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SOBRE OS CAPITAIS QUE PRODUZEM HABITAÇÃO NO BRASIL

On Capitals that Produce Housing in Brazil

RESUMO

Este artigo procura analisar o alinhamento inédito entre Estado, finanças e construção civil ocorrido no Brasil nos anos 2000, que permitiu que grandes empreiteiras e incorporadoras passassem a produzir habitação para famílias de rendas média e baixa. Se, por um lado, houve a constituição de um complexo imobiliário‑financeiro bastante sofisticado, por outro, permaneceram a base produtiva industrial com elementos arcaicos e a dependência em relação aos subsídios públicos.

PALAVRAS‑CHAVE:
construção civil; mercado imobiliário; finanças; política habitacional

ABSTRACT

This article seeks to analyse the unprecedented alignment between state, finance and construction industry that took place in Brazil in the 2000s, enabling the housing production for middle and low‑income families promoted by large construction companies and developers. If, on the one hand, there was the establishment of a real estate and financial complex quite sophisticated, on the other, it remained the industrial production base with archaic elements and the dependence on public subsidies.

KEYWORDS:
construction industry; real estate; finance; housing policy

Nunca tivemos uma combinação de fatores como a atual, os astros finalmente se alinharam. (Declaração do diretor executivo de Negocios Imobiliarios do Grupo Santander Brasil, O Estado de S. Paulo, 9 ago. 2009.)1 1 Landim, 2009. Agradeço imensamente a pista dada aqui por José Eduardo Baravelli.

Grandes grupos da construção civil (as conhecidas empreiteiras) e da incorporação (do mercado imobiliário classe a) passaram a produzir habitação para famílias de rendas média e baixa a partir dos anos 2000 no Brasil. Houve um alinhamento inédito entre legislação, instituições públicas, recursos financeiros e cadeia produtiva da construção, que ja vinham se movendo com diferentes velocidades desde os anos 1990, que colocou a produção de habitação em outro patamar de acumulação de capital.

Mesmo podendo ser frágil e efêmero - ou não, pois ainda é muito recente -, esse patamar articulou as dimensões da produção, do Estado e das finanças, regido por uma lógica de maximização dos lucros e de rentabilidade das operações financeiras. E essa exacerbação do carater de mercadoria (commodity) da “habitação” não e uma especificidade brasileira,mas se encontra numa tendência mundial do capitalismo avançado,em que a busca incessante pela maximização dos valores de troca, tanto pelos produtores quanto pelos consumidores, tem diminuído o acesso aos valores de uso da habitação para uma grande parte da população, afligindo de modo estrutural a universalização do direito a moradia digna.2 2 Harvey, 2014.

Em termos empíricos, cabe questionar como ocorreu esse alinhamento de órbitas que possibilitou a constituição do “segmento econômico”,3 3 Envolve a incorporação e construção de unidades habitacionais com valores ate US$ 100 mil, destinadas a famílias que somam renda suficiente para acessar tanto os subsídios públicos (famílias de baixa renda) quanto o crédito imobiliário (famílias de média renda). assim genericamente denominado pelo mercado imobiliário, e que borrou as fronteiras de distinção entre produção da habitação de interesse social (promovida pelo Estado) e aquela voltada para a habitação de mercado, formando uma zona intermediária híbrida - a habitação social de mercado.4 4 Shimbo, 2012.

Analiticamente, cabe pensar qual denominação podemos dar a esse novo sistema que escapa tanto da chave de leitura que apartou a produção e o consumo da habitação quanto daquela que separou a incorporação e a construção, como agentes com interesses diferentes na disputa pelo ambiente construído.

Ermínia Maricato ja afirmava ser necessário “um novo enfoque teórico na pesquisa sobre habitação”, diante da ênfase colocada na esfera do consumo (o papel do Estado e as políticas publícas) e, em especial, diante da produção acadêmica sobre arquitetura e urbanismo que ignorava a construção e sobre engenharia e tecnologia que ignorava o trabalho.5 5 Maricato, 2009. Uma referência importante para a autora e para um conjunto de trabalhos que procurou enfatizar a dimensão da produção e Michael Ball. Ver Ball, 1986.

Nao almejando resolver esse difícil ajuste de enfoque, este artigo procura analisar a forma capitalista de produção da habitação,6 6 A concepção de formas de produção foi adotada por Samuel Jaramillo para se pensar o caso de Bogota (Colombia) na decada de 1980, identificando quatro formas de produção do espaço construído: a autoconstrução, a produção por encomenda, a promoção capitalista e a produção estatal capitalista desvalorizada. Ver Jaramillo, 1982. não porque ela seja responsável pela maioria do estoque habitacional - vale destacar que a produção doméstica ou a autoconstrução ainda é bastante significativa em países como o Brasil -, mas porque ela mobilizou um conjunto significativo de agentes (de proprietários de terras a agentes financeiros, passando por construtoras subcontratadas e investidores internacionais, entre outros), centralizou capital e concentrou terras urbanas em seus land banks, sendo capaz de produzir em escala e de influenciar a produção do espaço urbano. Essa trajetória foi evidenciada nos dados empíricos aqui reunidos, provenientes de diversas pesquisas7 7 Esse conjunto envolve a pesquisa desenvolvida no meu doutorado (Shimbo, 2012) e os projetos recem‑finalizados com apoio do CNPq (“Produção do Programa MCMV na região central do estado de São Paulo: inserção urbana e avaliação arquitetônica, construtiva e tecnologica” — Chamada MCTI/CNPq/MCIDADES no 11/2012) e da Fapesp (“Política habitacional, construção civil e mercado imobiliário no Brasil contemporâneo”). A autora agradece o apoio financeiro recebido e as equipes que integraram tais projetos. que recorreram a três estratégias metodológicas fundamentais e combinadas: 1) pesquisa documental; 2) compilação e análise de bases de dados primários e secundários; 3) pesquisa de campo de caráter qualitativo em empresas construtoras.

De modo geral, o artigo procura discutir a articulação contemporânea entre Estado, finanças e produção que possibilitou a formação de um complexo imobiliário-financeiro8 8 Para analisar o “complexo imobiliário/financeiro”, Manuel Aalbers procura articular a indústria (tanto o setor imobiliário em geral quanto o habitacional — real estate/housing), as finanças e o Estado — retomarei essa questão a seguir. Ver Aalbers, 2015. que, por sua vez, influenciou a estruturação das cidades brasileiras e a compreensão teórica sobre as relacões entre os capitais ali envolvidos. Nesse sentido, a estrutura do artigo procura acompanhar esse argumento principal e se organiza em cinco itens: 1) o Estado e seus mecanismos de regulação e de financiamento; 2) as finanças, em suas diferentes origens (pública e privada, nacional e internacional) e lógicas próprias; 3) a produção em si, ou seja, a indústria, a atividade de construção e a produção de valor; 4) a distribuição e o consumo dos produtos habitacionais e seus impactos na produção do espaço; 5) como questionamento final, as possíveis chaves de leitura sobre os capitais que produzem habitação.

ESTADO

Depois dos anos 1990, e possível identificar um conjunto de mecanismos regulatórios e institucionais que favoreceu a ampliação da atuação de grandes empresas na produção de habitação para faixas de renda mais baixas. A perspectiva colocada era introduzir os princípios de mercado na provisão habitacional, divergindo do modelo baseado na promoção pública por intermédio de estados e municípios, praticado desde a implementação do Banco Nacional de Habitação (BNH), que vigorou durante 21 anos, entre 1964 e 1985, na política habitacional brasileira.9 9 Arretche, 2002.

Esses mecanismos podem ser organizados em três grupos: 1) implementação de programas de financiamento ao consumidor e a produção e de qualificação de empresas construtoras; 2) promulgação de leis e resoluções; 3) criação de instituições.

Em relação aos programas, a criação do Programa Carta de Crédito foi um divisor de águas no paradigma da política habitacional, ao propiciar acesso direto dos consumidores ao financiamento para obtenção da casa própria, um imóvel novo ou usado, sem a intermediação de incorporadoras ou orgãos públicos de promoção de moradia - como era necessário até então.10 10 O programa, criado em 1995, dirigia‑se a famílias com ganhos mensais de até doze salários mínimos, utilizava recursos do FGTS e do SBPE e possibilitava financiamentos para a produção, ampliação e aquisição de unidades habitacionais (novas ou usadas), além da produção de lotes urbanizados.

O Programa Carta de Crédito, apesar de procurar atender, originalmente, a faixas de renda mais baixas, acabou sendo o principal instrumento de financiamento para os setores de renda média e foi, na prática, o mecanismo pelo qual a incorporação imobiliária privada pôde captar recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS - a ser discutido no item seguinte) para a produção de unidades habitacionais novas, fomentando o que depois viria a ser o “segmento econômico” do mercado imobiliário.

Esse modelo em que as empresas construtoras obtêm tanto o financiamento à produção quanto ao consumidor direto com o agente financeiro será a essência do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), lançado em 2009, que ja passou por três fases distintas. Num mesmo programa há a linha (denominada Faixa 1) que atende a habitação de interesse social, voltada para famílias de baixa renda (com ganhos mensais de ate R$ 1.600,00); e a que atende a habitação de mercado, destinada a famílias de média renda, que se subdivide em duas faixas (Faixa 2, até R$ 3.100,00, e Faixa 3, até R$ 5.000,00).11 11 Na Fase 1 (2009‑2011), houve a construção de 1 milhão de moradias em todo o território nacional. A Fase 2 (2011‑2014), com previsão inicial de mais 2 milhões de unidades, foi ampliada em 2012, totalizando 2,4 milhões de unidades habitacionais. Ver Cardoso, 2013. A Fase 3 seria lançada em 2014, mas somente no início de 2016 se anunciou o seu lançamento, contemplando apenas as Faixas 2 e 3. Ver Alves, 2016.

Em ambas as linhas, as empresas construtoras ganharam relevância, atuando como o agente que executa o programa, não mais restrito as encomendas e licitações do poder público, como ocorre na forma de produção estatal, mas atuando como o agente imobiliário que faz a mediação e intermediação entre proprietários de terra, agente financeiro e consumidores.

Ainda em relação aos programas, procurando apoiar o desenvolvimento institucional e tecnológico do setor imobiliário e da construção civil, em 1997 foi criado o Programa Brasileiro da Qualidade e Produtividade do Habitat (PBQP-H), que procurava certificar empresas de serviços e obras da construção como requisito necessário para a obtenção de financiamento junto aos agentes financeiros.

Atualmente, o PBQP-H é formado por doze projetos (relacionados as questões de normatização, qualidade dos componentes e sistemas construtivos, formação e qualificação de profissionais e até assistência técnica a autoconstrução e ao mutirão, entre outras), dos quais se destaca o Sistema de Qualificação de Empresas de Serviços e Obras (SiQ-Construtoras), que se assemelha a outros sistemas e programas de gestão da qualidade (como a ISO 9001, por exemplo).12 12 Ver Santos, 2003.

Além disso, houve diversas leis e resoluções que estimularam diretamente a produção de habitação via mercado entre 2002 e 2006, que podem ser assim sintetizadas: a) estímulo ao financiamento imobiliário, reduzindo os juros pagos aos bancos sobre depósitos não utilizados para financiamento dentro do Sistema Financeiro de Habitação (SFH) e exigindo que, no mínimo, 65% dos depósitos em contas de poupança sejam utilizados para esse fim; b) simplificação e intensificação da aplicação das leis de reintegração de posse de propriedade residencial no caso de inadimplência (alienação fiduciária); c) diminuição do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) relativo a certos insumos e materiais de construção; d) fomento para a securitização de recebíveis imobiliários através da isenção de imposto de renda sobre ganhos financeiros advindos dessa transação; e) aumento da segurança tanto de empreendedores através da disponibilização de garantias sobre propriedade quanto de compradores através do regime tributário especial.13 13 Para um maior detalhamento dessas leis, ver Royer, 2009.

Por fim, foram criadas instituições que, de um lado, procuravam integrar, finalmente, as políticas nacionais relacionadas ao território e as aglomerações urbanas e, de outro, facilitar o acesso das empresas aos financiamentos e a comunicação com gestores públicos. A primeira delas foi o Ministério das Cidades, criado em 2003 a fim de articular habitação, saneamento e transporte urbano, suprindo uma lacuna institucional até então existente. Sendo responsável pela gestão da política habitacional, ele perdia força operacional diante da manutenção da Caixa Econômica Federal (Caixa), subordinada ao Ministério da Fazenda, como agente operador dos programas e principal agente financeiro dos recursos do FGTS.

Mesmo com essa limitação operacional, a estruturação do Ministério das Cidades logo repercutiu numa articulação em torno da proposta de uma Política Nacional de Habitação (PNH) e de um Sistema Nacional de Habitação (SNH), discutida em conferências municipais, estaduais e nacionais ao longo de 2004.

Em 2008, foi criada na Caixa a Mesa Corporate, com o objetivo de centralizar o atendimento para grandes construtoras e incorporadoras e agilizar a análise de capital de giro dos empreendimentos. Para a Caixa, o conceito de grande construtora diz respeito as empresas com atuação nacional e com faturamento anual bruto superior a R$ 300 milhões.14 14 Em 2011, as seguintes empresas faziam parte da Mesa Corporate: 1) atuantes na produção de habitação para a faixa de zero a tres salários mínimos (SM): Bairro Novo (Odebrecht), Direcional, Emccamp, Cury; 2) atuantes nas faixas superiores a tres SM: Brookfield, Even, Viver‑Inpar, HM‑CDDI, Homex, MRV, Living‑Cyrela, Moura Dubeux, Trisul, WTorre, OAS, PDG, Queiroz Galvão, Rodobens, Rossi, Tecnisa e Tenda‑Gafisa. Em 2013, grande parte dessas empresas se organizou na Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), tendo como um de seus propositos “buscar o […] equilíbrio nas relações com o governo e consumidores”.15 15 Pagina da Abrainc , em http://abrainc.org.br/abrainc/sobre‑a‑abrainc/. Acesso em: 15 jan. 2016.

FINANÇAS

Esses mecanismos regulatórios e institucionais favoreceram, de um lado, o aumento do volume de recursos destinado aos financiamentos habitacionais e, de outro, a garantia para investidores privados investirem seu capital em empresas construtoras e incorporadoras. Devido a essa junção de recursos públicos e privados, capitais de origem nacional e internacional, e a toda uma lógica da rentabilidade regendo as prioridades do financiamento habitacional, que escapa a lógica bancária tradicional, de acordo com Royer,16 16 Ver Royer, 2009; 2016. as iniciativas a serem descritas a seguir nao dizem respeito somente ao “financiamento” em si, mas a essa concepção mais alargada de “finanças”, adotada por diversos autores para se pensar a acumulação capitalista contemporânea.17 17 Ver Chesnais, 2005.

O modelo de financiamento habitacional adotado no Brasil desde a fundação do Banco Nacional de Habitação (BNH) baseou-se em dois instrumentos de captura de poupanças privadas, submetidos a regulação pública dentro do SFH. De acordo com Royer,18 18 Royer, 2016. trata-se de recursos “parafiscais” ou “paraestatais”: o Fundo de Garantia do Tempo de Servico (FGTS) e o Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE).

O FGTS foi criado em 1966, dois anos após a criação do BNH, e desempenhou papel central nas alterações das relações trabalhistas promovidas pelo Estado brasileiro. Para Rodrigues,19 19 Rodrigues, 2013. o FGTS trocou a garantia de emprego pela possibilidade de se comprar uma moradia, colaborando para a difusão da ideologia da casa própria e para o deslocamento do mundo do trabalho para o do viver. Na prática, associou de modo direto a questão do trabalho a moradia.20 20 Rodrigues, 2013. Para o trabalhador, o acúmulo de anos trabalhados significa um aumento de recursos recolhidos para o FGTS em seu nome, o que resulta num maior poder de compra da casa própria. Para o SFH, o FGTS constituiu um fundo que não se esgota enquanto houver trabalho assalariado formal no país e que atende a questão habitacional sem onerar o orcamento público.

O segundo instrumento de captura de recursos para a habitação e o SBPE, formado pelos recursos das cadernetas de poupança administrados pelo sistema bancário (público e privado), e se destina primordialmente ao financiamento habitacional para os setores de renda média. Em ambos os instrumentos, FGTS e SBPE, os financiamentos são remunerados a baixas taxas de juros e os recursos retornam ao sistema a medida que os mutuários pagam suas parcelas. Além disso, há uma garantia do governo federal contra a possível falência dos agentes financeiros.21 21 Cardoso, 2013.

Por meio dos programas habitacionais já citados e de outras linhas de financiamento, o volume de recursos provenientes desses dois fundos foi aumentado vertiginosamente nos últimos dez anos. Em 2003, quando se iniciou o primeiro governo Lula, o valor total contratado pelo FGTS era de aproximadamente R$ 3 bilhões e pelo SBPE, R$ 2 bilhões; em 2011, quando se iniciou o primeiro governo de Dilma Rousseff, esses valores passaram para, respectivamente, R$ 34 bilhões (em 2014, já alcancava R$ 44 bilhões) e R$ 75 bilhões.22 22 Dados disponíveis em: http://www.cbicdados.com.br/menu/financiamento‑habitacional/. Acesso em: 30 nov. 2015. Além desses fundos, houve a aplicação de bilhões de reais provenientes do Orçamento Geral da União (OGU), como subsídio para os financiamentos do PMCMV.23 23 Brasil, 2012. Além dessa massiva aplicação de recursos públicos e paraestatais, houve a entrada de capital privado (nacional e estrangeiro) nas empresas construtoras e incorporadoras que abriram seu capital na Bolsa de Valores, sobretudo a partir de 2006.

O cenário internacional pós-2004 era favorável, na medida em que diversas economias se encontravam em crescimento, com capitais circulando no mundo inteiro (portanto, elevada liquidez) e investidores ávidos por novos negócios. No Brasil, segundo Lazzarini,24 24 Lazzarini, 2011. cada vez mais, empresários passaram a considerar a abertura de capital das suas empresas em bolsa, vendendo parte de suas participações ou lançando, pela primeira vez, novas ações no mercado (em inglês, Initial Public Offering - IPO), a fim de atrair novos investidores e injetar rapidamente capital financeiro nas empresas.

No caso da construção civil, estimulada pelo grande crescimento do setor no período, houve uma onda de IPOs de empresas construtoras e incorporadoras, sobretudo entre 2006 e 2007. Até 2008, as 25 empresas listadas no segmento “construção civil” da Bovespa haviam captado mais de US$ 20 bilhões.25 25 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2006. O Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI)26 26 O SFI foi criado em 1997, repleto de novos mecanismos que poderiam, teoricamente, aproximar o mercado imobiliário ao capital financeiro, e procurava superar os impasses que imobilizaram o SFH. Ver Fix, 2007. já havia possibilitado um leque de instrumentos financeiros de captação de recursos as incorporadoras e construtoras, e, nessa tendência, as empresas brasileiras procuraram se aproximar do modelo norte-americano de real estate. Como destaca Royer, a expressão, que não tem uma tradução exata para o português, referia-se originalmente “a propriedade e aos bens incorporados”. Posteriormente, passou a englobar uma atividade negocial e hoje o termo real estate significa tanto o bem imóvel como a atividade imobiliaria.27 27 Ainda segundo a autora, após a desregulamentação dos mercados financeiros iniciada na decada de 1970, nos Estados Unidos, o real estate “traduz um negócio financeiro, completamente imerso no mercado de capitais” e se dedica a promoção de ganhos específicos, desde a fase da incorporação e administração de imóveis até o agenciamento de crédito e administração de garantias. Nesse sistema, considerada como uma fração do negócio imobiliário, a habitação passou a ser compreendida como “toda edificação destinada ao uso residencial e que possa ser transacionada no mercado”, na qual o próprio bem financiado serve como garantia nas operações de financiamento — as conhecidas hipotécas (Royer, 2009, p. 41).

No entanto, no Brasil, apesar de estar pautado como um horizonte a ser seguido, o modelo do real estate não se implantou por completo e desenvolveu satisfatoriamente apenas um de seus mecanismos: a imersão no mercado de capitais. E prevaleceu aqui um modo específico de entrada: a captação direta dos recursos pelas empresas incorporadoras no mercado de ações, por meio da abertura de seus capitais na Bolsa de Valores.

No caso das empresas construtoras e incorporadoras com atuação no setor residencial, diferentemente do caso norte-americano, a unidade habitacional não passou a ser transacionada, ela mesma, no mercado financeiro, mas sim as ações de determinada empresa que atua na produção e incorporação de empreendimentos residenciais. A abertura de capital pode propiciar tanto um aumento da estrutura de capital voltada para incorporação de novos terrenos como um aumento da base de capital, da capacidade de endividamento e do capital de giro; e ambos os aspectos garantem a continuidade das obras. Nessa última etapa, as empresas recorreram também aos financiamentos “mais baratos”, junto ao SFH, destinados tanto a produção como aos consumidores - citados anteriormente.

PRODUÇÃO

A esse aporte de capital privado (estrangeiro e nacional), as grandes empresas incorporadoras e construtoras puderam somar os recursos do SFH e dos programas habitacionais por meio de sua atuação no segmento econômico, até então pouco atrativo para as grandes protagonistas do mercado imobiliário e da construção, promovendo alterações na sua estrutura administrativa e societária, nas estratégias do modelo de negócios e na produção em si.

Das quinze empresas que atuavam no segmento econômico e que participavam da Bovespa em 2009, apenas duas (MRV e Tenda) iniciaram sua atuação na década de 1970, com foco exclusivo nesse público. Outras três (Inpar, Rodobens e Rossi) passaram a atender a esse segmento desde o início da década de 1990, sendo que algumas delas já atuavam nos nichos de empreendimentos autofinanciados. A maior parte (dez empresas do total) são joint ventures ou subsidiarias de grandes construtoras nacionais (Odebrecht, Camargo Correa) - as grandes empreiteiras de obras públicas -, ou, ainda, empresas voltadas para imóveis de alto padrão (Gafisa, Cyrela etc.), que destinaram uma porcentagem de sua produção ao segmento, a partir de 2006.28 28 Shimbo, 2012.

Para exemplificar, em relação a estrutura administrativa e societária, Inpar, Cyrela e Gafisa criaram, respectivamente, as subsidiárias Viver Empreendimentos Imobiliários, Living e Fit Residencial para atuarem exclusivamente no segmento econômico. Gafisa e Odebrecht estabeleceram uma joint venture, constituindo a Bairro Novo; e Cyrela, Concima, Cury e Tecnum criaram a Cytec. Também houve um processo de aquisições, por grandes empresas, de construtoras que já atuavam no segmento econômico, como a Tenda, adquirida pela Gafisa em 2008 (e separadas em 2014), e a HM, adquirida pela Camargo Correa. As demais criaram linhas específicas de produtos para atender ao segmento econômico, como é o caso das empresas Rossi, Rodobens, Company/PDG, Tecnisa (que em 2010 passou a atuar junto com a Novolar no PMCMV), Eztec, Trisul e Even. Por fim, a MRV e a única que já atua va exclusivamente no segmento econômico antes do boom imobiliário e não foi adquirida por construtoras maiores, apesar de realizar parcerias com empresas locais em alguns empreendimentos. A novidade que esse segmento trouxe para o mercado imobiliário foi a ampliação geográfica da atuação das grandes incorporadoras e construtoras, extrapolando o eixo Rio-Sao Paulo e abrangendo terrenos no interior do estado de Sao Paulo e nas capitais de outros estados brasileiros.29 29 Ver Castro e Shimbo, no prelo. Esse artigo se baseou nos resultados da pesquisa Recent Trends of the Supply of Formal Housing in the Metropolitan Area of São Paulo, coordenada por Helena Menna Barreto Silva, com apoio do Lincoln Institute of Land Policy (LILP‑EUA), entre 2013 e 2015.

Em relação a produção, as grandes empresas construtoras de capital aberto promoveram a padronização arquitetônica e construtiva das tipologias habitacionais e a produção em escala da habitação, pautada por uma racionalidade com traços manufatureiros e industriais, sobre a qual se acoplou uma lógica das finanças, com mecanismos bastante sofisticados de gestão da producão e de captação de recursos.

Para tanto, como já indicaram alguns estudos recentes,30 30 Como exemplos, cito os seguintes trabalhos: Moura, 2011; Baravelli, 2014; e Lopes e Shimbo, 2015. um salto tecnológico fundamental empreendido pelas grandes empresas foi a adoção de sistemas informatizados de gestão e de controle de mão de obra e de materiais, junto com o emprego massivo de maquinário de transporte de materiais e a intensificação de utilização de elementos construtivos pré-fabricados e industrializados. Além disso, com a abertura de capital, as metas de produção passaram a ser pautadas por estratégias financeiras, estipuladas por acionistas institucionais e acionistas proprietários das empresas, numa estrutura em que há predominância dos administradores financeiros sobre os administradores indústriais.31 31 Nesse sentido, resvala‑se aqui num traço do regime de mundialização financeira (como coloca Chesnais, ou da financeirização, como preferem outros autores), em que a “posição ocupada pela propriedade bursatil do capital coloca nas maos dos proprietários‑acionistas […] os meios de influir na repartição da renda em duas dimensões essenciais: a da distribuição da riqueza produzida entre salários, lucro e renda financeira, e a da repartição entre a parte atribuida ao investimento e a parte distribuída como dividendos e juros” (Chesnais, 2005, p. 48).

Com mais detalhes, em cada categoria análitica presente na concepção de “forma de produção” de Jaramillo,32 32 O autor estabelece as seguintes categorias para se definir uma forma de produção‑circulação do espaço construído: “Trabajo direto — la movilización de la capacidad humana de trabajo en los procesos inmediatos de apropiación de la naturaleza; Control técnico de la produccion — consiste en la capacidad de regular la puesta en accion de los medios de producción; Control económico directo de la producción — consiste en el dominio sobre los medios de producción; Control economico indirecto de la producción — consiste en la capacidad de afectar la producción desde el exterior del proceso productivo" (Jaramillo, 1982, p. 176). há na produção da habitação promovida pelas grandes empresas uma combinação de elementos “sofisticados” ou “novos” com elementos “simples” ou “arcaicos”.

No “trabalho direto no canteiro”, há uma continuidade da produção manufatureira, com pouca mecanização e emprego abundante de mão de obra (por meio da contratação das subempreitadas - prática corrente na construção civil), baseada ainda em forte exploração do trabalho, alcançando, em alguns casos, o extremo de práticas que exploram mão de obra análoga a escrava. Ao mesmo tempo, há elementos bastante sofisticados, que envolvem saberes especializados e grau elevado de industrialização, tais como a padronização da produção (com seus projetos executivos muito bem detalhados), o uso de grandes equipamentos de transporte de materiais e procedimentos de pré-fabricação de componentes.

Em relação ao “controle técnico da produção”, está presente um elemento que da continuidade a uma perspectiva industrial, qual seja, a presença, no canteiro de obras, de uma equipe própria da empresa (funcionários diretamente contratados), estruturada no “tripé” formado por engenheiro, mestre de obras e almoxarife.33 33 Shimbo, 2012. Entretanto, acopla-se a isso um sistema informatizado, o sistema on-line, que abrange um conjunto complexo de softwares de planejamento e de controle de materiais e de mão de obra.

No “controle econômico direto da produção”, estão presentes, sobretudo, elementos sofisticados, na medida em que, na posição de controle, encontram-se os proprietários, acionistas, executivos, gerentes e técnicos que trabalham em diversos departamentos das empresas que envolvem, principalmente, as etapas de aquisição de terreno, estudo de viabilidade, obtenção de aprovações governamentais e comercialização das unidades. Além disso, para atuarem em diversos estados do Brasil, essas empresas se organizam em sede principal e sedes ou escritórios regionais, que se articulam tanto pelo sistema on-line quanto por auditorias presenciais nos canteiros em andamento.

Por fim, em relação ao “controle econômico indireto da produção”, é possível identificar quatro principais agentes que se relacionam diretamente com as grandes empresas construtoras e incorporadoras, lidando com conteúdos e práticas específicos: 1) instituições financeiras, sobretudo a Caixa e os mecanismos regulatórios da política habitacional; 2) prefeituras municipais e as restrições das legislações e das articulações políticas locais; 3) fornecedores de materiais e insumos e as condições de oferta e demanda do setor da construção civil; 4) governo federal, principalmente os ministérios das Cidades, do Trabalho, da Fazenda e da Casa Civil, tanto para a definição de recursos, formulação de programas quanto para a regulamentação das atividades industriais.

Em suma, a entrada rápida de recursos (tanto para produção quanto para consumo); a estruturação de um mercado nacional e internacional de fornecimento de equipamentos e de materiais de construção (com grandes grupos industriais internacionais envolvidos); os sistemas informatizados de gestão e de controle de mão de obra e de materiais; as metas de produção pautadas por estratégias financeiras e estipuladas por acionistas institucionais e acionistas proprietários (nas expressões de Chesnais)34 34 Chesnais, 2005. - ou seja, a predominância dos administradores financeiros sobre os administradores industriais - e outros mecanismos sofisticados se acoplaram perfeitamente a uma base manufatureira de produção ou a uma base de produção industrial não fabril, específica, mas jamais atrasada, que e a construção civil e seu canteiro de obras - em que há sempre brechas para um controle fluido da produção ou para reprodução de práticas arcaicas.

ESPAÇO

Dificilmente, embora nao seja impossível, as grandes empresas produziriam empreendimentos do segmento econômico não contíguos a área urbana, pois isso implicaria custos adicionais com ampliação de redes de água, luz e esgoto, que requisitariam uma articulação mais forte com o poder público local - que, em muitos casos, as grandes empresas não tem. Os estudos sobre a inserção urbana da produção do PMCMV indicam justamente que grande parte dos empreendimentos das Faixas 2 e 3 (para as quais se volta a produção da maior parte das grandes empresas de capital aberto) se localizou em áreas mais centrais ou com urbanização mais consolidada, sobretudo quando comparados, em termos de localização, com os empreendimentos da Faixa 1 do mesmo programa - por sua vez, situados em novas frentes de expansão urbana.35 35 Por um lado, grande parte das criticas vem ressaltando o agravamento da segregação socioespacial que o programa, sobretudo na Faixa 1, vem causando nas cidades brasileiras. Ver, por exemplo, Cardoso, 2013, e Santo Amore, Shimbo e Rufino, 2015. Por outro lado, alguns estudos procuram matizar tal critica, apontando que o padrão de localizações dos empreendimentos das Faixas 2 e 3 e menos periférico que a produção publica anterior, embora as distâncias em relação as centralidades urbanas ainda sejam elevadas. Ver Marques e Rodrigues, 2015. Além disso, a localização importa para o consumidor, que pode adquirir sua casa por intermédio do agente imobiliário no mercado - diferentemente da Faixa 1, em que a demanda e indicada pelas prefeituras e os beneficiarios não “escolhem” seu local de moradia.

Nesse caso, na Faixa 1, a valorização das unidades residenciais produzidas esta fortemente relacionada a garantia de financiamento para que seu público-alvo as compre - dada, aqui, pelo Estado, gerando uma demanda quase “cativa”. Nesse sentido, a perspectiva da valorização imobiliária do espaço produzido como atributo fundamental do produto, como ocorre em outros casos de incorporação (por exemplo, residencias para estratos médios e altos e edifícios de escritórios) e em outros instrumentos financeiros aportados anteriormente ao setor imobiliário, não é necessariamente perseguida pelas empresas construtoras.

Já nas Faixas 2 e 3, em que as unidades habitacionais são comercializadas diretamente com as incorporadoras e construtoras, a localização ganha mais relevância, mas ainda esta fortemente influenciada pelo financiamento habitacional e pela solvabilidade da demanda. Isso porque a aquisição e o preço dos terrenos, em geral, partem de um cálculo realizado de trás para a frente: como o teto máximo de financiamento por unidade habitacional esta fixado pelo programa de acordo com a localidade e com a faixa de renda, o agente imobiliário faz um estudo de viabilidade em que contabiliza a quantidade máxima de unidades que o terreno suporta, na maioria das vezes organizadas em condomínios fechados (verticais ou horizontais). Com isso, calcula-se o Valor Geral de Vendas (VGV) potencial, multiplicando-se a quantidade de unidades pelo valor de financiamento por unidade, e, em geral, o preço do terreno não deve ultrapassar 10% desse total, a fim de se garantir a liquidez do empreendimento. Dessa forma, ou as empresas acabam “ditando” os preços ou os proprietários de terras já as oferecem nesse patamar, causando, muitas vezes, elevação dos preços em determinada região e possibilitando grande apropriação de renda fundiária.

Para exemplificar, foi significativa a produção de habitação em áreas industriais, ativas ou não, localizadas em áreas urbanas tanto em cidades de regiões metropolitanas quanto em cidades médias, onde havia infraestrutura básica (água, luz e esgoto), mas sem contar necessariamente com comércio e serviços, ou seja, em regiões que não apresentariam, a princípio, a promessa de valorização imobiliária com o uso habitacional e que se caracterizariam como “não cidade”.36 36 Em entrevista recente, Raquel Rolnik aponta que um dos problemas cruciais do PMCMV e criar os “sem‑cidade”: “A gente tinha os sem‑casa e agora nos estamos criando os ‘sem‑cidade’. Nos ja vimos esse filme porque essa política já foi aplicada no Chile, no México e na África do Sul e as consequências foram desastrosas”. Ver Pavan, 2015. Para o caso do Chile, o estoque construido de habitação social se tornou um problema social e urbano: se antes o problema eram os “sem‑teto”, hoje se refere aos “com teto”. Ver Rodriguez e Sugranyes, 2005. Nesse caso, a “localização” (nos termos de Villaça)37 37 Ver Villaca, 1985. não foi determinante para a definição do preço da habitação. Mas, obviamente, foi fundamental para auferir maior extração de renda tanto para o proprietário de terras quanto para a incorporadora.38 38 Castro e Shimbo (no prelo) citam um exemplo emblemático de ganho de renda imobiliária tanto com a venda de terrenos quanto com a comercialização posterior de produtos de diferentes usos: um grande proprietário fundiário de Guarulhos (que, segundo corretores imobiliários, tornou‑se dono de 40% das terras da cidade) vendeu uma gleba de 110 mil metros quadrados para a MRV por R$ 17 milhões, sendo que havia pago R$ 7 milhões pela área um mês antes. A MRV usou 60 mil metros quadrados do terreno para a construção de oitocentas unidades habitacionais, que foram vendidas rapidamente, e o restante para a construção de um condomínio fechado de galpões indústriais para locação.

As rendas imobiliárias podem ter sido ainda maiores, e é muito difícil precisar tais ganhos diante da “caixa-preta” onde estão tais dados, guardados pelas empresas, tendo em vista que muitas delas montaram seu banco de terrenos antes mesmo do lançamento do PMCMV. Aliás, e de fundamental importância para as empresas de capital aberto mostrar para seus acionistas o VGV potencial de seu banco de terrenos, na medida em que e a garantia de que a produção tenha um local para se fixar no solo e ser vendida. Em muitas das empresas, o valor do banco de terrenos foi vertiginosamente elevado no momento que se seguiu a abertura de capital e se manteve durante o PMCMV - como exemplo, há o caso da MRV, que, em 2006, apresentava um banco de terrenos avaliado em R$ 154 milhões; no ano seguinte, quando a empresa abriu seu capital, esse valor passou para R$ 10 bilhões e, em 2013, alcançou o patamar de R$ 23 bilhões.39 39 Informações obtidas nos relatórios anuais da empresa. Disponível em: http://ri.mrv.com.br/relatorios_anuais.aspx. Acesso em: 10 ago. 2015.

COMO PENSAR ESSES CAPITAIS QUE PRODUZEM HABITAÇÃO? CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esse alinhamento inédito de órbitas possibilitou que grandes empreiteiras e incorporadoras produzissem habitação por meio de uma produção pautada pelo acoplamento industrial‑financeiro com muito subsídio público, fundos paraestatais e capital privado; amparadas por uma segurança jurídica e institucional; e com demanda garantida pela ampliação do financiamento ao consumo.

Por um lado, as fronteiras entre formas de produção pública e privada se borraram, tornando ainda mais complexas as relações entre Estado e mercado. Por outro, os agentes privados se combinaram em diferentes arranjos produtivos, ora nas médias e grandes empreiteiras produzindo habitação para uma demanda quase cativa, ora nas incorporadoras de alto padrão criando seus braços “econômicos”, ou, ainda, em grandes grupos imobiliários que abraçaram ambas as atividades de incorporação e construção para produzir a habitação social de mercado.

Se a sociologia urbana marxista francesa, ao organizar os agentes em ciclos de reprodução do capital, em facções do capital ou em tipos de capitais envolvidos na produção do espaço urbano,40 40 Respectivamente: Topalov, 1979; Harvey, 1982; e Lipietz, 1984. foi fundamental para a compreensão dos interesses e lógicas de cada um deles, agora sobressaem as interseções e as sobreposições nas relações entre Estado e agentes produtores e entre os próprios agentes - sejam eles ligados ao mercado imobiliário e a incorporação (os incorporadores), sejam relacionados a atividade da construção em si (os construtores).

Se olharmos essa forma de produção pela esfera do consumo, diante do caráter da “mercadoria impossível” (na expressão de Topalov)41 41 Topalov, 1987. que implica necessariamente a intervenção estatal, é possível identificar a permanência das mesmas fontes de recursos do BNH (FGTS e SBPE) e de algumas características importantes dos programas habitacionais brasileiros (tanto pela segmentação em faixas de renda, separando a “habitação de interesse social” e a “habitação de mercado”, quanto pelo financiamento direto ao consumo).

Se tomarmos a análise sobre os efeitos dessa produção no espaço urbano, ou seja, na esfera da distribuição do produto “habitação”, também há continuidade, para não dizer intensificação, das desigualdades socioespaciais, já causadas pela grande escala e monofuncionalidade dos conjuntos habitacionais promovidos pelo Estado, quase sempre localizados nas periferias urbanas.

Se analisarmos a questão pela esfera da produção, enfatizando a construção em si, há a manutenção da base produtiva que emprega muita mão de obra e subcontrata empresas menores para a prestação de serviços, perpetuando‑se a precariedade e a exploração clássica do trabalho no canteiro de obras.

Dessa forma, tratar tais órbitas de modo isolado não colabora para a compreensão da complexidade que se coloca hoje na produção imobiliária como um todo e que tem na habitação seu exemplo paradigmático. Além disso, pode reforçar separações que já foram apontadas na literatura como insuficientes (como afirmava Maricato)42 42 Maricato, 2009. e que não permitem vislumbrar a novidade que esse alinhamento coloca.

Isso porque não está em jogo uma disputa entre facções do capital ou entre agentes envolvidos na produção do ambiente construído, na qual os trabalhadores pudessem reivindicar o valor de uso da habitação e o Estado mediar a relação com os construtores e os incorporadores, mas sim uma tal imbricação entre produção, Estado e finanças que as alterações promovidas em uma órbita necessariamente repercutem na outra.

De acordo com Aalbers, o vínculo entre habitação (housing) e mercado imobiliário (real estate) promovido pelo poder das finanças se tornou ainda mais forte no capitalismo contemporâneo.43 43 Aalbers, 2015. Trata-se de um complexo imobiliário-financeiro (real estate/financial complex) que vai seguir trajetórias específicas em cada um dos contextos nacionais. No caso brasileiro, a habitação (ou o parque público, como ocorreu na Holanda) e a dívida do consumidor (os subprimes norte-americanos) não chegaram a ser transacionados como ativos financeiros, mas houve uma profunda reestruturação imobiliária que gerou um novo patamar de acumulação de capital, como dito anteriormente e como apontaram diversos estudos recentes.44 44 Ver Pereira, 2006; Fix, 2011; Rufino, 2012; Sanfelici, 2013; Hoyler, 2014, entre outros.

A idéia de “complexo”, como coloca Aalbers a partir da referência norte-americana de “complexo militar-industrial” adotada nos anos 1960,45 45 Aalbers, 2015. já foi utilizada para se pensar a construção no Brasil e vem da matriz econômica que pensou a formação do “complexo cafeeiro”. No caso, Gitahy e Pereira utilizaram essa concepção para indicar a consolidação do “complexo industrial da construção” no Brasil dos anos 1930, que assumiu papel fundamental no processo de industrialização nacional.46 46 Gitahy; Pereira, 2002.

Mais do que um único capital ou agente ou segmento, trata-se de um “complexo” que abrange todas as atividades relacionadas a produção da habitação: concepção, planejamento, aquisição de terras, construção, regulação, financiamento, distribuição e manutenção. A denominação “complexo” reforça a adequada idéia de interdêpendencia dessas várias atividades e das várias empresas e instituições que as promovem, tanto do ponto de vista técnico quanto do ponto de vista político e econômico.

Pela chave de leitura que enfatizou a construção, e um termo em disputa. Convencionalmente, a denominação “setor da construção” serve como parâmetro para pesquisas setoriais. No debate acadêmico, foram diversos os nomes adotados: “ramo” (filiere, em francês, como coloca Carassus, mas que não tem uma correspondência exata para o português); “macrocomplexo da construção”; construbusiness, bastante adotado pelos agentes do próprio setor; até a noção de “sistema produtivo setorial”.47 47 Ver Prochnik, 1987; Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, 2008; e Bougrain e Carassus, 2003. A idéia de complexo vem se somar a essa profusão de nomes, mas procura se contrapor, assim como outras denominações, a idéia do atraso na construção civil, que pautou os estudos sobre as alternativas para sua modernização48 48 Apontavam‑se dois caminhos possíveis, quase em direções opostas: as alterações tecnológicas e organizacionais, sob a chave da industrialização (ver Bruna, 2002); e a idéia da resolução autonoma dada pela população em relação a casa própria, que inspirou os movimentos por moradia (ver Turner, 1990). e sobre a dimensão não produtiva da produção imobiliária, vinculada ao capital promocional.49 49 Incorporadores e proprietários de terra, nessa abordagem, são considerados como agentes “improdutivos” que se apropriam do sobrelucro. Ver Ribeiro, 1997.

Nesse sentido, podemos pensar na formação de um “complexo imobiliário-financeiro” na produção de habitação no Brasil nos anos 2000?50 50 Vale destacar que Rolnik ja trabalha com a idéia de que o país esteja na fronteira da expansão do complexo imobiliário‑financeiro. Ver Rolnik, 2015. Se Gitahy e Pereira pensaram num “complexo industrial da construção” quando a habitação econômica passou a ser um nicho de mercado no Brasil dos anos 1930,51 51 Gitahy; Pereira, 2002. nos anos 2010 Aalbers propõe a idéia de complexo imobiliário-financeiro (real estate/financial complex) para evidenciar o aumento da interdependência de mercado imobiliário e finanças no capitalismo mundial.52 52 Aalbers, 2015. Em ambos os complexos, a atuação do Estado foi absolutamente necessária.

Entre esses extremos temporais e recortes analitícos e espaciais tão diversos entre si, há a perspectiva de se referir a um momento de inflexão na produção de habitação, e a palavra subsequente a “complexo” procura dar conta do motor principal que o impulsiona. Se o industrial caracterizava o início do seculo XX, parece-me que o acoplamento “imobiliário-financeiro” cabe perfeitamente no início do seculo XXI, com a ressalva de que, no caso da habitação no Brasil, ele ainda não perdeu o lastro na indústria, permanecendo uma base produtiva ainda com elementos arcaicos, e no Estado, por meio dos financiamentos habitacionais e subsídios públicos.

Há ainda fragilidades que desestabilizam a permanência desse complexo e que apontam para uma agenda futura de pesquisa. Por um lado, a elevação das atividades imobiliárias já diminuiu consideravelmente, e uma suposta crise se anuncia no setor. Por outro, os efeitos na configuração das cidades e na vida cotidiana das famílias beneficiadas já se mostram bastante perversos.

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  • Villaça, Flávio. “A terra como capital (ou a terra-localização)”. Espaço e Debates, n. 16, 1985.
  • 1
    Landim, 2009Landim, Raquel. “Prestação ‘que cabe no bolso’ faz mercado imobiliário reagir a crise”. O Estado de S. Paulo, p. B1, 9 ago. 2009.. Agradeço imensamente a pista dada aqui por José Eduardo Baravelli.
  • 2
    Harvey, 2014______. Seventeen Contradictions and the End of Capitalism. Londres: Profile, 2014..
  • 3
    Envolve a incorporação e construção de unidades habitacionais com valores ate US$ 100 mil, destinadas a famílias que somam renda suficiente para acessar tanto os subsídios públicos (famílias de baixa renda) quanto o crédito imobiliário (famílias de média renda).
  • 4
    Shimbo, 2012Shimbo, Lúcia. Habitação social de mercado: a confluência entre Estado, empresas construtoras e capital financeiro. Belo Horizonte: C/Arte, 2012..
  • 5
    Maricato, 2009Maricato, Ermínia. “Por um novo enfoque teórico na pesquisa sobre habitação”. Cadernos Metropole, n. 21, pp. 32-52, 1. sem. 2009.. Uma referência importante para a autora e para um conjunto de trabalhos que procurou enfatizar a dimensão da produção e Michael Ball. Ver Ball, 1986Ball, Michael. “Housing Analysis: Time for a Theoretical Refocus?”. Housing Studies, v. 1, n. 3, 1986..
  • 6
    A concepção de formas de produção foi adotada por Samuel Jaramillo para se pensar o caso de Bogota (Colombia) na decada de 1980, identificando quatro formas de produção do espaço construído: a autoconstrução, a produção por encomenda, a promoção capitalista e a produção estatal capitalista desvalorizada. Ver Jaramillo, 1982Jaramillo, Samuel. “Las formas de producción del espacio construido en Bogotá”. In: Pradilla, Emilio (Org.). Ensayos sobre el problema de la vivienda en México. Cidade do México: Latina Unam, 1982..
  • 7
    Esse conjunto envolve a pesquisa desenvolvida no meu doutorado (Shimbo, 2012Shimbo, Lúcia. Habitação social de mercado: a confluência entre Estado, empresas construtoras e capital financeiro. Belo Horizonte: C/Arte, 2012.) e os projetos recem‑finalizados com apoio do CNPq (“Produção do Programa MCMV na região central do estado de São Paulo: inserção urbana e avaliação arquitetônica, construtiva e tecnologica” — Chamada MCTI/CNPq/MCIDADES no 11/2012) e da Fapesp (“Política habitacional, construção civil e mercado imobiliário no Brasil contemporâneo”). A autora agradece o apoio financeiro recebido e as equipes que integraram tais projetos.
  • 8
    Para analisar o “complexo imobiliário/financeiro”, Manuel Aalbers procura articular a indústria (tanto o setor imobiliário em geral quanto o habitacional — real estate/housing), as finanças e o Estado — retomarei essa questão a seguir. Ver Aalbers, 2015Aalbers, Manuel. “The real estate/financial complex”. Palestra. São Paulo: FAU/USP, 2015..
  • 9
    Arretche, 2002Arretche, Marta. “Federalismo e relações intergovernamentais no Brasil: a reforma de programas sociais”. Dados, v. 45, n. 3, 2002..
  • 10
    O programa, criado em 1995, dirigia‑se a famílias com ganhos mensais de até doze salários mínimos, utilizava recursos do FGTS e do SBPE e possibilitava financiamentos para a produção, ampliação e aquisição de unidades habitacionais (novas ou usadas), além da produção de lotes urbanizados.
  • 11
    Na Fase 1 (2009‑2011), houve a construção de 1 milhão de moradias em todo o território nacional. A Fase 2 (2011‑2014), com previsão inicial de mais 2 milhões de unidades, foi ampliada em 2012, totalizando 2,4 milhões de unidades habitacionais. Ver Cardoso, 2013Cardoso, Adauto (Org.). O Programa Minha Casa Minha Vida e seus efeitos territoriais. Rio de Janeiro: Letra Capital, 2013.. A Fase 3 seria lançada em 2014, mas somente no início de 2016 se anunciou o seu lançamento, contemplando apenas as Faixas 2 e 3. Ver Alves, 2016Alves, Murilo. “Governo confirma parcela mínima de R$ 80 no ‘Minha Casa 3’”. O Estado de S. Paulo, 13 jan. 2016. Disponível em: Disponível em: http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,governo-confirma-parcela-minima-de-r-80-no-minha-casa-3,10000006993 . Acesso em: 23 jan. 2016.
    http://economia.estadao.com.br/noticias/...
    .
  • 12
    Ver Santos, 2003Santos, Luiz Augusto dos. Diretrizes para elaboração de planos de qualidade em empreeendimentos da construção civil. Dissertação (Mestrado em Engenharia) - Escola Politécnica/USP, São Paulo, 2003..
  • 13
    Para um maior detalhamento dessas leis, ver Royer, 2009Royer, Luciana. Financeirização da política habitacional: limites e perspectivas. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo/USP, São Paulo, 2009..
  • 14
    Em 2011, as seguintes empresas faziam parte da Mesa Corporate: 1) atuantes na produção de habitação para a faixa de zero a tres salários mínimos (SM): Bairro Novo (Odebrecht), Direcional, Emccamp, Cury; 2) atuantes nas faixas superiores a tres SM: Brookfield, Even, Viver‑Inpar, HM‑CDDI, Homex, MRV, Living‑Cyrela, Moura Dubeux, Trisul, WTorre, OAS, PDG, Queiroz Galvão, Rodobens, Rossi, Tecnisa e Tenda‑Gafisa.
  • 15
    Pagina da Abrainc , em http://abrainc.org.br/abrainc/sobre‑a‑abrainc/. Acesso em: 15 jan. 2016.
  • 16
    Ver Royer, 2009Royer, Luciana. Financeirização da política habitacional: limites e perspectivas. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo/USP, São Paulo, 2009.; 2016______. “O FGTS e o mercado de títulos de base imobiliária: relações e tendências”. Cadernos Metropole, v. 18, n. 35, pp. 33-52, 1. sem. 2016..
  • 17
    Ver Chesnais, 2005Chesnais, Francois (Org.). A finança mundializada: raízes sociais e políticas, configuração e consequências. São Paulo: Boitempo, 2005..
  • 18
    Royer, 2016______. “O FGTS e o mercado de títulos de base imobiliária: relações e tendências”. Cadernos Metropole, v. 18, n. 35, pp. 33-52, 1. sem. 2016..
  • 19
    Rodrigues, 2013Rodrigues, Arlete Moyses. “Políticas públicas: FGTS e planos diretores - conteúdos e significados”. Cidades, v. 9, 2013..
  • 20
    Rodrigues, 2013Rodrigues, Arlete Moyses. “Políticas públicas: FGTS e planos diretores - conteúdos e significados”. Cidades, v. 9, 2013..
  • 21
    Cardoso, 2013Cardoso, Adauto (Org.). O Programa Minha Casa Minha Vida e seus efeitos territoriais. Rio de Janeiro: Letra Capital, 2013..
  • 22
    Dados disponíveis em: http://www.cbicdados.com.br/menu/financiamento‑habitacional/. Acesso em: 30 nov. 2015.
  • 23
    Brasil, 2012Brasil. Ministério das Cidades. Acompanhamento dos investimentos em habitação. Relatório. Brasília: MCidades, 2012..
  • 24
    Lazzarini, 2011Lazzarini, Sérgio. Capitalismo de laços: os donos do Brasil e suas conexões. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011..
  • 25
    Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2006Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Anual da Indústria da Construção. v. 16, 2006. Rio de Janeiro: IBGE, 2006..
  • 26
    O SFI foi criado em 1997, repleto de novos mecanismos que poderiam, teoricamente, aproximar o mercado imobiliário ao capital financeiro, e procurava superar os impasses que imobilizaram o SFH. Ver Fix, 2007Fix, Mariana. São Paulo cidade global: fundamentos financeiros de uma miragem. São Paulo: Boitempo , 2007..
  • 27
    Ainda segundo a autora, após a desregulamentação dos mercados financeiros iniciada na decada de 1970, nos Estados Unidos, o real estate “traduz um negócio financeiro, completamente imerso no mercado de capitais” e se dedica a promoção de ganhos específicos, desde a fase da incorporação e administração de imóveis até o agenciamento de crédito e administração de garantias. Nesse sistema, considerada como uma fração do negócio imobiliário, a habitação passou a ser compreendida como “toda edificação destinada ao uso residencial e que possa ser transacionada no mercado”, na qual o próprio bem financiado serve como garantia nas operações de financiamento — as conhecidas hipotécas (Royer, 2009Royer, Luciana. Financeirização da política habitacional: limites e perspectivas. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo/USP, São Paulo, 2009., p. 41).
  • 28
    Shimbo, 2012Shimbo, Lúcia. Habitação social de mercado: a confluência entre Estado, empresas construtoras e capital financeiro. Belo Horizonte: C/Arte, 2012..
  • 29
    Ver Castro e Shimbo, no prelo. Esse artigo se baseou nos resultados da pesquisa Recent Trends of the Supply of Formal Housing in the Metropolitan Area of São Paulo, coordenada por Helena Menna Barreto Silva, com apoio do Lincoln Institute of Land Policy (LILP‑EUA), entre 2013 e 2015.
  • 30
    Como exemplos, cito os seguintes trabalhos: Moura, 2011; Baravelli, 2014; e Lopes e Shimbo, 2015.
  • 31
    Nesse sentido, resvala‑se aqui num traço do regime de mundialização financeira (como coloca Chesnais, ou da financeirização, como preferem outros autores), em que a “posição ocupada pela propriedade bursatil do capital coloca nas maos dos proprietários‑acionistas […] os meios de influir na repartição da renda em duas dimensões essenciais: a da distribuição da riqueza produzida entre salários, lucro e renda financeira, e a da repartição entre a parte atribuida ao investimento e a parte distribuída como dividendos e juros” (Chesnais, 2005, p. 48).
  • 32
    O autor estabelece as seguintes categorias para se definir uma forma de produção‑circulação do espaço construído: “Trabajo direto — la movilización de la capacidad humana de trabajo en los procesos inmediatos de apropiación de la naturaleza; Control técnico de la produccion — consiste en la capacidad de regular la puesta en accion de los medios de producción; Control económico directo de la producción — consiste en el dominio sobre los medios de producción; Control economico indirecto de la producción — consiste en la capacidad de afectar la producción desde el exterior del proceso productivo" (Jaramillo, 1982Jaramillo, Samuel. “Las formas de producción del espacio construido en Bogotá”. In: Pradilla, Emilio (Org.). Ensayos sobre el problema de la vivienda en México. Cidade do México: Latina Unam, 1982., p. 176).
  • 33
    Shimbo, 2012Shimbo, Lúcia. Habitação social de mercado: a confluência entre Estado, empresas construtoras e capital financeiro. Belo Horizonte: C/Arte, 2012..
  • 34
    Chesnais, 2005.
  • 35
    Por um lado, grande parte das criticas vem ressaltando o agravamento da segregação socioespacial que o programa, sobretudo na Faixa 1, vem causando nas cidades brasileiras. Ver, por exemplo, Cardoso, 2013Cardoso, Adauto (Org.). O Programa Minha Casa Minha Vida e seus efeitos territoriais. Rio de Janeiro: Letra Capital, 2013., e Santo Amore, Shimbo e Rufino, 2015. Por outro lado, alguns estudos procuram matizar tal critica, apontando que o padrão de localizações dos empreendimentos das Faixas 2 e 3 e menos periférico que a produção publica anterior, embora as distâncias em relação as centralidades urbanas ainda sejam elevadas. Ver Marques e Rodrigues, 2015.
  • 36
    Em entrevista recente, Raquel Rolnik aponta que um dos problemas cruciais do PMCMV e criar os “sem‑cidade”: “A gente tinha os sem‑casa e agora nos estamos criando os ‘sem‑cidade’. Nos ja vimos esse filme porque essa política já foi aplicada no Chile, no México e na África do Sul e as consequências foram desastrosas”. Ver Pavan, 2015. Para o caso do Chile, o estoque construido de habitação social se tornou um problema social e urbano: se antes o problema eram os “sem‑teto”, hoje se refere aos “com teto”. Ver Rodriguez e Sugranyes, 2005.
  • 37
    Ver Villaca, 1985.
  • 38
    Castro e Shimbo (no preloCastro, Carolina Pozzi e Shimbo, Lúcia. “A promoção imobiliária das grandes empresas nos anos 2000 na Região Metropolitana de São Paulo: novas estratégias produtivas?”. No prelo.) citam um exemplo emblemático de ganho de renda imobiliária tanto com a venda de terrenos quanto com a comercialização posterior de produtos de diferentes usos: um grande proprietário fundiário de Guarulhos (que, segundo corretores imobiliários, tornou‑se dono de 40% das terras da cidade) vendeu uma gleba de 110 mil metros quadrados para a MRV por R$ 17 milhões, sendo que havia pago R$ 7 milhões pela área um mês antes. A MRV usou 60 mil metros quadrados do terreno para a construção de oitocentas unidades habitacionais, que foram vendidas rapidamente, e o restante para a construção de um condomínio fechado de galpões indústriais para locação.
  • 39
    Informações obtidas nos relatórios anuais da empresa. Disponível em: http://ri.mrv.com.br/relatorios_anuais.aspx. Acesso em: 10 ago. 2015.
  • 40
    Respectivamente: Topalov, 1979Topalov, Christian. “Análise do ciclo de reprodução do capital investido na produção da indústria da construção civil”. In: Forti, Reginaldo (Org.). Marxismo e urbanismo capitalista. São Paulo: Ciências Humanas, 1979.; Harvey, 1982Harvey, David. “O trabalho, o capital e o conflito de classes em torno do ambiente construído nas sociedades capitalistas avançadas”. Espaço e Debates, n. 6, 1982.; e Lipietz, 1984Lipietz, Alain. “Alguns problemas da produção monopolista do espaço urbano”. Espaço e Debates, n. 25, 1984..
  • 41
    Topalov, 1987______. Le Logement en France: histoire d’une marchandise impossible. Paris: Presses de la Fondation Nationale des Sciences Politiques, 1987..
  • 42
    Maricato, 2009Maricato, Ermínia. “Por um novo enfoque teórico na pesquisa sobre habitação”. Cadernos Metropole, n. 21, pp. 32-52, 1. sem. 2009..
  • 43
    Aalbers, 2015Aalbers, Manuel. “The real estate/financial complex”. Palestra. São Paulo: FAU/USP, 2015..
  • 44
    Ver Pereira, 2006Pereira, Paulo Cesar et al. Dinâmica imobiliária e reestruturação urbana na América Latina. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2006.; Fix, 2011______. Financeirização e transformações recentes no circuito imobiliário no Brasil. Tese (Doutorado em Desenvolvimento Econômico) - Instituto de Economia/Unicamp, Campinas, 2011.; Rufino, 2012Rufino, Maria Beatriz. A incorporação da metrópole: centralização do capital no imobiliário e nova produção do espaço em Fortaleza. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo/USP, São Paulo, 2012.; Sanfelici, 2013Sanfelici, Daniel. A metrópole sob o ritmo das finanças: implicações socioespaciais da expansão imobiliária no Brasil. Tese (Doutorado em Geografia) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas/USP, São Paulo, 2013.; Hoyler, 2014Hoyler, Telma. Incorporação imobiliária e intermediação de interesses em São Paulo. Dissertação (Mestrado em Ciencia Política) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas/USP, São Paulo, 2014., entre outros.
  • 45
    Aalbers, 2015Aalbers, Manuel. “The real estate/financial complex”. Palestra. São Paulo: FAU/USP, 2015..
  • 46
    Gitahy; Pereira, 2002Gitahy, Maria Lúcia C.; Pereira, Paulo Cesar X. (Orgs.). “A construção habitacional em São Paulo na década de 1930”. In: ______. O complexo industrial da construção e a habitação econômica moderna 1930-1964. São Carlos: RiMa, 2002..
  • 47
    Ver Prochnik, 1987Prochnik, Victor. O macrocomplexo da construção civil. Rio de Janeiro: IEI/UFRJ, 1987.; Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, 2008Federação das Indústrias do Estado de São Paulo. Proposta de política industrial para a construção civil: edificações. São Paulo: Fiesp, 2008.; e Bougrain e Carassus, 2003Bougrain, Frederic; Carassus, Jean. Batiment: de l’innovation de produit a l’innovation de service. Paris: Puca, 2003..
  • 48
    Apontavam‑se dois caminhos possíveis, quase em direções opostas: as alterações tecnológicas e organizacionais, sob a chave da industrialização (ver Bruna, 2002Bruna, Paulo. Arquitetura, industrialização e desenvolvimento. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 2002.); e a idéia da resolução autonoma dada pela população em relação a casa própria, que inspirou os movimentos por moradia (ver Turner, 1990Turner, John. Housing by People: Towards Autonomy in Building Environments. Londres: Marion Boyards, 1990.).
  • 49
    Incorporadores e proprietários de terra, nessa abordagem, são considerados como agentes “improdutivos” que se apropriam do sobrelucro. Ver Ribeiro, 1997Ribeiro, Luiz Cesar de Q. Dos córticos aos condomínios fechados: as formas de produção da moradia na cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1997..
  • 50
    Vale destacar que Rolnik ja trabalha com a idéia de que o país esteja na fronteira da expansão do complexo imobiliário‑financeiro. Ver Rolnik, 2015Rolnik, Raquel. Guerra dos lugares: a colonização da terra e da moradia na era das finanças. São Paulo: Boitempo , 2015..
  • 51
    Gitahy; Pereira, 2002Gitahy, Maria Lúcia C.; Pereira, Paulo Cesar X. (Orgs.). “A construção habitacional em São Paulo na década de 1930”. In: ______. O complexo industrial da construção e a habitação econômica moderna 1930-1964. São Carlos: RiMa, 2002..
  • 52
    Aalbers, 2015Aalbers, Manuel. “The real estate/financial complex”. Palestra. São Paulo: FAU/USP, 2015..

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul 2016

Histórico

  • Recebido
    05 Fev 2016
  • Aceito
    25 Abr 2016
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