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, o universo do pantaneiro está intimamente ligado ao ciclo natural do pantanal, pois para poder sobreviver em um ambiente tão inóspito, o caboclo do pantanal precisa conhecer, respeitar e, acima de tudo, entender o ambiente para nele fazer a sua morada e seu meio de vida.

Tais formulações sobre a cultura do Homem Pantaneiro são suficientes para justificar a escolha deste indivíduo para as concepções dos aspectos culturais objetivados neste trabalho. A relação desse indivíduo com os elementos e dinâmica de formação e transformação da paisagem dará margem para também refletir a responsabilidade e participação dos demais indivíduos que compõem esse mosaico de elementos humanos, em constante interligação com a paisagem do Pantanal da Nhecolândia.

Desta forma, selecionamos homens e mulheres habitantes da área estudada como alvos colaboradores na empreitada em determinar a identidade, relação, conhecimento e observação dos mesmos perante as dinâmicas de formação e transformação da paisagem no Pantanal da Nhecolândia. .

AS ENTREVISTAS SEMI-DIRIGIDAS

Partindo desses fatores foi elaborado um rol de 16 questões, que compõem um roteiro de entrevista semi-dirigida (Tabela 1), a qual norteou o diálogo com os alvos colaboradores, de modo a extrair a maior quantidade de inferências e referências vividas, observadas e relatadas, bem como correlaciona-las às dinâmicas naturais cientificamente publicadas referentes à paisagem do Pantanal da Nhecolândia.

Tabela 1
Roteiro de entrevistas semi-dirigidas

Após a aplicação e transcrição das entrevistas, foi realizada a análise da mesma, de modo a extrair fragmentos da oralidade que sejam significantes para as discussões pretendidas, cabendo relacioná-las às imagens representativas adquiridas no momento da aplicação das entrevistas, as quais revelam a percepção do indivíduo entrevistado.

Ressalta-se ainda, que no intuito de uma melhor clareza metodológica, os fragmentos da oralidade transcritos nos resultados deste artigo, preservam a informalidade da fala dos pantaneiros, os quais são identificados por pseudônimos de modo a preservar sua identidade, sendo verídico somente a idade e o tempo de vida em ambiente pantaneiro, informações essas consideradas importantes para a coerência científica e metodológica deste trabalho.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Por meio da aplicação das entrevistas semi-dirigidas, foi possível a abordagem de um número de 12 pessoas residentes em Fazendas localizadas dentro da área do Pantanal da Nhecolândia.

Apesar da grande extensão da área, a densidade demográfica somada à dificuldade de acesso às fazendas foram os fatores principais que dificultaram a aplicação de mais entrevistas.

As entrevistas possuem uma média de 28min de duração, seguindo como elemento norteador, o roteiro de entrevistas já apresentado anteriormente.

PERFIL DOS ENTREVISTADOS

Das 12 entrevistas realizadas foram selecionadas apenas 10 levando em consideração critérios tais como a idade do entrevistado, o tempo que habita na região do Pantanal da Nhecolândia, bem como o teor das entrevistas (clareza nas informações).

As 10 entrevistas selecionadas foram realizadas com 9 homens e apenas 1 mulher, sendo que, com exceção da mulher, que possui função de cozinheira na fazenda, e de um dos entrevistados que é proprietário de um pequeno bar, localizado na Curva do Leque, extremo oeste da área da baixa Nhecolândia, o restante se refere a trabalhadores rurais em fazendas e possuem, como principal função, realizar atividades de manejo e criação de gado de corte.

A faixa etária dos entrevistados varia de 33 a 81 anos de idade, sendo que 40% possuem mais que 60 anos de idade e o restante estão abaixo dos 50 anos de idade. Apesar disso, 90% possuem mais de 20 anos de residência em fazendas no Pantanal da Nhecolândia.

Quanto ao estado civil, apenas a mulher é solteira. No entanto, parte dos homens entrevistados não mora com a esposa, pois dois deles afirmaram que suas respectivas esposas moram em Corumbá com os filhos. Os demais homens entrevistados, casados, afirmaram viver apenas com a esposa, e, possuir filhos, mas estes não moram nas fazendas, são estudantes em Corumbá, Miranda ou Campo Grande.

IDENTIDADE PANTANEIRA

Ao serem indagados sobre o gostar ou não de viver no lugar e/ou apresentarem os pontos positivos e negativos de viver no Pantanal da Nhecolândia, as respostas foram unânimes em três fatores:

Primeiramente pelo fato de ser pantaneiro, onde é explicado: “o pessoal fala que eu sou pantaneiro mesmo né (risos), eu sou pantaneiro legítimo, filho de paraguaio, intão essa região aqui eu conheço dum canto no outro (risos)” (Hermínio E., 80 anos de idade e 80 anos no Pantanal).

Outro fator é o costume com a tranquilidade do lugar: “Minha criação é aqui né, quando saio já não acostumo mais. Aqui é mais tranquilo” . (Augusto S., 47 anos de idade e 21 anos no Pantanal)

Aqui cê acostuma com o hábito né, com as paisagem, com as pessoa que passam aí, conversa, pessoas sinceras entendeu! É um lugar tranquilo, eu gosto de ficar aqui pela tranquilidade e pela natureza também, por isso que eu gosto muito do Pantanal (Quequé, 47 anos de idade e 20 anos no Pantanal).

Além de afirmarem o prazer e satisfação proporcionada pelo ato de habitar um lugar com paisagens carregadas de elementos físicos-naturais: “Eu gosto de tudo aqui, é legal né…assim…o canto dos pássaro” (Dona Janice C., 42 anos de idade e 15 anos no Pantanal).

minha lida é isso aqui. Eu gosto muito de vivê aqui na Nhecolandia. Minha vida é essa aqui. Pra mim é uma maravilha se levantá aqui e vê uma paisagem dessa aqui. Vê outro ar né...Aqui se amanhece e se escurece com a mesma paisagem. Tranquilidade de num te ninguém pra mexer com você ….só preocupá com seu serviço e nada mais né (Armindo S., 61 anos de idade e 23 anos no Pantanal).

Observou-se também a importância do convívio harmonioso entre os moradores de uma mesma fazenda, bem como com fazendas da circuvizinhança:

Gosto de tudo aqui: du vivê aqui, por causa que as coisa aqui é diferente da cidade, o movimento, o dia a dia também né. Na cidade eu fico quatro dia, cinco dia. Num gosto de cidade não. Aqui agente conhece tudo das otras fazenda, até os vizinho agente conhece, tudo. Eles vem aqui, agente vai lá. Se num conhece é mesma coisa, cê chegá lá é a mesma coisa que tivesse aqui, trata du memo jeito, é o sistema da fazenda… (Vandir F., 54 anos de idade e 29 anos no Pantanal).

Com relação aos pontos negativos apresentados por alguns entrevistados, a dificuldades do transporte e distância dos grandes centros urbanos (Figuras 2) que fixam importantes recursos inexistentes no Pantanal foram os mais salientados, sobretudo quando é indagado: “…dificuldade só pro cê ir pra cidade, longe,a estrada é ruim né. Se fosse uma istrada boa!. Aqui agente inda tem a Toyota, nas outra fazenda si num é cavalo é de trator né. Tem fazenda que vai na cidade de ano im ano. Mais cada um tem sua vivência né.” (Armindo S., 61 anos de idade e 23 anos no Pantanal).

Figura 2
a) Imagem da Estrada do Aterro: principal via de acesso à curva do Leque (Foto: Mauro Silva - Maio/2012); b) Transporte por Trator em período de cheia (Foto: Luciano C. - Jan/20041); c) Pantaneiros retornando da cidade para as Fazendas (Fonte: Mauro Silva - Maio/2012).

Mais é muito longe da cidade. É ruim pra gente í e volta né. Dá quatu hora de viagi até corumbá. Na cheia tem que ir de tratô até a fazenda firme, aí vai de Toyota ou intão pega u barco…ah! Aí dá bem mais de quatu hora, bera menu umas seis hora (Dona Janice C., 42 anos de idade e 15 anos no Pantanal).

PERCEPÇÃO SOBRE A DINÂMICA REGIONAL NATURAL DO PANTANAL

Durante as conversas, os Pantaneiros relataram através de lembranças vividas e percebidas além de memórias herdadas dos familiares e antepassados, as suas acepções sobre os processos envolvendo a dinâmica hídrica regional e sua influência na formação e transformação das unidades da Paisagem que compõem o Pantanal da Nhecolândia:“A característica do Pantanal é areia, si num tivé areia num é Pantanal. Duas coisa que si num tive num é Pantanal: areia e água né. Se vem a água vem areia.” (Armindo S., 61 anos de idade e 23 anos no Pantanal)

Tal percepção do entrevistado vai de encontro às afirmações de Cunha (1980)CUNHA, N.G. Considerações sobre os solos da sub-região da Nhecolândia, Pantanal Mato-Grossense. Corumbá, EMBRAPA-EUPAE de Corumbá, 1980. (Circular técnico, 1). que ressalta que o Pantanal da Nhecolândia é uma das sub-regiões identificadas no Pantanal e constitui uma área de 23.574 Km2 preenchidas por sedimentos arenosos finos depositados pelo rio Taquari no período Quaternário

Em outro momento, os entrevistados chamam atenção às mudanças na paisagem devido às alterações na dinâmica de cheias e seca na região:

… esse ano já não teve enchente. Mudança do tempo né. [...] Antigamente, quando eu conheci o Pantanal, tinha dez ano de seca e dez ano de cheia né. Agora mudô tudinho. Agora num tem mais dez anos. Quando eu cheguei aqui nessa fazenda em 82, 83, tudo era água isso aqui. Foi secar em 87, 88 por aí, era bem chei memo, toda as baía era água, agora não, todo ano seca. (Vandir F., 54 anos de idade e 29 anos no Pantanal).

Verifica-se também a ênfase relatada sobre os períodos de grandes picos de inundação, sobretudo quando é afirmado que: “As enchente mudô muito. Em 76, 78 tinha aquelas enchente grande pra cá, alagou muito por aí, ficava muito tempo cheio né. Antigamente era enchente por cima de enchente, agora não, já diferenciou muita coisa” (Luis C., 33 anos de idade e 25 anos no Pantanal)

As observações afirmadas por estes pantaneiros podem ser cientificamente confirmadas com os dados apresentados sobre a chuva na Bacia do Alto Paraguai e as flutuações interanuais no século XX:

Dois longos segmentos temporais tendendo a chuvosos se distinguem na BAP: (a) do início do século até a primeira metade da década de 1930 e (b) da segunda metade da década de 1970 até pelo menos 1997. Caracterizam-se pela maior freqüência de anos médios e tendendo a chuvosos e de cotas máximas extremas altas no Rio Paraguai em Ladário e pela menor freqüência de anos muito secos e de cotas máximas extremas baixas no Rio Paraguai em Ladário. (SALVI-SAKAMOTO, 2004SALVI-SAKAMOTO, Luiza Luciana. A chuva na Bacia do Alto Paraguai: aspectos das flutuações interanuais durante o século XX. In. Anais... IV Simpósio do Pantanal: Sustentabilidade regional. EMBRAPA/Pantanal: Corumbá, 2004.. p. 19).

Outro tipo de mudança observada faz referencia à vegetação arbustiva invasora (Figura 3), que de acordo com as afirmações, estão ocupando sobretudo áreas de baías e dos campos com maior frequência e intensidade nos últimos anos, segundo ele, devido às secas prolongadas na última década. “A paisagem mudô, mudô muito, mudô bastante. [...] Antigamente cê andava quilômetros e quilômetros sem vê um mato, só campo e baía mesmo. Essa baía aqui antigamente cê num via essa sujeita que ta aí agora. E óia!…todas tão assim, [...] a seca trais muita sujeira.” (Armindo S., 61 anos de idade e 23 anos no Pantanal).

Figura 3
Vegetação Arbustiva invasora que se expande pelas áreas dos Campos.( Foto: Mauro Silva - Maio/2012).

Para Pott (2007)POTT, Arnildo. Dinâmica da Vegetação do Pantanal. In: Anais do Segundo Congresso de ecologia do Brasil. Caxambú-MG, 2007, na região pantaneira, mesmo dentro de uma formação homogênea, a princípio, há grandes variações na composição florística, em função de sutis diferenças em altura da lâmina d’água ou profundidade do lençol freático, tempo de residência da inundação, água parada ou corrente, origem fluvial ou pluvial, ou simplesmente distância do corpo d’água. Assim, a resposta das plantas frente aos diferentes distúrbios, depende das adaptações morfológicas das plantas ao fogo, ao pastejo e a deficiência hídrica, concluindo que a intensidade e frequência destes distúrbios podem causar modificações no ecossistema, como também, produzir ambientes favoráveis para a disseminação de plantas não desejáveis, consideradas invasoras.

RELAÇÃO ÍNTIMA DO ENTREVISTADO COM A PAISAGEM DO PANTANAL DA NHECOLÂNDIA

Ao serem incentivados à exporem seus sentimentos em relação a paisagem cotidiana, e íntima, foram reveladas peculiaridades da relação entre esse homem (o pantaneiro) e as unidades da paisagem do Pantanal, como por exemplo: “Essa imagem da baía da fazenda (Figura 4), que isso aqui vai ser uma recordação sempre né. Ela era mais bonita mais a vegetação veio aí cabo, ela secô, ficô sequinha, aí quando seca vei o mato e nasceu aí né”. (Vandir F., 54 anos de idade e 29 anos no Pantanal)

Figura 4
Baía citada por Seu Armindo e Seu Vandir. a) com pouca água e grande quantidade de gramínea e vegetação invasora em agosto de 2012 (Foto: Mauro Silva); b) cheia em maio de 2009, (Foto: Suzane Lima).

Verificou-se neste momento das entrevistas que as baías estão sempre presentes do imaginário do Pantaneiro como elemento identitário da paisagem do local: “Ah! Bonito é uma imagem na beira de uma baía, na baía cê vê o jacaré, vê as capivara, os bicho ta tudo alí solto né, e cê pega muita piranha (risos)”(Quequé, 47 anos de idade e 20 anos no Pantanal).

Alguns enfatizaram o quanto tal unidade faz parte de seu cotidiano ao longo dos tempos de vivência no Pantanal: “Daqui do Pantanal eu gosto mais daquela baía alí perto da onde eu morava. Baía grande cheio de pássaro, bicho”.(Figura 5). (Augusto S., 47 anos de idade e 21 anos no Pantanal)

Figura 5
a e b) Baías do Pantanal da Nhecolândia; c, d, e) Baía de grande extensão evidenciada especificamente pelo entrevistado Augusto S.

Além das Baías, os entrevistados ainda apresentaram afinidade com outras unidades componentes da paisagem pantaneira tais como as vazantes, no entanto acentuando a dinâmica de evolução das mesmas: “Eu acho bonito as vazantes. Aquilo de vez em quando enchia ficava ponta a ponta assim, cheinho d’água, sumia de vista. Agora não, cê enxerga só capim, aquele rabo-de-burro que o povo fala né, uns capinzão comprido” (Figura 6) (Luis C., 33 anos de idade e 25 anos no Pantanal)

Figura 6
a) Carandás próximos à uma Salina, b) Carandás dispersos no Campo, c) Vista de vazante ocupada por vegetação citada pelo pantaneiro Luis. (Fotos: Mauro Silva, 2012)

… é o carandá, esse espinheiro aí (Figura 7). Aqui tem dimais, é bunito pra caramba. E porque tem demais aqui? Por causa da salina, que ele gosta muito da salina, ele gosta muito da terra salitrada, e perto da salina tem muito e eles são viçoso, e lugar assim que num é salina sempre ele fica meio caidão assim né, ele num cria tanto, num aumenta tanto assim…que ele gosta da terra salitrada. (Gilson O., 41 anos de idade e 31 anos no Pantanal)

Figura 7
a, b)Acúmulo de material em borda de salina, denominado pelo entrevistado Hermínio E. como “barreiro”. c, d) Lagoa Salina em diferentes períodos

CONHECIMENTO SOBRE OS SISTEMAS LACUSTRES DA ÁREA DO PANTANAL

Questionados especificamente sobre os sistemas lacustres do Pantanal da Nhecolândia, todos os entrevistados mostraram um conhecimento empírico muito aguçado sobre as diferenças tipológicas entre as lagoas:

Aqui tem mais é baías mesmo. Aquelas que a água é doce. Agora tem umas que é salina, aquela a água dela é mais salgada, só gado e os bichos toma água dela, se ela for boa assim de profundidade num seca não, agora tem umas que seca duma vez, que fica na terra, mais num nasce nem uma graminha nela por causa do sal. (Luis C., 33 anos de idade e 25 anos no Pantanal).

Foi relatada também as mudanças observadas na dinâmica e comportamento desses sistemas nas últimas décadas: “As lagoas são diferente né: tem as baía e as salinas. A salina ela num cria nada nela de mato, bicho. As salinas esse ano seco quase tudo, elas demora mais que as baías[...]. Só que antigamente essas salinas quase que num secava né” (Augusto S., 47 anos de idade e 21 anos no Pantanal).

As lagoa é tudo diferente, tem baía que seca, tem baía que num tem água boa, a água é salobra que eles fala salina né. E tem baía que chega perto dela é esse mundo de aguaceiro mas nu tempo da seca ela chega cria mato dentro dela. A salina é mais difícil num é quarqué uma que seca, tem alguma que fica pouca água, mas num seca todinha não, e isso é bom pra criação. E terra que tem salina o gado num vai muito nas baía, ela vai mais na salina mesmo bebe a água dela, lambe aqueles barreiro que fica com sal né, na beira dela (Figura 9). (Hermínio E., 80 anos de idade e 80 anos no Pantanal).

Em alguns momentos das entrevistas é possível perceber no discurso do entrevistado uma ênfase na importância das cordilheiras para a existência das lagoas salinas: “Se tirar as cordilheira a salina seca, sempre ela tem que ficar com cordilheira n, deixar uma cordilheira de mato pra preservar ela”. (Luis C., 33 anos de idade e 25 anos no Pantanal)

Todavia, os trabalhos Rezende Filho (2006)REZENDE FILHO, A. T. Estudo da Variabilidade e Espacialização das Unidades da Paisagem: banhado (baía/vazande), lagoa salina e lagoa salitrada no Pantanal da Nhecolândia, MS. Dissertação (Mestrado), UFMS/CPAQ, Aquidauana, 2006., Silva (2007)SILVA, M. H. S. Subsídios para a Compreensão dos Processos Pedogenéticos da Lagoa Salitrada: Pantanal da Nhecolândia, MS. Dissertação (Mestrado), UFMS/CPAQ: Aquidauana, 2007. e Santos (2008)SANTOS, K. R. S. Biodiversidade de Algas e Cianobactérias de Três Lagoas (“Salina”, “Salitrada” e “Baía”) do Pantanal da Nhecolândia, MS, Brasil. Dissertação (Mestrado). Instituto de Botânica da Secretaria de Estado do Meio Ambiente: São Paulo, 2008., abre espaço para uma unidade da paisagem do Pantanal da Nhecolândia diferenciada, porém homogeneizada em outros trabalhos pretéritos junto às lagoas salinas da região. Trata-se de uma lagoa classificada localmente como “Salitrada”.

Para Silva (2007)SILVA, M. H. S. Subsídios para a Compreensão dos Processos Pedogenéticos da Lagoa Salitrada: Pantanal da Nhecolândia, MS. Dissertação (Mestrado), UFMS/CPAQ: Aquidauana, 2007., trata-se de um desequilíbrio dos sistemas lacustres denominados “salinas”, onde o fator predominante que orientou tal dinâmica de formação e configuração da paisagem atual para lagoa Salitrada foi a entrada superficial de águas ácidas, incentivada por meio de aberturas das cordilheiras mantenedoras do sistema.

Com relação às Salitradas, alguns pantaneiros entrevistados apresentam um discurso que classifica a salitrada como um tipo de Salina com menos concentração de sais em seus componentes geoquímicos: “E tem as salitradas que a água é salobra [...] ela é cheia de mato no meio, de vegetação, ela num é como a salina bem salgada assim”. (Gilson O., 41 anos de idade e 31 anos no Pantanal)

Além disso, é muito enfatizado dinâmica observada de que a diferença geoquímica da água possibilita quase que, anualmente, a invasão por gramíneas, quando seca, e maior biodiversidade quando cheia ‘... a salina num tem nem como outros animal entrá, peixe, jacaré, capivara… O pessoal chama de salitrada porque ela num é doce a água né, e também num é tão salgada igual as salinas” (Augusto S., 47 anos de idade e 21 anos no Pantanal)

A salitrada já é quase uma salina, quando ela tem bastante água é diferente, tem uns tipo de vegetação que num tem nas salinas, entra mais animais (Figura 8), agora que quando ela começô a seca ela já fica grossa, bem salgada. Eu acho que o nome salitrada, é os próprio pantaneiro antigo que foi falando, passando pros outro e foi ficando, agente aqui num fala nem lagoa, fala só salina, baía e salitrada. (Quequé, 61 anos de idade e 20 anos no Pantanal).

Figura 8
a, b) Salitrada com presença de animais e vegetação tipo macrofitas raramente encontrados em salinas - foto: Mauro Silva, maio/2012. c) Lagoa Salitrada Campo Dora utilizada como refúgio para a tomada de água em período seco - foto: Mauro Silva, Ago/2009.

ANSEIOS E PROJETOS DO ENTREVISTADO EM RELAÇÃO À PAISAGEM DO PANTANAL DA NHECOLÂNDIA

As entrevistas mostraram que as perspectivas de melhor qualidade de vida para os Pantaneiros revelam um conflito pessoal entre a ânsia pelos benefícios da modernidade: “Acho que o pantanal, pra ser o pantanal tem que ser do jeito que ele é né, não precisa traze benfeituria pra ele. Ele tem que ser sacrificoso. Se trazê um asfalto nesse aterro, aí num vai ser Pantanal” (Armindo S., 61 anos de idade e 23 anos no Pantanal); e o receio de que essa modernidade traga consigo mudanças bruscas, algumas já percebidas, nas características que conferem ao Pantanal da Nhecolândia suas paisagens próprias e identitárias::

O Pantanal, como diz o outro: vai chegar o progresso né. Igual agora ta chegando a luz, o pessoal vai arrumando a estrada né, então em cima disso aí eles vão degradando também o Pantanal. Porque? Que nem aí, o pessoal ta fazendo a rede de luz, ele tem que desmata. Já derrubou tudo aquilo lá”. (Figura 9). (Quequé, 47 anos de idade e 20 anos no Pantanal).

Figura 9
Área desmatada para instalação da rede de energia no Pantanal da Nhecolândia (Fotos: M. Silva - 2012)

Esse mesmo pantaneiro conclui: “Num é que nois num qué o progresso no Pantanal é que o progresso tem que saber como chegar né, porque se for só do jeito que ta vino daqui a pouco vai acaba tudo isso aqui que cê ta vendo.” (Quequé, 47 anos de idade e 20 anos no Pantanal).

O INÍCIO DE NOVOS CONFLITOS

Salis e Crispim (1999)SALIS, S. M., CRISPIM, S. M. Fitossociologia de quatro fitofisionomias arbóreas no Pantanal da Nhecolândia, Corumbá, MS. In: CONGRESSO NACIONAL DE BOTANICA, 50. 1999. Blumenau. Programa e resumos…Blumenau: Sociedade Botânica do Brasil, 1999. denunciam que os novos pecuaristas, ignorando o valor cultural e ambiental do Pantanal, impõem estratégias de aumento da produção, que provocam alteração do meio, gerando possíveis impactos de consequências negativas em longo prazo: “A transformação maior que teve foi o desmatamento [...]. Pastagem foi uma das coisas que mais cresceram no Pantana. O povo novo aí tão pondo pasto em todo lugar”. (Quequé, 61 anos de idade e 20 anos no Pantanal)

De acordo com os autores, a pressão do desmatamento para implantação de pastagens plantadas tem afetado, principalmente, as fitofisionomias arbóreas do Pantanal.

É conferido aos indivíduos recém-proprietários de terras no Pantanal um caráter de mudança ideológica em prol do desenvolvimento econômico pautado na entrada das inovações tecnológicas e benfeitorias estruturais que facilitem o processo de produção independente das limitações impostas pela dinâmica natural do Pantanal. Trata-se a nosso ver de indivíduos “alienígenas” à área com um lema resumido na acumulação a qualquer custo, no que tange os aspectos físico-naturais constituintes da Paisagem do Pantanal da Nhecolândia.

... tão dismatando né. Já entrou um monte de pessoal de São Paulo, Campo Grandi aqui, e tão dismatando né. Os fazendeiros de antigamente nem gostava que botava fogo, eles até queimava, mais num gostava que derrubava a mata. Hoje, ta proibido queima, mais tão desmatando pra cria gado. Vai dirrubando, derrubando, então, ta mudando o pantanal, caba secando tudo, onde desmata caba secando tudim né. (Hermínio E., 80 anos de idade e 80 anos no Pantanal).

De acordo com Espindola (2010)ESPINDOLA, D. J. O Peão Pantaneiro (seu meio, suas lidas, suas crenças: sua historia). Revista Universo. Nº 01 - XII Jornada Científica - Campus de Niteroi, 2010. In: http://revista.universo.edu.br/index.php/1reta2/article/viewFile/272/164. Acessado em 16/09/2011.
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, por Homem pantaneiro entende-se ser o peão que vive isolado nas fazendas de gado, descendentes da miscigenação étnica, e que possui quase uma parceria, um “cumpadrio”, com o proprietário, que só se observa nas relações de trabalho, longe de passar por perto da divisão eqüitativa de rendas ou social.

Ressalta-se que essa antiga relação de proximidade entre peão e proprietário de fazendas no Pantanal da Nhecolândia também foi percebido durante as estrevistas:

Agente morava na outra fazenda aí os dono antigo faleceu e ficou os novo, os filho né, e eles é muito cum nóis aqui, até hoje. Aqui é nosso, isso tudo foi deles e o pai deles que deu pra nóis. Porque os patrão antigo, quando tinha os peão véi antigo, sempre os patrão ajudava né, dava um campo, um gado, aí como meu pai era peão véi antigo eles deu esse parte aqui pra ele, era uma envernada que ele punha o gado pra tirá produção né, aí termino que ele deu pro meu pai (Hermínio E., 80 anos de idade e 80 anos no Pantanal).

Atualmente percebe-se uma realidade diferente, o peão Pantaneiro passa a avaliar as trasformações, sobretudo negativas, da paisagem do Pantanal, e atribuir responsábilidade àqueles antes tidos como detentores do saber e, do poder:“Tem lugar que eles limparam, fizeram desmatação pra pranta capim né” (Hermínio E., 80 anos de idade e 80 anos no Pantanal).

Tem que melhorar a convivência dos Patrão com os funcionário, melhora no salário, na qualidade mais de vida, de saúde. Tem pião de fazenda aí que tem filho que crio e ta trabalhando pro patrão dele, num tem estudo, então é isso que eles qué, porque o cabra num conhece nada, num vai reclamar muito, num sabe ler num sabi nada [...] e pra natureza acho que tem acabar com esse desmatamento, esse negócio aí tem que acabar né”. Vandir (54 anos de idade e 29 no Pantanal).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As reflexões provenientes da análise do discurso de pantaneiros residentes no Pantanal da Nhecolândia a tempo superior a vinte anos revelaram que tais agentes percebem tratar-se de um sistema frágil e muito vulnerável às interferências decorrentes do processo histórico de uso e ocupação da região, sobretudo da intensificação desse processo nas últimas décadas.

As entrevistas revelaram também uma preocupação por parte dos pantaneiros sobre o aumento do desmatamento e da substituição da cobertura vegetal por pastagens introduzidas, processo esse que materializa as estratégias dos pecuaristas, sobretudo os novos, está influenciando diretamente uma dinâmica de reorganização dos elementos que constitui as paisagens do Pantanal da Nhecolândia, transformando, como no caso dos capãos e baías ocupadas por plantas invasoras.

Os resultados referentes às relações culturais detectadas dentro do Pantanal da Nhecolândia, evidenciaram que os trabalhadores rurais habitantes da região por mais de 20 anos - os Pantaneiros - demonstraram uma proximidade, conscientização e relação íntima perante a importância ambiental da área e dos elementos da paisagem.

Portanto, é ressaltada aqui, necessidade de discutir projetos voltados para conscientização, sobretudo dos proprietários das fazendas, pecuaristas ativos, muitas vezes causadores do desmatamento, que se materializa como problema fundamental do Pantanal da Nhecolândia, para dessa forma amenizar os impactos e diminuir riscos ambientais, e, principalmente contribuindo para o barramento do conflito cultural que caminha a relação entre pantaneiros e os novos proprietários de terras no Pantanal da Nhecolândia, conflito esse muito evidenciado nas respostas às questões semi-dirigidas.

Contudo, não queremos aqui assumir um discurso romântico e anti-desenvolvimentista, porém os resultados da pesquisa mostram a necessidade de cautela, através de planejamento, aplicação e fiscalização das legislações vigentes, além da elaboração de novas legislações com base nas limitações impostas pelas características físicas-naturais e, acima de tudo, culturais manifestadas no Pantanal da Nhecolândia, de modo a assegurar um desenvolvimento econômico sadio tanto para os indivíduos componentes das paisagens que constitui o território, quanto para a natureza que desenha visualmente tais paisagens.

AGRADECIMENTOS

Agradecimento à CAPES e à FUNDECT/MS pelo apoio a pesquisa.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Ago 2018
  • Data do Fascículo
    2018

Histórico

  • Recebido
    28 Maio 2018
  • Aceito
    20 Jun 2018
  • Publicado
    15 Jul 2018
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