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A base e os partidos: As eleições presidenciais no Brasil pós-redemocratização* * O texto já havia sido concluído quando Eduardo Campos faleceu. Man ti vemos o texto original e acrescentamos um pós-escrito ao final.

Em Londres, casas de apostas aceitam palpites para qualquer evento. Se, em 1988, alguém tivesse apostado que brasileiros elegeriam pacificamente seu presidente por sete vezes consecutivas, hoje, este cidadão estaria com toda certeza milionário. Se tivesse tido a ousadia de supor que o PT não apenas venceria como também tomaria posse sem contestações dos militares, o nosso hipotético apostador figuraria na lista da Forbes. O prêmio pago seria maior que o recebido pelo Dudu da Loteca.

A atual democracia brasileira nasceu sob um clima de forte desconfiança. Para a maior parte dos analistas, as chances de que a transição desembocasse em uma democracia consolidada eram mínimas. Este era o tom geral das predições acadêmicas. Não iria dar certo. Eleições presidenciais eram uma das razões centrais para tamanho pessimismo. Diante do despreparo do eleitor, de suas carências materiais e cognitivas, dava-se como inevitável que estas fossem marcadas pela combinação de alta instabilidade e polarização. A eleição de 1989 não fez outra coisa senão reforçar esses cenários sombrios, confirmando o que todos temiam: a combinação entre populismo e radicalização.

Essas crenças se mostraram infundadas. A eleição de 1989 não estabeleceu um padrão, discrepando de todas as seguintes. Desde 1994, dois - e os mesmos dois - partidos têm controlado as eleições presidenciais. O comportamento dos eleitores é altamente previsível. Eleições entraram para a rotina do brasileiro. Finda a Copa do Mundo, começa a temporada eleitoral. Um período que tem se mostrado bem menos surpreendente e com doses homeopáticas de emoções.

Neste artigo, descreveremos as seis eleições presidenciais brasileiras posteriores à redemocratização do país. A ênfase recairá sobre o conjunto. Há um bom número de artigos sobre cada uma das eleições e, mesmo, alguns tantos que traçam tendências e comparam pares de eleições. Salvo engano, até o momento, não há textos que analisem conjuntamente todas as eleições. É o que faremos.

Recontaremos a história eleitoral. Seremos mais descritivos do que explicativos1 [1] Referências, demonstrações e questões metodológicas são tratadas em outro artigo, em vias de publicação. . Destacaremos padrões e mudanças na distribuição de votos dos principais candidatos sem oferecer explicações ou interpretações sobre o comportamento dos eleitores.

Em cinco das seis eleições, dois partidos, PT e PSDB, receberam a maioria dos votos. Desde 1994, a votação conjunta desses dois partidos variou entre 70% e 90% dos votos válidos. Considerando as três maiores votações, a variação se estende de 87,5% a 98,9% dos votos válidos. Assim, descrever as tendências gerais é acompanhar a evolução da votação recebida pelo PT, pelo PSDB e por um "desafiante".

A cada eleição um novo candidato ou partido desponta como a ameaça à hegemonia dos petistas e tucanos, sem que um partido (ou candidato) tenha ficado com a terceira colocação em duas eleições seguidas. Terceiras vias, até o momento, têm se provado efêmeras, não sobrevivendo ao próximo ciclo eleitoral.

Assim, a partir de 1994, podemos caracterizar a evolução das votações obtidas como resultante das transições entre três grupos, a dos eleitores do PT, do PSDB e da "terceira força"2 [2] Para facilitar o argumento, desconsideramos os votos brancos, nulos e as abstenções. Todas as porcentagens apresentadas ao longo do texto se referem aos votos válidos. . Se a votação de um dos partidos cresce é porque eleitores abandonaram as outras opções. No mais das vezes, o grosso desse movimento diz respeito às transições entre PSDB e PT. Isso tem implicações para a caracterização das bases de apoio aos partidos. Se as bases de apoio de um desses partidos mudam, a do outro, necessariamente, também se alteram.

O emprego dos termos "base de apoio" ou "base eleitoral" se presta a confusões. Pelo menos dois significados precisam ser distinguidos. A base social de um partido em uma eleição pode ser definida como o grupo em que o partido é "sobrevotado", isto é, em que sua votação está acima da média. A segunda conotação se refere à adesão dos eleitores ao partido, isto é, aos que por razões programáticas e/ou ideológicas votam sistematicamente no partido3 [3] A adesão programática a um partido não é fácil de ser medida. Identificação partidária tende a ser tomada como um indicador de adesão consistente ao partido. Contudo, trata-se tão somente da resposta a uma pergunta em um ponto no tempo. Além disso, a pergunta não é respondida pelo mesmo cidadão em dois pontos no tempo. Note-se, ainda, que votar repetidamente em um partido tampouco pode ser tomado como indicador de uma adesão programática ou ideológica. Um eleitor pode votar repetidamente em um partido por razões estratégicas. Escolhas dependem da estrutura da competição. . Os dois significados podem se mesclar e este é, digamos assim, o padrão esperado, que um partido conte com a adesão de um grupo social específico ao longo do tempo. As duas conotações, contudo, não podem ser tomadas como sinônimas e, sobretudo, a evidência de uma não pode ser tomada como comprovação da existência da outra.

Neste trabalho, pela natureza dos dados com que contamos, privilegiaremos a primeira acepção do termo. Não temos como saber como votam eleitores individuais ao longo do tempo. Os dados agregados sugerem possibilidades que exploraremos em alguns momentos.

Além da caracterização das bases social e regional dos partidos, enfatizamos o peso que a estrutura da competição exerce sobre as escolhas feitas. Eleitores votam nas opções disponíveis. O número de candidaturas competitivas tem sido pequeno: PT, PSDB e a "terceira via". Às vezes, nem isso.

Antes de dar início à análise, uma palavra sobre a base de dados. Para as eleições de 1989, o grau mais baixo de agregação disponível é o município. Para as eleições de 1994, contamos com dados por seções eleitorais para 14 estados4 [4] São eles: AC, AL, AM, AP, BA, GO, MA, PI, RO, RS, SC, SE, SP e TO. Seção é o mesmo que urna. Em média, em cada seção estão alistados 500 eleitores. . De 1998 em diante, há dados por seções eleitorais para todos os estados. O indicador social utilizado são as informações educacionais contidas no cadastro eleitoral. Construir séries, uma vez que novas seções são criadas e outras extintas, envolve alguma perda de dados. Assim, por vezes, nossos dados podem não corresponder aos resultados oficiais.

O texto está organizado pela cronologia eleitoral. Cara cterizamos cada uma das eleições e as transições entre pares de disputas. Ao final, resumimos alguns de nossos achados, enfatizando o alto grau de estabilidade obtido. O PT e o PSDB estabeleceram um verdadeiro duopólio eleitoral, e não há sinais de que este venha a ser ameaçado em 2014. Esse padrão decorre de forma direta da lógica da competição imposta por eleições majoritárias em distritos tão grandes quanto o Brasil.

* * *

A eleição presidencial de 1989 marcou o final de uma longa transição que desaguara em uma profunda crise política. Foi a primeira eleição no Brasil a usar dois turnos e, além disso, foi uma eleição "solteira", ou seja, para apenas um cargo. Dadas essas condições, nenhum partido viu motivos para ficar de fora. Livres da camisa de força imposta por uma legislação até então restritiva, políticos optaram por testar suas forças. Novos partidos foram criados especificamente para lançar candidatos à presidência. Cada um queria provar que tinha um lugar ao sol na democracia nascente. Foram 21 candidaturas. Todos acreditavam que seriam capazes de surpreender. Praticamente, não se formaram alianças ou coligações eleitorais5 [5] Somente PRN e PT fizeram alianças, mas o fizeram com partidos inexpressivos. De todo modo, dada a diferença minguada que levou o PT ao segundo turno, seria arriscado dizer que sua aliança com o PCdoB e com o PSB não teve consequências. . Por que não concorrer? Por que se aliar com outro partido? O fato é que não havia bases para formar expectativas sólidas sobre o comportamento do eleitorado nacional. Na dúvida, melhor marcar presença, mostrar ou testar sua força.

O Gráfico 1 traz as informações necessárias para caracterizar as bases sociais da votação no PRN e no PT. A caracterização possível é limitada uma vez que, como afirmamos antes, o grau máximo de desagregação de que dispomos é o município. Para construir esse gráfico, os municípios foram ordenados de acordo com a escolaridade informada por seus eleitores, da menor para a maior6 [6] Os dados que usamos são do cadastro eleitoral de 2006. Os indicadores que construímos são altamente correlacionados com todos os indicadores socais disponíveis, por exemplo, o IDH (correlação de 0,90). . Cada ponto no gráfico representa a votação obtida pelo partido por decil educacional.

GRÁFICO 1
Eleição presidencial de 1989. Desempenho do PRN e do PT por anos médios de escolaridade no município (decil)

A votação de Collor mostrou uma relação forte com a escolaridade no município: quanto mais baixa a escolaridade média maior a votação do PRN. A relação foi mais forte no primeiro do que no segundo turno. A votação inicial do PT foi mais homogênea, variando pouco com o grau de escolaridade dos eleitores no município, exceção feita ao pico no antepenúltimo e no penúltimo decis, cujo comportamento será discutido adiante. No segundo turno, o desempenho de Lula melhorou muito nas cidades com maior escolaridade, equilibrando-se com o de seu adversário, ou mesmo batendo-o, onde a escolaridade média era mais alta.

Ainda assim, vale ressaltar que o PT obteve uma votação significativa nos municípios com menor escolaridade. É certo que perdeu por larga margem nestes municípios e que foi essa desvantagem que selou a vitória de Collor. Contudo, o crescimento registrado permite questionar a ideia de que haveria uma barreira intransponível ao PT em municípios mais pobres.

A visão disseminada segundo a qual o PT teria suas bases no Sudeste e o Nordeste seria seu calcanhar de aquiles precisa ser qualificada. No primeiro turno de 1989, Lula recebeu 23% dos votos válidos dos nordestinos, contra 18% dos eleitores do Sudeste. Se nos concentrarmos nas capitais, veremos que 32% dos eleitores das capitais nordestinas votaram no PT, contra somente 16% daqueles residentes em capitais do Sudeste. O desempenho de Lula no primeiro turno de 1989 em algumas das capitais nordestinas, como Salvador (45% dos votos válidos), Recife (41%) e Teresina (36%) foi excepcional. Esses municípios foram os responsáveis pelo pico no primeiro turno mostrado no Gráfico 1. Vale observar ainda que, no segundo turno, Lula derrotou Collor em todas as capitais nordestinas, exceção feita a Maceió.

"Entrar" no Nordeste nunca foi um problema real para o PT. Nunca houve barreiras efetivas à sua penetração nessa região e/ou nos municípios mais pobres. Os competidores diretos de Lula em 1989 tiveram dificuldades muito maiores. Brizola, por exemplo, cuja votação total foi próxima à obtida por Lula no primeiro turno, teve votos fortemente concentrados em dois estados, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, onde obteve respectivamente 52,1% e 62,7% dos votos. A mesma dependência em relação a poucos estados caracterizou as votações de Covas e Maluf, quarto e quinto colocados na eleição. Os dois receberam praticamente metade de seus votos em São Paulo. A distribuição da votação de Lula foi relativamente homogênea. O PT teve mais que 10% dos votos nas 27 unidades da federação. Brizola em 14, Covas em 5 e Maluf em 2. Assim, muito do que usualmente se atribui ao PT, a dependência em relação ao Sudeste, descreve melhor as candidaturas de Brizola, Maluf e Covas.

Os resultados da eleição de 1989 foram interpretados como uma confirmação das expectativas pessimistas que acompanharam a redemocratização do país. Collor foi caracterizado como um outsider, cuja vitória não teria dependido de estruturas partidárias. O carisma e a liderança pessoal teriam sobrepujado os partidos7 [7] Curiosamente, nessas aná lises, o bom desempenho do PT foi creditado ao carisma de Lula, e não ao partido. O bom desempenho de Brizola, ainda que concentrado em dois estados, também foi creditado ao seu carisma. . A polarização que marcou o segundo turno só contribuiu para isso.

Esses temores, sabemos hoje, provaram-se infundados. Os rumos tomados foram outros. A mensagem principal deixada pela experiência acabou não sendo devidamente registrada. A eleição de 1989 mostrou o inverso, isto é, a dificuldade de ir além de alguns poucos estados. O distrito nacional revelou conter forte barreira à entrada de competidores, em um sistema político que gira em torno do distrito estadual8 [8] A eleição presidencial é a única disputada no distrito nacional. No plano estadual, a cada eleição geral, são eleitos pelo menos 34 políticos (1 governador, 1 ou 2 senadores, 8 deputados federais, 24 deputados estaduais). O número cresce conforme cresce o número de deputados eleitos. .

Em 1989, o número de candidatos foi excessivo, levando a uma fragmentação dos votos. Ter votação expressiva em um ou outro estado se mostrou insuficiente para viabilizar candidaturas, evidenciando os ganhos que poderiam ser auferidos por meio da coordenação no lançamento de candidaturas.

A eleição de 1994 inaugurou o padrão de competição com que convivemos até o momento. As eleições passaram a ser fundamentalmente bipartidárias. E não surpreende que seja assim. É o esperado, uma consequência da lei de Duverger, segundo a qual eleições majoritárias tendem a ser controladas por dois partidos9 [9] Dado que há dois turnos, segundo a versão de Gary Cox da Lei de Duverger, espera-se que a convergência não supere três candidaturas. . Como muitos votos são esterilizados ou perdidos, eleitores adotam o "voto útil", isto é, evitam desperdiçar seus votos em candidaturas destinadas à derrota, convergindo para os dois principais contendores. Antecipando que isso vai ocorrer, políticos coordenam suas ações e formam coligações. Partidos que antecipam sua derrota e/ou que calculam que sua presença favorecerá seus principais inimigos se afastam da disputa ou se juntam a candidaturas menos perigosas.

Coligações, ausentes em 1989, marcaram presença em 1994. A aliança eleitoral mais bem-sucedida uniu o PSDB ao PFL e ao PTB. O PT, de sua parte, ampliou seu arco de alianças, repetindo a coligação com PSB e PCdoB, acrescida de novos parceiros: PPS, PV e PSTU.

A coordenação eleitoral pelas elites não foi completa. Cinco dos sete grandes partidos lançaram seus candidatos. Além dos dois citados, PMDB, PDT e PPR (a denominação de então do PDS). Destes, apenas o PMDB formou uma coalizão, mas com o inexpressivo PSD. Quanto ao PPR, vale notar que diante da aliança PSDB-PFL, seu principal líder, Paulo Maluf, eterno candidato à presidência, "jogou a toalha" e se manteve à testa da prefeitura de São Paulo.

Os resultados confirmaram o que a política de alianças anunciara. Brizola e Quércia teriam evitado a humilhação de serem derrotados por Enéas se tivessem tido a sagacidade de Maluf. As candidaturas que ampliaram suas bases de apoio foram bem-sucedidas, enquanto as que se limitaram a suas próprias forças - PDT, PMDB e PPR - naufragaram.

A estratégia adotada pelo PSDB pede comentários. A candidatura de Fernando Henrique Cardoso, como se sabe, apoiou-se no sucesso do Plano Real, lançado quando o candidato era o ministro da Fazenda de Itamar Franco. Os estrategistas de sua campanha consideraram esse trunfo insuficiente para garantir a nacionalização de sua candidatura. O objetivo central era evitar as limitações enfrentadas por Covas cinco anos antes10 [10] O PSDB, é verdade, já tentara uma aliança na região Nordeste. O partido convidou o ex-governador de Pernambuco, Roberto Magalhães, para ocupar a vice-presidência da chapa em 1989. Marco Maciel e outros líderes do partido vetaram a aliança. . Eis a razão de ser da aliança com o PFL: garantir a entrada do candidato no Nordeste. O acordo se fez, vale recordar, sem o apoio do PSDB baiano. Ou seja, a estratégia implicou submeter os interesses locais aos nacionais. Dito de outra forma: a nacionalização de um partido, a viabilização de sua candidatura presidencial, passa por concessões no plano local. Envolve, portanto, uma divisão do mercado eleitoral em que o cabeça da chapa faz concessões a seus aliados no plano estadual.

Com relação aos competidores e à distribuição dos votos, o contraste entre 1989 e 1994 foi enorme. O número de candidaturas foi bem menor. Contudo, o papel decisivo foi reservado para o eleitorado, que "resolveu" o problema deixado inconcluso pelas elites políticas, concentrando seus votos em duas candidaturas. A lógica de Duverger se impôs. A fatura foi liquidada no primeiro turno.

Inútil ou sem sentido buscar uma relação entre a votação do PSDB em 1989 e em 1994. A ruptura foi completa. A relação mais interessante é com a votação do PRN no segundo turno. Quanto ao PT, obviamente, interessa analisar a relação entre sua votação nos dois turnos de 1989 e sua votação cinco anos depois. Para não dificultar a leitura, condensamos as informações relevantes no Gráfico 2.

GRÁFICO 2
Eleições presidenciais de 1989 e 1994. Desempenho dos principais candidatos por anos médios de escolaridade no município (decil)

A distribuição da votação de Fernando Henrique Cardoso seguiu de perto a obtida por Collor no segundo turno de 1989. Ambas as curvas têm inclinação negativa: a votação caiu à medida que aumentou o nível de escolaridade do município. O candidato do PSDB, contudo, teve melhor desempenho do que Collor nos municípios com maior escolaridade, vencendo em todos os decis.

A sobreposição das curvas não significa que os mesmos eleitores votaram em Collor e em Fernando Henrique. Não há como fazer inferências sobre o comportamento individual com base em dados agregados. Ainda assim, é possível supor que um grande número de eleitores que votou em Collor votou também em Fernando Henrique. Na realidade, é necessário que muitos o tenham feito para que ambos fossem eleitos11 [11] Logicamente, o voto em Collor e em Fernando Henrique só é necessário quando a votação em ambos excede 50%. . Quantos de fato o fizeram depende, obviamente, de quantos abandonaram Lula. Dada a votação do PT nas duas eleições, é plausível supor que uma parte considerável dos que votaram em Lula no primeiro turno de 1989 voltaram a fazê-lo em 1994. A hipótese é plausível e consistente com os dados. Contudo, quando se analisa o segundo turno, sabemos que um bom número dos eleitores de Lula migrou para Fernando Henrique e essa migração cresceu com a escolaridade média do município, pois foi nos com maior escolaridade que Lula perdeu mais votos.

Para 1994, dispomos de informações por seções eleitorais de algo em torno de 50% do eleitorado12 [12] Temos dados de 108.364 seções. . Não temos os resultados nesse nível de agregação para Minas Gerais e Rio de Janeiro, para citar dois estados importantes. Entretanto, a despeito de nossa desconfiança inicial, a amostra de que dispomos não é enviesada. Dito de forma direta: até prova em contrário, podem ser lidos como indicações muito próximas do que observaríamos se tivéssemos todos os dados.

O Gráfico 3 é organizado de forma similar aos anteriores. A diferença está no grau de agregação: as seções eleitorais substituem os municípios. O indicador usado é o mesmo: anos de escolaridade média dos eleitores. Como dispomos de um número bem maior de unidades, optamos por agrupá-las em centis, isto é, como antes, as seções eleitorais foram ordenadas pela média de anos de educação formal dos eleitores e separadas em cem grupos de mesmo tamanho13 [13] Portanto, os centis são formados de forma diversa em cada uma das eleições apresentadas no Gráfico 3. Para 1994, cada centil reúne informações para grupos de 275 mil eleitores, enquanto para 1998 os grupos são formados por 670 mil eleitores. Para todos os demais gráficos, os dados foram agrupados usando apenas as seções para as quais dispomos de dados das duas eleições. O mesmo procedimento neste gráfico não alteraria as curvas para 1998. .

GRÁFICO 3
Eleições presidenciais de 1994 e 1998. Desempenho dos principais candidatos por anos médios de escolaridade na seção eleitoral (centil)

Os dados por seção permitem uma caracterização mais precisa das bases sociais do voto. As relações básicas se mantêm para ambos os partidos. Fernando Henrique teve mais votos quanto menor a escolaridade dos eleitores. Para o PT, a relação se inverte, isto é, seu desempenho melhorou à medida que escolaridade nas seções se elevou. A inclinação das curvas não é muito acentuada. Seria exagero afirmar que PSDB e PT contaram com bases sociais distintas.

Constitui-se então, já no segundo ciclo eleitoral, o equilíbrio partidário com o qual convivemos até hoje, uma decorrência da lógica da competição eleitoral, marcada pelos altos custos da entrada de novos competidores. Em 1998, o padrão se completa com a emergência da terceira via, isto é, de um desafiante, Ciro Gomes, do PPS, que busca furar o duopólio instaurado em 199414 [14] Ciro Gomes havia abandonado o PSDB. Heloísa Helena, do Psol, e Marina Silva, do PV, terceiras vias de 2006 e 2010, respectivamente, também representam dissidências do partido então governante. .

O Gráfico 3 evidencia a forte relação entre os resultados das eleições de 1994 e 1998. As linhas que relacionam os votos à escolaridade para os dois partidos praticamente se sobrepõem. Em boa medida, essa estabilidade decorre da estrutura da competição. No fundamental, as opções efetivamente oferecidas aos eleitores não se alteraram. Na realidade, políticos se dobram aos eleitores. As coligações foram ampliadas, e os partidos batidos na eleição anterior (PDT, PMDB e PPB) revisaram sua estratégia e não lançaram candidaturas próprias.

A passagem da emenda constitucional permitindo a reeleição de ocupantes de cargos majoritários contribuiu decisivamente para esse cenário, garantindo a reedição da coalizão PSDB-PFL. Candidaturas alternativas foram desestimuladas15 [15] É o caso de Paulo Maluf, que, por meio de uma série de fusões partidárias, procurava alicerçar sua candidatura em bases nacionais. . A aliança comandada pelo PT continuou a crescer, contando agora com a adesão do PDT que, em troca, recebeu compensações no plano estadual16 [16] O PT, como fizera o PSDB quatro anos antes, privilegiou o plano nacional em detrimento do estadual, abortando a candidatura do partido ao governo do estado do Rio de Janeiro em favor do candidato do PDT. .

A votação de Ciro se concentrou no Ceará, estado onde é radicado, espalhando-se ainda por alguns poucos centros da região Nordeste, mostrando, uma vez mais, a dificuldade de nacionalizar e viabilizar candidaturas presidenciais a partir de bases estaduais. As dificuldades de Ciro anteciparam o que as demais terceiras vias viriam a enfrentar: as altas barreiras à entrada de novos competidores.

A eleição de 2002, por marcar a chegada do PT ao poder, pode ser considerada um divisor de águas, representando também o mais forte desafio para a supremacia do duopólio instalado em 1994. O apoio ao PSDB despenca e, inicialmente, não era evidente que o PT seria o principal beneficiário desse encolhimento. Em 2002, a votação conjunta do PT e do PSDB ficou abaixo de 70%. As dificuldades se manifestaram cedo. As amplas alianças comandadas pelos dois partidos sofreram defecções de monta. Os problemas mais agudos ocorreram no front governista, com a ruptura do acordo PSDB-PFL. O PT também sofreu reveses, perdendo o apoio de seu aliado mais tradicional, o PSB, que, após longa luta interna, optou por apresentar candidatura própria.

Pesquisas de opinião ao longo da campanha mostraram oscilações importantes17 [17] A decisão do TSE de impor a verticalização das coligações contribuiu decisivamente para a instabilidade do período pré--eleitoral. . Roseana Sarney, pré-candidata do PFL, liderou as pesquisas de intenção de voto até ser abatida por denúncias de corrupção. Ao longo da campanha, Ciro Gomes experimentou uma ascensão meteórica, enquanto o apoio a Garotinho, candidato do PSB, cresceu nas últimas semanas ameaçando a passagem de Serra ao segundo turno.

Comecemos frisando o óbvio. O PT venceu porque atraiu novos eleitores. Um contingente considerável de eleitores votou no partido pela primeira vez em 200218 [18] Na realidade, parte destes talvez tenha votado em Lula no segundo turno de 1989. . A observação é trivial, mas implica reconhecer que o partido não poderia ter chegado ao poder apenas com o apoio de seu eleitorado fiel e/ou tradicional19 [19] Portanto, não se pode inferir a mudança das bases tradicionais do voto no partido com base no contraste entre as votações de 2002 e 2006. . Como mostra o Gráfico 4, o crescimento do PT entre 1998 e 2002 se deu de forma homogênea, isto é, não dependeu da escolaridade média da seção. O mesmo ocorreu entre o primeiro e o segundo turno.

GRÁFICO 4
Eleições presidenciais de 1998 e 2002. Desempenho do PT por anos médios de escolaridade na seção eleitoral (centil)

É desnecessário apresentar o desempenho do PSDB, por ser a imagem invertida de seu competidor mais direto. Contudo, a magnitude da queda do PSDB no primeiro turno é maior que a ascensão do PT. Entre 1998 e 2002, a votação do PSDB despencou de 53,1% para 23,2%, uma queda de 30 pontos percentuais20 [20] O PSDB perdeu votos em todas as regiões e todos os estratos educacionais. A queda foi um pouco mais acentuada no Nordeste, indicando que o fim do acordo com o PFL influenciou o resultado. . O crescimento do PT foi de 15 pontos, passando de 31,7% para 46,4%. Assim, no primeiro turno de 1998, o PT partilhou o espólio tucano com o PSB, o PPS e demais candidatos nanicos.

Assumindo, para efeito de argumentação, que entre 1998 e 2002 o PSDB só perdeu e não ganhou eleitores, enquanto o inverso se teria dado com o PT, isto é, que o partido não teria perdido e apenas ganhado eleitores, chegaríamos à conclusão de que no primeiro turno Lula não teria sido capaz de atrair todos os eleitores que reelegeram Fernando Henrique e abandonaram Serra.

Garotinho e, em menor medida, Ciro também se beneficiaram da debacle do PSDB. A partilha entre os três candidatos seguiu padrões regionais e sociais específicos. Ciro teve boa votação entre os menos escolarizados do Nordeste enquanto Garotinho, mesmo sem ter uma votação desprezível no Nordeste, teve melhor desempenho no Sudeste e entre seções com escolaridade em torno da mediana da distribuição.

O segundo turno foi marcado pela adesão formal do PSB e do PPS à candidatura de Lula. Serra, de sua parte, não atraiu nenhum apoio de peso. O PFL lavou as mãos, e seu líder máximo, Antônio Carlos Magalhães, afirmou publicamente que não temia um eventual governo do PT. O resultado é que o PT continuou a atrair novos eleitores: mais 15% entre um turno e outro.

As consequências do rearranjo político iniciado naquela oportunidade foram profundas. O PT e o PSB reconstituíram sua aliança, que, ao longo do primeiro governo Lula, viria a ser reforçada pela entrada de Ciro Gomes no PSB. O segundo turno de 2002 prenunciava a disputa do primeiro turno de 2006, que viria a ser a mais bipartidária de todas as eleições do período. Obviamente, isso teve impactos sobre o apoio dos partidos. Os eleitores que votaram em Ciro e Garotinho tiveram que optar entre Lula, Alckmin e Heloísa Helena. A maioria ficou com Lula.

A eleição de 2006 ocupa uma posição central nas análises políticas. Consolidou-se a tese de que teríamos assistido a uma inversão das bases sociais do voto para o PT. Como se sabe, em termos percentuais, a votação de Lula no primeiro turno de 2002 e no de 2006 foi praticamente a mesma: 46,4% e 48,6%, respectivamente. A estabilidade na votação, contudo, esconderia uma transformação profunda das bases sociais de apoio ao PT, que teriam migrado em direção aos mais pobres e, entre estes, os residentes da região Nordeste.

As explicações para essa mudança têm enfatizado a importância do exercício do governo e, mais precisamente, da adoção de políticas sociais voltadas para o atendimento das populações mais carentes, como o Programa Bolsa Família, para a reconfiguração das bases sociais e regionais do voto no PT. Subentende-se que essas políticas ou mesmo, mais genericamente, a máquina do governo seriam uma precondição para obter os votos dos mais pobres, nos chamados grotões, localizados no Nordeste.

De fato, como mostra o Gráfico 5, ocorreu uma transformação significativa nas bases sociais do voto no PT. O voto no partido, que até então não tinha bases sociais claras, passou a tê-las. Assim, com algum preciosismo na linguagem, talvez seja mais correto dizer que o voto no partido ganhou bases sociais. Quanto menos eleitores com educação formal na seção eleitoral, mais votos para o PT. Mas o partido ganhou essa base em função de um movimento duplo e em direções opostas nas caudas da distribuição. Os ganhos compensaram as perdas e, no final, a votação percentual não variou. No gráfico, formam-se dois triângulos, um que expressa os ganhos entre os mais pobres e o outro indicando as perdas entre os mais ricos.

GRÁFICO 5
Eleições presidenciais de 2002 e 2006. Votação do PT no primeiro e no segundo turno por anos médios de escolaridade na seção eleitoral (centil)

Parte dessa alteração da base do PT foi induzida pela estrutura da competição. O PSB e o PPS não participaram da disputa de 2006, e o Psol foi a mais fraca das terceiras vias do período. Assim, eleitores que haviam contado com quatro opções em 2002 ficaram restritos a apenas duas em 2006. Muitos foram forçados a redirecionar seus votos. Sendo assim, cabe comparar o segundo turno de 2002 ao primeiro de 2006. Adotado esse parâmetro, vê-se que os ganhos do PT entre os menos escolarizados foram menores que as perdas entre os mais escolarizados.

Por si só, o desempenho do PT entre os menos escolarizados no segundo turno de 2002 qualifica a visão segundo a qual o voto dessas camadas seria controlado pelo governo. O PSDB perdeu esses eleitores enquanto exercia o governo. Inicialmente, o PT avançou sobre esse eleitorado em companhia de Garotinho e Ciro. No segundo turno de 2002, como em 2006, não enfrentou esses adversários.

Assim, levando em conta a estrutura da competição, a votação de Lula em 2006 não apresentou uma inversão de tendências. Pelo contrário, representou a continuidade da penetração do PT entre os eleitores de mais baixa renda; penetração esta que, como mostra o segundo turno de 2002, pôde se dar sem o controle da máquina do Estado. A inversão se deu entre os mais escolarizados (mais ricos), sobre os quais o partido havia avançado em 2002.

As políticas sociais perseguidas pelo PT, qualquer que seja a forma como venham a ser classificadas, não podem ser vistas como precondições necessárias para atrair e conquistar o voto dos mais pobres. O PT sempre teve votos entre esses eleitores e passou a ter o apoio da maioria deles antes mesmo de assumir o poder. Isso não significa dizer que as políticas sociais adotadas pelo governo petista não tenham peso eleitoral. Obviamente, tiveram e continuam tendo. Por meio dessas políticas, o PT ampliou sua vantagem nesse estrato de eleitores. Tão ou mais importante que esse avanço foi o fato de ter retido o apoio conquistado fora do governo. Promessas foram cumpridas, e os eleitores recompensaram o partido.

O mesmo pode-se dizer no aspecto regional. Como já salientamos, o PT colheu boas votações no Nordeste desde 1989, registrando avanços significativos nessa região nos dois turnos de 2002. Em 2006, ocorreu um novo avanço. Contudo, o voto no PT no Nordeste é menos influenciado pelas características educacionais das urnas. O PT bateu o PSDB na região por larga margem em todos os estratos educacionais.

Portanto, para explicar o voto nessa região não basta citar as políticas sociais do governo e seus efeitos eleitorais. Outras variáveis devem ser levadas em conta. Obviamente, o desempenho do PT não pode ser explicado sem levar em conta o que se passou com seu adversário direto, o PSDB.

O avanço do PT entre os mais pobres e no Nordeste é, ao mesmo tempo, um sinal da fragilidade do PSDB e de seu aliado na região, o DEM (ex-PFL). A aliança comandada pelo PSDB não se mostrou capaz de reconquistar os votos que recebera no Nordeste em 1994 e 1998. No caso das demais regiões e entre os mais escolarizados, deu-se o inverso: o PSDB revigorou-se, e o PT perdeu votos. O desempenho de Alckmin entre os mais escolarizados residentes nas regiões Sul, Sudeste e Centro- -Oeste se aproximou do de Fernando Henrique em 1998. A votação do PT em 2006 nessas regiões, consequentemente, retornou aos níveis de 1998.

A força dos partidos por seu desempenho entre grupos específicos de eleitores é sempre uma questão relacional. O sucesso de um é o insucesso de seus competidores diretos. Os movimentos de ganho e de perda estão necessariamente relacionados. Isso vale não apenas para a relação direta entre PT e PSDB, mas também para os demais competidores. A votação conjunta do PT e do PSDB em 2006 atingiu seu ponto máximo e não é possível saber o quanto isso se deve à força de ambos e o quanto se deve à fraqueza da terceira via daquela eleição. A candidatura do Psol parece ter roubado uma pequena fatia de votos do PT, votos estes que parecem ter retornado ao partido no segundo turno, uma vez que Alckmin não ganhou votos entre o primeiro e o segundo turno21 [21] A votação absoluta no candidato caiu entre o primeiro e o segundo turno. Ainda que seja provável que alguns eleitores tenham migrado de Alckmin para Lula, os dados desagregados por urnas sugerem que uma parte dos eleitores do PSDB não votou no segundo turno. .

As eleições de 2010 não trouxeram muitas novidades. Em boa medida, elas estão para as de 2006 como as de 1998 estiveram para a de 1994. Os padrões de apoio aos dois principais partidos quase não se alteraram, como mostra o Gráfico 6. As pequenas modificações ocorridas passam pelas diferenças no desempenho da terceira força; Marina Silva teve melhor desempenho que Heloísa Helena. Tanto PT como PSDB perderam votos para o PV. Relativamente, o PSDB sofreu maiores perdas, uma vez que o Psol não se constituíra em uma opção real para os eleitores do PSDB em 2006. Como ocorrera com sua antecessora, o desempenho da candidata do PV se mostrou fortemente relacionado com o crescimento da escolaridade média nas urnas. No segundo turno, no agregado, os votos de Marina se distribuem de maneira equitativa pelos dois candidatos. Marina teve 20% dos votos, e Lula e Serra receberam 10% mais votos cada um entre um turno e outro, sem que esses ganhos tivessem variação regional significativa.

GRÁFICO 6
Eleições presidenciais de 2006 e 2010. Votação dos principais partidos por anos médios de escolaridade na seção eleitoral (centil)

No que diz respeito às alianças partidárias, contudo, 2010 trouxe uma grande novidade. O PMDB, pela primeira vez, juntou-se formalmente à coligação comandada pelo PT. O acordo foi muito além da vice-presidência, envolvendo, conforme o padrão, concessões no plano estadual. O PT cedeu a cabeça de chapa em disputas estaduais para o PMDB, como em Minas Gerais e no Rio de Janeiro. O PSB recebeu compensações em Pernambuco e no Ceará, onde o PT se retirou da disputa pelo governo. No outro lado do espectro, o PSDB reeditou sua aliança com o DEM, contando ainda com o apoio do PMDB em alguns estados, em geral, de menor eleitorado.

A armação das amplas coligações partidárias comandadas por PT e PSDB assegurou a continuidade do duopólio estabelecido em 1994. Aos eleitores, em geral, restaram poucas alternativas: PT, PSDB e a terceira via.

A eleição de 2014 não promete grandes alterações no quadro. O período pré-eleitoral foi marcado por intensas negociações envolvendo a formatação específica a ser assumida pelas duas grandes coligações. Boa parte das especulações girou em torno da terceira via e suas chances de romper o duopólio PT-PSDB. Nunca houve dúvidas de que PT e PSDB teriam candidatos próprios e fortes, com maiores chances de sucesso que os demais. A dúvida ou especulação que restava era a respeito de quem os acompanharia, quem os desafiaria; se Marina conseguiria viabilizar sua Rede em tempo e se Eduardo Campos ousaria romper a longa aliança com o PT, sob a qual seu partido crescera.

Nas pesquisas anteriores à definição oficial das candidaturas, Marina rivalizava com o pré-candidato do PSDB, quando não o vencia, constituindo assim uma ameaça real à repetição do padrão das eleições.

A solução do cenário não deixou de ser paradoxal. A inviabilização da Rede resolveu as dúvidas de Campos. A terceira e a quarta força - qualquer que fosse a ordem em que estivessem - se "casam sem noivar", viabilizando uma nova terceira via. A forma de solução do impasse preservou o padrão. A terceira via não se repetirá.

Assim, em 2014, a estrutura da competição será a mesma verificada desde a implantação do duopólio. O padrão se manteve. No máximo, temos três candidaturas viáveis: PT, PSDB e PSB. Dos três, restam poucas dúvidas de que a candidatura de Dilma seja a mais forte. Pode-se supor que o PT estará no segundo turno e as dúvidas que restam são, primeiro, se Campos tem chances de desbancar Aécio e, segundo, se o vencedor desta disputa tem alguma chance real de derrotar a atual presidente.

À primeira vista, a chapa Campos-Marina parece mais forte que os desafiantes anteriores. O PSB de Campos está mais ao centro do que o Psol e o PV, conta com bases na região Nordeste e com o impulso dos ideais regeneradores de Marina. Contudo, sonhos e pragmatismo político não parecem ter se harmonizado. Pelas pesquisas disponíveis, Marina não parece agregar votos a Campos, cuja candidatura não conseguiu se estabelecer como uma alternativa efetiva, quer à esquerda quer à direita do PT. A primeira alternativa, como Heloísa Helena mostrou, parece trazer poucos votos. Quanto à segunda opção, isto é, ocupar o centro se colocando à direita do PT, isso significaria uma disputa direta com o PSDB, e não parece que os eleitores deste partido, sobretudo no Sudeste e no Sul, estejam dispostos a abandonar o PSDB e adotar o PSB. Até o momento, a candidatura de Campos não aparenta ter encontrado a posição que lhe permita crescer.

Vale observar que Campos nem sequer foi capaz de unificar o PSB em torno de sua candidatura. Os irmãos Gomes não embarcaram no projeto do ex-governador de Pernambuco e se refugiaram no Pros, indicando dificuldades para assegurar uma votação expressiva no Nordeste. Quanto às demais regiões, sobretudo no Sudeste, onde se concetram os maiores colégios eleitorais, o PSB não conseguiu apoios expressivos e sequer conta com candidatos próprios em estados-chave, como São Paulo, onde estão 20% dos eleitores. Nesses termos, a candidatura de Campos esbarra em obstáculos similares aos enfrentados por tantos outros: a dificuldade de construir bases nacionais. Ter uma base estadual, por mais sólida que esta seja, não garante a necessária irradiação.

Tudo indica, portanto, que o PSDB leva vantagens na competição com o PSB e deve ser o polo de convergência para os eleitores que não querem a reeleição de Dilma. A vantagem de Aécio sobre Campos decorre da presença forte nos estados mais populosos, como São Paulo, Minas Gerais e Paraná, e o auxílio de aliados significativos em outros tantos, como Bahia. Esses suportes parecem garantir à chapa comandada pelo PSDB a liderança da oposição.

A se fiar nas pesquisas de opinião e nos resultados anteriores, a campanha nos reservará poucas surpresas. Um segundo turno parece mais do que provável, como de resto tem ocorrido desde 2002. O PT não demonstra a mesma força de quatro anos atrás. Os desgastes de 12 anos no poder e as dificuldades no front econômico trazem dúvidas aos eleitores. Contudo, a situação da presidente parece longe da fraqueza do governo comandado pelo PSDB no quatriênio 1998-2002. Se em alguma coisa a Dilma de 2014 se assemelha ao Fernando Henrique de 1998 é no fato de apresentar uma candidatura a reeleição que não traz consigo entusiasmo, mas que se beneficia de créditos acumulados no passado e da fraqueza das alternativas postas.

Tudo isso para dizer que se visitássemos uma das célebres casas de apostas de Londres, não veríamos nenhuma razão para apostar na derrota do governo. A reeleição de Dilma é o cenário mais provável. Note-se a formulação: a maioria dos eleitores parece não ter as justificativas necessárias para abandonar a situação. A despeito da maior fragilidade da candidatura situacionista, que não gera propriamente entusiasmo, o principal partido da oposição e a terceira via da vez não foram capazes de mostrar que são alternativas efetivas e superiores ao governo. Insatisfeita mas resignada, a maioria dos eleitores parece se inclinar para a continuidade. Eleitores não trocam seis por meia dúzia.

PÓS-ESCRITO

Já havíamos concluído este artigo quando Eduardo Campos faleceu, e optamos por manter o texto original.

Com a morte de Campos, o cenário se modificou radicalmente. Ela garantiu à terceira via uma superexposição que beneficiou e impulsionou a candidatura de Marina, colocando-a em condições de disputar com Aécio o papel de principal candidato da oposição. A vantagem inicial do PSDB parece ter caído juntamente com o avião que matou Campos. O PSDB deixou de ser a única ou mesmo a melhor alternativa dos que se opõem ao PT.

Marina leva uma vantagem óbvia sobre Campos. Ela não precisa encontrar seu lugar à esquerda ou à direita do PT. Marina se coloca acima. A candidata tem explorado de forma exemplar e pragmática sua imagem. Nos debates, afirmou que governará com o melhor do PT e do PSDB. Campos já havia afirmado que faria o mesmo, mas não obteve sucesso. Na boca de Marina, a afirmação é crível, por isso cola.

É impossível saber qual teria sido a trajetória das intenções de voto de Marina se lançada pela Rede ou por um pequeno partido. Não há com saber sequer, ante essa hipótese, qual teria sido a decisão de Campos. Mas parece inegável que a Marina candidata do PSB após o acidente que vitimou Campos não é a Marina possível candidata da Rede. Suas atitudes e proposições sequer se assemelham às da candidata a vice. A Marina candidata à presidência não faz a si mesma as restrições à política de alianças de Campos que a Marina candidata a vice fazia22 [22] A restrição à aliança do PSB com Alckmin em São Paulo foi levantada. Entretanto, o candidato a vice de Alckmin, Marcio França, é o tesoureiro da campanha de Marina. .

A queda de Aécio nas pesquisas aponta para a fragilidade do PSDB. A flutuação da votação no partido nas três últimas eleições pode ser lida como indicativo de sua vulnerabilidade. Em vista da ascensão meteórica de Marina, vê-se que o partido falhou em captar e organizar a insatisfação de parte significativa do eleitorado.

O acidente aéreo que vitimou Campos trouxe emoção a uma eleição que, tudo indicava, seria monótona. As súbitas alterações que provocou nas pesquisas de intenção de voto mostra a força da lei de ferro da lógica de Duverger. Uma parte considerável do eleitorado queria novas opções, mas estava confinada a escolher entre candidatos que não lhes eram atraentes. Rompido o equilíbrio, a incerteza aumenta. Não há mais favoritos claros.

Setembro de 2014.

  • *
    O texto já havia sido concluído quando Eduardo Campos faleceu. Man ti vemos o texto original e acrescentamos um pós-escrito ao final.
  • [1]
    Referências, demonstrações e questões metodológicas são tratadas em outro artigo, em vias de publicação.
  • [2]
    Para facilitar o argumento, desconsideramos os votos brancos, nulos e as abstenções. Todas as porcentagens apresentadas ao longo do texto se referem aos votos válidos.
  • [3]
    A adesão programática a um partido não é fácil de ser medida. Identificação partidária tende a ser tomada como um indicador de adesão consistente ao partido. Contudo, trata-se tão somente da resposta a uma pergunta em um ponto no tempo. Além disso, a pergunta não é respondida pelo mesmo cidadão em dois pontos no tempo. Note-se, ainda, que votar repetidamente em um partido tampouco pode ser tomado como indicador de uma adesão programática ou ideológica. Um eleitor pode votar repetidamente em um partido por razões estratégicas. Escolhas dependem da estrutura da competição.
  • [4]
    São eles: AC, AL, AM, AP, BA, GO, MA, PI, RO, RS, SC, SE, SP e TO. Seção é o mesmo que urna. Em média, em cada seção estão alistados 500 eleitores.
  • [5]
    Somente PRN e PT fizeram alianças, mas o fizeram com partidos inexpressivos. De todo modo, dada a diferença minguada que levou o PT ao segundo turno, seria arriscado dizer que sua aliança com o PCdoB e com o PSB não teve consequências.
  • [6]
    Os dados que usamos são do cadastro eleitoral de 2006. Os indicadores que construímos são altamente correlacionados com todos os indicadores socais disponíveis, por exemplo, o IDH (correlação de 0,90).
  • [7]
    Curiosamente, nessas aná lises, o bom desempenho do PT foi creditado ao carisma de Lula, e não ao partido. O bom desempenho de Brizola, ainda que concentrado em dois estados, também foi creditado ao seu carisma.
  • [8]
    A eleição presidencial é a única disputada no distrito nacional. No plano estadual, a cada eleição geral, são eleitos pelo menos 34 políticos (1 governador, 1 ou 2 senadores, 8 deputados federais, 24 deputados estaduais). O número cresce conforme cresce o número de deputados eleitos.
  • [9]
    Dado que há dois turnos, segundo a versão de Gary Cox da Lei de Duverger, espera-se que a convergência não supere três candidaturas.
  • [10]

    O PSDB, é verdade, já tentara uma aliança na região Nordeste. O partido convidou o ex-governador de Pernambuco, Roberto Magalhães, para ocupar a vice-presidência da chapa em 1989. Marco Maciel e outros líderes do partido vetaram a aliança.
  • [11]

    Logicamente, o voto em Collor e em Fernando Henrique só é necessário quando a votação em ambos excede 50%.
  • [12]

    Temos dados de 108.364 seções.
  • [13]

    Portanto, os centis são formados de forma diversa em cada uma das eleições apresentadas no Gráfico 3. Para 1994, cada centil reúne informações para grupos de 275 mil eleitores, enquanto para 1998 os grupos são formados por 670 mil eleitores. Para todos os demais gráficos, os dados foram agrupados usando apenas as seções para as quais dispomos de dados das duas eleições. O mesmo procedimento neste gráfico não alteraria as curvas para 1998.
  • [14]

    Ciro Gomes havia abandonado o PSDB. Heloísa Helena, do Psol, e Marina Silva, do PV, terceiras vias de 2006 e 2010, respectivamente, também representam dissidências do partido então governante.
  • [15]

    É o caso de Paulo Maluf, que, por meio de uma série de fusões partidárias, procurava alicerçar sua candidatura em bases nacionais.
  • [16]

    O PT, como fizera o PSDB quatro anos antes, privilegiou o plano nacional em detrimento do estadual, abortando a candidatura do partido ao governo do estado do Rio de Janeiro em favor do candidato do PDT.
  • [17]

    A decisão do TSE de impor a verticalização das coligações contribuiu decisivamente para a instabilidade do período pré--eleitoral.
  • [18]

    Na realidade, parte destes talvez tenha votado em Lula no segundo turno de 1989.
  • [19]

    Portanto, não se pode inferir a mudança das bases tradicionais do voto no partido com base no contraste entre as votações de 2002 e 2006.
  • [20]

    O PSDB perdeu votos em todas as regiões e todos os estratos educacionais. A queda foi um pouco mais acentuada no Nordeste, indicando que o fim do acordo com o PFL influenciou o resultado.
  • [21]

    A votação absoluta no candidato caiu entre o primeiro e o segundo turno. Ainda que seja provável que alguns eleitores tenham migrado de Alckmin para Lula, os dados desagregados por urnas sugerem que uma parte dos eleitores do PSDB não votou no segundo turno.
  • [22]

    A restrição à aliança do PSB com Alckmin em São Paulo foi levantada. Entretanto, o candidato a vice de Alckmin, Marcio França, é o tesoureiro da campanha de Marina.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul 2014
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