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A Economia Monetária e a Fórmula Geral do Capital: preliminar da fissão Marx-Keynes

Resumo:

Este artigo apresenta a teoria da tomada de decisão sob condições de incerteza da escola pós-keynesiana e desenvolve uma interpretação específica para a teoria da preferência pela liquidez. É argumentado que o movimento para ativos (financeiros) mais líquidos corresponde ao movimento do capital de atingir valorização sem passar pela esfera da produção e que, assim, o conceito de incerteza como determinante para a preferência pela liquidez e para a taxa de juros pode ser posto em relação à fórmula geral do capital apresentada por Marx.

Palavras-chave:
tomada de decisões; incerteza; pós-keynesianismo; Keynes; Marx

Abstract:

This paper presents the theory of investment decision under conditions of uncertainty developed by the post-Keynesian school and develops a specific interpretation for the theory of liquidity preference. It is argued that the movement to more liquid assets corresponds to the tendency of capital to achieve valorization without undergoing the process of production. As a result, the concept of uncertainty as the explanation for liquidity preference and for the interest rate can be related to the general formula of capital as presented by Marx.

Keywords:
investment decision; uncertainty; post-Keynesianism; Keynes; Marx

1. Introdução

Como consequência das transformações mundiais no fim dos anos 2000, os modelos e a teoria econômica predominante, escoltados em última instância em aspectos da tradição liberal,1 1 Fundamentados em princípios que enfatizam a organização de mercado, a liberdade e a livre-concorrência, bem como, a autorregulação. Para um exemplo fundamentado no quadro neoclássico aplicado à finanças ver Markowitz (1952). abriram espaço para abordagens alternativas, tendo em vista a profunda crise financeira internacional, o colapso dos sistemas financeiros e seus impactos no setor produtivo. Diversos autores resgataram antigas teorias, que afinal parecem estar afinadas com a forma de operação dinâmica do mundo contemporâneo. As conexões entre Keynes e Marx foram especialmente postas como linha promissora de entendimento e de desenvolvimento para a solução de problemas referentes à crise.2 2 Sobre a retomada da teoria de Keynes no Brasil, ver Carvalho (2008). Sobre a conexão entre Keynes e Marx no contexto da crise dos anos 2000, ver Belluzzo (2008) e Netto (2009). Sobre a relação entre as respectivas teorias econômicas, ver Mattick ([1971] 1980), Kenway (1980) e Sardoni (1991).

A tentativa de diálogo entre Keynes e Marx tem sido levada a cabo, no Brasil, principalmente pela Escola de Campinas e, no mundo, por teóricos como Joan Robinson, Dudley Dillard e Robert Skideslky. A fusão entre Marx e Keynes tem um histórico relativamente bem estabelecido na tradição crítica. No entanto, acreditamos que a complexidade dessa combinação demanda um esforço de recuperação dos textos originais dos dois pensadores. Desta forma, a intenção desta primeira etapa de pesquisa é evitar tanto uma leitura keynesiana de Marx quanto uma leitura marxista de Keynes, apontando as convergências das teorias, mas cientes de potenciais divergências, mesmo que não estritamente econômicas. Assim, este trabalho aproxima os conceitos de economia monetária de Keynes da fórmula geral apresentada por Marx em O Capital, prevenindo o leitor da iminente explosão que decorre da contradição das estratégias de reforma e revolução. Neste sentido, trata-se de um estudo que antecede a fissão da síntese Marx-Keynes.3 3 As consequências dessa mistura explosiva serão abordadas em pesquisa futura. É nesse sentido que se entende o termo "preliminar" no título do artigo.

A teoria da decisão de investimento é um tópico em aberto que possui linguagem distinta para as diferentes escolas de pensamento econômico. Buscamos aproximar as explicações originais de Keynes (e atualmente resgatadas por autores pós-keynesianos) para o processo de tomada de decisão sob condições de incerteza das categorias que estabelecem a diferença entre dinheiro e capital em Marx. Assim, a intenção é a de relacionar o conceito de incerteza com a fórmula geral do capital conquanto processo de valorização do capital. Isso possibilitará no futuro discutir o significado da taxa de juros e permitirá estabelecer a relação entre essa taxa de retorno, ou custo de oportunidade, e o conceito de intervenção econômica adequada, cuja aplicação parece ser a solução do problema da instabilidade financeira, dos ciclos e da depressão econômica.

O resultado da investigação é que o significado da taxa de juros em Keynes deve ser construído com base no comportamento dos agentes que tomam decisões sob incerteza, com implicações produtivas (princípio da demanda efetiva) e financeiras (teoria da preferência pela liquidez), ao passo que o sentido da taxa de juros em Marx deve ser contemplado pela lógica da valorização. Apesar dessa diferença, as duas interpretações não se excluem, ainda que as posições políticas dos autores possam entrar em conflito.

2. Keynes e a teoria clássica

Até a publicação da Teoria Geral do Emprego, dos Juros e da Moeda, em 1936, a teoria econômica era dominada pelo conceito de equilíbrio automático, ou seja, a situação para a qual o sistema econômico apresentaria tendência de convergência e que apenas se distanciaria em caso de distúrbios passageiros ou anomalias.4 4 Elementos e situações que ocorrem no sistema econômico, mas que não seriam produzidos pela própria dinâmica de funcionamento do sistema. Seriam situações que estariam impossibilitando o funcionamento "natural" ou "normal" das "leis" econômicas. Esse estado de convergência, por sua vez, seria o resultado direto da determinação da demanda pela oferta, tal como expresso pela "lei de Say" em suas versões "fortes" e "fracas", bem como pela concepção teórica do "Equilíbrio Geral" de Walras ([1874] 1996)WALRAS, L. Elementos de Economia Política Pura., São Paulo: Nova Cultural [1874] 1996.. Ambas as formulações encontram inspiração em Adam Smith, tanto no papel atribuído à concorrência quanto na aceitação da "mão invisível" enquanto alegoria para a lógica de funcionamento do sistema econômico. Desta forma, o bem-estar coletivo seria garantido pela tomada de decisões individuais, autointeressadas e independentes. Portanto, para um sistema que, pela própria dinâmica, tenderia à harmonia - ao bem-estar econômico ou ao equilíbrio -, as decisões individuais não poderiam ser as causas de problemas como crises.

A afirmação de que a "oferta cria a própria demanda", bem como a concepção de que o equilíbrio de mercado (simultâneo e de todos os mercados) ocorreria em um ótimo paretiano, colocava implicitamente a economia em estado (ou a caminho) de pleno emprego dos fatores de produção.5 5 Sobre a contribuição geral de Pareto, ver Screpanti e Zagmani (2005), p. 223. Em razão dessas concepções aglutinadoras, comuns aos modelos de equilíbrio, pode-se afirmar que o termo "clássico" para Keynes se refere aos economistas que aceitam a contrapartida automática e necessária de que o ato de investimento individual corresponde ao ato de poupança individual.6 6 O termo "clássico" neste artigo tem o sentido dado por Keynes. Uma das principais tarefas teóricas de Keynes foi justamente expor que tal modelo seria incompatível com a realidade econômica observada, ou seja, a poupança não é um "gasto", sendo uma subtração, e não uma adição às variáveis que determinam a renda, o produto e o emprego, à medida que o investimento é um ato de "gasto", um ato de demanda corrente com repercussão na oferta futura. Os motivos que estimulam a poupança tenderiam a deprimir os motivos que levam ao investimento, e não o contrário.

O desdobramento enunciado pela "lei de Say" e, posteriormente, pela construção do Equilíbrio Geral, exclui da teoria econômica a possibilidade de crise como algo inerente ao funcionamento do sistema econômico.7 7 Os modelos trabalham com a hipótese restritiva de que a poupança automaticamente se converte em decisão de gasto, ou seja, investimento. Portanto, partindo dessa hipótese, não é possível dedutivamente chegar ao cenário em que a demanda seria escassa. Esse é o raciocínio (o da lei de Say) de David Ricardo em seu debate com Malthus, conforme reportado por Keynes em Essays in Biography, na seção sobre Malthus. No máximo, são consideradas situações de distúrbios passageiros contornados pela livre operação das "forças de mercado". Neste sentido, eliminam-se as situações em que a oferta e a demanda diferem de forma abrupta e sistemática pela própria decisão dos agentes. No modelo clássico, portanto, a quebra da reprodução ganha o caráter de evento "estranho"; a instabilidade é vista como algo anômalo, assim como o próprio lucro.8 8 De forma similar ao teor da crítica de Keynes, Schumpeter ([1942] 1961, p. 113) argumenta que a teoria convencional (clássica) eliminou dos modelos todas as características intrínsecas ao sistema capitalista, justamente a crise, o lucro, a instabilidade e a mudança. Esse é o motivo pelo qual existe alvoroço entre teóricos do mainstream quando a depressão ocorre de fato. Keynes, reconhecendo esse problema, vai apontar que é necessário incorporar o elemento da incerteza nas decisões dos diversos agentes - empresários, bancos, público - para que se compreenda por que o sistema econômico opera abaixo do pleno emprego dos fatores produtivos, por que a recessão pode acontecer por motivos endógenos ao sistema e por que o produto e o emprego se encontram no nível observado a cada momento do tempo.

No modelo clássico, a aceitação da "lei de Say" implica alguns pontos que aparecem de forma desordenada na literatura econômica mainstream quando se quer descrever o sistema ideal de equilíbrio. Um desses pontos é o argumento de que o dinheiro é apenas um "meio de circulação" (um facilitador conveniente das trocas), não tendo assim funções determinantes sobre a economia real.9 9 Em Say, mercadoria e dinheiro são quase sinônimos, no sentido de Marx. O dinheiro conquanto mero meio de circulação é apresentado por Say ([1803] 2001, p. 141-2, tradução nossa) com as seguintes palavras: "De fato, quando um produtor produziu uma mercadoria, ele tem uma necessidade extrema e vontade de vendê-la, para que o seu valor não se dissolva em suas mãos. Mas ele não está menos propenso de se livrar do dinheiro que ele obtém da venda da mercadoria, precisamente para impedir que o valor do dinheiro desapareça por ficar ocioso. Agora, não se pode se livrar do próprio dinheiro exceto através da compra de algum produto". Ricardo, reforçando o argumento de Say, diz (citado por Keynes ([1936] 1996), p. 338): "A produção compra-se sempre com produção ou com serviços; a moeda é apenas o meio utilizado para efetuar a troca. Consequentemente, sendo um aumento de produção acompanhado sempre de um aumento correspondente do poder de aquisição e de consumo, não resta possibilidade de Superprodução". Outra forma de dizer isso é considerar que a identidade contábil da Teoria Quantitativa da Moeda (TQM) tem sentido de determinação, como aparece nas versões mais restritivas de Fisher e Friedman,10 10 Nas quais se pressupõem que produto real ou transações e a velocidade de circulação da moeda são estáveis ou fixos. Ver Fisher ([1911] 1922) e Friedman (1956). não cabendo papel de influência duradoura da moeda a não ser o impacto no nível de preços. A identidade macroeconômica entre poupança e investimento, por sua vez, é interpretada no sentido de determinação do investimento pela poupança, e mais do que isso, a igualdade ocorre no nível de pleno emprego dos fatores de produção. Essa seria outra maneira de caracterizar o modelo clássico e a respectiva função restrita de "meio de troca" do dinheiro.

Na tradição ortodoxa, de acordo com Keynes ([1936] 1996, p. 277-8)KEYNES, J. M. A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda. São Paulo: Nova Cultural, [1936] 1996., há na verdade uma teoria da produção ou do valor (economia real) e outra teoria para a moeda e os preços, de tal forma que as duas teorias não formariam um corpo teórico completo e consistente.11 11 Essa é a assimilação, na linguagem de Keynes, do problema da transformação de valores em preços, como ele nasceu na Economia Política Clássica e persiste como dicotomia entre valor e preço em todas as teorias de produção e distribuição nas quais o dinheiro existe. Essa seria a essência das interpretações que consideram que variáveis monetárias não afetavam variáveis reais e vice-versa, tanto na teoria neoclássica quanto nas reformulações monetaristas e novo-clássicas.12 12 A teoria dos Ciclos Reais de Negócios é um esforço do mainstream em reconhecer que as flutuações econômicas existem. No entanto, essa teoria reduz as flutuações a choques reais, i.e. choques tecnológicos, desconsiderando a influência da moeda e do sistema financeiro sobre a atividade econômica. Desta forma, a economia mainstream nunca considerou a moeda como relevante para a determinação das quantidades de valores de uso a serem produzidas pela sociedade. Essa independência plena entre economia real e monetária é a chamada de "dicotomia do modelo clássico", justamente um dos pontos da Crítica da Economia Política de Marx (mas não o principal) com o conceito de capital em crise e da ruptura e revolução teórica da economia monetária de Keynes.

A resposta de Keynes à dicotomia clássica é a construção da economia monetária, na qual a moeda assume funções que a princípio poderiam parecer contraditórias à luz do princípio da demanda efetiva. Além de "unidade de conta", a moeda assume a função de "meio de troca" e "reserva de valor". Ao ser demandada como "reserva de valor", a moeda não está exercendo sua função de "meio de troca". Portanto, mercadorias não estão sendo vendidas (caso tenham sido produzidas). Como o gasto determina a renda, a "reserva de valor" abre espaço para decisão de não gastar (poupança) no período corrente, transportando poder de compra do presente para o futuro por tempo indefinido. Neste sentido, a "reserva de valor" teria, a princípio, um impacto inibidor sobre a dinâmica sistêmica ao afetar a realização da produção e o grau de utilização dos fatores de produção, uma vez que o poder de compra não está sendo utilizado para adquirir mercadorias no presente e não há garantia de que será utilizado para adquirir mercadorias em qualquer data específica no futuro, tornando inócuo o ajuste da produção para o futuro.13 13 Essa é uma das críticas de Keynes à teoria da Escolha Intertemporal, que tem em Irving Fisher um de seus maiores expoentes. Para Fisher (1930), a poupança no presente implicaria consumo maior no futuro, indicando a necessidade de aumento do investimento no presente para atender essa demanda futura. De acordo com Keynes, a única certeza com relação ao poder de compra reservado é de que ele não foi gasto. O fato de haver a possibilidade de vir a ser utilizado em um período futuro é insuficiente para orientar qualquer decisão de investimento. A visão de Fisher é lógica ao se considerar uma economia em que a moeda não é um ativo, ou seja, um fim em si mesma. Contudo, na economia capitalista em que os agentes buscam proteger e ampliar o poder de compra acumulado, a lógica é outra. É dessa outra lógica que estamos tratando.

Uma consequência política importante sustentada pelo modelo clássico se dá no âmbito do mercado de trabalho, tratado como qualquer outro mercado (em que prevalece a "tesoura marshalliana") - demanda e oferta de mercadorias, fatores de produção, poupanças. De acordo com a análise de equilíbrio, também o mercado de trabalho encontrará seu ponto ótimo (de igualdade de forças) quando oferta e demanda de trabalho forem iguais, e iguais no nível de plena utilização dos fatores de produção. Por isso, idealmente, haverá no equilíbrio a máxima utilização dos trabalhadores, ou seja, vai vigorar o pleno emprego a não ser que os trabalhadores não desejem trabalhar.14 14 Como aparece em Jevons ([1871] 1970) com o argumento de que o trabalhador compara a desutilidade do trabalho (o ônus, a "dor" de trabalhar) com a utilidade do salário (benefício, "prazer" de uma renda para aquisição de uma cesta de bens) e, modernamente, com a ideia de taxa natural de desemprego de Friedman, com o argumento de que ao salário vigente no mercado, os trabalhadores desempregados seriam aqueles que preferem o ócio. Em ambas as visões está implícito que há realmente uma escolha em ficar desempregado, cuja consequência não é determinante sobre as condições de reprodução material da vida do indivíduo e de sua família. Nesse sentido, toda manifestação de desemprego será apontada pelos adeptos do modelo clássico como desemprego voluntário ou como produto de falhas de mercado (anomalias e fricções) que obstacularizam a perfeição e a harmonia da ordem econômica "natural". Toda a utilização de recursos abaixo da plena capacidade, ou seja, a existência de desemprego persistente, capacidade ociosa e estoques indesejados observados na economia do mundo real são, para o modelo ideal, uma expressão de que a realidade é "defeituosa". Isso não seria um defeito do sistema econômico em si: na verdade, algo estaria impedindo a livre operação das "leis de mercado" enunciadas pela teoria.

Devido ao fato de que, após o crash de 1929 e ao longo da Grande Depressão, muitos trabalhadores queriam trabalhar a qualquer salário,15 15 Nos EUA, o desemprego atingiu o nível de 25% da força de trabalho; na Alemanha, 33% (Mazzucchelli, 2010). mas não encontravam trabalho, a força do modelo clássico foi bastante reduzida na época. Foi nesse contexto que o elemento de decisão de investimento baseada nas expectativas dos empresários, dentro do conjunto maior de decisões individuais tomadas sob incerteza, substituiu o domínio do modelo clássico de equilíbrio automático nos anos seguintes. Esses aspectos parecem ter retornado na conjuntura de crise e estagnação atual, tendo em vista os discursos que apontam a necessidade de uma "recuperação da confiança dos negócios" como solução.

Nos anos 1930, Keynes havia derrubado os dogmas do que até então era a teoria econômica dominante. Justificou teoricamente a intervenção do Estado no campo econômico, defendeu a criação e a forma de operação de instituições para reduzir a incerteza em escala doméstica e internacional,16 16 No âmbito doméstico, a política fiscal sob direção do Tesouro e a política monetária pelo Banco Central, a serem utilizadas de forma combinada, para garantir taxa de juros compatíveis com os retornos esperados dos investimentos, demanda de última instância e liquidez/empréstimos de última instância. No âmbito internacional, a criação do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional, para garantir a retomada das relações comerciais e financeiras internacionais, liquidez de última instância. bem como ações para estimular as decisões de gasto dos agentes econômicos de forma a evitar a insuficiência da demanda efetiva, garantindo condições favoráveis para a geração de produto, renda e emprego.

No entanto, no pós-guerra, a teoria econômica criticada por Keynes, e inviabilizada pela realidade da Grande Depressão, foi preservada (na totalidade) sobre a nomenclatura de "microeconomia", e a revolução teórica da economia monetária foi filtrada, enfraquecida e combinada ao corpo da teoria tradicional, como um caso particular. Dessa forma, a Teoria Geral foi considerada não como uma reformulação crítica da teoria econômica precedente, mas como um campo novo, não conflitante com o anterior, dando nascimento à "macroeconomia". De fato, a revolução da economia monetária de Keynes só viria a ser mantida por uma minoria de economistas, sobretudo pelos pós-keynesianos.

Durante a hegemonia dita "keynesiana", em boa parte do século XX, os economistas da síntese neoclássica passaram a desenvolver modelos dinâmicos para descrever o comportamento da economia, incorporando o desenvolvimento da estatística e da econometria. A integração de informação empírica foi impulsionada pelo aumento da disponibilidade de dados sobre as economias nacionais resultantes do esforço de medição das variáveis para auxiliar a ação do Estado. Esse foi o processo histórico de construção das Contas Nacionais e das Matrizes de Insumo-Produto. Décadas de estabilidade econômica com crescimento, administração da demanda agregada e controle das variáveis financeiras, contudo, fizeram com que o conceito de incerteza e o da economia monetária fossem esquecidos pela teoria para descrever a dinâmica econômica. A incerteza foi incorporada na teoria da síntese neoclássica como risco probabilístico, representando um passo atrás até em relação a avanços da teoria neoclássica.17 17 Dando um passo atrás não apenas em relação à critica teórica de Keynes, mas também às próprias contribuições do mainstream, tendo em vista que a distinção entre risco probabilístico e incerteza é o cerne da contribuição de Knight (1921) para a explicação teórica do lucro na própria Universidade de Chicago. As decisões sob incerteza, fonte das flutuações e da instabilidade, foram substituídas por um arcabouço teórico de escolha individual entre alternativas preconcebidas e com especificação probabilística de acordo com a preferência/propensão ao risco dos agentes. As projeções econômicas, construídas por modelos baseados no comportamento passado de variáveis, passaram a ser interpretadas com grau de certeza, como elemento de conclusividade, dado o intervalo de confiança, algo singular no caso das Ciências Sociais Aplicadas.18 18 O Direito opera com evidências, hipóteses e argumentações, do mesmo modo que a Economia, no entanto, na Economia aparentemente se consegue maior grau de conclusividade com os modelos matemáticos. Na Economia se estabelecem "leis", que sobrevivem mesmo quando confrontadas com casos que as contradizem.

Assim, o próprio sucesso da estrutura econômica implantada pela reforma do capitalismo sob a construção do Estado de Bem-Estar Social havia conseguido reduzir a incerteza; havia levado à prosperidade e à estabilidade econômica doméstica e internacional, marcando o que veio a ser conhecido como Golden Age do capitalismo. De fato, o ambiente econômico tornava a reflexão sobre crises e a instabilidade da economia monetária como um problema já superado. Keynes passava a ser visto apenas como o "economista da depressão". Não é por acaso que a Teoria Geral acabou sendo incorporada no corpo da teoria econômica dominante - modelo de Keynes/caso keynesiano - como uma situação particular do modelo de Equilíbrio Geral. Ou seja, com base na síntese neoclássica, sobretudo através da formalização do modelo IS-LM de Hicks-Hansen.19 19 Hicks (1980), p. 20, admite: "[...] a ideia do diagrama IS-LM me veio como um resultado do trabalho que eu estive fazendo sobre os três mercados (mercadorias, moeda e títulos) [three-way exchange] concebidos de uma maneira walrasiana". A teoria de Keynes, portanto, foi interpretada como um caso de desequilíbrio ou de lentidão do ajuste, representando as anomalias e as fricções da teoria clássica (como a rigidez de preços) que impediam alcançar o equilíbrio com pleno emprego no curto prazo.

O modelo clássico, anterior à Grande Depressão e representativo do liberalismo pré-regulação do pós-guerra, voltou a ser difundido a partir dos anos 1970, quando o liberalismo voltou a ser uma corrente politicamente influente em um contexto de economia crescentemente instável, cuja deterioração passou a ser atribuída não à transformação incessante da estrutura econômica, mas ao "excesso de intervenção do Estado" e à "ineficiência" deste na resolução dos problemas econômicos, principalmente na questão do controle da inflação e na superação da estagnação.

A contrapartida política do avanço teórico dos modelos de equilíbrio geral e da primazia do mercado foi a ascensão do neoliberalismo, que avançou com facilidade ante a debilidade teórica do mainstream da síntese neoclássica em lidar com os problemas de uma economia que flutua e que tende a momentos de instabilidade; em suma, a dificuldade dos chamados "keynesianos" em lidar com a economia monetária de Keynes.

Nesse contexto, a escola pós-keynesiana se esforça para mostrar que Keynes faz uma ruptura muito mais profunda com o modelo tradicional do que geralmente foi percebido pelos economistas no pós-guerra. De modo a deixar claro que a contribuição de Keynes não seria um caso particular, mas uma reformulação de toda a estrutura da teoria econômica até então vigente. Tampouco seria um campo novo na teoria econômica - a macroeconomia - mas, na verdade, consistiria na reformulação das bases da teoria econômica, principalmente no que diz respeito à tomada de decisões individuais sob incerteza - microeconomia - e aos resultados sistêmicos da interação dessas decisões ao longo do tempo.

3. A Economia Monetária de Keynes

De que modo podemos resumir a ruptura de Keynes com a tradição clássica e o caráter revolucionário de sua teoria mesmo no contexto do atual mainstream da teoria econômica?

A ruptura, expressa pela economia monetária, está no fato de que os agentes econômicos podem demandar um ativo não reprodutível pelo trabalho e preservá-lo por tempo indeterminado a depender de suas preferências e visões sobre o futuro. Deste modo, quanto maior for a demanda por esse ativo e menor a disposição de abrir mão de sua posse, menor tende a ser a demanda de tudo aquilo que possa ser produzido pelo trabalho ou na esfera da produção. Nesse ponto, Keynes avançou em relação aos seus predecessores (Thomas Malthus, John A. Hobson) ao associar o princípio da demanda efetiva ao funcionamento do sistema financeiro. Vale dizer, a moeda permite postergar o gasto e preservar o poder de compra (valor) ao longo do tempo. A situação não se resume, porém, à questão da "reserva de valor". A moeda pode pleitear um rendimento financeiro quando utilizada na aquisição de um ativo financeiro (títulos) portador de (ou que promete um) rendimento (a quase renda). Assim, a poupança e a riqueza financeira, além de serem preservadas fora da esfera da produção, passam a buscar a ampliação de sua magnitude em uma esfera alternativa. Contudo, os ativos financeiros, a depender das circunstâncias e da opinião do público sobre o futuro, podem se tornar péssimos instrumentos de "reserva de valor", sobretudo quando sofrem deflação. Esta, em geral, motivada por movimentos bruscos de liquidação, ou seja, de fuga para a moeda. Esse é o ponto em que a teoria da preferência da liquidez se manifesta, refletindo que a promessa/expectativa de ampliação do valor, por meio dos ativos financeiros (e mesmo reais), pode ser sacrificada em nome da preservação do poder de compra já acumulado.20 20 Esta é a lógica da "fuga para qualidade". Na conjuntura de 2013-2014, os capitais financeiros têm intensificado o movimento de saída dos países periféricos para países centrais, ainda que os mercados financeiros no Centro apresentem menores oportunidades de ganho - recorde de baixas taxas de juros/estabilidade das cotações em relação aos periféricos. A lógica, portanto, é evitar a perda do que já foi acumulado, mesmo que as expectativas de ganho sejam baixas ou até eliminadas com os custos de transação dessas operações.

Keynes havia demonstrado que o sistema econômico pode operar de forma instável e ser propenso a crises não pela falta de racionalidade dos agentes, mas justamente pelo exercício dessa em escala individual. Vale dizer, a teoria de Keynes demonstra que o que seria perfeitamente racional do ponto de vista individual, em determinadas conjunturas, pode ter consequências contraproducentes do ponto de vista sistêmico. Os agentes tomam decisões de acordo com a expectativa de atingir certos objetivos - lucro, bem-estar, satisfação, proteção; no entanto, em determinados contextos, o resultado da interação dessas decisões pode ser harmônico (expansão, estabilidade), em outros, pode ter efeitos nocivos para a dinâmica econômica (depressão, desemprego, falências, instabilidade e crise). Não há dúvida de que os agentes buscam tomar as melhores decisões e fazer o melhor que podem, sobretudo quando dinheiro está envolvido. A incompletude e a assimetria de informações são apenas detalhes quando comparadas com a falta estrutural de informações (desconhecimento) sobre o futuro e de percepção do resultado agregado das interações dos vários agentes individuais.

Com a Teoria Geral, Keynes explora os limites da afirmação smithiana de que a busca do interesse próprio resulta no bem-estar coletivo. Neste sentido, a teoria da economia monetária apresenta uma interpretação mais geral e, portanto, completa, ao entender que a busca do interesse próprio, expresso nas decisões individuais, tem resultados coletivos, cujos efeitos devem ser avaliados a todo o momento, na sucessão de curtos prazos. Em suma, o que pode ser factível do ponto individual (microeconômico) pode não fazer sentido no âmbito do sistema (macroeconômico) e pode ainda agravar a operação do último. Em Marx, isso pode ser tido como uma das percepções de que o capitalismo apresenta um caráter contraditório.

A ação do Estado e a constituição de instituições surgem, a partir de Keynes, como formas necessárias e específicas de atuação coletiva no sentido de se evitar a cumulatividade depressiva das decisões do público, dos detentores de riqueza e dos empresários sobre o futuro. De outra forma, Keynes vê na intervenção do Estado uma forma de preservar as condições de reprodução do sistema econômico - mantendo os níveis de produto, renda e emprego -, preservando os princípios de escolha e da liberdade dos indivíduos, bem como as condições de coesão da sociedade capitalista (emprego, renda, maior equidade). Portanto, a intervenção do Estado viria a fim de socializar os riscos21 21 O Estado, conquanto instituição representativa da sociedade, assume o risco de manter o nível da atividade econômica quando as empresas, os bancos e o público, por receio do futuro, voluntariamente, desejam tomar decisões prudentes individualmente, mas que sistemicamente desorganizam as condições de reprodução. de lidar com o futuro, principalmente em contextos desfavoráveis, justamente quando seria extremamente racional para o indivíduo buscar proteção, elevar sua poupança, adiar e reduzir decisões de gasto, demitir funcionários e preferir a liquidez, mas que, do ponto de vista sistêmico, afetaria a acumulação e o desenvolvimento da estrutura de capital, bem como as condições de reprodução da vida material.

A preocupação primordial na Teoria Geral é a questão do emprego e em como essa variável está sujeita aos determinantes da economia monetária (das taxas de juros e da moeda enquanto ativo).22 22 No Tratado sobre a Moeda, obra de 1930 e que antecipa o aspecto institucional do sistema financeiro, Keynes já tratava dessa economia monetária; no entanto, sua ênfase não era sobre a questão do emprego, mas sobre a determinação dos preços do produto e dos ativos financeiros. Vale dizer, a questão do emprego é a mais importante em termos de operação do sistema econômico e do convívio em sociedade. Contudo é a questão menos relevante no horizonte de decisão do empresário, do público e dos detentores de riqueza. O nível de emprego é o resultado da interação das decisões de produção e investimento lucro-orientadas dos empresários, bem como das decisões de portfólio do público e do sistema financeiro (voltados para o lucro e a preservação da riqueza monetária), assim como as decisões de gasto do público (voltadas para a satisfação de necessidades). Todas essas, em conjunto, definem as condições de liquidez e manifestam as opiniões do que se acredita que será o futuro, formando convenções e influenciando, assim, a cadeia de decisões que definem a produção, o produto e, por fim, o emprego.

Do ponto de vista social, é por meio do emprego que a maior parte da população obtém uma renda que permite o acesso ao produto resultante dos esforços produtivos coletivos. Como se já não bastasse preocupar-se com a questão humana e cívica, Keynes volta-se para as condições de expansão do sistema econômico. Tal como o destaque kaleckiano e marxista para a demanda intersetorial dos empresários - ponto destacado por Keynes no esquema de dois setores (empresários que demandam de empresários) -, ainda sim, no limite, a expansão sistêmica repousa na demanda efetiva final, que incorpora também a demanda do consumidor (cidadão, trabalhador, famílias ou público). É por isso que os motivos que impelem à poupança individual - redução de gastos - são incompatíveis com os motivos que impelem ao investimento - expectativa de ampliação da demanda e da lucratividade.

Por tal razão, conclui-se que a interpretação de Keynes sobre a utilização de fatores de produção aquém do nível de pleno emprego não depende da hipótese da rigidez de preços, como se depreende com facilidade de seu artigo intitulado The General Theory of Employment (Keynes (1937)KEYNES, J. M. 'The General Theory of Employment', The Quarterly Journal of Economics, vol. 51, nº. 2, pp. 209-223, 1937.). A incorporação da teoria de Keynes aos modelos da síntese neoclássica através dessa hipótese exclui todo o caráter crítico e dinâmico da economia monetária; em suma, exclui o fator central da tomada de decisões sob incerteza, tanto no campo da economia real mediante o princípio da demanda efetiva quanto no campo do sistema financeiro por intermédio da teoria da preferência pela liquidez. A recuperação desses elementos teóricos vem sendo feita pela chamada "escola pós-keynesiana", que pode ser posta em contato com o arcabouço marxista quando se trata do tópico sobre a decisão de investimento em uma economia monetária.23 23 Para uma introdução ao arcabouço pós-keynesiano, ver ainda Carvalho (1992), Ferrari Filho (1991) e Lima (1992).

4. A teoria da preferência pela liquidez à luz do Tratado sobre a Moeda

Na abordagem mais simples sobre a determinação do investimento, é considerado que o agente tem apenas duas opções de escolha. A gama de ativos passíveis de serem adquiridos é assim simplificada a uma decisão binária a fim de que se explicite o processo de tomada de decisão do investimento. Por isso, toda vez que se considera a decisão de investir,24 24 Os termos "investir" e "aplicar" serão usados como sinônimos aqui. Tal indistinção é justificável, uma vez que estaremos usando os termos no sentido de "aquisição de um ativo" ou "ato de compra de um ativo", que, de modo real, pode ou não representar um investimento no propósito clássico de aumento do capital fixo. admite-se que é necessário comparar apenas duas taxas de retorno: a referente ao ativo mais líquido e a referente ao ativo menos líquido. Essa simplificação visa facilitar a compreensão do processo decisório no qual todo agente no mercado de capitais está envolto. Ela pode ser desfeita depois que se compreende o processo de decisão de aplicação geral. Assim, tem-se uma modelagem simples de determinação do investimento como um todo. Keynes aborda geralmente a taxa de juros monetária em comparação com uma taxa de retorno qualquer quando começa a abordagem simples.

A determinação do investimento para Keynes é exposta no livro IV da Teoria Geral. A abordagem começa pela comparação de dois preços: o preço de demanda, que representa o valor do investimento, enquanto retorno esperado do investimento (faturamento), ou seja, o valor do investimento correspondente a todo o retorno que se espera obter com o bem de capital; e o preço de oferta, que representa o custo de produção do investimento ou do bem de capital (que é o faturamento do produtor de bens de capital25 25 No limite é o preço mínimo que induziria o empresário do setor de bens de capital a produzir uma unidade adicional do bem de capital. Segundo Keynes, podendo ser entendido como custo de reposição. ). Essa é a mesma forma utilizada no Tratado sobre a Moeda. A forma equivalente de apresentação é a da comparação de duas taxas: a eficiência marginal do capital como a taxa de desconto, que traz a valor presente todos os fluxos de rendimentos esperados com a aquisição e a utilização do bem de capital ou investimento; e a taxa de juros monetária, como custo de oportunidade do investimento (rendimento alternativo) ou custo financeiro (no caso de emissão de passivos para aquisição do ativo real).26 26 A dimensão de custo financeiro é explícita no Tratado sobre a Moeda, embora esteja implícita na Teoria Geral. Esta forma explícita é recuperada por Minsky (1975) nos trabalhos que culminam com a Hipótese de Instabilidade Financeira.

Keynes salienta que a série de anuidades (quase rendas) são apenas os retornos esperados do investimento, ou seja, a eficiência marginal do capital é definida em termos da expectativa do rendimento e do preço de oferta corrente do bem de capital. Por isso, o cálculo dessa eficiência não é feito retrospectivamente, depois que o resultado do investimento existe. Keynes aponta que um dos equívocos mais relevantes da tradição clássica é não considerar que a eficiência marginal do capital reflete a expectativa de rendimento no futuro, passível de estimativa, mas não de antecipação. Isto é, que a eficiência marginal do capital é uma taxa diferente da taxa de juros monetária, com determinantes específicos e distintos. De tal modo que a eficiência marginal do capital representa aspectos técnicos da produção, bem como aspectos prospectivos das condições da demanda, ao passo que a taxa de juros monetária é determinada por fatores específicos do sistema financeiro, representando o preço de equilíbrio entre oferta e demanda por liquidez; portanto, tendo, entre seus determinantes, aspectos que não se referem essencialmente ao mundo da produção.

Conforme o investimento em dado tipo de bem de capital ou setor produtivo aumenta, a eficiência marginal do capital associada tende a diminuir ceteris paribus. De um lado porque é de se esperar que o rendimento prospectivo diminua à medida que o aumento da oferta desse bem de capital prossiga e tenda a escassear as oportunidades lucrativas de negócio, reduzindo, portanto, o preço de demanda do investimento, mesmo que, em termos físicos, a estrutura de capital pudesse se expandir muito mais. De outro lado, porque a pressão de demanda (empresarial) sobre o setor produtor dos bens de investimento tenderia a elevar o custo de produção, à medida que a expansão prosseguisse ou que acelerasse o seu ritmo, elevando o preço de oferta, seja pelo descasamento entre a capacidade de resposta da oferta, seja pelo encarecimento dos insumos necessários, seja pelo maior poder de negociação do produtor de investimento nessa conjuntura de expansão.

Como se dá a decisão do investimento nesse contexto? Sob essa perspectiva, o investimento tenderia a aumentar até o ponto em que não houvesse bens de capital a serem adicionados ao estoque de capital de forma lucrativa, ou seja, até o ponto em que a taxa de retorno esperada fosse equivalente à taxa de juros monetária corrente.27 27 Taxa entendida como custo de oportunidade ou base do custo financeiro dentro de uma curva de taxa de juros compatível com o horizonte e a maturidade do ativo ou do investimento. Na Teoria Geral, à luz das contribuições do Tratado sobre a Moeda, a taxa de juros é mais bem compreendida com a taxa de juros básica no contexto de um conjunto de taxas de juros que vai até a taxa de juros de longo prazo de maior prazo.

Por que a taxa de juros monetária é o foco central da comparação com os demais tipos de investimento e aplicações financeiras? Para capturar o sentido da taxa de juros como taxa standard, vamos combinar a exposição de Keynes (1933KEYNES, J. M. A Monetary Theory of Production. In: The Collected Writtings of John Maynard Keynes. CW: vol. XIII, p. 408-411, 1933.) com uma análise em concordância com o quadro utilizado pelos economistas que prosseguiram o caminho da Crítica da Economia Política de Marx.

5. Marx e Keynes sobre a lógica capitalista

Em Marx, o sujeito tomador de decisões, no modo de produção do capital, encontra-se no mercado onde mercadorias são trocadas. Existem dois tipos de troca que se pode fazer no mercado. Uma delas é a troca que concerne à permuta entre valores de uso distintos. Essas são as trocas do tipo M-D-M', ou seja, 'mercadoria-dinheiro-mercadoria'. Aqui, o objetivo do intercâmbio é a aquisição de um valor de uso diferente. Essas são as trocas descritas pelos economistas quando formulam o conceito inicial de mercado como desenvolvido historicamente a partir do escambo e da divisão do trabalho. A mercadoria nesse circuito equivale a dinheiro, e dinheiro é visto como uma mercadoria qualquer, com a diferença de que seria a mercadoria que teria sido eleita como equivalente geral. Contudo, em Marx, dinheiro vai além disso, tendo em vista que é a última forma do valor antes da forma capital. De forma imperfeita, poder-se-ia pensar no dinheiro como a fronteira-limite da conversão de mercadoria em capital, mas aqui não haveria diferença entre a economia clássica e a crítica da economia política.

No entanto, além de efetuar essas trocas que perfazem o circuito M-D-M' e que satisfazem a reprodução da vida material, o agente procura oportunidades de ampliação do valor.28 28 Este comportamento é similar ao descrito em Keynes ([1936] 1996, p. 119), tendo em vista que uma vez atendidas às necessidades básicas do indivíduo e de sua família, um novo conjunto de motivações passam a fazer parte da tomada de decisão do agente. É por isso que, com o aumento da magnitude da renda, a propensão a consumir tende a cair, e a decisão sobre o destino da poupança passa a fazer parte de um conjunto de motivações inteiramente diferentes do que norteia os gastos em bens e serviços. Vamos chamar essas possibilidades de valorização de trocas do tipo D-M-D'. Aqui, o circuito se inicia e termina com o dinheiro, de forma oposta ao caso de troca de valores de uso. Essa é a "fórmula geral do capital, como aparece diretamente na circulação" (Marx ([1867] 1985), p. 131)MARX, K. O Capital: Crítica da Economia Política. Livro I: O Processo de Produção do Capital., São Paulo: Nova Cultural [1867] 1985.. Aqui, a diferença quantitativa entre D' e D é representada por um ∆D incerto. A aquisição de mercadorias (como ativos) é desse tipo de troca, que objetiva a efetivação de um ∆D positivo. A mercadoria negociada nesse circuito representa a efetivação do dinheiro conquanto capital em estado latente em capital de forma efetiva, ou seja, o dinheiro adquiriu um ativo (real). De acordo com Belluzzo e Almeida (1999BELLUZZO, L. G.; ALMEIDA, J. S. G. Enriquecimento e produção: Keynes e a dupla natureza do capitalismo. In: PAULA, L. F.; SICSÚ, J.. (Orgs.). Macroeconomia moderna. Rio de Janeiro: Campus, 1999. p. 247-257.), Keynes trata especificamente desse tipo de transação, na qual a riqueza assume dupla dimensão (a dimensão produtiva e a dimensão de propriedade) por se tratar de uma economia empresarial capitalista. Outra forma de entender esse ponto é considerar que a riqueza assume de fato duas formas: a riqueza real, expressa pela estrutura de capital existente (prédios, fábricas, máquinas, infraestrutura), e a riqueza financeira, expressa por papéis financeiros denominados em moeda e que representam direitos sobre a riqueza material.

No Tratado sobre a Moeda, Keynes deixa clara a existência de duas circulações por onde a moeda é transacionada: a circulação industrial e a circulação financeira. A primeira representa o espaço da produção (a economia real) e equivale à noção do D-M-(FT e MP) ....P...M'-D' de Marx. Já a segunda circulação representa o sistema financeiro, espaço de manutenção do valor acumulado (e não gasto) e espaço de expansão do valor na forma financeira, aproximando-se, portanto, do D-D', embora não se resuma a este. Na circulação industrial, a moeda é trocada por mercadorias e vice-versa, é o espaço de manifestação do princípio da demanda efetiva. Na circulação financeira, a moeda pode ou não ser trocada por ativos financeiros, a depender das expectativas dos agentes e da preferência pela liquidez, tendo em vista que, embora possam servir de "reserva de valor", todos os ativos financeiros não apresentam as mesmas propriedades da moeda, sobretudo no quesito liquidez, central em momentos de incerteza. A circulação financeira representa o espaço da poupança da renda e da riqueza financeira ociosas, no sentido de não estarem ativas na produção - não se tornarem capital como em Marx, e, mais do que isso, não se tornarem demanda efetiva, ou seja, não adquirirem mercadorias inclusive para a satisfação de necessidades.

Para Keynes (1933KEYNES, J. M. A Monetary Theory of Production. In: The Collected Writtings of John Maynard Keynes. CW: vol. XIII, p. 408-411, 1933.), a moeda, em última instância, é um símbolo sem compromisso com valor intrínseco,29 29 Em Keynes, a moeda pode ser uma mercadoria física (commodity money), pode ter lastro em um mercadoria (managed money) e pode não ter padrão objetivo algum (fiat money). Esta última é característica dos modernos sistemas monetários. da mesma forma que os ativos financeiros, tendo em vista que esses estão denominados em moeda, e não na riqueza material que supostamente representariam. Na multidão de símbolos da riqueza, a moeda é o único símbolo aceito em qualquer circunstância e por qualquer agente, diferentemente das outras mercadorias e dos ativos financeiros. Ou seja, mesmo sem rendimento próprio, como apresentado por todo e qualquer ativo, a moeda é o único ativo que tem potencial de obter rendimento a partir de sua entrega, seja a taxa de juros monetária (promessa de devolução de mais moeda no futuro pela moeda cedida no presente), seja a taxa de rendimento que pode disputar ao ser trocada por ativo financeiro ou real. Portanto, diferente de Marx, a moeda não é apenas capital em potencial, ela é sempre um ativo com uma taxa de retorno em potencial, quer na produção, quer no sistema financeiro, e buscará exercer esse potencial caso haja confiança e expectativas de obtenção do retorno no futuro.

O capítulo 17 da Teoria Geral, à luz desses esclarecimentos do Tratado sobre a Moeda, permite avaliar todos os ativos reais e financeiros, em seus respectivos lugares, dando espaço para a tomada de decisão sobre a forma de alocação da riqueza financeira e sobre a decisão de produção ou não de riqueza nova (investimento).

6. Padrão de valor e taxa de juros

Para completar a analogia e estabelecer potenciais diferenças entre o mecanismo de escolha do detentor de riqueza financeira e moeda da vertente pós-keynesiana e o quadro analítico com base na teoria econômica de Marx, devemos focar no significado da taxa de juros da moeda.

Por que somente a taxa de retorno esperada ou a eficiência marginal do capital específico não é informação suficiente para que o agente tome a decisão de iniciar o projeto? Resumidamente, porque, no modo de produção capitalista, as decisões de aumento de riqueza estão subordinadas ao aumento de valor. Por essa razão, um investimento que estime a elevação da quantidade total de milho da sociedade em, por exemplo, 10% não é um critério suficientemente racional para a lógica de investimento do capital, mesmo que se soubesse que a população demanda 10% a mais de milho. Esse aumento relativo ao próprio valor de uso a ser produzido pelo setor pode ser representado abstratamente pelo que pretende indicar a taxa 'r' (ou eficiência marginal do capital). Contudo, e é isso que une as visões de Marx e Keynes no tema específico sobre a lógica do lucro, para o capital é necessário comparar esse projeto de aumento de valor de uso específico, no caso milho, com todas as outras opções de uso do dinheiro, sendo que o critério de decisão será balizado pelo projeto com maior potencial (e expectativa) de realização de valor.

Keynes se aproxima desse modo de análise no capítulo 17 da Teoria Geral ao enfatizar que cada bem/ativo tem uma taxa de juros específica denominada em termos de si próprio, ou seja, em termos da quantidade do bem, e não apenas a moeda com a taxa de juros monetária. Neste sentido, a taxa de juros da moeda seria uma taxa de juros específica como qualquer outra e não haveria razão, a priori, para ser a taxa de referência. Ou seja, qualquer bem poderia ser usado para medir a eficiência marginal do capital de qualquer ativo.30 30 Por exemplo, poder-se-ia medir a eficiência marginal do capital em termos de uma commodity e compará-la com a taxa de juros em termos da mesma commodity, por exemplo, medindo em termos de trigo, em termos de casas, em termos de ouro, etc.

A pergunta de Keynes neste capítulo é sobre o porquê da moeda ser um bem tão especial em comparação aos outros, visto que todos eles servem de medida e possibilitam a comparação das taxas de juros específicas entre si. O autor chega a se referir à mercadoria-padrão de Sraffa ([1960], 1985)SRAFFA, P. Produção de mercadorias por meio de mercadorias. São Paulo: Abril Cultural, [1960] 1985.,31 31 Keynes ([1936] 1996), p. 221. alegando ser teoricamente possível definir uma taxa de juros única e uma eficiência marginal do capital única em termos dessa mercadoria de referência. Contudo, em vez de seguir essa possibilidade e retornar à Economia Política Clássica e ao problema quantitativo do valor, retomando a abordagem do excedente para explicar a taxa de juros e suas implicações, como fez seu protegido, Piero Sraffa, Keynes toma um caminho singular. Além de considerar esse lado objetivo na explicação do surplus, busca explicar a taxa de juros por condições psicológicas da natureza humana. Em especial, ele fundamenta a teoria dos juros com a ajuda do papel da confiança e das expectativas sobre a estabilidade futura do padrão de referência, qualquer que seja o bem escolhido para tal, não se comprometendo com nenhuma unidade específica de contabilidade, ou com o critério político de se decidir o que cria valor.32 32 Justamente o que marca todo o conflito entre as diferentes visões da tradição clássica, marginalista e a marxista em se eleger o trabalho, a terra ou o próprio capital como produtivos. Essa é uma maneira elegante e extremamente pragmática de se resolver o problema milenar do valor entre a determinação objetiva e a subjetiva.33 33 Sobre a questão objetiva e subjetiva do valor, ver Feijó (2007). Ao decidir-se por esse caminho, Keynes conclui que sua teoria dos juros:

[...] se certa ou errada, é extremamente simples, visto que a taxa de juros de um empréstimo de determinada qualidade e maturidade tem que estabelecer ao nível sobre o qual, na opinião daqueles que têm a oportunidade de escolha - i.e. de riqueza - detentores - são equalizadas os atrativos de reter dinheiro ocioso e de reter o empréstimo. Seria verdade dizer que isso por si mesmo não nos leva muito longe. Mas isso nos dá um terreno firme e inteligível a partir do qual podemos prosseguir [...] (Keynes (1937KEYNES, J. M. Alternative theories of the rate of interest. The Economic Journal, vol. 47, nº. 186, pp. 241-252, 1937b.b), p. 250, grifo nosso, tradução nossa)

Keynes rompe com o compromisso e a dificuldade de se estabelecer um padrão objetivo de valor. Desta forma, supera a busca de Ricardo por esse padrão e vai além da construção teórica da mercadoria-padrão de Sraffa.34 34 Que justamente almejava superar a questão da definição de um padrão objetivo de valor, ainda que de forma abstrata. Considera que, independentemente do padrão de valor que venha a ser escolhido, a eficiência marginal do capital de todos os ativos, bem como as taxas de juros específicas, tem de apresentar a mesma relação através de qualquer unidade de medida. Assim, a mudança do valor da mercadoria de referência altera a eficiência marginal do capital de todos os ativos na mesma proporção, seja essa medida em termos monetários, seja essa medida em mercadorias "normais". Desta forma, não importa qual é a referência, se é o trabalho, a terra, o ouro, o trigo, ou a moeda. Contudo, haverá razões práticas e objetivas para que seja a moeda, como o baixo custo de manutenção/carregamento da moeda perante qualquer outro ativo, a baixa elasticidade de produção, a baixa elasticidade de substituição e, por fim, o elevado prêmio de liquidez: "Sempre há alguém disposto a pagar um preço pela conveniência e pela segurança potencial" oferecida pela moeda. De acordo com Keynes: "[...] os baixos custos de manutenção da moeda contribuem tanto quanto a importância do seu prêmio de liquidez para dar à sua taxa de juros uma importância significativa. O que interessa, com efeito, é a diferença entre o prêmio de liquidez e os custos de manutenção" (Keynes, [1936] 1996, p. 230)KEYNES, J. M. A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda. São Paulo: Nova Cultural, [1936] 1996..

Assim sendo, não é logicamente impossível a existência de um bem em termos do qual o valor da produção pareça ser mais estável do que em relação à moeda. Mas não parece provável que exista tal bem (Keynes, [1936], 1996, p. 230-1)KEYNES, J. M. A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda. São Paulo: Nova Cultural, [1936] 1996..

Para os demais ativos, uma elevada taxa de juros específica indica uma ampla base de arbitragem entre o preço de demanda e o preço de oferta¸ que, à medida que é explorada, tende a diminuir a taxa de juros específica, reduzindo a base e dando espaço para outros tipos de produção. Com a moeda, contudo, sua taxa de juros específica é resistente ao declínio conforme sua produção aumenta. A elevação das taxas de juros monetárias não aumenta a produção da moeda. Assim, as baixas elasticidades de produção e substituição, bem como o baixo custo de manutenção da moeda, reforçam as expectativas de estabilidade do poder de compra da moeda. Tais expectativas de estabilidade, por sua vez, reforçam o prêmio de liquidez da moeda.

A inelasticidade da oferta já havia, historicamente, tornado a terra e o ouro padrões de referência do valor; porém, justamente essa inelasticidade, a oscilação dos preços e a diferença entre os preços spot e forward, neles expressos, inviabilizavam a estabilidade do poder de compra desses ativos como padrão de referência. No caso da moeda, no entanto, não haveria nenhuma razão para essa ser mantida escassa, podendo ser criada e destruída com relativo controle sob influência das autoridades monetárias. A moeda só poderia perder a posição de referência caso a expectativa de deterioração de seu poder de compra fosse tão drástica que compensasse aos agentes a aceitação dos custos e dos inconvenientes de se buscar outros ativos para reservar o valor. Tal situação seria a característica de um processo inflacionário crônico, que, dependendo do contexto, pouco tem a ver com a oferta de moeda em si, mas com a oferta do produto e com a propensão ao gasto. Não é, portanto, um problema do padrão de referência, mas da interação do sistema produtivo com o sistema financeiro.

Em relação ao padrão de valor e à taxa de juros, é preciso apontar que Keynes segue um caminho de teorização distinto do de Marx. Em Marx, a taxa de juros é uma dedução muito clara do excedente, conforme a tradição clássica que é filha da fisiocracia. Em Keynes, o fenômeno dos juros não tem compromisso com a preexistência do excedente. O acordo de empréstimo invoca a origem dos juros independentemente de o excedente ter sido produzido para cobrir o contrato. Quando esse vazio de fato ocorre, a transferência de propriedade é assegurada pelo Estado, o que demonstra que o valor e a troca são relações de poder.

7. Conclusão

Assim, estabelecida a moeda como referência, isso significa que, por exemplo, se os investidores acham que venderão bombas ou pirâmides com maior retorno monetário, para remeter à ironia do próprio Keynes, em vez de milho, então decidirão não produzir tal cereal. A taxa de juros da moeda em Keynes, portanto, é um fenômeno monetário e psicológico determinado pelas condições de oferta e demanda de liquidez, independentemente de seu uso. A eficiência marginal do capital, apesar de possuir critérios técnicos e objetivos, é também substancialmente expectacional. Já em Marx, a taxa de juros reflete uma série de determinações que remontam necessariamente à esfera da produção, ainda que, de forma isolada, ela possa ser descrita como uma expressão irracional que brota da avaliação subjetiva dos agentes em primeira instância. Em ambos, trata-se de uma relação de poder, indicando que a aspiração secular da economia conquanto ciência demanda sua incorporação com a ciência política.

Neste sentido, tanto Keynes quanto Marx convergem em reconhecer que o sistema capitalista possui uma única lógica que subjaz à decisão de uso dos recursos econômicos e financeiros. Essa é a lógica da expansão do lucro monetário condicionada à situação da taxa juros monetária no mercado. Tanto em Keynes quanto em Marx, o capitalismo é visto como um sistema de crescimento - do produto, da renda, do lucro, da riqueza - seja esse crescimento estável, seja esse crescimento instável. Os dois autores enfatizam o aspecto da instabilidade de tal crescimento. No entanto, Keynes tem a intenção de tornar o crescimento mais estável, levando o capitalismo ao seu limite. Marx, por sua vez, avaliava que as forças produtivas capitalistas já eram suficientes para amparar a transição para outro sistema econômico e social.

Desta forma, a coordenação desse sistema econômico é vista como possível e desejada em Keynes, sendo o caminho possível para a melhora das condições de vida da comunidade e de acesso às conquistas positivas do sistema (liberdade, renda e riqueza). Já em Marx, a coordenação só seria desejável se tivesse o objetivo de superação da divisão da sociedade em classes. Desta maneira, a teoria da preferência pela liquidez e a fórmula geral do capital podem ser postas em relação como base comum para aprofundar a pesquisa sobre a ideia de planejamento econômico nas obras desses dois autores. O conceito de taxa de juros em Keynes e Marx, assim como o de mercado e plano, poderá a partir daí ser debatido com maior profundidade.

REFERÊNCIAS

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  • 1
    Fundamentados em princípios que enfatizam a organização de mercado, a liberdade e a livre-concorrência, bem como, a autorregulação. Para um exemplo fundamentado no quadro neoclássico aplicado à finanças ver Markowitz (1952)MARKOWITZ, H. Portfolio selection. The Journal of Finance, vol. 7, nº. 1, pp. 77-91, 1952. .
  • 2
    Sobre a retomada da teoria de Keynes no Brasil, ver Carvalho (2008)CARVALHO, F. Keynes e o Brasil. Economia e Sociedade, v. 17, n. spe, p. 569-574, 2008.. Sobre a conexão entre Keynes e Marx no contexto da crise dos anos 2000, ver Belluzzo (2008)BELLUZZO, L. G. Keynes e o fim do laissez-faire. Carta Capital, 17/11/2008. e Netto (2009)NETTO, A. D. Keynes e Marx. Folha de S. Paulo, 29/04/2009.. Sobre a relação entre as respectivas teorias econômicas, ver Mattick ([1971] 1980)MATTICK, P. Marx and Keynes: The limits of mixed economy. London: The Merlin Press, [1971] 1980., Kenway (1980)KENWAY, P. Marx, Keynes and the possibility of crisis. Cambridge Journal of Economics, vol. 4, pp. 23-36, 1980. e Sardoni (1991)SARDONI, C. Marx and Keynes: The critique of Say's Law. In: CARAVALE, G. A. (Org.) . Marx and Modern Economic Analysis, Edward Elgar, 1991..
  • 3
    As consequências dessa mistura explosiva serão abordadas em pesquisa futura. É nesse sentido que se entende o termo "preliminar" no título do artigo.
  • 4
    Elementos e situações que ocorrem no sistema econômico, mas que não seriam produzidos pela própria dinâmica de funcionamento do sistema. Seriam situações que estariam impossibilitando o funcionamento "natural" ou "normal" das "leis" econômicas.
  • 5
    Sobre a contribuição geral de Pareto, ver Screpanti e Zagmani (2005)SCREPANTI, E.; ZAGMANI, S. An outline of the History of economic thought. Oxford University Press, 2005., p. 223.
  • 6
    O termo "clássico" neste artigo tem o sentido dado por Keynes.
  • 7
    Os modelos trabalham com a hipótese restritiva de que a poupança automaticamente se converte em decisão de gasto, ou seja, investimento. Portanto, partindo dessa hipótese, não é possível dedutivamente chegar ao cenário em que a demanda seria escassa. Esse é o raciocínio (o da lei de Say) de David Ricardo em seu debate com Malthus, conforme reportado por Keynes em Essays in Biography, na seção sobre Malthus.
  • 8
    De forma similar ao teor da crítica de Keynes, Schumpeter ([1942] 1961, p. 113)SCHUMPETER, J. Capitalismo, Socialismo e Democracia[1942] 1961 argumenta que a teoria convencional (clássica) eliminou dos modelos todas as características intrínsecas ao sistema capitalista, justamente a crise, o lucro, a instabilidade e a mudança.
  • 9
    Em Say, mercadoria e dinheiro são quase sinônimos, no sentido de Marx. O dinheiro conquanto mero meio de circulação é apresentado por Say ([1803] 2001, p. 141-2, tradução nossa)SAY, J.-B. A treatise on political economy. New Brunswick, New Jersey: Transaction Publishers, [1803] 2001. com as seguintes palavras: "De fato, quando um produtor produziu uma mercadoria, ele tem uma necessidade extrema e vontade de vendê-la, para que o seu valor não se dissolva em suas mãos. Mas ele não está menos propenso de se livrar do dinheiro que ele obtém da venda da mercadoria, precisamente para impedir que o valor do dinheiro desapareça por ficar ocioso. Agora, não se pode se livrar do próprio dinheiro exceto através da compra de algum produto". Ricardo, reforçando o argumento de Say, diz (citado por Keynes ([1936] 1996)KEYNES, J. M. A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda. São Paulo: Nova Cultural, [1936] 1996., p. 338): "A produção compra-se sempre com produção ou com serviços; a moeda é apenas o meio utilizado para efetuar a troca. Consequentemente, sendo um aumento de produção acompanhado sempre de um aumento correspondente do poder de aquisição e de consumo, não resta possibilidade de Superprodução".
  • 10
    Nas quais se pressupõem que produto real ou transações e a velocidade de circulação da moeda são estáveis ou fixos. Ver Fisher ([1911] 1922)FISHER, I. The purchasing power of money. New York, Macmillan, [1911]; 1922. e Friedman (1956)FRIEDMAN, M. The Quantity Theory of Money: A restatement. In: Studies in the quantity Theory of Money1956..
  • 11
    Essa é a assimilação, na linguagem de Keynes, do problema da transformação de valores em preços, como ele nasceu na Economia Política Clássica e persiste como dicotomia entre valor e preço em todas as teorias de produção e distribuição nas quais o dinheiro existe.
  • 12
    A teoria dos Ciclos Reais de Negócios é um esforço do mainstream em reconhecer que as flutuações econômicas existem. No entanto, essa teoria reduz as flutuações a choques reais, i.e. choques tecnológicos, desconsiderando a influência da moeda e do sistema financeiro sobre a atividade econômica.
  • 13
    Essa é uma das críticas de Keynes à teoria da Escolha Intertemporal, que tem em Irving Fisher um de seus maiores expoentes. Para Fisher (1930)FISHER, I. The Theory of Interest: As determined by impatience to spend income and opportunity of invest it. New York: Macmillan, 1930., a poupança no presente implicaria consumo maior no futuro, indicando a necessidade de aumento do investimento no presente para atender essa demanda futura. De acordo com Keynes, a única certeza com relação ao poder de compra reservado é de que ele não foi gasto. O fato de haver a possibilidade de vir a ser utilizado em um período futuro é insuficiente para orientar qualquer decisão de investimento. A visão de Fisher é lógica ao se considerar uma economia em que a moeda não é um ativo, ou seja, um fim em si mesma. Contudo, na economia capitalista em que os agentes buscam proteger e ampliar o poder de compra acumulado, a lógica é outra. É dessa outra lógica que estamos tratando.
  • 14
    Como aparece em Jevons ([1871] 1970)JEVONS, W. S. The Theory of Political Economy. Baltimore: Penguin, [1871]; 1970. com o argumento de que o trabalhador compara a desutilidade do trabalho (o ônus, a "dor" de trabalhar) com a utilidade do salário (benefício, "prazer" de uma renda para aquisição de uma cesta de bens) e, modernamente, com a ideia de taxa natural de desemprego de Friedman, com o argumento de que ao salário vigente no mercado, os trabalhadores desempregados seriam aqueles que preferem o ócio. Em ambas as visões está implícito que há realmente uma escolha em ficar desempregado, cuja consequência não é determinante sobre as condições de reprodução material da vida do indivíduo e de sua família.
  • 15
    Nos EUA, o desemprego atingiu o nível de 25% da força de trabalho; na Alemanha, 33% (Mazzucchelli, 2010)MAZZUCCHELLI, F. Os anos de chumbo. Versão Eletrônica mimeo, 2010..
  • 16
    No âmbito doméstico, a política fiscal sob direção do Tesouro e a política monetária pelo Banco Central, a serem utilizadas de forma combinada, para garantir taxa de juros compatíveis com os retornos esperados dos investimentos, demanda de última instância e liquidez/empréstimos de última instância. No âmbito internacional, a criação do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional, para garantir a retomada das relações comerciais e financeiras internacionais, liquidez de última instância.
  • 17
    Dando um passo atrás não apenas em relação à critica teórica de Keynes, mas também às próprias contribuições do mainstream, tendo em vista que a distinção entre risco probabilístico e incerteza é o cerne da contribuição de Knight (1921)KNIGHT, F. Risk, uncertainty and profit. Boston and New York: Houghton Mifflin Co, 1921. para a explicação teórica do lucro na própria Universidade de Chicago.
  • 18
    O Direito opera com evidências, hipóteses e argumentações, do mesmo modo que a Economia, no entanto, na Economia aparentemente se consegue maior grau de conclusividade com os modelos matemáticos. Na Economia se estabelecem "leis", que sobrevivem mesmo quando confrontadas com casos que as contradizem.
  • 19
    Hicks (1980)HICKS, J. IS-LM: An explanation. Journal of Post Keynesian Economics, vol. 3, nº. 2 (Winter, 1980-1981), pp. 139-154., p. 20, admite: "[...] a ideia do diagrama IS-LM me veio como um resultado do trabalho que eu estive fazendo sobre os três mercados (mercadorias, moeda e títulos) [three-way exchange] concebidos de uma maneira walrasiana".
  • 20
    Esta é a lógica da "fuga para qualidade". Na conjuntura de 2013-2014, os capitais financeiros têm intensificado o movimento de saída dos países periféricos para países centrais, ainda que os mercados financeiros no Centro apresentem menores oportunidades de ganho - recorde de baixas taxas de juros/estabilidade das cotações em relação aos periféricos. A lógica, portanto, é evitar a perda do que já foi acumulado, mesmo que as expectativas de ganho sejam baixas ou até eliminadas com os custos de transação dessas operações.
  • 21
    O Estado, conquanto instituição representativa da sociedade, assume o risco de manter o nível da atividade econômica quando as empresas, os bancos e o público, por receio do futuro, voluntariamente, desejam tomar decisões prudentes individualmente, mas que sistemicamente desorganizam as condições de reprodução.
  • 22
    No Tratado sobre a Moeda, obra de 1930 e que antecipa o aspecto institucional do sistema financeiro, Keynes já tratava dessa economia monetária; no entanto, sua ênfase não era sobre a questão do emprego, mas sobre a determinação dos preços do produto e dos ativos financeiros.
  • 23
    Para uma introdução ao arcabouço pós-keynesiano, ver ainda Carvalho (1992)CARVALHO, F. Mr Keynes and the post-keynesians. England: Edward Elgar Publishing Limited, 1992., Ferrari Filho (1991)FERRARI FILHO, F. Os "keynesianos" neoclássicos e os pós-keynesianos. Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 12, n. 2, p. 340-348, 1991. e Lima (1992)LIMA, T. G. Em busca do tempo perdido: A recuperação pós-keynesiana da economia do emprego de Keynes. Rio de Janeiro: Eaesp/FGV, 1992..
  • 24
    Os termos "investir" e "aplicar" serão usados como sinônimos aqui. Tal indistinção é justificável, uma vez que estaremos usando os termos no sentido de "aquisição de um ativo" ou "ato de compra de um ativo", que, de modo real, pode ou não representar um investimento no propósito clássico de aumento do capital fixo.
  • 25
    No limite é o preço mínimo que induziria o empresário do setor de bens de capital a produzir uma unidade adicional do bem de capital. Segundo Keynes, podendo ser entendido como custo de reposição.
  • 26
    A dimensão de custo financeiro é explícita no Tratado sobre a Moeda, embora esteja implícita na Teoria Geral. Esta forma explícita é recuperada por Minsky (1975)MINSKY, H. P. John Maynard Keynes. New York: Columbia University Press, 1975. nos trabalhos que culminam com a Hipótese de Instabilidade Financeira.
  • 27
    Taxa entendida como custo de oportunidade ou base do custo financeiro dentro de uma curva de taxa de juros compatível com o horizonte e a maturidade do ativo ou do investimento. Na Teoria Geral, à luz das contribuições do Tratado sobre a Moeda, a taxa de juros é mais bem compreendida com a taxa de juros básica no contexto de um conjunto de taxas de juros que vai até a taxa de juros de longo prazo de maior prazo.
  • 28
    Este comportamento é similar ao descrito em Keynes ([1936] 1996, p. 119)KEYNES, J. M. A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda. São Paulo: Nova Cultural, [1936] 1996., tendo em vista que uma vez atendidas às necessidades básicas do indivíduo e de sua família, um novo conjunto de motivações passam a fazer parte da tomada de decisão do agente. É por isso que, com o aumento da magnitude da renda, a propensão a consumir tende a cair, e a decisão sobre o destino da poupança passa a fazer parte de um conjunto de motivações inteiramente diferentes do que norteia os gastos em bens e serviços.
  • 29
    Em Keynes, a moeda pode ser uma mercadoria física (commodity money), pode ter lastro em um mercadoria (managed money) e pode não ter padrão objetivo algum (fiat money). Esta última é característica dos modernos sistemas monetários.
  • 30
    Por exemplo, poder-se-ia medir a eficiência marginal do capital em termos de uma commodity e compará-la com a taxa de juros em termos da mesma commodity, por exemplo, medindo em termos de trigo, em termos de casas, em termos de ouro, etc.
  • 31
    Keynes ([1936] 1996)KEYNES, J. M. A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda. São Paulo: Nova Cultural, [1936] 1996., p. 221.
  • 32
    Justamente o que marca todo o conflito entre as diferentes visões da tradição clássica, marginalista e a marxista em se eleger o trabalho, a terra ou o próprio capital como produtivos.
  • 33
    Sobre a questão objetiva e subjetiva do valor, ver Feijó (2007)FEIJÓ, R. História do pensamento econômico. São Paulo: Atlas, 2007..
  • 34
    Que justamente almejava superar a questão da definição de um padrão objetivo de valor, ainda que de forma abstrata.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Dec 2015

Histórico

  • Recebido
    Abr 2014
  • Aceito
    Set 2014
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