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ADEQUAÇÕES DIDÁTICO-METODOLÓGICAS NA PRÁTICA DO SURFE PARA PESSOAS COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA

AJUSTES DIDÁCTICO-METODOLÓGICOS EN LA PRÁCTICA DE SURF PARA PERSONAS CON TRASTORNOS DEL ESPECTRO AUTISTA

Resumo

Este artigo objetiva identificar as adequações didático-metodológicas utilizadas nas aulas de surfe para pessoas com transtorno do espectro autista (TEA) na Associação Onda Azul (AOA) em Florianópolis/SC e propor uma estratégia pedagógica para o ensino deste esporte para esta população. Trata-se de uma pesquisa descritivo-exploratória, com abordagem qualitativa dos dados, realizada com voluntários da AOA, a qual utilizou como instrumentos de coleta de dados observações participantes, entrevistas semiestruturadas e diário de campo. Foram analisados conteúdos referentes ao planejamento das aulas, ao conteúdo, às adaptações, à comunicação e transmissão de conteúdo e às formas de avaliação. O estudo apresenta uma proposta pedagógica que extrapola as considerações feitas pelos voluntários e traz à luz estratégias para facilitar o ensino do surfe para pessoas com TEA. O surfe apresentou-se como uma fértil oportunidade de desenvolvimento para pessoas com TEA e os professores devem respeitar as individualidades dos alunos dispostos a realizar adaptações.

Palavras chave:
Educação Física; Inclusão social; Transtorno do Espectro Autista

Resumen

Este artículo tiene como objetivo identificar los ajustes didáctico-metodológicos utilizados en las clases de surf para personas con trastorno del espectro autista (TEA) en la Asociación Onda Azul (AOA) en Florianópolis (SC) y proponer una estrategia pedagógica para la enseñanza de este deporte a esta población. Se trata de una investigación descriptiva-exploratoria, con abordaje cualitativo de los datos, realizada con voluntarios de la AOA, que utilizó observaciones participantes, entrevistas semiestructuradas y diario de campo como instrumentos de recolección de datos. Se analizaron contenidos referentes a la planificación de las clases, al contenido, a las adaptaciones, a la comunicación y transmisión de contenido y a las formas de evaluación. El estudio presenta una propuesta pedagógica que va más allá de las consideraciones realizadas por los voluntarios y saca a la luz estrategias para facilitar la enseñanza del surf a personas con TEA. El surf se presentó como una fértil oportunidad de desarrollo para las personas con TEA y los profesores deben respetar las individualidades de los alumnos dispuestos a hacer adaptaciones.

Palabras clave:
Educación Física; Inclusión social; Trastorno del Espectro Autista

Abstract

This article aims to identify the didactic-methodological adaptations used in surfing classes for people with autism spectrum disorder (ASD) at Associação Onda Azul (AOA) in Florianópolis (SC) and to propose a pedagogical strategy for teaching this sport to this population. This is a descriptive-exploratory research, with a qualitative approach to data, carried out with volunteers from the AOA, which used participant observations, semi-structured interviews and a field diary as data collection instruments. Contents related to class planning, content, adaptations, communication and transmission of content and forms of assessment were analyzed. The study presents a pedagogical proposal that goes beyond the considerations made by the volunteers and brings to light strategies to facilitate the teaching of surfing for people with ASD. Surfing presented itself as a fertile development opportunity for people with ASD and teachers must respect the individuality of students willing to make adaptations.

Keywords:
Physical Education; Social inclusion; Autism Spectrum Disorder

1 INTRODUÇÃO1 1 Artigo baseado na dissertação: MORAES, Letícia Baldasso. Estudo sobre um projeto social de surfe para pessoas com transtorno do espectro autista. 136 f. 2017. Dissertação (Mestrado em Educação Física) - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2017.

As pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) possuem individualidades marcantes, tanto pela diferenciação nos níveis de gravidade, como pelos interesses específicos, rotinas e rituais criados que lhes garantem segurança para participar de diferentes atividades. Os profissionais que trabalham com as pessoas com TEA devem respeitar as suas individualidades, bem como adaptar as atividades para que todas sejam efetivamente incluídas (ROMERO, 2016ROMERO, Priscila. O aluno autista: avaliação, inclusão e mediação. Rio de Janeiro: Wak, 2016.; ASSOCIAÇÃO AMERICANA DE PSIQUIATRIA, 2014).

A pessoa com TEA tem déficits nas interações sociais, sendo importante que ela transite em diferentes espaços para desenvolver as suas relações e interações com o ambiente e os indivíduos. Além dos déficits nas interações sociais e interacionais, estudos demonstram que as pessoas com TEA podem ter comprometimento motor (LOURENÇO et al., 2015LOURENÇO, Carla Cristina Vieira et al. Avaliação dos efeitos de programas de intervenção de atividade física em indivíduos com transtorno do espectro do autismo. Revista Brasileira de Educação Especial, v. 21, n. 2, p. 319-328, 2015.; SOARES; CAVALCANTE NETO, 2015SOARES, Angélica Miguel; CAVALCANTE NETO; Jorge Lopes. Avaliação do comportamento motor em crianças com transtorno do espectro do autismo: uma revisão sistemática. Revista Brasileira de Educação Especial, v. 21, n. 3, p. 445-458, 2015.).

Torna-se auspicioso que elas tenham acesso de forma segura e adaptada ao máximo de práticas corporais possível. O surfe, inserido no contexto das atividades de aventura na natureza (MARINHO, 2004MARINHO, Alcyane. Atividades na natureza, lazer e educação ambiental: refletindo sobre algumas possibilidades. Motrivivência, v. 16, n. 22, p. 47-69, jun. 2004.), pode se revelar também como uma possibilidade de transmissão de valores e significados, mostrando-se interessante para o repertório de experiências das pessoas com TEA.

Estudos recentes têm sido realizados sobre o conceito de “surfe terapia” para pessoas com TEA como uma maneira de intervenção terapêutica alternativa e/ou complementar às abordagens tradicionais e medicalizantes. Foram encontradas melhorias nas habilidades sociais e motoras, no senso de autonomia e independência, no envolvimento com a natureza, na autoestima, no bem-estar, bem como diminuição de sintomas negativos referentes às especificidades do TEA como nas estereotipias, nos comportamentos antissociais e na ansiedade (DRAKE et al., 2021DRAKE, Cameron J. et al. A qualitative investigation into the perceived therapeutic benefits and barriers of a surf therapy intervention for youth mental health. Complementary Therapies in Medicine, v. 59, p. 102713, 2021. DOI: https://doi.org/10.1016/j.ctim.2021.102713.
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; VAN DER MERWE; YARROW, 2020VAN DER MERWE, Nicci; YARROW, Paula. More than surfing: inclusive surf therapy informed by the voices of South African children with autism spectrum disorder. Global Journal of Community Psychology Practice, v. 11, n. 2, 2020. Disponível em: https://www.gjcpp.org/pdfs/Van%20der%20Merwe_Yarrow-Final.pdf. Acesso em: 10 maio 2021.
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; BRITTON; KINDERMANN; CARLIN, 2020BRITTON, Easkey; KINDERMANN, Gesche; CARLIN, Caitriona. Surfing and the sense: Using body mapping to understand the embodied and therapeutic experiences of young surfers with Autism. Global Journal of Community Psychology Practice, v. 11, n. 2, p. 1-17, 2020.; ARMITANO et al. (2015ARMITANO, Courtney et al. Benefits of surfing for children with disabilities: a pilot study. Palaestra, v. 29, n. 3, p. 31-34, 2015.).

Em revisão bibliográfica realizada por Stuhl e Porter (2015STUHL, Amanda; PORTER, Heather. Riding the waves: therapeutic surfing to improve social skills for children with autism. Therapeutic Recreation Journal, v. 49, n. 3, p. 253, 2015.), foram analisados os benefícios sociais resultantes da participação de pessoas com TEA em acampamentos de surfe. Por meio de análises qualitativas e quantitativas foram percebidas melhoras na responsabilidade, no engajamento, no bem-estar, na resiliência, na autoconfiança, na amizade, na confiança social, na saúde física e na satisfação em conviver em meio à natureza.

Nesta perspectiva, o surfe pode ser entendido como um fenômeno social, cultural, econômico e esportivo (PÉREZ-GUTIÉRREZ; COBO-CORRALES, 2020PÉREZ-GUTIÉRREZ, Mikel; COBO-CORRALES, Carlos. Surfing scientific output indexed in the Web of Science and Scopus (1967-2017). Movimento (Porto Alegre), v. 26, e-26015, 2020. DOI: https://doi.org/10.22456/1982-8918.94062.
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). Ele está se tornando uma prática cada vez mais popular e a sua institucionalização como uma prática competitiva ganha destaque em um campo de intervenção pedagógica na área da Educação Física (RAMOS; BRASIL; GODA, 2013RAMOS, Valmor; BRASIL, Vinícius Zeilmann; GODA, Ciro. O conhecimento pedagógico para o ensino do surf. Revista da Educação Física/UEM, v. 24, n. 3, p. 381-392, 2013.). Com isso, pode-se entender que os professores de Educação Física são potenciais mediadores no encontro das pessoas com TEA e o surfe. Cavanaugh e Rademacher (2014CAVANAUGH, Lauren Katrina; RADEMACHER, Sarah Beth. How a SURFing social skills curriculum can impact children with autism spectrum disorders. Journal of the International Association of Special Education, v. 15, n. 1, p 27-35, 2014.) complementam esta discussão, apontando que as habilidades desenvolvidas no surfe podem levar ao aumento das oportunidades sociais em ambientes educacionais inclusivos.

Diversas metodologias são utilizadas em intervenções com pessoas com TEA, cada qual buscando os melhores resultados. Contudo, ainda não existe um consenso sobre qual teria a maior eficácia (ZALAQUETT et al., 2015ZALAQUETT, Daniela; SCHONSTEDT, Marianne; ANGELI, Milagros; HERRERA, Claudia; MOYANO, Andrea. Fundamentos de la intervención temprana en niños con trastornos del espectro autista. Revista Chilena de Pediatría, v. 86, n. 2, p. 126-131, 2015.; HO; DIAS, 2013HO, Helena; DIAS, Inês Souza. Campanha nacional pelos direitos e pela assistência das pessoas com autismo 2011/12 avaliação e observações sobre os questionários da pesquisa AMA/ABRA 2011/12. In: Retratos do Autismo no Brasil. São Paulo: Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência, 2013. cap. 2, p. 37-63.). Os métodos de intervenções ainda não são unânimes, portanto, pesquisas ainda são necessárias para analisar adequações didático-metodológicas no ensino de práticas corporais para as pessoas com TEA. Em estudo realizado por Maia, Bataglion e Mazo (2020MAIA, Juliana; BATAGLION, Giandra Anceski; MAZO, Janice Zarpellon. Alunos com transtorno do espectro autista na escola regular: relatos de professores de educação física. Revista da Associação Brasileira de Atividade Motora Adaptada, v.21 n.1, p. 15-30, 2020.), foi percebido que os professores da Educação Física Escolar não veem a presença do aluno com TEA como um problema à docência, mas como uma fonte de desafios, e uma busca por novas estratégias didático-pedagógicas deve ser constantemente atualizada.

Nesta direção, este artigo tem como objetivos identificar as adequações didático-metodológicas utilizadas nas aulas de surfe para pessoas com TEA na Associação Onda Azul em Florianópolis/SC e propor uma estratégia pedagógica para o ensino deste esporte para esta população.

2 PERCURSO METODOLÓGICO

Este estudo resulta de uma dissertação de mestrado [informação temporariamente suprimida para garantir o anonimato da autoria], aprovada pelo Comitê de Pesquisa Ética com Seres Humanos da Universidade do Estado de Santa Catarina, sob número: 1.814.571.

Trata-se de uma pesquisa descritivo-exploratória, com abordagem qualitativa dos dados. A pesquisa qualitativa busca explorar o universo dos significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes. Analisando um espaço profundo, faz relações que não podem ser quantificadas ou reduzidas à operacionalização de variáveis (MINAYO; DESLANDES; GOMES, 2002MINAYO, Maria Cecília de Souza; DESLANDES, Suely Ferreira; GOMES, Romeu. Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 20. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002.). A pesquisa qualitativa aproxima sujeito e objeto consolidando uma relação fundamental, visto que ambos são de mesma natureza. Também explora os sentidos, as sensações causadas e as subjetividades, muitas vezes, negligenciadas. Torna-se auspiciosa tal abordagem, visto a subjetividade da evolução das pessoas com TEA.

2.1 CONTEXTO DA INVESTIGAÇÃO: ASSOCIAÇÃO ONDA AZUL (AOA)

A Associação Onda Azul (AOA) criada na cidade de Florianópolis é uma organização sem fins lucrativos que proporciona aulas de surfe para pessoas com TEA. Atualmente, a sede, investigada neste estudo, conta com 25 alunos inscritos, uma equipe diretiva formada por cinco membros e uma equipe de voluntários de aproximadamente dez pessoas. A AOA também está presente nas cidades de Imbituba/SC, São Sebastião/SP e Maceió/AL.

2.2 PARTICIPANTES DA PESQUISA

Dentre dez, foram investigados seis voluntários da AOA (Quadro 1), sendo quatro homens e duas mulheres, com idade entre 27 e 50 anos, que tivessem comparecido a, no mínimo, cinco aulas de surfe no período investigado (quatro voluntários não fizeram parte deste estudo por não terem comparecido ao mínimo de aulas definido no estudo). Dos voluntários entrevistados, Fernanda e Júlia são parte da equipe diretiva. Os outros membros da equipe diretiva são familiares dos alunos e foram entrevistados com base em um roteiro de entrevista diferente para abranger outras questões referentes à dissertação supracitada, as quais não estão sendo contempladas neste artigo.

Quadro 1
Informações sobre os voluntários entrevistados.

As pessoas com TEA foram incluídas como participantes da pesquisa por meio das observações participantes (Quadro 2), nas quais o olhar da pesquisadora focou nas formas de participação dos alunos. Portanto, os alunos foram observados e não responderam ao roteiro das entrevistas. Para a pessoa com TEA fazer parte da pesquisa era necessário estar inscrita no projeto e os familiares assinarem um termo de consentimento permitindo a participação e a divulgação das fotos e dos vídeos realizados nas aulas de surfe.

Quadro 2
Informações sobre os alunos observados.

2.3 INSTRUMENTOS DE COLETA DE DADOS

Foi utilizada uma matriz analítica de observação participante (MARCONI; LAKATOS, 2003MARCONI, Maria de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Fundamentos da metodologia científica, 5. ed. São Paulo: Atlas, 2003.), por meio da participação ativa da pesquisadora principal, nas aulas ministradas, proporcionando interação com alunos, voluntários e familiares. Essa matriz oportunizou observações sobre a dimensão da participação dos alunos nas aulas e os possíveis indicadores como: interação dos alunos com os voluntários; interação dos alunos entre si, atendimento dos alunos aos comandos dos voluntários; e percepções de satisfação na participação demonstradas pelos alunos nas aulas. Tais indicadores foram analisados nas formas de comunicação dos alunos, brincadeiras, participações nas atividades propostas, ações dos alunos nos momentos em que não havia atividades preestabelecidas, manifestações de sentimentos, segurança que aparentavam ter no ambiente da praia, e nas interações espontâneas.

Também foram utilizados um roteiro de entrevista semiestruturado, construído especialmente para esta investigação, um diário de campo e um gravador para o registro das observações e reflexões pessoais da pesquisadora principal.

2.4 PROCEDIMENTO DE COLETA DE DADOS

As observações de nove aulas de surfe ocorreram em um período de quatro meses, pelo fato de as aulas serem quinzenais. No final de cada aula, a pesquisadora principal gravava as observações, para posteriormente transcrevê-las.

As entrevistas semiestruturadas foram realizadas em momentos distintos das aulas: na casa dos voluntários e em seus ambientes de trabalho, conforme suas escolhas. Todas as entrevistas foram previamente agendadas e os entrevistados assinaram um termo de consentimento para a divulgação dos dados. Eles escolheram nomes fictícios para serem representados no estudo, a fim de preservar suas identidades.

2.5 ANÁLISE DOS DADOS COLETADOS

Os dados coletados foram analisados, conforme a análise de conteúdo proposta por Bardin (2011BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011.), a qual propicia caracterizar e reconstruir significados de forma a caracterizar e identificar a realidade estudada. Três etapas tornam-se vitais no processo da análise de conteúdo: pré-análise; exploração do material; tratamento dos resultados, inferência e interpretação. Além disto, buscou-se utilizar a técnica de triangulação, conforme Triviños (1987TRIVIÑOS, Augusto Nibaldo Silva. Pesquisa qualitativa. In: TRIVIÑOS, Augusto Nibaldo Silva (ed.). Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 1987. p. 116-173.), a qual permite a máxima amplitude na descrição, explicação e compreensão do fenômeno estudado partindo do pressuposto de que as informações e os dados coletados de fontes podem ser confrontados entre si.

Conforme a análise das entrevistas, foram criadas categorias a posteriori referentes ao planejamento das aulas de surfe, ao conteúdo das aulas de surfe, às adaptações nas aulas de surfe realizadas para pessoas com TEA, à comunicação e transmissão de conteúdo e às formas de avaliação dos alunos. Desta forma, os resultados e a discussão estão apresentados seguindo esta organização das categorias.

2.6 CONFIABILIDADE DO ESTUDO

A confiabilidade neste estudo foi reconhecida de diferentes formas. 1) Os entrevistados tiveram a opção de recusar a participação no estudo (SHENTON, 2004SHENTON, Andrew K. Strategies for ensuring trustworthiness in qualitative research projects. Education for Information, v. 22, p. 63-75, 2004.). 2) Um segundo pesquisador revisou todas as transcrições, temas e subtemas para garantir que os dados fossem precisos e refletissem os dados coletados. 3) Durante todo o processo de análise de conteúdo, os pesquisadores realizaram anotações, reflexões e releituras. 4) Além disso, também foi utilizada a triangulação dos dados coletados como um importante critério de confiabilidade utilizado no estudo.

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

3.1 PLANEJAMENTO DAS AULAS DE SURFE

Na AOA, o planejamento das aulas se baseia no processo de confirmação de quantos alunos participarão da aula. Existe um grupo no WhatsApp, em que todos os familiares responsáveis estão incluídos e, durante a semana prévia à aula, uma voluntária inicia a lista de confirmação, na qual os familiares devem se inscrever. Com isso, a equipe diretiva se programa de acordo com o número de voluntários necessários para a ocorrência da aula.

No dia da aula, os voluntários chegam mais cedo do que os surfistas e os familiares para decidirem em qual local do mar a aula ocorrerá. Para isso, é necessário observar o mar, perceber as correntes da água e do vento, a temperatura da água, a existência de buracos, de águas-vivas e a intensidade das ondas. Depois dessa etapa, alguns voluntários ficam responsáveis por montar o circuito na areia (composto por aros, cones, bolas, discos de equilíbrio e cordas). Após a etapa de organização, os voluntários se reúnem e conversam sobre os surfistas que virão; como foi a última participação deles; se sabem alguma novidade nas suas rotinas, dentre outros acontecimentos que podem reverberar no comportamento dos surfistas.

No momento em que os familiares e os surfistas começam a chegar, existe um acolhimento da equipe, um cumprimento do estilo hang loose, a entrega das lycras e, se possível, uma conversa para saber como o surfista esteve durante o dia. Conforme a voluntária Fernanda comenta, o planejamento da aula de cada aluno é diferente do outro:

Tem um momento de chegada, de preparação, de colocar a roupa, cumprimentar todo mundo. Saber das expectativas, procurar saber do humor de cada um. Ah, Fulano está animado, fulano está estressado… Ali você já vai sentindo a energia de cada um naquele dia, porque cada um tem seus dias e dias. (Fernanda).

Após a recepção dos alunos e a entrega das roupas, os surfistas, os familiares e os voluntários se reúnem para o aquecimento. Este consiste em uma corrida de um determinado cone a outro, para depois formarem um círculo no qual um profissional de Educação Física conduz a execução de alongamentos e alguns posicionamentos de subida na prancha. Trata-se de um momento de descontração envolvendo todos os presentes.

Após o alongamento, os voluntários designados previamente vão coordenar o circuito de areia, enquanto os outros se direcionam para a prancha a que estão designados. Alguns voluntários ficam organizando os alunos ou acolhendo e conversando com os familiares que ficam na areia.

A ordem de entrada dos alunos no mar varia de acordo com a vontade e a energia que eles demonstram. Para Marcelo, não existe uma regra definida para a entrada ou a permanência dos surfistas no mar:

Procuramos colocar na água primeiro aqueles que estão mais ansiosos, alguns que já estão praticamente entrando na água e vamos indo. Os outros, vendo os que já entraram na água, começam a se animar. Tem alguns que não vão, outros vão pouco. Aquele que já foi no início e está afim de ir de novo, vai. Não tem uma regra muito rígida, sobre quantas ondas é para cada um, quanto tempo é para cada um. (Marcelo)

A duração da aula é entre uma hora e uma hora e meia. Quando as atividades no mar e na areia são finalizadas, todos os surfistas, familiares e voluntários se reúnem para a tirada de uma foto, na qual as pranchas são colocadas em pé e todos os presentes posam ao redor delas. Esta ocorrência simboliza o final da aula. Para Van der Merwe e Yarrow (2020), é necessário que as pessoas com TEA possuam rotina para facilitar os seus processos mentais e responder melhor às situações inesperadas. A finalização da aula com a foto é marcante, pois pode-se perceber que alguns alunos só relaxam e vão comer os seus lanches após finalizada essa situação, assim como os familiares só vão embora depois que a foto é tirada.

Em cada uma das aulas observadas, foi possível notar diferenças na participação dos surfistas e dos voluntários. Por se tratar de uma associação sem fins lucrativos, os voluntários não são remunerados e, em alguns casos, pode-se perceber a falta de comprometimento com horários, dias e funções. Situação que repercute em uma dificuldade no planejamento das aulas, visto que não se pode prever quantos voluntários haverá para a divisão das tarefas no acolhimento dos alunos, nas atividades na areia e no mar.

Assim como o planejamento das aulas, os conteúdos nelas abordados constituem-se em elementos importantes envolvidos no processo de adequações didático-pedagógicas para o ensino do surfe em pessoas com TEA como exposto a seguir.

3.2 CONTEÚDOS DAS AULAS DE SURFE

A percepção dos voluntários sobre os conteúdos abordados nas aulas envolve: inclusão social, autonomia, dessensibilização, interação com o meio ambiente, desenvolvimento motor e bem-estar.

A inclusão social foi lembrada de diversas maneiras pelos voluntários: tanto por meio das relações entre os próprios alunos, quanto as relações dos alunos com os voluntários. Julia afirma que considera a AOA como uma família, na qual todos se ajudam e se acolhem.

Estimulamos a socialização. Estamos sempre em grupos. Existe tanto a socialização das crianças com as suas próprias famílias, quanto a socialização com outras crianças, famílias com outras famílias. Nós somos um grupo, mais do que isso, diria que somos uma família. Uma hora a mãe de um aluno é a psicóloga de outra mãe, uma hora uma mãe está cuidando do filho de outra na praia e assim vai. (Julia).

A inclusão social também pode ser notada no fato de as aulas ocorrerem no ambiente da praia, no qual diferentes pessoas estão presentes, não só os envolvidos na AOA. Nas observações foi possível notar que alguns familiares contavam que eles tinham parado de frequentar a praia pelas barreiras que o ambiente trazia, como o excesso de estímulos, a dificuldade de alguns alunos com as diferentes texturas que a areia e o mar proporcionavam e os olhares das pessoas que estavam na praia para as individualidades que o TEA pode reverberar, como uma falta de linguagem própria, gritos excessivos, movimentos estereotipados etc.

Pode-se perceber no decorrer das aulas que, conforme os alunos iam sentindo-se mais à vontade no ambiente, eles começavam a se distanciar mais dos pais e explorar o ambiente, bem como as interações com seus pares, voluntários e familiares dos outros alunos. As aulas ocorrem de forma descontraída, repletas de situações de respeito às individualidades e preferências de cada um.

É fundamental que os alunos saiam um pouco da convivência só com os pais. Para mim, eles se sentem mais livres naquele momento na praia. Eles conseguem se relacionar e confiar em outras pessoas como confiam nos instrutores. Eu senti que acabei ganhando a confiança de alguns deles. Eu acho que isso é uma das principais características do projeto. (Eduardo).

Como pode ser notado no relato de Eduardo, alguns voluntários citaram a importância da autonomia dos alunos em relação aos pais, percebendo o momento das aulas como uma possibilidade de o aluno se sentir livre. Nas aulas observadas, podia-se notar a felicidade que os alunos aparentavam ao brincar com os outros na beira da água, ao correr livres pela extensão da areia.

Dessensibilização foi outro conteúdo citado pelos voluntários, entendido por eles como uma maneira de trabalhar as diferentes sensações dos alunos nos contatos com a imprevisibilidade dos elementos da natureza e com o universo de experiências diferentes que se pode ter com eles.

Trabalhamos a dessensibilização dos alunos, colocando-os em um ambiente aberto, cheio de estímulos sensoriais, visuais, auditivos. Temos dia de sol, dia de chuva, dia quente, dia frio. Temos todo tipo de adversidades naturais, trabalhando com a natureza diretamente. Às vezes o mar está mais calmo, às vezes o mar está mais agitado. Trabalhamos a dessensibilização sensorial intensamente nestas crianças e adolescentes na praia. (Fernanda).

A dessensibilização, neste caso, pode ser entendida como uma forma da pessoa com TEA experienciar diferentes estímulos, sensações e texturas proporcionadas pelo ambiente da praia como uma forma de trabalhar a ansiedade e as dificuldades no sistema sensorial que algumas possuem. Tal situação foi observada em estudo sobre o “surfe terapia”, no qual as pessoas com TEA demonstravam maior regulação no seu sistema sensorial, reverberando em uma maior facilidade de exploração de diferentes ambientes e situações (VAN DER MERWE; YARROW, 2020VAN DER MERWE, Nicci; YARROW, Paula. More than surfing: inclusive surf therapy informed by the voices of South African children with autism spectrum disorder. Global Journal of Community Psychology Practice, v. 11, n. 2, 2020. Disponível em: https://www.gjcpp.org/pdfs/Van%20der%20Merwe_Yarrow-Final.pdf. Acesso em: 10 maio 2021.
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).

Os voluntários apresentam ideias de conteúdos que envolvem mais a questão das habilidades sociais, psicológicas e físicas do que propriamente as habilidades específicas para a prática do surfe. Ramos, Brasil e Goda (2013RAMOS, Valmor; BRASIL, Vinícius Zeilmann; GODA, Ciro. O conhecimento pedagógico para o ensino do surf. Revista da Educação Física/UEM, v. 24, n. 3, p. 381-392, 2013.) discutem que os treinadores de surfe consideravam os conteúdos técnicos da modalidade, como manobras de níveis básico e avançado, com uma visão de evolução baseada na complexidade das manobras e/ou desenvolvimento técnico dos movimentos necessários para o surfe em pé na prancha. Por tratar-se de pessoas com TEA, acreditamos que, neste estudo, provavelmente, os voluntários percebam outras maneiras de desenvolvimento para além das técnicas específicas para o surfe, de forma a auxiliar o aluno em diferentes âmbitos de sua vida.

Contudo, também foram percebidas evoluções no desenvolvimento motor dos alunos, corroborando o estudo de Armitano et al. (2015ARMITANO, Courtney et al. Benefits of surfing for children with disabilities: a pilot study. Palaestra, v. 29, n. 3, p. 31-34, 2015.), autores que analisaram o impacto fisiológico de aulas de surfe em pessoas com diferentes deficiências. Foram encontradas melhorias na força dos músculos dos membros superiores do corpo e na capacidade cardiorrespiratória dos participantes.

O desenvolvimento motor dos alunos foi percebido pelos voluntários da AOA, tendo sido compartilhadas histórias sobre a evolução pessoal de alguns. Davi contou sobre o aluno Jadson, que inicialmente não queria nem molhar o pé na água do mar e, nas últimas aulas observadas, estava deslizando sentado nas ondas. Nas observações, foi possível perceber que Davi foi o voluntário que mais se aproximou de Jadson nas aulas. O aluno foi evoluindo de atividades com a prancha na areia, para atividades de brincadeira na água. Depois começaram algumas atividades com a prancha na beira da água, até que, na sétima aula observada, o aluno deslizou nas ondas pela primeira vez com Davi o empurrando e o acompanhando na onda. Na nona aula, Davi empurrava Jadson, que seguia sozinho até outro voluntário segurar a prancha quando estava chegando na areia.

Na situação supramencionada, pode-se perceber a importância do voluntário como mediador na relação do aluno com o ambiente da praia, em especial com o mar. Chicon, Silva de Sá e Fontes (2013CHICON, José Francisco; SILVA DE SÁ, Maria das Graças Carvalho; FONTES, Alaynne Silva. Atividades lúdicas no meio aquático: possibilidades para a inclusão. Movimento (Porto Alegre), v. 19, n. 2, p. 103-122, 2013. DOI:https://doi.org/10.22456/1982-8918.29595
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) enfatizam a necessidade de o professor provocar situações de aprendizagens e brincadeiras no ambiente aquático de maneira segura e adaptada para as pessoas com TEA. Os autores afirmam que, apesar de a literatura destacar evidências sobre os déficits de interação da pessoa com TEA, é possível destacar um apego afetivo dos alunos com os professores, e tal afetividade proporciona um excelente caminho para a aprendizagem.

Um dos conteúdos também lembrados pelos voluntários em um caminho de aprendizagem e evolução dos alunos concerne ao bem-estar relacionado às sensações proporcionadas pela prática do surfe. Luis afirma que o surfe pode proporcionar momentos inigualáveis de relaxamento, bem-estar, sensação de plenitude, e que ele sente que os alunos percebem isso no próprio corpo. Ele acredita que o surfe pode trazer benefícios imediatos e, ao mesmo tempo, duradouros. Nesta mesma perspectiva, Fernanda e Julia referiram-se ao surfe como uma espécie de terapia alternativa, auxiliando no controle emocional dos alunos.

O mais legal dos conteúdos para mim é a questão emocional dos alunos. É só estando lá para saber o que acontece. Aquela criança agitada, resistindo entrar no mar, e no momento que ela ‘agarra’ aquela onda surge um sorriso naquele rosto de onde só tinha agitação. É inexplicável, uma terapia alternativa. (Fernanda).

Para além dos conteúdos abordados nas aulas de surfe da AOA, torna-se auspicioso entender de que forma esses conteúdos são passados para os alunos. A individualidade dos alunos é marcante, e, por isso, foram analisadas as adaptações utilizadas para facilitar o entendimento e a evolução das pessoas com TEA nas aulas de surfe.

3.3 ADAPTAÇÕES REALIZADAS NAS AULAS DE SURFE PARA PESSOAS COM TEA

É preciso que os professores compreendam que cada pessoa com TEA tem suas particularidades e requer diferentes estratégias de ensino, capazes de atender às suas necessidades e estimular suas potencialidades (MAIA; BATAGLION; MAZO, 2020MAIA, Juliana; BATAGLION, Giandra Anceski; MAZO, Janice Zarpellon. Alunos com transtorno do espectro autista na escola regular: relatos de professores de educação física. Revista da Associação Brasileira de Atividade Motora Adaptada, v.21 n.1, p. 15-30, 2020.). Luis conta que, antes de começar a participar da AOA, nunca havia tido contato com uma pessoa com TEA e que estava assustado antes da primeira aula. Ele relembra o significado pesado que o TEA carregava antigamente, no qual se entendia que as pessoas com este transtorno eram praticamente inacessíveis. Ele comenta que ficou surpreso com as aulas, que ocorrem de maneira mais fácil do que ele imaginava.

Percebe-se a prevalência de um “senso comum” nos discursos dos entrevistados afirmando que não é como dar aula para uma criança neurotípica, mas, ao mesmo tempo, há questões semelhantes. Rafael relata sobre algumas adaptações como olhar diretamente no olho do aluno, desenvolver a questão do tato, falar mais devagar, mas acaba a sua fala afirmando que “tirando isso, é basicamente como dar aula para uma pessoa qualquer”.

Por sua vez, Eduardo, o outro instrutor de surfe, relatou diferentes situações de adaptações. Cabe relembrar que ele é coordenador pedagógico de uma faculdade de educação à distância e que isso pode influenciar na percepção dele acerca das adequações necessárias para um ensino mais humanizado e efetivo.

A primeira adaptação é não forçar o aluno a executar nenhum movimento, que, ao contrário de uma aula normal, a gente incentiva o aluno a ficar em pé. Para mim, o surfe é deslizar na onda, não importa se ele está deitado, sentado ou de pé. Essa foi a adaptação que eu fiz. Procuro sentir o aluno, se ele está gostando, se ele está feliz, e costumo programar minha aula neste sentido. (Eduardo).

Paciência foi uma palavra bem recorrente no discurso dos entrevistados, como uma maneira de respeitar o tempo de cada um dos alunos. Nas observações foi marcante a percepção da diferença entre as individualidades de cada aluno. Cada qual tem a sua forma de se relacionar com os voluntários, com os outros alunos, bem como com o ambiente da praia.

Às vezes tem alguns instrutores que não têm muita experiência para interagir com as crianças e acreditam que só falando a criança já vai entender e absorver. Tem que chegar com calma, com o feeling de não segurar muito a criança, não falar alto. Tu não podes ficar ansioso que a criança faça aquilo na hora que tu queres. Tem que deixar a criança tomar gosto. É que nem passarinho, tu não podes apertar muito, mas também não pode soltar muito. (Lucas).

Lucas, além de voluntário, também é pai de uma das alunas da AOA, a Carina. Ele possui mais conhecimentos específicos sobre o TEA do que a maioria dos voluntários. No trecho supracitado, ele relata as atitudes de um dos instrutores de surfe. Pode-se perceber nas aulas que o instrutor de surfe citado não tinha muita paciência ou calma com os alunos. Ele normalmente acompanhava os alunos que não apresentavam características tão marcantes do TEA, ou outra voluntária o acompanhava, sentando-se em cima da prancha com o aluno, enquanto ele ficava na parte de trás da prancha.

O instrutor em questão também foi entrevistado. Ao ser questionado sobre as adaptações que realizava nas aulas da AOA, ele afirmou que não teve que mudar muita “coisa”. Enfatizou que ele tinha um pouco mais de cuidado na questão da segurança, principalmente por ter voluntários e familiares que ficavam na beira do mar distraídos. Em suas próprias palavras: “Para mim, é igual como se fosse dar uma aula para uma criança qualquer, de uma aula qualquer” (Luis).

Por sua vez, quando questionada sobre as adaptações, Fernanda afirmou:

Para mim, que já tenho contato com crianças com autismo, de certa forma, já se direciona com o pensamento mais puro, buscando uma troca mais verdadeira, fora de julgamentos e expectativas. Porque você sabe que aquela criança, aquele adolescente não está dentro de todos os julgamentos sociais. Para mim se trata de uma troca mais verdadeira. (Fernanda).

Esta voluntária era uma das mais ativas nas interações com os alunos, desde chamá-los na areia para ir para a água, bem como sentando na prancha e guiando o deslize das ondas com uma criança no colo. Com o passar das aulas, Fernanda foi desenvolvendo técnicas para tal manobra. Inicialmente, ela ia sentada com as pernas cruzadas e a criança no meio. Depois de algumas aulas, ela começou a ir ajoelhada, com as mãos na cintura da criança e em um momento propício da onda, ela levantava a criança, que ia em pé até a beira da água.

Analisando as adaptações realizadas nas aulas de surfe, percebe-se que os voluntários têm diferentes maneiras de interagir com os alunos, bem como diferentes maneiras de perceber as especificidades do TEA. Para uma melhor compreensão sobre tais formas de interação, foram aprofundados os conhecimentos referentes à comunicação e à transmissão de conteúdo por parte dos voluntários.

3.4 COMUNICAÇÃO E TRANSMISSÃO DE CONTEÚDO

No TEA, existem particularidades na forma de expressão de cada um. Alguns podem ser orais (utilizam a fala para se comunicar), outros podem ser verbais (utilizam metodologias alternativas para a comunicação) e alguns podem ter dificuldades na maneira de se expressar. Para tanto, torna-se relevante entender as formas de comunicação e transmissão de conteúdo que os voluntários utilizam nas aulas da AOA. Julia ratifica tal relevância por meio de suas experiências:

O contato com alunos com TEA é diferente. A comunicação é diferente. Tem muita comunicação visual para chamar a atenção e, muitas vezes, mesmo nos esforçando, não conseguimos chamar a atenção deles. Em cada aula tentamos aprender um pouquinho mais, conhecer as peculiaridades de cada um. Como eu devo lidar com este, como eu devo lidar com aquele aluno. (Julia).

Ao ser questionada sobre as formas de comunicação com os alunos, Fernanda destacou que se comunica com o corpo inteiro e compartilhou algumas histórias sobre situações vivenciadas nas aulas, nas quais teve que fazer posições inimagináveis para tentar se comunicar com alguns.

Com cada criança a gente tem uma forma específica de comunicação. Com uma criança tu sabes que o verbal funciona melhor, tem outras que me comunico em libras. Tem crianças que eu coloco a expressão corporal e facial bem forte porque são crianças que já têm uma comunicação visual mais eficiente. Usamos nosso feeling mesmo com cada criança. Temos diferentes formas de comunicação. Com cada uma tentamos explorar diferentes possibilidades. (Fernanda).

Eduardo relata que foi na comunicação com os alunos que ele teve mais dificuldade, requerendo que aprendesse a lidar com cada um deles. Dá um exemplo de que, com um dos alunos, o Joel, ele batia com a mão na prancha, e, se o aluno também batesse com a mão na prancha, era porque estava gostando. Isso corrobora o estudo de Chicon, Silva de Sá e Fontes (2013CHICON, José Francisco; SILVA DE SÁ, Maria das Graças Carvalho; FONTES, Alaynne Silva. Atividades lúdicas no meio aquático: possibilidades para a inclusão. Movimento (Porto Alegre), v. 19, n. 2, p. 103-122, 2013. DOI:https://doi.org/10.22456/1982-8918.29595
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), que relembra que o professor deve estar preparado para perceber as formas de expressão corporal do aluno e as suas demandas, para ser um efetivo mediador na superação das dificuldades do aluno e desenvolver as suas potencialidades.

Um dos pontos em comum na fala dos voluntários foi a importância do contato visual com os alunos. Para uma boa interação, primeiramente eles realizavam o contato visual, na mesma altura do aluno, se necessário. Tal situação corrobora o estudo de Cavanaugh e Rademacher (2014CAVANAUGH, Lauren Katrina; RADEMACHER, Sarah Beth. How a SURFing social skills curriculum can impact children with autism spectrum disorders. Journal of the International Association of Special Education, v. 15, n. 1, p 27-35, 2014.) ao apontarem a importância do contato visual dos professores com os alunos para uma melhor compreensão das atividades a serem desenvolvidas. Além do contato visual, os voluntários citaram a necessidade de demonstrações.

Ramos, Brasil e Goda (2013RAMOS, Valmor; BRASIL, Vinícius Zeilmann; GODA, Ciro. O conhecimento pedagógico para o ensino do surf. Revista da Educação Física/UEM, v. 24, n. 3, p. 381-392, 2013.) discorrem sobre a importância da complementaridade entre intervenção verbal e a demonstração no ensino do surfe. Na intervenção verbal, a comunicação verbal seria o processo dominante, de forma a explicitar o objetivo e como concretizar tarefas de aprendizagem. Na demonstração, prevaleceria a comunicação visual, de forma representativa que o professor apresenta ao aluno para sua reprodução. No caso das pessoas com TEA, pode-se perceber um reforço nos estímulos visuais, como na priorização do contato olho no olho, seguido de uma demonstração.

Uma das maneiras de analisar se a comunicação está sendo efetiva e os conteúdos estão sendo transmitidos é avaliando a evolução dos alunos. Com isso, as formas de avaliação dos alunos são fundamentais para a efetivação da proposta pedagógica.

3.5 FORMAS DE AVALIAÇÃO DOS ALUNOS

Conforme Ho e Dias (2013HO, Helena; DIAS, Inês Souza. Campanha nacional pelos direitos e pela assistência das pessoas com autismo 2011/12 avaliação e observações sobre os questionários da pesquisa AMA/ABRA 2011/12. In: Retratos do Autismo no Brasil. São Paulo: Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência, 2013. cap. 2, p. 37-63.), são necessárias avaliações individualizadas e periódicas dos alunos para organizar e planejar as intervenções; para analisar se os métodos utilizados estão funcionando e de qual forma. Sabendo que as pessoas com TEA apresentam particularidades, assim como pessoas com a mesma deficiência são diferentes umas das outras (TALEPOROS; MACGABE, 2002TALEPOROS, George; MCGABE, Marita. Body image and physical disability-personal perspectives. Social Science & Medicine, v. 54, n. 6, p. 971-980, 2002.), é importante que cada uma tenha uma avaliação individual, de acordo com seus próprios limites e potencialidades.

Considerando as falas dos entrevistados, foi possível notar que o principal resultado esperado nos alunos é que eles tenham momentos de diversão. Possibilitar momentos de ludicidade torna-se mais importante do que tornar os alunos atletas, possibilitando que eles se divirtam com segurança. Segundo os relatos dos voluntários, o projeto pode ser caracterizado como uma busca pelo lazer e não pelo surfe como um esporte competitivo.

Espero que eles se divirtam, que os alunos estejam felizes naquele momento, naquele ambiente, com aquela atividade. Depois eu busco uma evolução na prática do surfe, no bem-estar, na socialização, na comunicação. Esses seriam os objetivos secundários. O principal é proporcionar momentos de ludicidade. (Fernanda).

Conforme Fernanda enfatiza, o resultado esperado com as aulas é a oportunização de momentos de lazer e ludicidade para os alunos. Para Melo (2002MELO, Victor Andrade. Manual para otimização da utilização de equipamentos de lazer. Rio de Janeiro: Serviço Social do Comércio, 2002.), um dos “fóruns” de categorização do lazer seria o lazer como necessidade social e motivo de intervenções públicas. Tal situação é exemplificada no caso das pessoas com TEA que têm limitadas opções de lazer e devem procurar potencializar as oportunidades de vivência, apresentando diferentes possibilidades de prazer e diversão.

A felicidade com a qual os alunos participavam das aulas de surfe era marcante. Não somente quando estavam dentro da água em contato com a prancha, mas nos momentos na areia, nas brincadeiras espontâneas, nas interações que eles mesmos procuravam com os outros alunos.

Pessoas com TEA apresentam dificuldades em interagir e brincar com seus pares de mesma idade (BOSA, 2006BOSA, Cleonice Alves. Autismo: intervenções psicoeducacionais. Revista Brasileira de Psiquiatria, v. 28, supl. 1, p. 47-53, 2006.), mas, nas aulas de surfe, mesmo que não se comunicassem verbalmente com os outros alunos, eles interagiam e brincavam com os seus corpos. Sentiam-se parte integrante de um grupo, onde aqueles que estavam ao seu redor não os julgavam e interagiam da maneira que lhes era mais confortável.

De acordo com Maia, Bataglion e Mazo (2020MAIA, Juliana; BATAGLION, Giandra Anceski; MAZO, Janice Zarpellon. Alunos com transtorno do espectro autista na escola regular: relatos de professores de educação física. Revista da Associação Brasileira de Atividade Motora Adaptada, v.21 n.1, p. 15-30, 2020.), é necessário que os objetivos e os métodos sejam individualizados, de acordo as necessidades de cada pessoa com TEA, a fim de proporcionar aulas que façam sentido para os alunos no processo de ensino-aprendizagem. Foi possível perceber que a maioria dos voluntários não tem uma forma explícita ou preestabelecida de avaliação da evolução dos alunos. Ao serem questionados, eles começaram a reviver momentos e situações com alunos específicos, podendo-se inferir que eles começavam a estruturar imagens mentais acerca da evolução do aluno em situações sociais e motoras, mas não foi identificado um processo específico de avaliação.

A equipe técnica da AOA começou a criação de um quadro avaliativo de cada aluno, de acordo com situações cotidianas da aula, bem como de avaliação motora. Contudo, os voluntários ainda não haviam se comprometido a auxiliar no preenchimento de tais quadros.

Uma forma mais coerente de avaliação envolve a evolução das potencialidades da criança do início das aulas, até o momento presente (ROMERO, 2016ROMERO, Priscila. O aluno autista: avaliação, inclusão e mediação. Rio de Janeiro: Wak, 2016.). É preciso estar atento a cada passo de sua caminhada, possibilitando desafios em momentos prudentes, e palavras de incentivo, entre outros. Os profissionais devem estar em contato constante com a família também para entender reações específicas do aluno.

Este estudo traz à luz a necessidade de um sistema de avaliação mais comprometido e capaz de ser executado. Pode-se pensar em uma maneira de construir um instrumento de avaliação em conjunto, no qual os voluntários possam dar suas opiniões acerca do que eles acham importante na evolução dos alunos.

Com inspiração nas discussões empreendidas, as quais oportunizaram a identificação das adequações didático-metodológicas utilizadas nas aulas de surfe para pessoas com TEA na AOA, o Quadro 3 apresenta uma proposta pedagógica, com vistas a avançar nas reflexões sobre o assunto.

Quadro 3
Proposta pedagógica para aulas de surfe para pessoas com TEA.

Desta forma, a proposta pedagógica apresentada extrapola o que os voluntários investigados abordaram nas aulas de surfe, retratando, para além disso, o olhar atento da pesquisadora principal deste estudo e suas percepções junto às crianças com TEA observadas. A proposta em questão, formulada com base na triangulação dos dados coletados neste estudo, pretende facilitar o contato de profissionais de diferentes áreas com pessoas com TEA de maneira simplificada e acessível.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Brasil vivencia uma crise social, econômica e cultural que atinge todas as camadas da população em diferentes âmbitos, impactando diretamente na educação formal e informal. Torna-se de suma importância pesquisar e analisar iniciativas educativas que transbordem os ambientes tradicionais de ensino, oportunizando momentos de mudança para além de paredes de salas de aula, transformando os indivíduos em seres críticos e cientes da sua parcela de direitos e deveres na sociedade.

Neste estudo foram analisadas as adequações didático-metodológicas utilizadas nas aulas de surfe para pessoas com TEA e, a partir de um contexto particular, foi sugerida uma proposta pedagógica, relacionada ao planejamento, ao conteúdo, às adaptações, à comunicação e à avaliação, com vistas a auxiliar profissionais que trabalhem com o surfe e/ou com pessoas com TEA. Tal proposta transcendeu os dados coletados, ampliando as possibilidades do estudo.

As questões aqui analisadas não se esgotam nesta investigação. Todos os esforços para entender mais sobre as adequações didático-metodológicas no ensino do surfe para pessoas com TEA podem agregar conhecimento e oportunidades para ampliar o olhar sobre o fenômeno estudado tanto no âmbito acadêmico quanto na vida cotidiana.

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  • 1
    Artigo baseado na dissertação: MORAES, Letícia Baldasso. Estudo sobre um projeto social de surfe para pessoas com transtorno do espectro autista. 136 f. 2017. Dissertação (Mestrado em Educação Física) - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2017.
  • FINANCIAMENTO

    O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001, em um ano de mestrado.
  • ÉTICA DE PESQUISA

    O projeto de pesquisa foi encaminhado e aprovado pelo Comitê de Pesquisa Ética com Seres Humanos da Universidade do Estado de Santa Catarina, n. protocolo, 1.814.571.

Editado por

RESPONSABILIDADE EDITORIAL

Alex Branco Fraga*, Elisandro Schultz Wittizorecki*, Ivone Job*, Mauro Myskiw*, Raquel da Silveira*
*Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Escola de Educação Física, Fisioterapia e Dança, Porto Alegre, RS, Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Mar 2022
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    09 Jun 2021
  • Aceito
    18 Set 2021
  • Publicado
    15 Nov 2021
Universidade Federal do Rio Grande do Sul Rua Felizardo, 750 Jardim Botânico, CEP: 90690-200, RS - Porto Alegre, (51) 3308 5814 - Porto Alegre - RS - Brazil
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