Acessibilidade / Reportar erro

A PESSOA JURÍDICA CIDADÃ: Uma crítica à teoria do discurso da responsabilidade de Klaus Günther1 1 Este artigo é resultado de pesquisa financiada pela Fapesp. Gostaria de agradecer a Klaus Günther por ter me recebido como fellow e visiting scholar no Exzellenzcluster “Die Herausbildung normativer Ordnungen”, da Goethe-Universität (Frankfurt am Main); a Marcos Nobre, Ricardo Terra e membros do Núcleo Direito e Democracia do Cebrap pelos anos de leituras conjuntas e debates que orientaram meu trabalho no tema da teoria do discurso do direito; ao amigo Carlos Eduardo Batalha da Silva e Costa pela ajuda com a versão final do argumento. Evidentemente, a responsabilidade pelas falhas que tenha o texto é inteiramente minha.

The Corporate Citizen: A Critique of Klaus Günther’s Discourse Theory of Responsibility

RESUMO

Klaus Günther propõe uma teoria sobre a legitimidade democrática do direito baseada na pessoa deliberativa como elo entre destinatário e criador de normas jurídicas. Este artigo explora as consequências para a legitimidade do direito da constatação de que agentes coletivos podem ser pessoas deliberativas, concluindo que a teoria demanda ajustes para justificar a não atribuição de direitos políticos fundamentais a tais agentes.

PALAVRAS-CHAVE:
responsabilidade; teoria do discurso; Klaus Günther; agentes coletivos; pessoas jurídicas

ABSTRACT

Klaus Günther proposes a theory about the democratic legitimacy of Law based on the idea of deliberative person as the bond between subject of law and co-legislator. This paper explores the consequences to the legitimacy of law of the fact that group agents can be deliberative persons, concluding that the theory needs to be reviewed to justify not granting fundamental political rights to group agents.

KEYWORDS:
responsibility; discourse theory; Klaus Günther; group agents; corporate persons

INTRODUÇÃO

A teoria do discurso da responsabilidade de Klaus Günther permite reflexões transformadoras e frutíferas em pelo menos duas áreas jurídicas: a responsabilidade penal e a responsabilidade civil.2 2 A responsabilidade penal é a imputação a alguém da prática de crime ou contravenção penal com a consequente aplicação de uma pena. Já a responsabilidade civil é o dever de reparar um prejuízo, desde que presentes certos requisitos legais. Sobre o desenvolvimento dessas duas formas de responsabilidade jurídica, bem como a relação entre elas, ver Flavia Portella Püschel e Marta Rodriguez de Assis Machado (2008). No campo penal, ela rompe o vínculo entre imputação do crime e aplicação da pena, mostrando que a imputação tem sentido em si mesma e é capaz de cumprir todas as funções simbólicas da pena (Günther, 2000________. “Verantwortlichkeit in der Zivilgesellschaft”. In: Müller-Doohm, Stefan (org.). Das Interesse der Vernunft. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 2000, pp. 465-85 [ed. bras.: “Responsabilização na sociedade civil”. Novos Estudos Cebrap, v. 63, n. 2, 2002, pp. 105-18]., p. 484). Isso é extremamente inovador em termos de debate contemporâneo e abre espaço para a formulação de novas respostas do direito à violação de normas penais (Püschel; Machado, 2011________; ________. Klaus Günther: culpa penal no Estado democrático de direito. In: Nobre, Marcos (org.). Curso livre de teoria crítica. 3. ed. Campinas: Papirus, 2011, pp. 251-70., p. 252).

Já no campo da responsabilidade civil, 3 3 Embora formulada como uma teoria da responsabilidade em geral, a teoria do discurso da responsabilidade foi desenvolvida por Klaus Günther com base na responsabilidade penal. Uma discussão sobre sua aplicação à responsabilidade civil encontra-se em Flavia Portella Püschel (2016). por construir a ideia de responsabilidade em torno da noção de atribuição de autoria e ser procedimental, tal teoria permite, por um lado, enxergar na responsabilidade civil uma função social comunicativa para além das tradicionais e problemáticas reparação e prevenção de danos e, por outro, escapar ao autoritarismo das justificativas da responsabilidade civil ligadas ao conteúdo das normas de responsabilização.4 4 Dentre as justificativas em debate atualmente, destacam-se as teorias de Law & Economics, de justiça comutativa e de justiça distributiva, todas fundadas no conteúdo das normas de responsabilidade. Ver, como exemplo, as obras de Guido Calabresi (1970), Ernest Weinrib (1995) e Tsachi Keren-Paz (2007).

Como teoria da responsabilidade no direito, no entanto, a teoria do discurso encontra um obstáculo do qual Günther não trata: a responsabilização de pessoas jurídicas. Como o direito brasileiro (assim como o alemão, referência de Günther) atribui responsabilidade tanto penal quanto civil às pessoas jurídicas, não há como deixar de lado essa questão. É objetivo deste texto explicitar o problema teórico decorrente dessa (des)consideração da imputação de pessoas jurídicas. Nossa proposta é partir da teoria dos agentes coletivos de Christian List e Philip Pettit (List; Pettit, 2002List, Christian; Pettit, Philip. “Aggregating Sets of Judgments: An Impossibility Result”. Economics and Philosophy, v. 18, 2002, pp. 89-110., 2011________;________. Group Agency. The Possibility, Design, and Satus of Corporate Agents. Oxford: Oxford University Press, 2011.; Pettit, 2001Pettit, Philip. A Theory of Freedom: From the Psychology to the Politics of Agency. Cambridge: Polity, 2001., 2009________. “The Reality of Group Agents”. In: Mantzavinos, Chris (org.). Philosophy of the Social Sciences: Philosophical Theory and Scientific Practice. Cambridge: Cambridge University Press, 2009, pp. 67-91.) para examinar as consequências que o reconhecimento de tais agentes tem para a teoria do discurso da responsabilidade.5 5 Não há espaço aqui para aprofundar as discussões sobre agência coletiva, de modo que suspendemos, para efeitos deste trabalho, eventuais críticas à posição de List e Pettit. A escolha da abordagem desses autores deve-se ao fato de que, além de ser bastante desenvolvida, funda-se (assim como a teoria de Günther) na capacidade de interação linguística.

Nosso objetivo não é descartar a teoria de Günther, já que, como dissemos, ela oferece uma perspectiva frutífera para repensar velhos problemas jurídicos. Ao contrário, pensamos que sua teoria pode ser modificada para dar conta da imputação de pessoas jurídicas. No entanto, não haverá espaço aqui para desenvolvermos uma proposta de reformulação.6 6 Este artigo pode ser considerado a segunda de três partes de um argumento de crítica à teoria de Günther. A primeira seria a defesa da realidade das pessoas deliberativas coletivas (tomada neste trabalho como premissa, a partir da teoria de List e Pettit). A terceira seria uma proposta de reformulação da teoria. A parte do argumento aqui apresentada é central, pois esclarece o ponto problemático da teoria do discurso da responsabilidade e a razão da crítica, portanto.

Começaremos nosso argumento pela apresentação da teoria do discurso da responsabilidade como desenvolvida por Günther. Em seguida, apresentaremos o modo como a responsabilidade de pessoas jurídicas desafia a teoria do discurso da responsabilidade. Finalmente, examinaremos se a teoria de Günther é capaz de dar conta do desafio levantado.

A TEORIA DO DISCURSO DA RESPONSABILIDADE

A teoria do discurso da responsabilidade desenvolvida por Günther é um aspecto da teoria do discurso do direito e, desse modo, uma teoria sobre a legitimidade das normas jurídicas.

Nas palavras do autor, “a teoria do discurso do direito procura expressar de modo preciso duas intuições acerca da legitimidade do direito: que são os próprios cidadãos que decidem sobre o direito posto e que o procedimento jurídico de decisão é racional, ou seja, permite o exame de propostas de normas por meio de crítica argumentativa” (Günther, 1999Günther, Klaus. “Welchen Personenbegriff braucht die Diskurstheorie des Rechts? Überlegungen zum internen Zusammenhang zwischen deliberativer Person, Staatsbürger und Rechtsperson”. In: Brunkhorst, Hauke; Niesen, Peter (orgs.). Das Recht der Republik. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1999, pp. 83-104., p. 83; tradução nossa). Trata-se de uma teoria da legitimação democrática do direito, cuja referência é a ideia de democracia deliberativa desenvolvida por Jürgen Habermas.

A teoria do discurso do direito é uma teoria de legitimação procedimental, isto é, funda a legitimidade do direito no procedimento pelo qual se criam as normas jurídicas. Com isso, distingue-se de teorias que buscam um fundamento material de legitimação do direito em um princípio absoluto de moral ou ética política (idem, ibidem). No entanto, ela não se contenta com qualquer procedimento de criação de normas, mas pressupõe um procedimento por meio do qual os próprios cidadãos decidem racionalmente sobre as normas jurídicas que regularão sua convivência. Um procedimento de criação de normas jurídicas é democrático (e, desse modo, capaz de produzir normas legítimas e vinculantes) quando estruturado como discursos e procedimentos decisórios dos quais todos os cidadãos tenham a possibilidade real de participar (idem, p. 86).

Fundamental para a compreensão de tal procedimento democrático é a ideia de pessoa deliberativa como pessoa capaz de nele tomar parte, conceito que explica a relação entre o destinatário da norma e o legislador. A qualidade de pessoa deliberativa é aquilo que os destinatários das normas e o legislador têm em comum, permitindo a oscilação dos indivíduos entre esses dois papéis. Tal possibilidade da troca de papéis, por sua vez, permite que o destinatário da norma seja também seu criador (idem, pp. 86-7).

Isso significa, portanto, que a teoria do discurso pressupõe que as pessoas tenham certas características, certas disposições e aptidões que lhes permitam tomar parte no discurso. Mas não quer dizer que a legitimidade do direito ou as características do discurso derivem diretamente das disposições e aptidões dos participantes, e sim que tais disposições e aptidões são pressupostos necessários para a participação no discurso e, com isso, no procedimento do qual resultam normas jurídicas legítimas (idem, pp. 83 e 86).

Assim, em cada contexto, varia o conceito de pessoa que os cidadãos pressupõem ao atribuírem responsabilidade a si mesmos, tanto na posição de destinatários das normas jurídicas quanto na posição de colegisladores. Essas diversas características não derivam simplesmente da ideia de pessoa deliberativa, mas são resultado do processo de deliberação, na medida em que os cidadãos, “em conjunto, interpretam e estruturam juridicamente a imputabilidade idealizada que se atribuem uns aos outros, de forma pressuposta, na qualidade de participantes do discurso” (idem, p. 85). O conceito de pessoa deliberativa constitui apenas o mínimo denominador comum a todas as diversas noções de pessoa pressupostas nos diversos contextos (idem, ibidem).

As características essenciais da pessoa deliberativa são a capacidade de posicionar-se de maneira crítica em relação a proferimentos e ações próprios e alheios e a capacidade de tomar parte em discursos, ou argumentações, que se relacionam à ideia de razão (Grund). Uma pessoa com capacidade de posicionar-se de maneira crítica pode distanciar-se de proferimentos e ações próprios e alheios para criticá-los com base em razões. Além disso, é capaz de alterar seu comportamento conforme as razões que aceite, isto é, está em condições de realizar o ato volitivo de “seguir as razões que aceitou” (idem, p. 87).

A capacidade de tomar parte em discursos é necessária, pois as razões são resultado de argumentações em que pretensões de validade discutíveis são levantadas por meio de proferimentos, criticadas por meio de razões e defendidas com contrarrazões. Pelo discurso descobrem-se ou constroem-se as “melhores razões, capazes de resistir provisoriamente à crítica contínua de um número ilimitado de participantes” (idem, p. 88).

Isso não significa que as pessoas deliberativas façam uso de fato de sua capacidade de crítica e autocrítica e que realmente alterem seu comportamento com base no resultado de discursos dos quais tenham participado. Trata-se, aqui, da capacidade de fazê-lo. Essa capacidade torna a pessoa deliberativa o centro originário de suas ações, não apenas no sentido causal, mas também como sua autora (idem, p. 89).

Além disso, é preciso ter em mente que procedimentos democráticos, ao contrário de discursos, não podem prolongar-se indefinidamente, mas precisam ser organizados de modo que permitam decisões majoritárias sobre normas jurídicas dentro de um lapso de tempo limitado. Daí que as normas jurídicas têm validade, mesmo que nem todos os cidadãos tenham feito uso de fato de sua capacidade deliberativa e mesmo que nem todos tenham sido convencidos a rever sua posição divergente (idem, p. 91).

A posição de cidadão (colegislador) é uma especificação da pessoa deliberativa, ou seja, é a pessoa deliberativa com características específicas em função do procedimento legislativo democrático. A participação dos cidadãos em argumentações exercita-se “na forma de um direito subjetivo de participação política em procedimentos juridicamente institucionalizados de formação de opinião e vontade públicas” (idem, p. 93; grifos do autor).

A forma direito subjetivo implica que o cidadão não tem um dever de participação política. Além disso, ele não tem um dever de seguir a norma por concordar com seu conteúdo. A validade do direito funda-se apenas no procedimento democrático que concede a todos os cidadãos o direito igual e eficaz de exercer publicamente sua capacidade crítica (idem, ibidem).

Tanto a participação no procedimento democrático de criação de normas jurídicas quanto a obediência a normas dependem das capacidades da pessoa deliberativa. Primeiro, porque o dever de obediência depende de a norma ser legítima e, segundo, porque é apenas sob a condição de ser capaz de assumir uma posição autocrítica em relação aos próprios proferimentos e ações que uma pessoa poderá ser considerada autora de ato que viole uma norma legítima. Portanto, o destinatário da norma jurídica, a “pessoa de direito” (Rechtsperson), precisa ser também uma pessoa deliberativa.

Assim, fecha-se o laço que une o destinatário da norma ao legislador: as características de pessoa deliberativa permitem que o mesmo ator exerça alternadamente os papéis de pessoa de direito e de cidadão.

Os dois papéis se articulam, sem se confundirem: a pessoa deliberativa pode defender seus pontos de vista sobre as normas jurídicas que regulam a convivência de todos por meio do exercício de seu direito subjetivo de participação no procedimento democrático, mas não pode fazê-lo por meio do descumprimento da norma legitimamente válida (idem, p. 99).

Como resultado, temos que as circunstâncias em que alguém será ou não considerado juridicamente responsável por um ilícito não estão dadas de antemão: não decorrem diretamente da economia ou da moral, ou mesmo das características do discurso ou das aptidões da pessoa deliberativa. O conteúdo das normas de responsabilidade resulta do procedimento democrático organizado na forma de argumentos racionais sobre as circunstâncias em que deve haver responsabilidade, no qual os próprios cidadãos interpretam a si mesmos no seu papel de futuros imputados.

Assim, é possível dizer, com Günther, que em um Estado democrático de direito, os cidadãos assumem responsabilidade por sua responsabilização.7 7 A expressão é de Zygmunt Baumann, apud Günther (2000, p. 477).

O PROBLEMA DA PESSOA JURÍDICA

Como dissemos, o direito atribui responsabilidade não apenas a indivíduos, mas igualmente a pessoas jurídicas. No direito penal, temos a responsabilidade por crimes ambientais (Constituição Federal, art. 173, §5º e art. 225, §3º; lei n. 9.605/98). Leis que estabelecem responsabilidade civil nem sequer fazem referência a um tipo determinado de pessoa, aplicando-se indistintamente a pessoas naturais e jurídicas. Sendo assim, para que possa ser entendida como teoria da responsabilidade jurídica é preciso verificar a aplicação da teoria do discurso da responsabilidade a pessoas de direito não individuais, isto é, às pessoas jurídicas.

Pessoas jurídicas como sujeitos racionais autônomos

Tendo em vista que a imputabilidade das pessoas, conforme a teoria do discurso, consiste nas capacidades da pessoa deliberativa, para atingir nosso objetivo será necessário demonstrar que as pessoas jurídicas podem ser pessoas deliberativas. Para isso, devemos verificar se elas têm as disposições e aptidões que a teoria do discurso pressupõe para os participantes no discurso, isto é, se no caso das pessoas jurídicas estão presentes os requisitos de sua imputabilidade.

O problema central do reconhecimento das características de pessoa deliberativa a pessoas jurídicas é a desconfiança quanto à sua independência em relação aos indivíduos. As pessoas jurídicas não têm cérebro, boca, braços e pernas, de modo que só podem pensar, querer e agir por meio de indivíduos. Daí que é natural supor que os pensamentos, a vontade e as ações das pessoas jurídicas são aqueles dos indivíduos por meio dos quais elas pensam, querem e agem.

Para que as pessoas jurídicas possam ser consideradas deliberativas, será preciso demonstrar, portanto, que elas são capazes de formular e expressar pretensões de validade e razões que as fundamentem de maneira independente em relação aos indivíduos e que podem, também de maneira independente, modificar seu comportamento conforme as razões que aceitem.8 8 Caso contrário, a imputação de responsabilidade a pessoas jurídicas seria apenas uma forma mediada de imputação de responsabilidade aos indivíduos que as compõem. Para mostrar que isso não só é possível como também necessário no caso de organizações que busquem atingir objetivos determinados e tenham alguma duração no tempo, usaremos, conforme explicamos acima, o argumento desenvolvido por Pettit e List.

O argumento e o exemplo que serão apresentados a seguir referem-se a coletividades muito simples, cujo modelo são as sociedades. Esse fato poderia levantar a suspeita de que ao argumento em favor da autonomia das coletividades faltaria fundamento na realidade, por não levar em conta a enorme complexidade que podem atingir as pessoas jurídicas. No entanto, é razoável supor que as organizações simples seriam as pessoas jurídicas mais propensas a ser não autônomas, devido à sua relação estreita com indivíduos, os quais, supõe-se, uniram-se exatamente para perseguir objetivos próprios seus. Portanto, se demonstrarmos que mesmo coletividades desse tipo podem ser autônomas, o argumento será ainda mais convincente para coletividades maiores e mais complexas.

A hipótese de que a racionalidade das pessoas jurídicas não passa da racionalidade dos indivíduos que as compõem pressupõe que entre a formação e manifestação de pretensões de validade dos indivíduos e da pessoa jurídica haja uma continuidade, uma aderência. Segundo essa hipótese, passar-se-ia das pretensões de validade, das razões e contrarrazões e do comportamento dos indivíduos diretamente para as pretensões de validade, razões, contrarrazões e comportamento da coletividade.

Como se trata sempre, em última análise, de um grupo de indivíduos, é necessário lidar com a possibilidade de haver discordância entre eles, o que pode ser feito estabelecendo-se que prevalecerá a decisão da maioria. Podemos começar verificando, portanto, se existe continuidade entre as decisões da maioria e as decisões da coletividade.

Suponhamos uma coletividade formada por três indivíduos racionais que precisam tomar várias decisões relativas a questões logicamente conexas. Usando o exemplo de Philip Pettit (2001Pettit, Philip. A Theory of Freedom: From the Psychology to the Politics of Agency. Cambridge: Polity, 2001., pp. 108-9), imaginemos que esses três indivíduos (A, B e C), os quais são simultaneamente funcionários e titulares de uma empresa, precisam decidir se concedem a si mesmos um aumento de salário ou usam a verba disponível para aumentar a segurança no local de trabalho, por meio da instalação de um dispositivo contra choques elétricos.

Eles concordam que tal decisão depende da decisão de três outras questões que lhe são prévias: 1) se existe um risco grande de eletrocussão; 2) se o dispositivo de segurança é eficaz para evitá-lo; 3) se o sacrifício financeiro implicado pode ser suportado por todos.

Como os indivíduos do exemplo são racionais, qualquer um que responder afirmativamente a essas três questões votará pela instalação do dispositivo de segurança. Ao contrário, os indivíduos que responderem negativamente a qualquer uma delas votará pelo aumento de salário.

Vamos supor que, depois de deliberarem, os indivíduos façam uma votação e seus votos sejam os seguintes:

Perigo grave? Medida eficaz? Sacrifício suportável? Instalação do dispositivo? A Sim Não Sim Não B Não Sim Sim Não C Sim Sim Não Não

Note-se que, embora todos os indivíduos tenham decidido racionalmente, a decisão final coletiva é irracional, pois não reflete o juízo coletivo em relação às premissas para a decisão final. Para cada uma das premissas há uma maioria de votos positivos, de modo que a consequência racional seria uma decisão positiva também com relação à instalação do dispositivo de segurança.

Nesse caso, podemos afirmar que há de fato uma continuidade entre a decisão da coletividade e as posições de seus três membros individualmente. O preço que pagam por isso, no entanto, é a ausência de racionalidade no nível coletivo, o que, tratando-se de uma organização voltada a atingir objetivos que se protraem no tempo, compromete sua capacidade de atuação.

List e Pettit demonstram que não se trata de um problema exclusivo da decisão por maioria (qualquer que seja a maioria que se considere), mas de todo o procedimento de agregação de juízos que seja responsivo em relação aos juízos individuais, mesmo que estes sejam racionais.9 9 Trata-se de impossibilidade lógica, cuja demonstração formal está em List e Pettit (2002, pp. 108-10).

Isso não significa, no entanto, que a racionalidade coletiva seja impossível, mas apenas que ela depende da adoção de um procedimento de agregação de juízos individuais capaz de romper a correspondência direta entre os juízos individuais de seus membros e os juízos coletivos.

Os autores investigam estratégias possíveis para atingir esse fim, das quais as mais promissoras seriam:

  • 1) juízos com pesos distintos: essa estratégia consiste em dar pesos diferentes aos juízos dos membros do grupo, concedendo a grupos menores ou a indivíduos o poder de decidir pela coletividade, de forma mais ou menos limitada (List; Pettit, 2002List, Christian; Pettit, Philip. “Aggregating Sets of Judgments: An Impossibility Result”. Economics and Philosophy, v. 18, 2002, pp. 89-110., p. 103);

  • 2) procedimentos diferentes para proposições diferentes: outra estratégia é estabelecer procedimentos diferenciados para julgar proposições diferentes, estabelecendo-se questões prioritárias cuja decisão determine o julgamento das demais (idem, p. 104).

O importante é que as estratégias para obter racionalidade coletiva podem ser combinadas (idem, p. 107) e normalmente o são.

Assim, retomando o exemplo da colocação do dispositivo de segurança antichoques, seria possível estabelecer que a decisão final seria a consequência lógica das decisões sobre as premissas, as quais deveriam ser tomadas por indivíduos diferentes: A decidiria se existe risco de eletrocussão, B se o dispositivo de segurança é eficaz para evitar tal risco, e C se o sacrifício financeiro pode ser suportado pelos envolvidos, e a decisão final seria a consequência lógica dessas decisões. Desse modo teríamos uma decisão final racional, a qual não decorreria da posição individual dos membros da coletividade sobre a questão da instalação do dispositivo de segurança. Vamos supor que o indivíduo A pessoalmente discorde da decisão sobre a terceira premissa. Sua posição individual sobre a questão da instalação divergirá da solução coletiva, pois a posição de A sobre essa premissa é irrelevante na formação do juízo coletivo.

Teríamos, assim, um juízo garantidamente racional e, além disso, autônomo em relação aos juízos individuais. Seria, portanto, um juízo racional propriamente coletivo.

Se observarmos a estrutura das pessoas jurídicas reais, veremos que elas de fato empregam estruturas de decisão variadas e normalmente combinam várias estratégias de modo a obter racionalidade coletiva.

Retomemos afirmação anterior segundo a qual as pessoas jurídicas, como não têm cérebro, boca, braços etc., só podem pensar, querer e agir por meio de indivíduos, e analisemos mais de perto como se dá a relação entre indivíduos e agente coletivo. Como já notamos, essa relação é a base para a desconfiança acerca da autonomia da coletividade.

Com List e Pettit, mostramos até aqui que não há relação de causa e efeito entre os juízos dos indivíduos e das coletividades, desde que observados certos procedimentos de decisão.

A relação entre a coletividade e os indivíduos que compõem um agente coletivo racional e autônomo é denominada por List e Pettit (2011________;________. Group Agency. The Possibility, Design, and Satus of Corporate Agents. Oxford: Oxford University Press, 2011., pp. 65-7) superveniência holística. Superveniência significa que, ocorrendo uma série de fatos X, ocorre necessariamente outra série de fatos Y, sem que haja, no entanto, relação causal entre os fatos da primeira série e os fatos da série superveniente. A relação de superveniência permite que Y ocorra a partir de várias configurações diferentes de X. No caso dos agentes coletivos racionais autônomos, tal relação de superveniência é holística porque não ocorre juízo a juízo, mas entre o conjunto de juízos individuais e o conjunto de juízos coletivos.

Assim, são os juízos dos indivíduos que determinam os juízos coletivos,10 10 De modo que a teoria de List e Pettit é compatível com o individualismo metodológico (List; Pettit, 2011, pp. 3-4). mas estes não podem ser reconduzidos a nenhum desses juízos individuais e poderiam ser estabelecidos por uma configuração diversa de juízos individuais.

Em suma, o que o argumento desenvolvido nesse parágrafo demonstra é a possibilidade de conceber coletividades capazes de agir racionalmente de maneira autônoma, bem como coletividades destituídas de tal capacidade. O que as diferencia é o procedimento por meio do qual as decisões coletivas são tomadas.

Portanto, reconhecer que coletividades podem ser agentes racionais não implica atribuir tal característica a toda e qualquer forma de ação coletiva. No que se refere às pessoas jurídicas, um aspecto importante a ser levado em conta é que não existe uma coincidência necessária entre o reconhecimento de personalidade jurídica pelo direito brasileiro e a real autonomia da coletividade. Basta o registro formal das coletividades previstas em lei, independentemente de constatação de sua real independência em relação aos indivíduos, para que o direito considere existente uma pessoa jurídica autônoma (Código Civil, art. 45).

Diante disso, há vários fenômenos capazes de resultar na criação de entidades não autônomas na realidade, mas ainda assim personificadas (ou seja, autônomas do ponto de vista jurídico, mas incapazes de racionalidade coletiva), bem como de entidades que atuam como agentes coletivos sem serem, no entanto, personificadas.11 11 Lamartine Corrêa de Oliveira (1979), em sua obra clássica, já apontava que aquilo que ele denominava a dupla crise da pessoa jurídica relacionava-se a situações nas quais uma pressuposta autonomia da pessoa jurídica apresentava-se na realidade comprometida em casos como o dos grupos de sociedades e na hipótese de concentração do poder nas mãos de um sócio controlador.

Em primeiro lugar, tratando-se de entes que não são biologicamente constituídos como os indivíduos, é difícil estabelecer os limites de cada coletividade racional. Isso se percebe claramente pela observação do fenômeno de criação de grupos empresariais. Nesse caso, temos várias sociedades operando em conjunto do ponto de vista econômico, de modo que será possível enxergar no grupo uma única pessoa racional (da qual as várias sociedades seriam órgãos). Os grupos societários são muito comuns na realidade empresarial brasileira (Müller Prado, 2006Müller Prado, Viviane. Conflito de interesses nos grupos societários. São Paulo: Quartier Latin, 2006., p. 41). Apesar disso, para o direito brasileiro, apenas as sociedades que fazem parte do grupo são personificadas, e não o grupo empresarial em si mesmo, o qual permanece uma organização despersonificada.

Além disso, como se viu, o que define a autonomia é a organização da coletividade, a qual depende das relações reais de poder internas a cada coletividade concreta. A estrutura mínima que a lei exige para certas pessoas jurídicas, como a de Assembleia de Acionistas para as sociedades anônimas ou de Conselho de Administração para companhias abertas etc. (lei n. 6.404/1976, art. 121; art. 138, §2o), não é suficiente para garantir por si só a racionalidade propriamente coletiva.

Essa última questão é especialmente importante num cenário no qual, como no Brasil, há grande concentração de poder de controle mesmo em grandes empresas. Mas, naturalmente, por mais concentrado que seja esse poder, a própria complexidade e o volume de atividades da empresa levarão a alguma divisão de trabalho e, com isso, a alguma divisão de poder dentro da estrutura administrativa. Assim, ainda que um acionista controlador consiga de fato definir pessoalmente todas as políticas da empresa, não poderá certamente tomar todas as decisões necessárias para a sua implementação.

De modo que podemos concluir que a autonomia das coletividades não é uma questão de tudo ou nada, mas um fenômeno que admite graus e formas diferentes. E não está claro qual critério seria possível empregar para estabelecer o grau de autonomia necessário para se considerar uma coletividade suficientemente independente dos indivíduos que a compõem para poder falar de uma racionalidade propriamente coletiva.

O direito, como vimos, não considera a variação na autonomia real das coletividades para sua personificação, o que nos leva a concluir que, no direito brasileiro, é possível haver pessoas jurídicas com graus variados de racionalidade coletiva e até pessoas jurídicas cuja racionalidade seja, na verdade, totalmente individual.

Diante disso, haverá casos em que a atribuição de responsabilidade a uma pessoa jurídica será de fato apenas uma forma indireta (ou metafórica) de atribuir responsabilidade a certos indivíduos. Isso acontecerá claramente no caso em que tivermos duas pessoas do ponto de vista jurídico, mas apenas um agente racional individual, como no caso do empresário individual com personalidade jurídica que exerce sua atividade pessoalmente.

Em grande parte dos casos, ainda assim, haverá realmente agentes racionais distintos: vários agentes individuais e um agente coletivo. Sendo assim, não é possível desconsiderar a possibilidade da existência de agentes racionais coletivos quando se analisa a aplicação da teoria do discurso do direito à responsabilidade jurídica.

Note-se ainda que, mais do que apenas possível, a constituição de um agente autônomo é uma necessidade para certas coletividades, por ser o modo de garantia de racionalidade. Uma coletividade que não constitua um agente coletivo racional autônomo tem representações e propósitos inconsistentes, os quais, por essa razão, não podem ser realizados em conjunto. Decisões inconsistentes apontam para estratégias de ação divergentes, e um grupo coletivamente irracional não tem como decidir entre elas (Pettit, 2009________. “The Reality of Group Agents”. In: Mantzavinos, Chris (org.). Philosophy of the Social Sciences: Philosophical Theory and Scientific Practice. Cambridge: Cambridge University Press, 2009, pp. 67-91., pp. 77-8). Uma coletividade incapaz de optar por uma estratégia de ação no decorrer do tempo não tem condições de perseguir um objetivo, seja qual for. É por isso que, embora nem toda coletividade constitua um ator coletivo racional e autônomo, as pessoas jurídicas tendem a sê-lo, justamente por se organizarem para a persecução de certos objetivos.

Diante disso, é preciso admitir que, em muitos casos, a atribuição de responsabilidade jurídica a uma pessoa jurídica não pode ser reduzida à mera responsabilização indireta dos indivíduos que a compõem. O que nos importa é que, uma vez constituídas como atores coletivos racionais, é fácil perceber que as pessoas jurídicas podem apresentar todas as características essenciais das pessoas deliberativas. Elas podem manter identidade no decorrer do tempo, mesmo que haja substituição de vários ou mesmo de todos os indivíduos que as compõem. São capazes de se posicionar criticamente em relação a proferimentos próprios e alheios e não como simples reflexo do posicionamento crítico dos indivíduos, mas com racionalidade própria. Do mesmo modo, podem ser capazes de orientar seu comportamento conforme o posicionamento assumido.

Sendo assim, é preciso admitir a imputabilidade da pessoa jurídica enquanto tal, isto é, uma imputabilidade diversa da imputabilidade dos indivíduos que a compõem. A pessoa jurídica pode ter capacidade de assumir responsabilidade pelos próprios proferimentos linguísticos, bem como para ser responsável juridicamente no papel de destinatária de normas jurídicas.

O que diferencia os indivíduos das pessoas jurídicas autônomas não é a capacidade deliberativa, mas apenas o substrato que possibilita a existência de tal capacidade: nos indivíduos há uma base biológica; nas pessoas jurídicas, essa capacidade é resultado de estruturas artificiais, das quais fazem parte diversos indivíduos (muitas vezes com a interposição de outras pessoas jurídicas).

Naturalmente, a imputabilidade das pessoas jurídicas depende, assim como a imputabilidade dos indivíduos, da interpretação que dela fazem os cidadãos no debate público. Assim como para os indivíduos, a responsabilidade jurídica das pessoas jurídicas depende do modo como os cidadãos interpretam e estruturam juridicamente a imputabilidade idealizada que lhe atribuem.12 12 Portanto, afirmar que a pessoa jurídica pode ser pessoa deliberativa não equivale a dizer que em todos os contextos sua responsabilidade será necessariamente idêntica à dos indivíduos. É possível haver diferenças entre a abrangência da imputabilidade de uma e outra como resultado da interpretação e da estruturação jurídica da imputabilidade pressuposta das pessoas naturais e jurídicas decorrentes do discurso dos cidadãos no Estado de direito democrático.

Pessoas jurídicas como cidadãos?

Estabelecido que pessoas jurídicas podem ser pessoas deliberativas, sua capacidade para serem responsabilizadas como destinatárias de normas jurídicas nesses casos parece clara. No entanto, tais normas jurídicas seriam legítimas?

Como vimos acima, a teoria do discurso do direito é uma teoria sobre a legitimidade democrática do direito, segundo a qual a legitimidade da norma jurídica deriva do fato de que as capacidades de pessoa deliberativa permitem ao mesmo sujeito ocupar alternadamente o papel de destinatário de normas e de colegislador. São o direito subjetivo de participação na criação das normas jurídicas e a possibilidade real de seu exercício que fundam a legitimidade e o caráter vinculante do direito.

Como também dissemos, a teoria desconsidera o fato de que em nossa sociedade existem entes coletivos com a mesma capacidade deliberativa dos indivíduos e que ocupam a posição de destinatários de normas jurídicas.13 13 Neste texto cuidamos apenas da questão das pessoas jurídicas. No entanto, é importante notar que outro desafio já desponta com os debates acerca do reconhecimento de personalidade jurídica a animais, robôs com inteligência artificial e entes híbridos de animais e humanos ou humanos e computadores. Sobre isso, ver Gunter Teubner (2007, pp. 1-30).

A pergunta que se apresenta diante disso é a seguinte: sendo as pessoas jurídicas pessoas deliberativas, seria necessário reconhecer-lhes direitos de participação política para garantir a legitimidade democrática do direito? A Suprema Corte norte-americana (Estados Unidos da América, 2009Estados Unidos da América. Supreme Court of the United States. Citizens United v. Federal Election Commission. N. 08-205. 21 de janeiro de 2010. Disponível em <Disponível em https://www.supremecourt.gov/opinions/boundvolumes/558bv.pdf >. Acesso em: 4/4/2019.
https://www.supremecourt.gov/opinions/bo...
), por exemplo, reconheceu às pessoas jurídicas um direito de participação política, qual seja, o de manifestar sua posição política por meio de contribuição a campanhas eleitorais.14 14 A questão do financiamento de campanhas políticas por pessoas jurídicas foi julgada também pelo Supremo Tribunal Federal, na ADI n. 4.650, de 2015. No caso brasileiro, o tribunal entendeu serem inconstitucionais os dispositivos legais que permitiam as contribuições de pessoas jurídicas a campanhas eleitorais.

A questão, no entanto, não é simplesmente se é possível ou adequado que pessoas jurídicas tenham direitos de participação política, mas se a teoria do discurso do direito permite uma distinção entre pessoas deliberativas individuais e não individuais, de modo que a exclusão das pessoas jurídicas da categoria dos cidadãos (ao mesmo tempo que permanecem submetidas ao direito na condição de destinatárias das normas jurídicas) não constitua um problema para a legitimidade democrática do direito. Caso não se encontre uma distinção relevante entre as duas categorias de pessoas, a teoria do discurso do direito resultaria na necessidade de concessão de direitos políticos às pessoas jurídicas.15 15 Esses direitos políticos, naturalmente, teriam de ser concretizados por meio da interpretação dos próprios cidadãos no processo democrático, do mesmo modo que os direitos políticos dos indivíduos. Sobre a interpretação dos direitos políticos individuais, ver Jürgen Habermas (1994, pp. 160-1).

Neste ponto aparece claramente o risco que há na autonomia da pessoa jurídica e explica-se a repulsa que a ideia muitas vezes provoca. Há o receio de que, sendo autônomas, as pessoas jurídicas possam concorrer e sobrepor-se aos indivíduos, além de dissolver a própria ideia de responsabilidade individual.

Em reação à mencionada decisão da Suprema Corte norte-americana, por exemplo, Barack Obama (2010aObama, Barack. Weekly Address: President Obama Vows to Continue Standing Up to the Special Interests on Behalf of the American People. 2010a. Disponível em: <Disponível em: https://obamawhitehouse.archives.gov/the-press-office/weekly-address-president -obama-vows-continue-standing-special-interests-behalf-amer >. Acesso em: 29/7/2011.
https://obamawhitehouse.archives.gov/the...
, 2010b________. Remarks by the President in State of the Union Address. 2010b. Disponível em: <https://obamawhitehouse.archives.gov/the-press-office/remarks-president -state-union-address>. Acesso em: 6/8/2011.
https://obamawhitehouse.archives.gov/the...
) afirmou que ela representou um forte golpe para os esforços de seu governo para limitar a influência das empresas. Segundo o então presidente norte-americano, a decisão “atinge a própria democracia” ao abrir as comportas para que as eleições norte-americanas sejam financiadas de modo ilimitado por interesses particulares, inclusive o de companhias estrangeiras, não havendo, segundo ele, nada mais devastador para o interesse público.

Evidentemente, apenas negar teoricamente a autonomia das pessoas jurídicas não faz sentido diante de sua realidade social, além de que certamente não é um modo eficaz de controlar os riscos que ela representa. Por outro lado, a extinção das coletividades autônomas não se apresenta como posição defensável, uma vez que inviabilizaria a realização de um sem-número de atividades complexas (econômicas ou não).

Falta ainda esclarecer como se justificam as limitações destinadas a impedir que pessoas jurídicas dominem a política em detrimento dos indivíduos. Mais especificamente, para os fins deste texto, falta esclarecer se a teoria do discurso do direito é capaz de fazê-lo, sem voltar atrás no que se refere ao reconhecimento da capacidade deliberativa das pessoas jurídicas.

Para responder a essa pergunta, é preciso analisar o fundamento da atribuição de direitos fundamentais de participação política segundo a teoria do discurso. Para isso, tomemos o fundamento da legitimidade das normas jurídicas conforme a teoria. Este consiste na conformidade das normas ao princípio democrático (Demokratieprinzip), o qual, por sua vez, é resultado da especificação do princípio geral do discurso “às normas de conduta que aparecem sob a forma direito e podem ser justificadas com recurso a razões pragmáticas, ético-políticas e morais, e não apenas com base em razões morais” (Habermas, 1994Habermas, Jürgen. Faktizität und Geltung. Beiträge zur Diskurstheorie des Rechts und des demokratischen Rechtsstaats. 4. ed. Frankfurt am Main: Suhrkamp , 1994., p. 139; tradução nossa).

O princípio do discurso (do qual, como dissemos, o princípio democrático é uma especificação) determina que são “válidas […] as normas de conduta com as quais todos os possíveis concernidos poderiam concordar enquanto participantes de discursos racionais” (idem, p. 138). O princípio democrático estabelece, portanto, que serão legítimas apenas as leis criadas por meio de um procedimento discursivo racional estruturado juridicamente, passível de ser aceito por todos os membros da comunidade jurídica (Rechtsgenossen), os quais se reconhecem como membros iguais de uma associação voluntária (idem, p. 141).

O princípio democrático resulta do entrelaçamento entre o princípio do discurso e a forma direito. Nas palavras de Jürgen Habermas (idem, pp. 154-5), tal entrelaçamento consiste em “uma gênese lógica de direitos, que pode ser reconstruída passo a passo. Começa com a aplicação do princípio do discurso ao próprio direito à liberdade de ação - o qual é constitutivo para a forma direito como tal - e termina com a institucionalização jurídica das condições para o exercício discursivo da autonomia política […]” (grifos do autor).

É possível, a partir daí, determinar abstratamente os direitos que produzem a forma direito ao estabelecer o status de pessoa de direito (Rechtsperson). Em primeiro lugar, há os direitos fundamentais resultantes da estruturação política autônoma do direito à maior medida possível de igual liberdade subjetiva de ação (idem, p. 155). Tais direitos exigem como correlatos, por um lado, direitos fundamentais que resultam da estruturação politicamente autônoma do status de membro de uma associação voluntária de sujeitos de direito (Rechtsgenossen) e, por outro, direitos fundamentais que resultam diretamente da possibilidade de defesa de direitos em juízo e da estruturação politicamente autônoma da proteção jurídica individual (idem, ibidem).

Essas três primeiras categorias de direitos fundamentais derivam diretamente da aplicação do princípio do discurso à forma direito. Trata-se das categorias de direitos que regulam as relações entre cidadãos que se associam voluntariamente e se reconhecem como destinatários de leis. Em seguida, como próximo passo, esses sujeitos de direito adquirem o papel de autores da ordem jurídica por meio de “direitos fundamentais à igualdade de oportunidade de participação em processos de formação de opinião e vontade, nos quais os cidadãos exercem sua autonomia política e criam direito legítimo” (idem, p. 156; grifos do autor).

Na posição de sujeitos de direito, os cidadãos já não têm escolha sobre o meio para a realização de sua autonomia: o direito é a única língua disponível. Sendo assim, é necessário que as condições para que os cidadãos avaliem se o direito que criam é legítimo com base no princípio do discurso sejam garantidas juridicamente. É para isso que servem os direitos fundamentais de participação no processo de criação de normas jurídicas: direitos políticos fundamentais iguais para todos resultam da juridificação simétrica da liberdade comunicativa de todos os membros da comunidade jurídica (idem, pp. 160-1).

O critério da validade de normas é, em suma, sua aceitabilidade racional, e os direitos fundamentais - que incluem o direito de participação política - derivam da aplicação do princípio de sua aceitabilidade racional à forma direito. Por outro lado, não é possível separar os direitos fundamentais ligados à constituição da forma direito e os direitos fundamentais de participação política.

Diante disso, parece-nos que a teoria do discurso não tem como distinguir entre indivíduos e coletividades racionais, uma vez que a categoria de membro da comunidade jurídica (Rechtsgenosse) é uma especificação da categoria de concernido, a qual - conforme o princípio do discurso - liga-se à possibilidade de participação em discursos racionais, e a juridificação simétrica da liberdade comunicativa16 16 Devemos recordar que a ação comunicativa não exige agentes desinteressados (Strecker, 2009, p. 224). O fato de que agentes coletivos são constituídos para perseguir certos objetivos não os desqualifica, portanto, como pessoas deliberativas. de todos os membros da comunidade jurídica resulta necessariamente na atribuição de direitos políticos fundamentais iguais para todos.

A ideia de que não faria sentido tratar da socialização horizontal de entes cuja existência somente pode ser pensada uma vez realizada essa socialização, em virtude de serem constituídos juridicamente (e em última instância) por indivíduos, não cabe quando se trata da teoria do discurso, já que a gênese de direitos para a teoria é lógica e não referência a um momento (a-histórico) anterior à socialização.

CONCLUSÃO

A teoria do discurso tem uma vantagem importante em relação às demais justificativas da responsabilidade em debate atualmente: ela é procedimental, portanto não se apoia no conteúdo das normas de responsabilidade.

Com isso, a teoria do discurso do direito não subtrai ao debate público o conteúdo das normas de responsabilidade. Evita, em primeiro lugar, sua cristalização (ou do discurso de sua justificação), colocando em evidência o caráter política e historicamente contingente das regras de responsabilidade. Em segundo lugar, por ligar o conteúdo das normas de responsabilidade à sua legitimidade democrática, coloca o teórico da responsabilidade em seu devido lugar. Não cabe ao teórico da responsabilidade determinar quem deve ser responsável em quais circunstâncias: isso só é admissível caso se assuma o papel de cidadão no debate público. Com isso, a teoria do discurso do direito põe em evidência o caráter autoritário das justificativas fundadas no conteúdo das normas.

No entanto, é preciso admitir, a realidade dos entes racionais coletivos aponta para uma necessidade de revisão da teoria. Sem justificar a negação de direitos fundamentais de participação política aos agentes coletivos, a teoria não será capaz de dar conta dos riscos que o grande poder das coletividades racionais oferece para os indivíduos sem comprometer a legitimidade do direito em seus próprios termos.

Como já adiantamos, isso não significa necessariamente que se deva abandonar a teoria do discurso da responsabilidade. É possível pensar sua revisão de modo que se justifique adequadamente a inclusão das pessoas jurídicas exclusivamente no grupo dos destinatários de normas jurídicas, sem direito de participação política, ao mesmo tempo que se reconhece a realidade de sua capacidade deliberativa. Trilhar tal caminho é o passo que completa a crítica a que nos propusemos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • Brasil. Supremo Tribunal Federal. (Plenário). Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4650. Relator: Ministro Luiz Fux. Julgado em 17 de setembro de 2015. Disponível em: <Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=308746530&ext=.pdf >. Acesso em: 4/4/2019.
    » http://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=308746530&ext=.pdf
  • Calabresi, Guido. The Costs of Accidents: A Legal and Economic Analysis. New Haven: Yale University Press, 1970.
  • Estados Unidos da América. Supreme Court of the United States. Citizens United v. Federal Election Commission. N. 08-205. 21 de janeiro de 2010. Disponível em <Disponível em https://www.supremecourt.gov/opinions/boundvolumes/558bv.pdf >. Acesso em: 4/4/2019.
    » https://www.supremecourt.gov/opinions/boundvolumes/558bv.pdf
  • Günther, Klaus. “Welchen Personenbegriff braucht die Diskurstheorie des Rechts? Überlegungen zum internen Zusammenhang zwischen deliberativer Person, Staatsbürger und Rechtsperson”. In: Brunkhorst, Hauke; Niesen, Peter (orgs.). Das Recht der Republik. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1999, pp. 83-104.
  • ________. “Verantwortlichkeit in der Zivilgesellschaft”. In: Müller-Doohm, Stefan (org.). Das Interesse der Vernunft. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 2000, pp. 465-85 [ed. bras.: “Responsabilização na sociedade civil”. Novos Estudos Cebrap, v. 63, n. 2, 2002, pp. 105-18].
  • ________. Schuld und kommunikative Freiheit. Studien zur individuellen Zurechnung strafbaren Unrechts im demokratischen Rechtsstaat. Frankfurt am Main: Vittorio Klostermann, 2005.
  • Habermas, Jürgen. Faktizität und Geltung. Beiträge zur Diskurstheorie des Rechts und des demokratischen Rechtsstaats. 4. ed. Frankfurt am Main: Suhrkamp , 1994.
  • Keren-Paz, Tsachi. Torts, Egalitarianism and Distributive Justice. Farnham: Ashgate, 2007.
  • Lamartine Côrrea de Oliveira, José. A dupla crise da pessoa jurídica. São Paulo: Saraiva, 1979.
  • List, Christian; Pettit, Philip. “Aggregating Sets of Judgments: An Impossibility Result”. Economics and Philosophy, v. 18, 2002, pp. 89-110.
  • ________;________. Group Agency. The Possibility, Design, and Satus of Corporate Agents. Oxford: Oxford University Press, 2011.
  • Müller Prado, Viviane. Conflito de interesses nos grupos societários. São Paulo: Quartier Latin, 2006.
  • Obama, Barack. Weekly Address: President Obama Vows to Continue Standing Up to the Special Interests on Behalf of the American People. 2010a. Disponível em: <Disponível em: https://obamawhitehouse.archives.gov/the-press-office/weekly-address-president -obama-vows-continue-standing-special-interests-behalf-amer >. Acesso em: 29/7/2011.
    » https://obamawhitehouse.archives.gov/the-press-office/weekly-address-president -obama-vows-continue-standing-special-interests-behalf-amer
  • ________. Remarks by the President in State of the Union Address. 2010b. Disponível em: <https://obamawhitehouse.archives.gov/the-press-office/remarks-president -state-union-address>. Acesso em: 6/8/2011.
    » https://obamawhitehouse.archives.gov/the-press-office/remarks-president -state-union-address
  • Pettit, Philip. A Theory of Freedom: From the Psychology to the Politics of Agency. Cambridge: Polity, 2001.
  • ________. “The Reality of Group Agents”. In: Mantzavinos, Chris (org.). Philosophy of the Social Sciences: Philosophical Theory and Scientific Practice. Cambridge: Cambridge University Press, 2009, pp. 67-91.
  • Püschel, Flavia Portella. “A função comunicativa da responsabilidade civil: evidências a partir de um caso de impunidade”. In: Püschel, Flavia Portella; Machado, Marta Rodriguez de Assis (orgs.). Responsabilidade e pena no Estado democrático de direito: desafios teóricos, políticas públicas e o desenvolvimento da democracia. São Paulo: FGV Direito SP, 2016, pp. 129-46.
  • ________; Machado, Marta Rodriguez de Assis. “Questões atuais acerca da relação entre as responsabilidades penal e civil”. In: Garcia, Basileu; Machado, Maíra Rocha (orgs.). Instituições de direito penal, v. 1, t. 1. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, pp. 18-37.
  • ________; ________. Klaus Günther: culpa penal no Estado democrático de direito. In: Nobre, Marcos (org.). Curso livre de teoria crítica. 3. ed. Campinas: Papirus, 2011, pp. 251-70.
  • Strecker, David. “Theorie der Gesellschaft. Theorie des kommunikativen Handelns” [1981]. In: Brunkhorst, Hauke; Kreide, Regina; Lafont, Cristina (orgs.). Habermas Handbuch. Stuttgart: J. B. Metzler, 2009, pp. 220-33.
  • Teubner, Gunter. “Elektronische Agenten und grosse Menschenaffen: Zur Ausweitung des Akteursstatus in Recht und Politik”. In: Becchi, Paolo; Beat Graber, Christoph; Luminati, Michele (orgs.). Interdisziplinäre Wege in der juristischen Grundlagenforschung, v. 25. Zurique: Schulthess, 2007, pp. 1-30.
  • Weinrib, Ernest. The Idea of Private Law. Cambridge: Harvard University Press, 1995.
  • 1
    Este artigo é resultado de pesquisa financiada pela Fapesp. Gostaria de agradecer a Klaus Günther por ter me recebido como fellow e visiting scholar no Exzellenzcluster “Die Herausbildung normativer Ordnungen”, da Goethe-Universität (Frankfurt am Main); a Marcos Nobre, Ricardo Terra e membros do Núcleo Direito e Democracia do Cebrap pelos anos de leituras conjuntas e debates que orientaram meu trabalho no tema da teoria do discurso do direito; ao amigo Carlos Eduardo Batalha da Silva e Costa pela ajuda com a versão final do argumento. Evidentemente, a responsabilidade pelas falhas que tenha o texto é inteiramente minha.
  • 2
    A responsabilidade penal é a imputação a alguém da prática de crime ou contravenção penal com a consequente aplicação de uma pena. Já a responsabilidade civil é o dever de reparar um prejuízo, desde que presentes certos requisitos legais. Sobre o desenvolvimento dessas duas formas de responsabilidade jurídica, bem como a relação entre elas, ver Flavia Portella Püschel e Marta Rodriguez de Assis Machado (2008________; Machado, Marta Rodriguez de Assis. “Questões atuais acerca da relação entre as responsabilidades penal e civil”. In: Garcia, Basileu; Machado, Maíra Rocha (orgs.). Instituições de direito penal, v. 1, t. 1. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, pp. 18-37.).
  • 3
    Embora formulada como uma teoria da responsabilidade em geral, a teoria do discurso da responsabilidade foi desenvolvida por Klaus Günther com base na responsabilidade penal. Uma discussão sobre sua aplicação à responsabilidade civil encontra-se em Flavia Portella Püschel (2016Püschel, Flavia Portella. “A função comunicativa da responsabilidade civil: evidências a partir de um caso de impunidade”. In: Püschel, Flavia Portella; Machado, Marta Rodriguez de Assis (orgs.). Responsabilidade e pena no Estado democrático de direito: desafios teóricos, políticas públicas e o desenvolvimento da democracia. São Paulo: FGV Direito SP, 2016, pp. 129-46.).
  • 4
    Dentre as justificativas em debate atualmente, destacam-se as teorias de Law & Economics, de justiça comutativa e de justiça distributiva, todas fundadas no conteúdo das normas de responsabilidade. Ver, como exemplo, as obras de Guido Calabresi (1970Calabresi, Guido. The Costs of Accidents: A Legal and Economic Analysis. New Haven: Yale University Press, 1970.), Ernest Weinrib (1995Weinrib, Ernest. The Idea of Private Law. Cambridge: Harvard University Press, 1995.) e Tsachi Keren-Paz (2007Keren-Paz, Tsachi. Torts, Egalitarianism and Distributive Justice. Farnham: Ashgate, 2007.).
  • 5
    Não há espaço aqui para aprofundar as discussões sobre agência coletiva, de modo que suspendemos, para efeitos deste trabalho, eventuais críticas à posição de List e Pettit.
  • 6
    Este artigo pode ser considerado a segunda de três partes de um argumento de crítica à teoria de Günther. A primeira seria a defesa da realidade das pessoas deliberativas coletivas (tomada neste trabalho como premissa, a partir da teoria de List e Pettit). A terceira seria uma proposta de reformulação da teoria. A parte do argumento aqui apresentada é central, pois esclarece o ponto problemático da teoria do discurso da responsabilidade e a razão da crítica, portanto.
  • 7
    A expressão é de Zygmunt Baumann, apud Günther (2000, p. 477).
  • 8
    Caso contrário, a imputação de responsabilidade a pessoas jurídicas seria apenas uma forma mediada de imputação de responsabilidade aos indivíduos que as compõem.
  • 9
    Trata-se de impossibilidade lógica, cuja demonstração formal está em List e Pettit (2002, pp. 108-10).
  • 10
    De modo que a teoria de List e Pettit é compatível com o individualismo metodológico (List; Pettit, 2011, pp. 3-4).
  • 11
    Lamartine Corrêa de Oliveira (1979Lamartine Côrrea de Oliveira, José. A dupla crise da pessoa jurídica. São Paulo: Saraiva, 1979.), em sua obra clássica, já apontava que aquilo que ele denominava a dupla crise da pessoa jurídica relacionava-se a situações nas quais uma pressuposta autonomia da pessoa jurídica apresentava-se na realidade comprometida em casos como o dos grupos de sociedades e na hipótese de concentração do poder nas mãos de um sócio controlador.
  • 12
    Portanto, afirmar que a pessoa jurídica pode ser pessoa deliberativa não equivale a dizer que em todos os contextos sua responsabilidade será necessariamente idêntica à dos indivíduos. É possível haver diferenças entre a abrangência da imputabilidade de uma e outra como resultado da interpretação e da estruturação jurídica da imputabilidade pressuposta das pessoas naturais e jurídicas decorrentes do discurso dos cidadãos no Estado de direito democrático.
  • 13
    Neste texto cuidamos apenas da questão das pessoas jurídicas. No entanto, é importante notar que outro desafio já desponta com os debates acerca do reconhecimento de personalidade jurídica a animais, robôs com inteligência artificial e entes híbridos de animais e humanos ou humanos e computadores. Sobre isso, ver Gunter Teubner (2007Teubner, Gunter. “Elektronische Agenten und grosse Menschenaffen: Zur Ausweitung des Akteursstatus in Recht und Politik”. In: Becchi, Paolo; Beat Graber, Christoph; Luminati, Michele (orgs.). Interdisziplinäre Wege in der juristischen Grundlagenforschung, v. 25. Zurique: Schulthess, 2007, pp. 1-30., pp. 1-30).
  • 14
    A questão do financiamento de campanhas políticas por pessoas jurídicas foi julgada também pelo Supremo Tribunal Federal, na ADI n. 4.650, de 2015Brasil. Supremo Tribunal Federal. (Plenário). Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4650. Relator: Ministro Luiz Fux. Julgado em 17 de setembro de 2015. Disponível em: <Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=308746530&ext=.pdf >. Acesso em: 4/4/2019.
    http://portal.stf.jus.br/processos/downl...
    . No caso brasileiro, o tribunal entendeu serem inconstitucionais os dispositivos legais que permitiam as contribuições de pessoas jurídicas a campanhas eleitorais.
  • 15
    Esses direitos políticos, naturalmente, teriam de ser concretizados por meio da interpretação dos próprios cidadãos no processo democrático, do mesmo modo que os direitos políticos dos indivíduos. Sobre a interpretação dos direitos políticos individuais, ver Jürgen Habermas (1994Habermas, Jürgen. Faktizität und Geltung. Beiträge zur Diskurstheorie des Rechts und des demokratischen Rechtsstaats. 4. ed. Frankfurt am Main: Suhrkamp , 1994., pp. 160-1).
  • 16
    Devemos recordar que a ação comunicativa não exige agentes desinteressados (Strecker, 2009Strecker, David. “Theorie der Gesellschaft. Theorie des kommunikativen Handelns” [1981]. In: Brunkhorst, Hauke; Kreide, Regina; Lafont, Cristina (orgs.). Habermas Handbuch. Stuttgart: J. B. Metzler, 2009, pp. 220-33., p. 224). O fato de que agentes coletivos são constituídos para perseguir certos objetivos não os desqualifica, portanto, como pessoas deliberativas.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2022

Histórico

  • Recebido
    30 Set 2021
  • Aceito
    10 Jun 2022
Centro Brasileiro de Análise e Planejamento Rua Morgado de Mateus, 615, CEP: 04015-902 São Paulo/SP, Brasil, Tel: (11) 5574-0399, Fax: (11) 5574-5928 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: novosestudos@cebrap.org.br