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O recrutamento político impacta atitudes e percepções de burocratas em ministérios brasileiros? Evidências empíricas usando matching em survey

Does political recruitment impact the attitudes and perceptions of bureaucrats in Brazilian ministries? Empirical evidence using matching in a survey

¿Impacta el reclutamiento político las actitudes y percepciones de burócratas en ministerios brasileños? Evidencia empírica usando matching en encuestas

Le recrutement politique a-t-il un impact dans les attitudes et perceptions des bureaucrates des ministères brésiliens? Des évidences empiriques en utilisant matching en survey

O artigo investiga os efeitos do recrutamento político, de entrada lateral e sem concurso, sobre as atitudes e as percepções dos burocratas que atuam em ministérios brasileiros, aplicando técnicas de matching . Parcela da literatura associa os modos de recrutamento ao comportamento burocrático, sugerindo que diferentes processos seletivos gerariam incentivos distintos ao desempenho das atividades dos burocratas. A expectativa de efeitos do tratamento político sobre atitudes e percepções dos atores de entrada lateral foi parcialmente confirmada em 12% dos tópicos avaliados. De um lado, o poder de ação do tratamento apresentou efeitos políticos específicos, principalmente de natureza relacional. De outro, os resultados relativizaram a clivagem entre burocracia e política, inferindo que há mais tons de cinza nessa relação do que sugere a hipótese de divisão estanque entre ambas

burocratas; ministérios; recrutamento; comportamento; matching


Abstract

The article studies political recruitment effects on attitudes and perceptions of bureaucrats working in Brazilian national ministries, using matching techniques. Part of the literature associates types of recruitment with differences in bureaucratic behavior, suggesting that different modes of personnel selection generate distinctive incentives to perform bureaucratic activities. The theoretical expectations of the political treatment on attitudes and perceptions are partially supported on 12% of the analyzed topics. On the one hand, treatment power has shown a specific effect, mainly of relational nature. On the other hand, the results relativize the bureaucracy-politics cleavage, inferring that there are more nuances in that relationship than assumed by this hypothetical division.

bureaucrats; ministries; recruitment; behaviour; matching

Resumen

El artículo investiga los efectos del reclutamiento político, de ingreso lateral y sin concurso, sobre actitudes y percepciones de los burócratas que actúan en ministerios nacionales brasileños aplicando técnicas de matching. Parte de la literatura asocia los distintos modos de reclutamiento al comportamiento burocrático, sugiriendo que procesos de selección de personal generarían incentivos distintos al desempeño de las actividades de los burócratas. La expectativa de efectos del tratamiento político sobre actitudes y percepciones fue parcialmente confirmada en un 12% de las preguntas evaluadas. De un lado, el poder de acción del tratamiento ha presentado efectos políticos específicos, principalmente de naturaleza relacional. De otro, los resultados relativizan el clivaje entre burocracia y política, infiriendo que ha más tonos de gris en esa relación do que sugiere el hipótesis de división entre ambas.

burócratas; ministerios; reclutamiento; comportamiento; matching

Résumé

L'article examine les effets du recrutement politique, entrées latérales et sans concours, sur les attitudes et perceptions des bureaucrates qui agissent dans des ministères nationaux brésiliens. Il utilise des techniques de matching. Une partie de la littérature associe les voies de recrutement au comportement bureaucratique, en suggérant que des différents procès de sélection résultent en divers incitatifs pour la performance des activités des bureaucrates. La prévision des effets du traitement politique sur les attitudes et perceptions des acteurs bureaucrates recrutée en voie d'entrée latérale a été partiellement confirmé dans 12 % des sujets évalués. D'une part, le pouvoir d'action ciblé du traitement a rendu des effets politiques spécifiques, surtout d'ordre relationnelle. D'autre part, les résultats relativisent la fracture entre bureaucratie et politique, en indiquant qu'il y a plus de tons de gris dans cette relation que suggère l'hypothèse de division étanche entre elles.

bureaucrates; ministères; recrutement; comportement; matching

Introdução 2

O recrutamento político afeta atitudes e percepções de burocratas em ministérios? Uma intuição baseada na distinção clássica entre burocracia e política ( Wilson, 2005Wilson, W. “O estudo da administração”. Revista do Serviço Público , vol. 56, nº 3, p. 349-366, 2005. ) sugere que as formas de recrutamento de funcionários para a máquina estatal teriam possíveis desdobramentos sobre o comportamento burocrático e, em última instância, impactariam a qualidade do serviço e das políticas públicas oferecidas ( Lewis, 2007Lewis, D. E. “Testing Pendleton’s premise: do political appointees make worse bureaucrats?”. The Journal of Politics , vol. 69, nº 4, p. 1.073-1.088, 2007. ; Oliveros e Schuster, 2018Oliveros, V.; Schuster, C. “Merit, tenure, and bureaucratic behavior: evidence from a conjoint experiment in the Dominican Republic”. Comparative Political Studies , vol. 51, nº 6, p. 759-792, 2018. ). Assim, parcela da literatura caracteriza o recrutamento, ou as vias de acesso ao Estado, de dois modos: uns entram lateralmente por indicação, enquanto outros ingressam no serviço civil mediante aprovação em concurso público. Os primeiros, que têm sua entrada na máquina estatal exclusivamente por nomeação, são tidos como burocratas temporários ou transitórios. O artigo considera esse tipo de recrutamento como político, já que a entrada por indicação possui critérios discricionários que concedem maior liberdade quanto ao método de seleção para os superiores hierárquicos no ato da escolha de seus subordinados. Soma-se que nessa prática, também conhecida, por algumas abordagens, como patronagem, os funcionários nomeados são direcionados para cargos no Estado geralmente por motivações pessoais, políticas e/ou profissionais. O pilar dessa relação laboral, portanto, se baseia fundamentalmente na confiança entre quem nomeia e quem é nomeado, tornando de curto ou médio prazo a permanência do burocrata no cargo. Já o recrutamento por concurso público condiciona a entrada do funcionário no serviço civil à aprovação em exame e, nessa forma de avaliação conteudista, os critérios de seleção tendem a ser mais técnicos e impessoais. Os aprovados em concurso, então, passam a construir carreiras profissionais de longo prazo no serviço público, caracterizando-se como servidores públicos, cuja conhecida estabilidade laboral não depende de relacionamentos específicos com seus chefes diretos.

Essa distinção tem alimentado também a literatura contemporânea de capacidades estatais e segue na esteira da hipótese weberiana, sustentando que a categoria de burocracias mais profissionais e técnicas teria resultados mais satisfatórios em suas atividades ( Evans e Rauch, 1999Evans, P.; Rauch, J. E. “Bureaucracy and growth: a cross-national analysis of the effects of ‘weberian’ state structures on economic growth”. American Sociological Review , vol. 64, nº 5, p. 748, 1999. ). O argumento teórico, portanto, seria que tais diferentes formas de recrutamento gerariam incentivos distintos para as atividades desempenhadas pelos atores burocráticos: os que foram filtrados politicamente dependem de relacionamentos e da confiança de seus chefes, já os que passaram por concurso público teriam maior estabilidade em suas funções e atividades profissionais. Nesse sentido e com o objetivo de testar e mensurar como a forma de recrutamento impacta as atitudes e percepções dos burocratas, o artigo propõe isolar o efeito político do recrutamento de funcionários públicos que atuam em ministérios brasileiros. O acesso lateral e sem concurso ao setor público, então, é considerado um tratamento político ao recrutamento de agentes burocráticos. A expectativa teórica, desse modo, seria que haveria efeitos sistemáticos do tratamento político, advindos da seleção discricionária e ausente de aprovação em exame de mérito, sobre atitudes e percepções dos burocratas – quando contrafactualmente comparados ao grupo controle, compostos por indivíduos que ingressaram por concurso público.

Para isolar o efeito do tratamento, a técnica de matching aqui utilizada basicamente “espelha” os indivíduos do grupo controle (recrutados por concurso público) que possuem características iguais ou semelhantes às do grupo tratado (recrutados política e lateralmente). A seguir, o modelo calcula as diferenças de atitudes e percepções entre ambos os grupos, dos indivíduos tratados e seus respectivos controles ( matched e espelhados), permitindo, assim, isolar o efeito do tratamento político. Como fonte, utilizo a base de dados do projeto “Capacidades estatais para a produção de políticas públicas: resultados do survey sobre o serviço civil no Brasil”, da Escola Nacional de Administração Pública ( Enap, 2018Enap. “Capacidades estatais para produção de políticas públicas: resultados do survey sobre serviço civil no Brasil”. Escola Nacional de Administração Pública (Enap), 2018. Disponível em: < http://repositorio.enap.gov.br/handle/1/3233> . Acesso em: 10 out. 2019.
http://repositorio.enap.gov.br/handle/1/...
). A partir dela avalio sete grupos de perguntas relacionadas aos burocratas: (i) atividades e funções, (ii) seus recursos informacionais e (iii) interacionais, (iv) conhecimentos e (v) habilidades, (vi) colaboração intersetorial e interfederativa, e (vii) o contexto organizacional. Dentro dessas categorias, totalizando 79 perguntas e assertivas, cada uma funciona individual e respectivamente como uma variável dependente. Reitera-se que os matchings mantêm similaridades sobre todas as covariáveis entre os indivíduos tratados e os matches do grupo controle; o único fator que distingue ambos os grupos é a forma de recrutamento: uns foram selecionados política e lateralmente (grupo tratamento) e outros foram filtrados e acessaram a máquina estatal por concurso público (grupo controle). Nesse aspecto, as variáveis independentes utilizadas para a aplicação dos matchings são categorias referentes a sexo, idade, raça e nível educacional, e a outras de cunho institucional, como o tempo trabalhado na política pública, o maior tempo de experiência profissional dentro e fora do Estado, o macrossetor de atuação no Poder Executivo federal, além de cargo de confiança.

Em relação aos resultados, de um lado, a expectativa de que o tratamento político caracterizado pela entrada lateral e sem concurso produzisse efeitos sistemáticos sobre atitudes e percepções dos burocratas se confirmou parcialmente. O presente artigo encontrou efeitos significativos do tratamento sobre o grupo tratado em 12% das perguntas avaliadas. Entre esses achados, destacaram-se com consistente significância: maior frequência de consultas aos conselhos de políticas públicas; utilização e facilidade com mídias sociais e ferramentas de TI; maior facilidade na coordenação de equipes e mediação de conflitos; rejeição da competição burocrática intersetorial; e apoios de parlamentares; além do reforço de outras capacidades internas do ministério, como: reputação, mobilização do Legislativo e do Judiciário, e suporte da consultoria jurídica. De outro lado, ainda que a utilização de modelos usando dois algoritmos de matching tenha diminuído a quantidade dos resultados significativos, equivalentemente aumentaram a validade interna, a segurança e a robustez dos efeitos encontrados.

Dito isso e de maneira geral, os achados parcimoniosos mostram que, ao comparar (contrafactualmente) semelhantes, o ingresso lateral não produz uma clivagem tão acentuada nos proxies de comportamento burocrático quanto sugeria a expectativa teórica. No entanto e em síntese, o tratamento de recrutamento político apresentou robustos efeitos focalizados, principalmente em atitudes e percepções de natureza relacional. Nesse aspecto, incluem-se capacidades e habilidades tanto burocráticas de coordenação interna e de relacionamento intraexecutivo e com os demais poderes, quanto políticas, que refletem a intensidade dessas interações institucionais, endógenas às burocracias, horizontais em relação aos demais atores do sistema político, e verticais em relação à sociedade.

Além desta “Introdução”, o artigo está dividido em mais quatro seções. Em “Clivagens e conexões entre a burocracia e a política”, discorro sobre as diferenças e convergências teóricas entre burocracia e a política. Em “Material e método”, exponho os dados e a metodologia. Em seguida apresento a discussão e os resultados. Por fim, em “Considerações finais”, concluo com os principais achados e algumas considerações.

Clivagens e conexões entre a burocracia e a política

O termo burocracia é geralmente referenciado de duas formas mais amplas na literatura: a primeira seria mais próxima da clássica definição weberiana, sob o formato de instituições com base em estrutura, regras, recursos e objetivos (Weber, 1946). Já a segunda trata a burocracia como a máquina administrativa de parte do governo, sendo sua função primária a execução da vontade do Estado, ou seja, a implementação de políticas públicas ( Poocharoen, 2013Poocharoen, O. Bureaucracy and the policy process. In: Araral, E., et al. (orgs.). Routledge Handbook of Public Policy . New York: Routledge, p. 331-346, 2013. , p. 331). O termo contemporâneo – e que o presente artigo adota – tende a combinar essas duas definições, além de ser um sinônimo também para seus agentes, os burocratas, que se envolvem em distintos graus nos processos de políticas públicas ou policies (p. 332). No caso brasileiro, o Código Penal (art. 327) considera funcionário público quem transitoriamente ou não, com ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública (Brasil, 2017, p. 123).

Em um amplo debate nos estudos sobre burocracia, reside a dicotomia entre a política e a administração pública, ou entre políticos e burocratas ( Wilson, 2005Wilson, W. “O estudo da administração”. Revista do Serviço Público , vol. 56, nº 3, p. 349-366, 2005. ). Os primeiros, representantes das vontades do Estado, desfrutam de popularidade eleitoral, miram grandes projetos e seriam os responsáveis por desenhar a agenda de governo e suas policies . Os segundos executariam tais vontades pela via da utilização da máquina administrativa ou, dito de outra forma, os servidores públicos implementariam profissionalmente os objetivos dos políticos.

Nessas cadeias de comando intra e interorganizacional, de um lado, a capacidade de influência no processo decisório dos burocratas pode variar de acordo com sua posição funcional, ou no tempo, a depender de arranjos institucionais formais e informais ( Selznick, 1943Selznick, P. “An approach to a theory of bureaucracy”. American Sociological Review , vol. 8, nº 1, 1943. ). De outro, características endógenas, de comunicação, de enforcement das decisões, juntamente com os níveis de institucionalização da burocracia, podem também afetar a disposição e a motivação de seus atores ( Fritzen, 2007Fritzen, S. A. “Linking context and strategy in donor support for decentralisation: a diagnostic framework”. Public Administration and Development , vol. 27, nº 1, p. 13-25, 2007. ). Outros fatores exógenos, equivalentemente, podem atuar ora de modo virtuoso, no caso de retroalimentações de aprendizagens organizacionais – quando burocracias interagem social e verticalmente, e entre si –, ora de modo prejudicial, quando turbulências políticas enfraquecem ou enviesam as dinâmicas administrativas da instituição ( Hill e Hupe, 2002Hill, M.; Hupe, P. Implementing public policy : governance in theory and in practice. Sage Publications Ltd., 2002. ). Em suma, a fonte de poder do burocrata, em paralelo ao conhecimento técnico, também pode derivar de legados institucionais históricos, estruturas típicas de governança, sistema político, Constituição ou leis específicas ( Poocharoen, 2013Poocharoen, O. Bureaucracy and the policy process. In: Araral, E., et al. (orgs.). Routledge Handbook of Public Policy . New York: Routledge, p. 331-346, 2013. , p. 336).

Nesse contexto, indicações políticas endereçadas a atores burocráticos podem e são uma ferramenta de praxe na mão dos políticos que buscam a implementação efetiva de suas agendas. Cunhado também sob o termo de patronagem, esse conceito é amplamente definido como o poder discricionário que atores políticos possuem para nomear indivíduos em posições não eletivas no setor público (Kopecký, Mair e Spirova, 2012). Outros autores reduzem a definição de patronagem somente a indivíduos pouco qualificados que acessam a máquina estatal como parte de um relacionamento quid pro quo. Em outras categorias, temos os tecnocratas, que são mais altamente qualificados e que igualmente acessam o Estado politicamente, os que entram no governo pela via da lealdade partidária e relacionamentos com dirigentes, e os chamados carreiristas, que ingressam no setor público por meios exclusivamente meritocráticos ( Salazar-Morales e Lauriano, 2020Salazar-Morales, D. A.; Lauriano, L. A. A typology of the Latin American civil servant: patronage appointee, technocrat, loyalist, or careerist. In: Sullivan, H.; Dickinson, H.; Henderson, H. (orgs.). The Palgrave Handbook of the Public Servant . New York: Springer International Publishing, p. 1-22, 2020. ). As modalidades de patronagem, portanto, variam na literatura, também referenciada ora como “clientelismo”, geralmente para sistemas políticos menos desenvolvidos, ora como “politização”, quando direcionada à Europa ocidental e Estados Unidos ( Peters, 2013Peters, B. G. Politicisation: what is it and why should we care? In: Neuhold, C.; Vanhoonacker, S.; Verhey, L. (orgs.). Civil servants and politics : a delicate balance. Londres: Palgrave Macmillan, UK, p. 12-24, 2013. ). No caso, o clientelismo tem uma definição mais restrita, sendo “a troca direta do voto de um cidadão por pagamentos diretos ou acesso contínuo a emprego, bens e serviços” ( Kitschelt e Wilkinson, 2007Kitschelt, H.; Wilkinson, S. I. (orgs.). Patrons, clients and policies : patterns of democratic accountability and political competition. Cambridge: Cambridge University Press, 2007. , p. 2). Já a politização pode ser amplamente entendida como os múltiplos mecanismos através dos quais os atores tentam influenciar a administração pública ( Peters, 2013Peters, B. G. Politicisation: what is it and why should we care? In: Neuhold, C.; Vanhoonacker, S.; Verhey, L. (orgs.). Civil servants and politics : a delicate balance. Londres: Palgrave Macmillan, UK, p. 12-24, 2013. ). Nesse aspecto, a politização pode se relacionar tanto com a seleção dos nomeados a posições no governo com base em critérios estritamente políticos – a patronagem per se – quanto com as vias que os atores políticos acessam para moldar o comportamento de servidores públicos (Bach, Hammerschmid e Löffler, 2018). A influência informal de altas autoridades políticas pode atuar conjuntamente, ora pressionando servidores, ora ignorando assessoramento técnico, ou mesmo manipulando objetivamente as informações que as organizações produzem ( Moynihan e Roberts, 2010Moynihan, D. P.; Roberts, A. S. “The triumph of loyalty over competence: the Bush administration and the exhaustion of the politicized presidency”. Public Administration Review , vol. 70, nº 4, p. 572-581, 2010. ).

Esses últimos elementos, por sua vez, estão relacionados também à chamada politização burocrática, que é entendida como a substituição do caráter técnico pelo viés político ou pessoal nas burocracias (Meyer-Sahling, 2006). A politização burocrática possui abordagens diversificadas no debate, compreendidas como (i) participação política de servidores públicos no processo decisório de governos, (ii) maior envolvimento político desses atores ou (iii) controle partidário sobre a burocracia ( Rouban, 2007Rouban, L. Politicization of the civil service. In: Peters, G.; Pierre, J. (eds.). The Sage Handbook of Public Administration . London: Sage, p. 310-320, 2007. ). Perceba que a primeira perspectiva considera o papel dos burocratas como estruturalmente político, tendo em vista que possuem relativa discricionariedade de ação; a segunda definição entende os burocratas como força política, encarando-os igualmente como cidadãos e votantes ( Rouban, 2007Rouban, L. Politicization of the civil service. In: Peters, G.; Pierre, J. (eds.). The Sage Handbook of Public Administration . London: Sage, p. 310-320, 2007. ); já a terceira, mais tradicional, e que retoma os elementos supracitados, concebe a politização burocrática como a substituição dos critérios de mérito pelo viés político, seja na seleção, retenção, promoção, recompensa e/ou disciplina dos membros do serviço público ( Peters e Pierre, 2004Peters, B. G.; Pierre, J. Politicization of the civil service: concepts, causes, consequences. In: Peters, G.; Pierre, J. (eds.). Politicization of the civil service in comparative perspective : the quest for control. New York: Routledge, p. 1-13, 2004. ).

A lógica de nomeação pelos superiores hierárquicos ( patrons ) ocorre por uma série de motivos, e seus respectivos subordinados também possuem uma ampla gama de papéis (Panizza, Peters e Ramos, 2019). Em pesquisa feita em 22 países, Kopecký et al. (2016)Kopecký, P., et al. “Party patronage in contemporary democracies: results from an expert survey in 22 countries from five regions”. European Journal of Political Research , vol. 55, nº 2, p. 416-431, 2016. mostraram que as motivações dos patrons para suas nomeações se direcionam mais ao controle sobre a formulação e implementação de políticas públicas nos casos pertencentes à Europa ocidental, ao passo que adquirem o formato de recompensa a apoiadores por seus serviços políticos em países cujo escopo para a patronagem é maior. Esses autores classificaram os critérios para a seleção de pessoal no Estado em bases profissionais, políticas e pessoais ( Kopecký et al., 2016Kopecký, P., et al. “Party patronage in contemporary democracies: results from an expert survey in 22 countries from five regions”. European Journal of Political Research , vol. 55, nº 2, p. 416-431, 2016. ). Outros pesquisadores, entretanto, consideram tais classificações problemáticas, pois o critério profissional se refere às habilidades dos nomeados para performar determinadas atividades, enquanto os critérios políticos e pessoais se dão com base na confiança entre o superior e o subordinado, elementos da patronagem por excelência (Panizza, Peters e Ramos, 2019).

Reitera-se que, uma vez que esses últimos tipos de nomeações laterais ocorrem na máquina estatal, é muito provável que outras venham a reboque, porque essa dinâmica opera em uma lógica vertical e horizontal, em que os patrons nomeiam um ou mais subordinados pela via política ou de lealdade pessoal ( Bearfield, 2009Bearfield, D. A. “What is patronage? A critical reexamination”. Public Administration Review , vol. 69, nº 1, p. 64-76, 2009. ; Grindle, 2012Grindle, M. S. Jobs for the boys : patronage and the state in comparative perspective. Cambridge: Harvard University Press, 2012. ). No caso brasileiro, quando o presidente nomeia um ministro pertencente a um partido da coalizão, em geral indica pessoas de sua confiança, ou de seu próprio partido, para o(s) cargo(s) imediatamente abaixo, de modo que mantenha algum controle ou mesmo alinhe a agenda do ministro a sua ( Loureiro e Abrucio, 1999Loureiro, M. R.; Abrucio, F. L. “Política e burocracia no presidencialismo brasileiro: o papel do Ministério da Fazenda no primeiro governo Fernando Henrique Cardoso”. Revista Brasileira de Ciências Sociais , vol. 14, nº 41, p. 69-89, 1999. ). Ao inserir vigias ( watchdogs ), o presidente objetiva limitar a tomada de decisões pork barrel ou outros tipos de ações dos ministros com fins eleitorais, diminuindo os riscos de mudança de agenda e do policy-making ministerial ( Pereira et al., 2017Pereira, C., et al. “Watchdogs in our midst: how presidents monitor coalitions in Brazil’s multiparty presidential regime”. Latin American Politics and Society , vol. 59, nº 3, p. 27-47, 2017. ). Desse modo, a politização da burocracia no sentido do exercício de maior controle sobre sua gestão também é efetivada por meio de nomeações e, no caso brasileiro, pode se direcionar tanto aos servidores públicos quanto aos agentes recrutados lateralmente, estendendo-se a muitas camadas da burocracia ( Peters e Pierre, 2004Peters, B. G.; Pierre, J. Politicization of the civil service: concepts, causes, consequences. In: Peters, G.; Pierre, J. (eds.). Politicization of the civil service in comparative perspective : the quest for control. New York: Routledge, p. 1-13, 2004. ; Lopez, 2015Lopez, F. G. “Cargos de confiança no presidencialismo de coalizão brasileiro”. Brasília: Ipea, 2015. Disponível em: < http://repositorio.ipea.gov.br/handle/11058/4613> . Acesso em: 10 out. 2019.
http://repositorio.ipea.gov.br/handle/11...
).

Nesse aspecto, pesquisas passaram a considerar a mensuração das indicações políticas e burocráticas em nível federal no Brasil com base na análise dos cargos de Direção e Assessoramento Superiores (DAS), como são intitulados os cargos de confiança, de livre provimento, comissionados, políticos e afins ( Lopez, 2015Lopez, F. G. “Cargos de confiança no presidencialismo de coalizão brasileiro”. Brasília: Ipea, 2015. Disponível em: < http://repositorio.ipea.gov.br/handle/11058/4613> . Acesso em: 10 out. 2019.
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). Os DAS são os cargos em comissão do Poder Executivo Federal mais conhecidos e, ainda que não sejam os únicos, é o grupo mais numeroso ( Rezende, 2017Rezende, R. M. Provimento de cargos em comissão por servidores sem vínculo efetivo: o que muda com o Decreto nº 9.021, de 2017? Boletim Legislativo, Núcleo de Estudos e Pesquisas da Consultoria Legislativa, nº 61, 2017. ). Em termos gerais, os DAS compreendem posições em ministérios e agências, controlados pelo presidente ou os ministros, e denotam uma ferramenta capaz de incorporar pessoas de notório saber no serviço público, construir equipes administrativas, beneficiar aliados, cooptar a oposição e controlar o poder econômico e político ( D’Araujo, 2009D’Araujo, M. C. A elite dirigente do governo Lula . Rio de Janeiro: CPDOC/FGV, 2009. , p. 17-18).

As posições ocupadas pelos DAS, juntamente com o presidente, os ministros e os Cargos em Comissão de Natureza Especial (NES) – informalmente chamados de “vice-ministros” –, representam a elite do Poder Executivo nacional. Seis hierarquias compõem os cargos DAS, e os níveis 1, 2 e 3 são posições mais administrativas ou operacionais, ao passo que os níveis 4, 5 e 6, ao lado do NES, desempenham papéis crescentes de administração direta e política ( De Bonis e Pacheco, 2010De Bonis, D.; Pacheco, R. S. Nem político nem burocrata: o debate sobre o dirigente público. In: Abrucio, F. L.; Loureiro, M. R. G.; Pacheco, R. S. (orgs.). Burocracia e política no Brasil : desafios para a ordem democrática no século XXI. Rio de Janeiro: FGV, 2010. ; Lopez, Bugarin e Bugarin, 2015). Essas hierarquias dos DAS também se relacionam proporcionalmente às comissões derivadas do cargo: aqueles recrutados lateralmente recebem a remuneração integral relacionada à posição de confiança, já o servidor público que recebe uma indicação a um DAS pode optar por essa mesma forma de remuneração, ou pelo ganho de um acréscimo equivalente ao excedente do cargo comissionado em relação ao seu salário efetivo, ou tem na remuneração de seu cargo efetivo um acréscimo de 60% daquilo que paga o cargo comissionado ( Rezende, 2017Rezende, R. M. Provimento de cargos em comissão por servidores sem vínculo efetivo: o que muda com o Decreto nº 9.021, de 2017? Boletim Legislativo, Núcleo de Estudos e Pesquisas da Consultoria Legislativa, nº 61, 2017. ).

Desde sua criação em 1970, decretos modificaram os DAS, sendo que, em 2005, fixaram-se percentuais mínimos para que servidores públicos de carreira ocupassem os DAS de níveis de 1 a 3 (em 75%) e metade dos DAS 4 (em 50%) 3 3 Decreto de nº 5.497, de 21 de julho de 2005, da presidência da República, Casa Civil, Subchefia de Assuntos Jurídicos, “Dispõe sobre o provimento de cargos em comissão do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores - DAS, níveis de 1 a 4, por servidores de carreira, no âmbito da administração pública federal”: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Decreto/D5497.htm> . Acesso: 10 out. 2019. . Em 2016, um decreto e uma medida provisória modificaram alguns cargos DAS, transformando-os em Funções Comissionadas do Poder Executivo (FCPE): DAS de 1 a 5 foram transferidos para FCPE de 1 a 5, com os FCPE destinados exclusivamente a servidores públicos de carreira – e com uma obrigatoriedade percentual mínima de cada órgão efetuar essas transferências – sendo que os DAS não alterados permaneceriam sob vigência do decreto anterior 4 4 Na seção notícias do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão de 30/6/2016, de título “Cortes de DAS e transformação em FCPE”, esclarecem-se os impactos do Decreto nº8.875/2016 e da Medida Provisória 731/2016. . Em 2017, um novo decreto estabeleceu que 50% dos DAS de 1 a 4 e 60% dos DAS 5 e 6 deveriam ser ocupados por servidores concursados 5 5 Decreto de nº 9.021, de 31 de março de 2017, da presidência da República, Casa Civil, Subchefia de Assuntos Jurídicos, “Altera o Decreto n 5.497, de 21 de julho de 2005, que dispõe sobre o provimento de cargos em comissão do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores - DAS, níveis de 1 a 4, por servidores de carreira, no âmbito da administração pública federal”. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2017/Decreto/D9021.htm >. Acesso: 10 out. 2019. . Chama-se aqui a atenção para o fato de que essa lei não modificou o que já vinha sendo praticado ( Rezende, 2017Rezende, R. M. Provimento de cargos em comissão por servidores sem vínculo efetivo: o que muda com o Decreto nº 9.021, de 2017? Boletim Legislativo, Núcleo de Estudos e Pesquisas da Consultoria Legislativa, nº 61, 2017. ). Parece ainda mais grave a diminuição da obrigatoriedade de servidores concursados nos níveis inferiores e intermediários dos DAS, pois, sob esse mais novo decreto, rebaixou-se a exigência para 50% da ocupação de servidores concursados nos DAS de níveis de 1 a 4, que antes era de 75% nos DAS de 1 a 3. Em “consequência entre os 3,4 mil e 3,6 mil cargos DAS (...) que não poderiam ser exercidos por servidores públicos sem vínculo, agora poderão vir a sê-lo, com claros reflexos sobre a despesa pública, tendo em vista a sistemática de remuneração desses cargos” ( Rezende, 2017Rezende, R. M. Provimento de cargos em comissão por servidores sem vínculo efetivo: o que muda com o Decreto nº 9.021, de 2017? Boletim Legislativo, Núcleo de Estudos e Pesquisas da Consultoria Legislativa, nº 61, 2017. , p. 11).

Parte da literatura, como previamente se apontou, tem polarizado as nomeações, colocando, de um lado, os indicados aos cargos executivos caracterizados pela patronagem ou pelo spoil system , que envolvem os interesses partidários ou políticos dos atores do governo, enquanto, de outro lado, as carreiras burocráticas formais, como estruturas institucionais para manter o policy-making distante do timing dos políticos, pertenceriam ao serviço civil público meritocrático ( Spiller e Urbiztondo, 1994Spiller, P. T.; Urbiztondo, S. “Political appointees vs. career civil servants: a multiple principals theory of political bureaucracies”. European Journal of Political Economy , vol. 10, nº 3, p. 465-497, 1994. ; Lapuente e Nistotskaya, 2009Lapuente, V.; Nistotskaya, M. “To the short-sighted victor belong the spoils: politics and merit adoption in comparative perspective”. Governance , vol. 22, nº 3, p. 431-458, 2009. ; Spiller e Tommasi, 2003Spiller, P. T.; Tommasi, M. “The institutional foundations of public policy: a transactions approach with application to Argentina”. Journal of Law, Economics, and Organization , vol. 19, nº 2, p. 281-306, 2003. ; Barberia e Praça, 2014Barberia, L.; Praça, S. “Who gets political appointments? Party loyalty and bureaucratic expertise in Brazil”. Working Paper. Midwestern Political Science Association Meeting, 2014. ). Nesse sentido, pesquisas sugeriram que burocracias que têm seleção predominantemente técnica e meritocrática de seus burocratas estariam associadas a níveis mais baixos de corrupção ( Rauch e Evans, 2000Rauch, J. E.; Evans, P. B. “Bureaucratic structure and bureaucratic performance in less developed countries”. Journal of Public Economics , vol. 75, nº 1, p. 49-71, 2000. ; Oliveros e Schuster, 2018Oliveros, V.; Schuster, C. “Merit, tenure, and bureaucratic behavior: evidence from a conjoint experiment in the Dominican Republic”. Comparative Political Studies , vol. 51, nº 6, p. 759-792, 2018. ; Meyer-Sahling, Mikkelsen e Schuster, 2018), ao que se inclui um grupo específico de ministérios e agências no caso brasileiro (Bersch, Praça e Taylor, 2017).

Existem, no entanto, complexidades e múltiplas dificuldades na maneira como autoridades políticas exerceriam esse controle estrito sobre as burocracias, dado que, para produzir policies , a organização deve simultaneamente preservar sua capacidade, seus valores profissionais e sua performance-padrão para servir ao público ( Svara, 2001Svara, J. H. “The myth of the dichotomy: complementarity of politics and administration in the past and future of public administration”. Public Administration Review , vol. 61, nº 2, p. 176-183, 2001. , p. 179). O equilíbrio entre capacidade de administração e implementação, com controle e responsividade pública, ou a tensão entre independência e autonomia da burocracia e sua necessária e simultânea subserviência à esfera da política são desafios e dilemas contemporâneos das burocracias em regimes democráticos ( Poocharoen, 2013Poocharoen, O. Bureaucracy and the policy process. In: Araral, E., et al. (orgs.). Routledge Handbook of Public Policy . New York: Routledge, p. 331-346, 2013. ). Nesse registro, uma tecnocratização holística da gestão do Estado teria como efeito sua própria “desdemocratização”, ou seja, um déficit democrático decorrente do menor peso da soberania popular e da representação política sobre os rumos da administração ( Lassance, 2017Lassance, A. O serviço público federal brasileiro e a fábula do ataque das formigas gigantes. Ipea, texto para discussão 2287, 2017. , p. 23). Os efeitos colaterais dessa última situação poderiam resultar em presidentes fracos e em burocracias blindadas, inclusive com carta-branca para serem menos eficientes, mais caras, menos transparentes e guiadas por seus próprios interesses ( Lassance, 2017Lassance, A. O serviço público federal brasileiro e a fábula do ataque das formigas gigantes. Ipea, texto para discussão 2287, 2017. ; Moe, 1985Moe, T. The politicized presidency. In: Chubb, J. E.; Peterson, P. E. (orgs.). The new direction in American politics . Washington: Brookings Institution Press, 1985. ), o que pode também ser resultado dos cálculos estratégicos de médio ou de longo prazo, a respeito dos outputs de policy, que o presidente espera colher para ganhos eleitorais ( Geddes, 1996Geddes, B. Politician’s dilemma : building state capacity in Latin America. Los Angeles: University of California Press, 1996. ).

Em suma, de um lado, sugerem alguns autores que nos últimos 30 anos o Brasil se tornou mais policy-oriented e menos clientelista ( Lyne, 2005Lyne, M. M. “Parties as programmatic agents: a test of institutional theory in Brazil”. Party Politics , vol. 11, nº 2, p. 193-216, 2005. ; Matheson et al., 2007Matheson, A., et al. “Study on the political involvement in senior staffing and on the delineation of responsibilities between ministers and senior civil servants”. OECD Working Papers on Public Governance, 2007. ; Barberia e Praça, 2014Barberia, L.; Praça, S. “Who gets political appointments? Party loyalty and bureaucratic expertise in Brazil”. Working Paper. Midwestern Political Science Association Meeting, 2014. ). De outro, ainda que os controles políticos reforcem a accountability vertical, pois tendem a manter o governo burocrático responsivo às demandas eleitorais ( Geddes, 1996Geddes, B. Politician’s dilemma : building state capacity in Latin America. Los Angeles: University of California Press, 1996. ; Kopecký et al., 2016Kopecký, P., et al. “Party patronage in contemporary democracies: results from an expert survey in 22 countries from five regions”. European Journal of Political Research , vol. 55, nº 2, p. 416-431, 2016. ), uma alta politização burocrática igualmente pode produzir efeitos corrosivos no sistema (Bersch, Praça e Taylor, 2017; Fuenzalida e Riccucci, 2018Fuenzalida, J.; Riccucci, N. M. “The effects of politicization on performance: the mediating role of HRM practices”. Review of Public Personnel Administration , vol. 39, nº 4, 2018. ; Oliveros e Schuster, 2018Oliveros, V.; Schuster, C. “Merit, tenure, and bureaucratic behavior: evidence from a conjoint experiment in the Dominican Republic”. Comparative Political Studies , vol. 51, nº 6, p. 759-792, 2018. ). Baixos níveis de expertise de atores de ingresso lateral e altas taxas de turnover de indicados a cargos-chave podem prejudicar a continuidade das políticas públicas (Lopez, Bugarin e Bugarin, 2015), e uma intensa rotatividade pode impedir que esses altos dirigentes sejam capazes de avaliar mais apropriadamente seus subordinados (Naff, Riccucci e Freyss, 2016). Em última instância, a politização pode minar o próprio serviço civil no caso de um servidor público considerar que seu plano profissional está formatado ou fidelizado ao jogo político partidário (Bersch, Praça e Taylor, 2017) ou a outros modos informais de lealdade às autoridades do governo ( Moynihan e Roberts, 2010Moynihan, D. P.; Roberts, A. S. “The triumph of loyalty over competence: the Bush administration and the exhaustion of the politicized presidency”. Public Administration Review , vol. 70, nº 4, p. 572-581, 2010. ). Em síntese, quando o mecanismo de indicação política não é usado para fins objetivos de policy , e sim exclusivamente utilizado para construir apoio político, a instituição pode ficar comprometida ( Grindle, 2012Grindle, M. S. Jobs for the boys : patronage and the state in comparative perspective. Cambridge: Harvard University Press, 2012. ).

Material e método

O artigo tem como fonte o banco de dados do projeto “Capacidades estatais para a produção de políticas públicas: resultados do survey sobre o serviço civil no Brasil”, da Escola Nacional de Administração Pública ( Enap, 2018Enap. “Capacidades estatais para produção de políticas públicas: resultados do survey sobre serviço civil no Brasil”. Escola Nacional de Administração Pública (Enap), 2018. Disponível em: < http://repositorio.enap.gov.br/handle/1/3233> . Acesso em: 10 out. 2019.
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), que aplicou um questionário entre outubro e dezembro de 2017 e obteve respostas de 2.000 burocratas lotados nos órgãos da administração pública federal direta brasileira 6 6 Para o banco, o questionário e o livro de códigos, ver: < http://repositorio.enap.gov.br/handle/1/3347> . Acesso em: 10 out. 2019. Para o relatório (Caderno Enap 56), ver: < http://repositorio.enap.gov.br/handle/1/3233> . Acesso em: 10 out. 2019. . O universo que compôs a população de interesse da amostra considerou o serviço federal como o conjunto de servidores públicos civis somados aos indivíduos ocupantes de cargos em comissão nos órgãos do Poder Executivo da União – em que não se incluem: professores, profissionais da saúde e policiais, por atuarem em sua maioria na prestação de serviços e não desempenharem funções de formulação de políticas públicas.

O relatório de pesquisa da Enap (2018)Enap. “Capacidades estatais para produção de políticas públicas: resultados do survey sobre serviço civil no Brasil”. Escola Nacional de Administração Pública (Enap), 2018. Disponível em: < http://repositorio.enap.gov.br/handle/1/3233> . Acesso em: 10 out. 2019.
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traz estatísticas descritivas de quase todas as variáveis avaliadas pelo survey, além de algumas análises fatoriais. Já o presente artigo pretende dar um primeiro passo no endereçamento de inferências causais, com o objetivo de testar via matching os efeitos políticos do recrutamento sobre os burocratas presentes no survey: considerando um grupo (tratamento) de indivíduos que entraram lateralmente no Poder Executivo federal e ocupam exclusiva e temporariamente cargos de confiança (N = 132), e um outro grupo (controle) composto por indivíduos que ingressaram pela via de aprovação em concurso público e atuam profissionalmente no serviço civil (N = 1816). Os aposentados, os requisitados de outros poderes, os empregados de empresas públicas e os da categoria “outros” não foram incluídos na análise, tendo em vista que o foco do artigo são os funcionários do Poder Executivo federal ativos e com lócus ministerial, totalizando 1.948 indivíduos desses dois grupos do total de 2.000 indivíduos no banco.

Metodologicamente, note que os estados de mundo dos indivíduos presentes nesse universo são determinados por processos particulares de escolha ( Morgan e Winship, 2015Morgan, S. L.; Winship, C. Counterfactuals and causal inference : methods and principles for social research. Cambridge: Cambridge University Press, 2015. ), tipicamente a decisão individual da via de entrada no aparato estatal, de um modo ou de outro, no momento de aplicação do survey . O problema fundamental para a inferência causal é descobrir como mensurar o efeito do tratamento (T) tendo em vista que podemos apenas observar um de dois estados de mundo possíveis num dado momento: ou o indivíduo ingressou no Poder Executivo federal sem concurso público, tendo recebido o tratamento político de acesso lateral pela via de indicação discricionária (T=1), ou teve entrada por meio da admissão em concurso público, pertencendo ao grupo controle (T=0).

Para lidar com isso, o Rubin Causal Model (RCM) propõe que o indivíduo, ao possuir duas escolhas potenciais sobre situações distintas, tem como causalidade o efeito do tratamento sobre a diferença dessas duas escolhas – e que levam a resultados potenciais (ou potential outcomes ). O RCM, que também é conhecido como abordagem contrafactual para a causalidade, assume que contrafactuais são teoricamente possíveis, ou seja, que os indivíduos possuem escolhas potenciais, em ambos os estados de mundo, ainda que possuamos apenas uma observação factual sobre um estado das coisas ( Morton e Williams, 2010Morton, R. B.; Williams, K. C. Experimental political science and the study of causality : from nature to the lab. Cambridge: Cambridge University Press, 2010. , p. 85).

O efeito causal para o tratamento de cada indivíduo é então definido pela diferença entre as escolhas individuais potenciais ou hipotéticas, em um dos estados de mundo, e podemos apenas observar a escolha atual com base no tratamento, para, assim, endereçar inferências sobre o tamanho do efeito causal deste ( Morton e Williams, 2010Morton, R. B.; Williams, K. C. Experimental political science and the study of causality : from nature to the lab. Cambridge: Cambridge University Press, 2010. , p. 86) 7 7 Em suma, o RCM assume: (i) que o efeito causal em que o pesquisador está interessado é afunilado e limitado à população que experiencia a causa conhecida, aspecto que é recursivo e não simultâneo; (ii) que a causa é uniformemente administrada às unidades potencialmente afetadas; (iii) que outras possíveis administrações da causa não importam quanto à maneira como as unidades respondem; e (iv) que não existem efeitos cruzados entre as unidades – o RCM, portanto, é um modelo puramente do efeito das causas e não diz nada a respeito de como se mover de um conjunto de efeitos das causas para um modelo das causas dos efeitos ( Morton e Williams, 2010, p , p. 99). . Como ambos os estados não podem ser satisfeitos pela mesma unidade em um mesmo ponto no espaço e no tempo, conclui-se, então, que o efeito individual do tratamento não pode ser observado. Como é tipicamente impossível calcular o efeito causal em nível individual, pesquisadores focam sua atenção em estimar os efeitos causais agregados. Quando adotamos a diferença dos resultados potenciais como o efeito causal individual, usualmente definimos os efeitos causais agregados como médias desses efeitos individuais ( Morgan e Winship, 2015Morgan, S. L.; Winship, C. Counterfactuals and causal inference : methods and principles for social research. Cambridge: Cambridge University Press, 2015. , p. 46). Outra estimação corrente é a média do efeito do tratamento sobre o grupo tratado ( average treatment effect for those who typically take the treatement , ou ATT), em que a média da diferença é calculada e condicionada para aqueles que receberam o tratamento – o ATT será o único efeito reportado no presente artigo.

A mensuração do efeito causal do tratamento nas escolhas do indivíduo é geralmente chamada de pressuposto da unidade de tratamento estável (ou stable unit treatment value assumption: “SUTVA”) e necessita que os resultados potenciais sejam fixos ( King e Nielsen, 2019King, G.; Nielsen, R. “Why propensity scores should not be used for matching”. Political Analysis , vol. 27, nº 4, p. 435-454, 2019. ). Outro pressuposto fundamental é a ignorabilidade do tratamento (ou selection on observables, conditional independence , ou ignorable treatment assignment ), em que os valores dos resultados potenciais são determinados de uma maneira condicionalmente independente do endereçamento do tratamento. Uma via razoável de satisfazer esse pressuposto é incluir nas variáveis independentes (X) qualquer variável conhecida que possa afetar tanto as variáveis dependentes (Y) quanto os grupos controle e tratamento (T), se qualquer dos subconjuntos dessas variáveis satisfizer a ignorabilidade, esse conjunto também o fará ( King e Nielsen, 2019King, G.; Nielsen, R. “Why propensity scores should not be used for matching”. Political Analysis , vol. 27, nº 4, p. 435-454, 2019. ). Nesse aspecto, podemos efetuar também o cálculo do ATT, condicionando-o ao conjunto das variáveis observáveis que o pesquisador considera que afetariam os resultados potenciais ( Morton e Williams, 2010Morton, R. B.; Williams, K. C. Experimental political science and the study of causality : from nature to the lab. Cambridge: Cambridge University Press, 2010. ).

Nesse sentido, sabe-se que, em dados observacionais, o processo no qual os grupos tratamento e controle são designados não são necessariamente aleatórios, controlados pelo pesquisador, ou conhecidos ( King e Nielsen, 2019King, G.; Nielsen, R. “Why propensity scores should not be used for matching”. Political Analysis , vol. 27, nº 4, p. 435-454, 2019. ). Em outras palavras e ao contrário dos experimentos tradicionais, as pesquisas observacionais não possuem em suas variáveis independentes o controle do pesquisador e tampouco passaram por processos de randomização em sua manipulação (Jann, 2017b). A técnica de matching ajuda a diminuir problemas derivados desses aspectos. No caso e com o objetivo de isolar o efeito do recrutamento político e lateral do agente sobre atitudes e percepções burocráticas, o matching permite pré-processar os dados e endereçar inferências causais para dados observacionais – tendo em vista sua capacidade de reduzir o desequilíbrio na distribuição empírica de variáveis de confusão pré-tratadas entre os grupos tratamento e controle. Ao dirimir esses desequilíbrios, diminuem também os limites do grau de dependência do modelo na estimação do efeito causal e, por consequência, reduzem sua ineficiência e seus vieses ( King e Nielsen, 2019King, G.; Nielsen, R. “Why propensity scores should not be used for matching”. Political Analysis , vol. 27, nº 4, p. 435-454, 2019. ).

Esse processo se dá pela busca de dados que poderiam ter resultado de um experimento randomizado, mas está escondido nos dados observacionais; assim, quando o matching revela esse “experimento oculto”, muitos dos vários problemas dos dados observacionais desaparecem ( King e Nielsen, 2019King, G.; Nielsen, R. “Why propensity scores should not be used for matching”. Political Analysis , vol. 27, nº 4, p. 435-454, 2019. ). Para tanto, essa técnica permite manter uma “condição em X” entre o grupo tratamento e o controle com o objetivo de corrigir a falta de randomização, ou mais especificadamente: (i) para cada observação no grupo tratamento, buscam-se no grupo controle os mesmos valores estatísticos (ou ao menos similares) de X; (ii) os valores de Y dessas observações de matching são, então, usados para computar o resultado contrafactual para as observações não tratadas; e (iii) uma estimativa para a média do efeito do tratamento pode ser obtida pela média das diferenças entre os valores observados e os contrafactuais (calculados e imputados) sobre as demais observações (Jann, 2017b).

Em relação a esse último aspecto, note-se que estimar o ATT é essencialmente um problema de missing data , pois, tendo em vista que não se possuem os dados para ambos os estados de mundo – e nos estudos observacionais os missings são informativos –, não se pode simplesmente efetuar uma diferença das médias amostrais dos grupos tratados e não tratados. O estimador usado para calcular o ATT permite que as covariáveis, então, adquiram peso e sejam relacionadas ao resultado potencial e ao tratamento, preenchendo ou “imputando” os missings que dependem das covariáveis que afetam os resultados potenciais ( Abadie et al., 2004Abadie, A., et al. “Implementing matching estimators for average treatment efects in Stata”. The Stata Journal , vol. 4, nº 3, p. 290-311, 2004. ).

Para tanto, pesquisadores vinham utilizando o propensity score matching (PSM), cuja técnica envolvia uma estimação geralmente advinda de um modelo logit , para posteriormente aplicar o algoritmo de matching usando as diferenças nos propensity scores em um espaço unidimensional de X (Jann, 2017b). King e Nielsen (2019)King, G.; Nielsen, R. “Why propensity scores should not be used for matching”. Political Analysis , vol. 27, nº 4, p. 435-454, 2019. ressaltam que, apesar da utilização mais frequente do PSM em ciência política, esse método tem baixa performance, é ineficiente e gera muitos vieses. No caso e em comparação com a Mahalanobis Distance Matching (MDM), os autores mostram como esse último método oferece resultados mais eficientes em todos os parâmetros quando comparados ao PSM: de desequilíbrio, dependência do modelo, poder, viés, custos de pesquisa e robustez ( King e Nielsen, 2019King, G.; Nielsen, R. “Why propensity scores should not be used for matching”. Political Analysis , vol. 27, nº 4, p. 435-454, 2019. ), além de erros-padrão que se mostraram 600% menores (Imai, King e Nall, 2009).

Por essas razões, utilizo técnicas com base no MDM, cujo método de matching busca a distância métrica mais aproximada entre as observações em um espaço multivariado de X, ou seja, utilizam-se as observações que estão próximas porém não necessariamente iguais (Jann, 2017b). Faço uso de dois algoritmos do método MDM. O primeiro, chamado Kernel Matching (KM), funciona como o Radius Matching – que se utiliza de todos os controles sob uma distância menor que um thresholdc ” ou caliper –, mas confere pesos maiores aos controles sob distâncias menores usando alguma função kernel (Jann, 2017b). Para os cálculos do KM, utilizo o pacote kmatch no Stata (Jann, 2017a). Sob o KM aplico três testes: o matching por pares-padrão ( default ) com reposição – também chamado de pair matching with replacement (Huber, Lechner e Wunsch, 2013; Huber, Lechner e Steinmayr, 2015) –; a validação cruzada ( cross validation ) a respeito das médias em X; e a validação cruzada ( cross validation ) a respeito das médias em Y ( Frölich, 2004Frölich, M. “Finite-sample properties of propensity-score matching and weighting estimators”. Review of Economics and Statistics , vol. 86, nº 1, p. 77-90, 2004. , 2005Frölich, M. “Matching estimators and optimal bandwidth choice”. Statistics and Computing , vol. 15, nº 3, p. 197-215, 2005. ), todos bootstraped . A escolha preferencial pelo KM justifica-se com base em erros-padrão e intervalos de confiança menos conservadores do que o Nearest-Neighbor Matching (NNM), que também pertence à categoria do MDM (Jann, 2017b), e que optei por usar, por esses aspectos, como um segundo algoritmo e teste para validar a robustez dos resultados.

O NNM funciona de modo que, para cada observação no grupo tratamento, se busca encontrar k observações mais próximas no grupo controle, sendo que um mesmo controle pode ser usado múltiplas vezes se necessário; logo, opta-se pelo uso de reposição, em que k pode ser estabelecido pelo pesquisador (Jann, 2017b). Nesse caso, efetuo comparações com um vizinho ( matching em pares-padrão) e cinco vizinhos ( k =5), além de buscar diminuir ainda mais o desequilíbrio desse algoritmo – tendo em vista que o intervalo de confiança do NNM é muito conservador (Jann, 2017b) – ao efetuar mais um teste, ajustando o viés do NNM para todas as variáveis em X, igualmente com cinco vizinhos ( k= 5 com viés ajustado). Para o cálculo do NNM utilizei o comando teffects nnmatch do Stata ( Abadie et al., 2004Abadie, A., et al. “Implementing matching estimators for average treatment efects in Stata”. The Stata Journal , vol. 4, nº 3, p. 290-311, 2004. ).

Introduzo a seguir os marcos teóricos utilizados pelo relatório da Enap (2018)Enap. “Capacidades estatais para produção de políticas públicas: resultados do survey sobre serviço civil no Brasil”. Escola Nacional de Administração Pública (Enap), 2018. Disponível em: < http://repositorio.enap.gov.br/handle/1/3233> . Acesso em: 10 out. 2019.
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, que funcionaram como referência para a elaboração do questionário e o enquadramento analítico. À continuação, relato as covariáveis em X no modelo proposto pelo artigo, as variáveis dependentes analisadas em Y e, por fim, reporto os resultados dos múltiplos testes de matching sob esses dois algoritmos do MDM.

Discussão e resultados

O modelo teórico adotado pelo projeto da Enap (2018)Enap. “Capacidades estatais para produção de políticas públicas: resultados do survey sobre serviço civil no Brasil”. Escola Nacional de Administração Pública (Enap), 2018. Disponível em: < http://repositorio.enap.gov.br/handle/1/3233> . Acesso em: 10 out. 2019.
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tem como ponto de partida a literatura de capacidades estatais, que entende que a capacidade burocrática ou administrativa, de meso-macro level , impacta em dinâmicas fiscais, legais, de infraestrutura, de políticas públicas e afins ( Cingolani, 2013Cingolani, L. The state of state capacity: a review of concepts, evidence and measures. United Nations University, Maastricht Economic and Social Research and Training Centre on Innovation and Technology (MERIT), 2013. ), para então desdobrar-se, mais especificamente, no modelo de policy capacity . Nessa última chave, em que se busca acessar o micro level do burocrata, entende-se que habilidades e recursos – ou competências e capacidades – são necessários e fundamentais para a performance em funções de policy (Gleeson, Legge e O’Neill, 2009; Gleeson et al., 2011Gleeson, D., et al. “Negotiating tensions in developing organizational policy capacity: comparative lessons to be drawn”. Journal of Comparative Policy Analysis: Research and Practice , vol. 13, nº 3, p. 237-263, 2011. ; Wu et al., 2018Wu, X., et al. The public policy primer : managing the policy process. 2 nd ed. New York: Routledge, 2018. ; Enap, 2018Enap. “Capacidades estatais para produção de políticas públicas: resultados do survey sobre serviço civil no Brasil”. Escola Nacional de Administração Pública (Enap), 2018. Disponível em: < http://repositorio.enap.gov.br/handle/1/3233> . Acesso em: 10 out. 2019.
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) e podem ser compreendidos nos níveis analítico, operacional e político ( Moore, 1995Moore, M. H. Creating public value : strategic management in government. Cambridge: Harvard University Press, 1995. ). Esses três tipos de competências envolvem recursos e capacidades de três diferentes níveis: o individual, o organizacional e o sistêmico, gerando outros tipos de capacidades relevantes para a performance em políticas públicas ( Moore, 1995Moore, M. H. Creating public value : strategic management in government. Cambridge: Harvard University Press, 1995. ; Wu et al., 2018Wu, X., et al. The public policy primer : managing the policy process. 2 nd ed. New York: Routledge, 2018. ).

Esse framework teórico entende como duas as macrodimensões de capacidades de produção das políticas públicas: a administrativa e a relacional. A primeira macrodimensão se relaciona à coesão e coerência internas do Estado e que se desdobra nas subdimensões de capacidade analítica e gerencial. Nesses elementos, a dimensão analítica trata do conhecimento de conteúdos técnicos, científicos e de habilidades relacionadas à produção e análise para subsidiar o processo decisório da política pública, enquanto a dimensão técnico-gerencial se associa aos conhecimentos e competências voltados ao gerenciamento de recursos (financeiros, tecnológicos, logísticos, humanos etc.), necessários ao funcionamento do aparato estatal ( Enap, 2018Enap. “Capacidades estatais para produção de políticas públicas: resultados do survey sobre serviço civil no Brasil”. Escola Nacional de Administração Pública (Enap), 2018. Disponível em: < http://repositorio.enap.gov.br/handle/1/3233> . Acesso em: 10 out. 2019.
http://repositorio.enap.gov.br/handle/1/...
, p. 9).

A segunda macrodimensão, a relacional, diz respeito às habilidades de coordenação interna do Estado e aos níveis de permeabilidade da sociedade e de internalização do resultado das interações sociais na atuação estatal. Essa macrodimensão é composta pelas subdimensões de capacidade de coordenação interna e capacidade política. Desse modo, a coordenação interna trata da interação entre órgãos e entidades do Poder Executivo nos três níveis de governo e lida, portanto, com a intersetorialidade entre as áreas de políticas públicas e as dinâmicas do federalismo. Já a dimensão política reflete a intensidade e a qualidade dessas interações horizontais com os poderes do Estado, e também com os órgãos de controle e as organizações internacionais, e das interações verticais com a sociedade em sua pluralidade – cidadãos, empresas, sociedade civil organizada etc. Reforça-se, de um lado, que a capacidade de coordenação expressa o poder de agência e a coesão interna da administração pública, e, de outro, que a capacidade política pode ser traduzida como o nível de permeabilidade e de internalização do resultado das interações sociais na esfera estatal, ou seja, o grau de legitimidade da atuação do Estado ( Enap, 2018Enap. “Capacidades estatais para produção de políticas públicas: resultados do survey sobre serviço civil no Brasil”. Escola Nacional de Administração Pública (Enap), 2018. Disponível em: < http://repositorio.enap.gov.br/handle/1/3233> . Acesso em: 10 out. 2019.
http://repositorio.enap.gov.br/handle/1/...
).

Tabela 1
Dimensões de funções e capacidades de políticas públicas

Repare que desde o nível constitutivo até o indicativo e mediante o enquadramento teórico proposto, o survey selecionou proxies de modo a mensurar essas microdimensões. A pesquisa, então, selecionou sete grupos de perguntas que funcionarão como seções ou grupos que compõem as variáveis dependentes, sendo estas relacionadas a: (i) atividades e funções desempenhadas pelos burocratas, (ii) seus recursos informacionais e (iii) interacionais, (iv) conhecimentos e (v) habilidades, (vi) colaboração intersetorial e interfederativa, e (vii) contexto organizacional a que pertencem os burocratas. Dentro desses sete grupos, totalizando 79 perguntas e assertivas, cada uma funcionará, respectivamente, como uma variável dependente. As respostas variam em escalas de 1 a 5, e de 1 até 10, mensurando frequência de atividade, grau de facilidade para o desempenho de tarefas e nível de concordância a respeito de determinadas afirmações, e, para fins de busca do efeito do tratamento, as consideramos como variáveis contínuas.

Cada uma das perguntas e afirmações inseridas, respectivamente, nas seções apresentadas na Tabela 2 será especificada e desagregada individualmente no decorrer das análises. Antes de avançarmos, reitera-se que as variáveis de confusão ( confounding variables ) podem compartilhar associações com o tratamento (T) e a variável dependente (Y), e criam possibilidades de ruídos no modelo, como são chamadas as aberturas de portas dos fundos ( backdoor ). Como se citou anteriormente, um dos objetivos do matching é bloquear esses efeitos ( blocking the backdoor ) ao condicionar as combinações para cada estrato de X que pode estar correlacionado ao T ou ao Y, o que nos permite um estimador com menos viés do ATT. Nesse sentido, aplico matchings para variáveis de pré-tratamento, como sexo, idade, raça e nível educacional, além de outras de cunho institucional, como o tempo trabalhado na política pública, o maior tempo de experiência profissional dentro e fora do Estado, o macrossetor de atuação no Poder Executivo federal e, por fim, porém não menos importante, o cargo de confiança (DAS/FCPE) e seu respectivo nível.

Tabela 2
Seções que compõem os grupos das variáveis dependentes selecionadas (Y)

Veja que, para as variáveis de pré-tratamento usualmente utilizadas pela literatura, foram feitas dummies para sexo e raça, e uma categórica de três níveis para as variáveis idade e nível educacional. Para as variáveis institucionais, temos uma primeira do tempo de trabalho na política pública (em anos), que se sustenta no fato de que a experiência adquirida até a aplicação do survey possui peso relevante para o ator ( Tabela 3 ). Uma outra, e que se relaciona também a esse último aspecto, tem como referência o maior tempo de experiência (em anos) no serviço civil público, em qualquer nível da união: federal, estadual ou municipal. Isto é, nada impede que um burocrata de ingresso lateral e sem concurso já tenha sido servidor público – tendo solicitado exoneração, p. ex. –, ou mesmo um servidor público federal possua experiência no aparato público em algum outro nível subnacional, previamente ao seu ingresso em âmbito federal. Ressalta-se que essa variável leva em conta o maior tempo de experiência obtido em algum desses segmentos do serviço público. Já a variável seguinte controla pelo maior tempo de experiência fora do aparato estatal – aqui entendido especificamente na administração direta –, seja para experiências no mercado, no terceiro setor, nas organizações internacionais ou nas universidades. Possuir, portanto, experiência em algum desses segmentos poderia ser um diferencial para as atividades desempenhadas no Estado, ou pode se constituir no próprio motivo de o burocrata ocupar tal posição no Estado. Adiciona-se também uma outra variável de controle que leva em conta o macrossetor do Poder Executivo federal em que o burocrata atua. A presidência da República (PR) aqui compõe a categoria-base, um segundo grupo macroexecutivo envolve todos os ministérios do setor Econômico e do setor de Infraestrutura, e um último macrogrupo se constitui dos ministérios do setor de Governo e do setor Social ( Boletim Estatístico de Pessoal e Informações Organizacionais, 2017Boletim Estatístico de Pessoal e Informações Organizacionais. Parte I (vol. 21, nº 249, p. 210). Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão. Secretaria de Gestão de Pessoas e Relações do Trabalho no Serviço Público, 2017. , p. 215). Entende-se aqui que o macrossetor de Economia e Infraestrutura em uma categoria 8 8 Os ministérios econômicos são: Ministério da Fazenda; Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão; Ministério da Indústria, Comércio e Serviços; Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento; e Ministério do Turismo. Já os ministérios de infraestrutura são: Ministério dos Transportes, Portos e Aviação Civil; Ministério de Minas e Energia; Ministério do Meio Ambiente; Ministério da Integração Nacional; Ministério das Cidades; e Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação ( Boletim Estatístico de Pessoal e Informações Organizacionais, 2017, p , p. 215). Os ministérios econômicos e de infraestrutura foram inseridos em uma categoria. e o macrossetor de Governo e Social em outra 9 9 Os ministérios de governo são: Ministério da Justiça e Cidadania; Ministério das Relações Exteriores; Ministério da Defesa; e Ministério da Transparência, Fiscalização e Controle. Já os ministérios sociais são: Ministério da Cultura; Ministério da Educação; Ministério da Saúde; Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário; Ministério do Trabalho; e Ministério do Esporte ( Boletim Estatístico de Pessoal e Informações Organizacionais, 2017, p , p. 215). Os ministérios de governo e sociais foram inseridos em outra categoria. , ainda que funcionalmente plurais nos ministérios que os compõem, estão mais próximos uns dos outros do que distantes, em termos de suas naturezas macroinstitucionais, e podem servir como proxy de controle interburocrático, tendo como baseline a PR. Por fim, porém não menos importante, inclui-se uma última variável para o fato de o burocrata possuir cargo de confiança, relacionado a seu respectivo nível hierárquico. Lembrando que quase todos os indivíduos recrutados lateralmente ingressaram em cargos de confiança, ao passo que os servidores públicos recrutados por concurso também podem possuir cargos de livre provimento, seja via DAS ou seu análogo e recém-criado FCPE – os matchings , portanto, são efetuados também sobre os cargos comissionados ocupados pelos grupos tratamento e controle. Nesse aspecto e tendo em vista que os níveis hierárquicos dos cargos de confiança se relacionam a competências mais administrativas ou mais políticas, estendendo-se do 1 ao 6, fez-se uma variável com quatro níveis: (1) não possuir cargo de livre provimento; estar alocado na base administrativa que envolve (2) os DAS-1/FCPE-1 ou DAS-2/FCPE-2; (3) os níveis mais intermediários associados aos DAS-3/FCPE-3 ou DAS-4/FCPE-4; ou (4) os estratos mais altos e políticos das indicações do Poder Executivo, que compõem os DAS-5 ou DAS-6.

Tabela 3
Variáveis de controle em X e suas categorias

Para as análises e resultados propriamente ditos, recorde-se que o interesse do artigo recai em isolar o efeito do recrutamento político e lateral, comparado contrafactualmente com o grupo controle daqueles recrutados via concurso público. Reitera-se que a técnica de matching busca, com base no grupo tratamento (recrutamento lateral sem concurso), respectivos burocratas do grupo controle (recrutamento por concurso) que possuem covariáveis iguais ou similares às dos indivíduos tratados. O modelo, então, calcula se as percepções e atitudes do grupo tratamento diferem estatisticamente dos seus controles contrafactuais. No caso, reforça-se que, em relação aos resultados calculados para o recrutamento político de burocratas de ingresso lateral, foram reportados apenas os efeitos médios do tratamento sobre o grupo tratado: ATT.

Nesse sentido, o valor estimado do ATT nos matchings busca a diferença esperada na atitude/percepção do burocrata que seria observada, se pudéssemos designar um indivíduo aleatoriamente selecionado e que foi recrutado lateralmente, tanto em uma situação em que tivesse ingressado formalmente pela via de concurso público quanto na situação de recrutamento lateral e político de fato. Desse modo, estimar o efeito causal do ATT é teoricamente importante, pois, se não houver efeito do recrutamento político (sem concurso) para aqueles que ingressaram lateralmente no aparato estatal, o argumento teórico (contrafactual) sustentaria que é improvável que exista o efeito do recrutamento lateral para indivíduos que são tipicamente servidores públicos (concursados).

À continuação, volto a atenção especialmente aos resultados que adquiriram significância – todos os gráficos são reportados a 95% do intervalo de confiança. Descrevo e listo primeiramente as perguntas ou afirmativas contidas para cada seção de variáveis selecionadas para, posteriormente, apresentar os resultados, destacando em negrito e com asteriscos (***) nas tabelas os que apresentaram efeitos significativos em todos os matchings com KM (em testes de pares-padrão, validação cruzada em X e validação cruzada em Y) e em todos os matchings com o NNM (em pares, com cinco vizinhos, e cinco vizinhos e viés ajustado em X) – estes utilizados como teste de robustez (inseridos nos Apêndices).

Em relação aos resultados, as seções de frequências das atividades ( Apêndice 1 Apêndice 1 Atividades (F1.11.) Com que frequência você executa as atividades abaixo relacionadas à política pública na qual desempenha suas funções? (F1.11.) 1 Elaborar relatórios, pareceres, notas técnicas e outras informações para subsidiar a tomada de decisões. 2 Operacionalizar bases de dados e sistemas de informação que apoiam a implementação da política pública. 3 Elaborar textos normativos (ex.: projetos de lei, decretos, portarias etc.). 4 Fiscalizar o cumprimento das normas e regulamentos da política pública. 5 Captar recursos financeiros para viabilizar ações, projetos e programas da política pública. 6 Elaborar, negociar, gerir e fiscalizar contratos. 7 Elaborar, negociar, gerir e fiscalizar convênios, termos de fomento, termos de colaboração e outros instrumentos de parceria. 8 Coordenar equipe. 9 Participar de grupos de trabalho ou projetos comuns com outras áreas do seu órgão. 10 Negociar e coordenar ações com outros órgãos da administração federal que participem da implementação da política pública. 11 Pactuar e gerir ações com entes governamentais estaduais ou municipais. 12 Atender demandas dos órgãos de controle. 13 Representar o órgão em eventos, reuniões e atividades externas. 14 Consultar e atender grupos interessados da sociedade sobre questões que envolvam a política pública. 15 Realizar atividades administrativas, tais como agendamento de reuniões, tramitação de processos, compra de passagens, elaboração de ofícios e memorandos. 16 Organizar eventos. Fonte: Elaboração do autor com base em dados do survey “Capacidades estatais” ( Enap, 2018 ). ) e recursos interacionais ( Apêndice 2 Apêndice 2 Recursos interacionais (H1. 13.) Com que frequência você interage com os atores/organizações abaixo para executar o seu trabalho na política pública? (H1. 13.) 1 Outras áreas do meu ministério ou entidade 2 Outros ministérios ou entidades do governo federal 3 Governos estaduais 4 Governos municipais 5 Representantes do Poder Legislativo 6 Representantes do Poder Judiciário e Ministério Público 7 Órgão de controle (CGU, TCU) 8 Organizações da sociedade civil 9 Instâncias participativas (conselho de políticas públicas, conferências etc.) 10 Empresas públicas e de economia mista 11 Representantes do setor privado (ex.: empresas e grupos empresariais) 12 Entidades do sistema sindical patronal ou serviços sociais (ex.: CNI, CNA, Sesi, Senai etc.) 13 Sindicatos e entidades representativas de empregados e trabalhadores 14 Mídia e imprensa 15 Universidades e instituições de ensino 16 Institutos de pesquisa 17 Governos de outros países 18 Organizações internacionais 19 Cidadãos individuais 20 Outros Fonte: Elaboração do autor com base em dados do survey “Capacidades estatais” ( Enap, 2018 ). ) não apresentaram significância sistemática quando verificamos os KM (Apêndices 3 Apêndice 3 Matchings para as atividades (KM: ATT) Fonte: Elaboração do autor com base em dados do survey “Capacidades estatais”( Enap, 2018 ). e 4 Apêndice 4 Matchings para recursos interacionais (KM: ATT) Fonte: Elaboração do autor com base em dados do survey “ Capacidades estatais” ( Enap, 2018 ). ) e seus respectivos testes com o NNM (Apêndices 5 Apêndice 5 Matchings para atividades (NNM: ATT) Fonte: Elaboração do autor com base em dados do survey “ Capacidades estatais” ( Enap, 2018 ). e 6 Apêndice 6 Matchings para recursos interacionais (NNM: ATT) Fonte: Elaboração do autor com base em dados do survey “Capacidades estatais” ( Enap, 2018 ). ). Já os recursos informacionais ( Tabela 4 ) tiveram resultados significativos, especificamente em: “(5) Recomendações e/ou resoluções de conferências e conselhos de políticas públicas” e “(9) Mídia social ou redes sociais”, confirmados os testes com NNM ( Apêndice 7 Apêndice 7 Matchings para recursos informacionais (NNM: ATT) Fonte: Elaboração do autor com base em dados do survey “Capacidades estatais” ( Enap, 2018 ). ).

Tabela 4
Recursos informacionais

Esses achados apontam para aspectos que convergem em alguma medida. De um lado, nota-se que os efeitos das entradas laterais dos burocratas sugerem maior atuação política ao acessarem com maior frequência as recomendações das conferências e conselhos de políticas públicas, permitindo maior estabelecimento de pontes, permeabilidade e ingresso de demandas sociais no seio do Estado. De outro, a variável de mídias e redes sociais indica que o tratamento político, equivalentemente, está a serviço de uma agenda de maior contato com a sociedade, no caso, pelo estabelecimento de pontes e canais com o ambiente digital.

Recordo que as próximas variáveis inseridas nos grupos de conhecimentos ( Tabela 5 ) e habilidades ( Tabela 6 ) são mensuradas conforme o grau de facilidade do ator em realizar determinadas tarefas. Vejamos os tópicos avaliados para cada um desses grupos e seus resultados, começando pelos conhecimentos, em que se obteve significância para a facilidade de “(2) Utilizar novas ferramentas e tecnologias da informação e comunicação para otimizar o trabalho (ex.: redes sociais, ferramentas de Business Intelligence, programação em Java, Python ou R etc.)”, com significância confirmada pelo NNM ( Apêndice 8 Apêndice 8 Matchings para conhecimentos (NNM: ATT) Fonte: Elaboração do autor com base em dados do survey “Capacidades estatais” ( Enap, 2018 ). ).

Tabela 5
Conhecimentos

Tabela 6
Habilidades

Um elemento importante a ser reforçado por essa variável é o fato de que ela junta os usos das ferramentas “da informação” e “de comunicação”. Esse é um ponto importante pois, na variável anterior de recursos informacionais ( Figura 1 ), se observam efeitos acerca do uso mais frequente de mídias e redes sociais; então e por associação, se abriria a possibilidade de que a frequência do uso fosse combinada a uma maior facilidade da utilização dessa ferramenta – como mostram os resultados da Figura 2 . De qualquer modo, destaca-se a facilidade do efeito de recrutamento lateral para o uso de ferramentas de TI e de comunicação, que reforçam expertises específicas, administrativas e relacionais, por meio da utilização de softwares que dinamizam a organização informacional e atividades analíticas, além da possibilidade de se construírem pontes de comunicação social e digital.

Figura 1
Matchings para os recursos informacionais (KM: ATT)

Figura 2
Matchings para conhecimentos (KM: ATT)

A variável de habilidades ( Tabela 6 ) apontou para uma maior facilidade dos burocratas ante o desempenho de duas tarefas: “(1) Coordenar uma equipe” e “(3) Mediar conflitos interpessoais e conciliar interesses” – apresentando consistência nos testes com NNM ( Apêndice 9 Apêndice 9 Matchings para habilidades (NNM: ATT) Fonte: Elaboração do autor com base em dados do survey “Capacidades estatais” ( Enap, 2018 ). ).

Figura 3
Matchings para habilidades (ATT: KM)

Desse modo, o efeito do tratamento político aponta para um reforço de importantes características de liderança e intermediação – centrais para o funcionamento e a gestão de equipes – que, consequentemente, se conectam às engrenagens institucionais da burocracia. Esse conjunto de habilidades de coordenar e mediar, envolvendo cooperação, conflitos e interesses dos atores envolvidos, também ressalta componentes estritamente políticos que demandam as organizações ministeriais, cujas capacidades podem ser especificadamente filtradas por meio da seleção discricionária, típica do recrutamento lateral.

Para a colaboração intersetorial e interfederativa ( Tabela 7 ), a mensuração de atitudes vai na direção de maior ou menor concordância dos burocratas com base em determinadas assertivas. A variável que apresentou significância, também sob o NNM ( Apêndice 10 Apêndice 10 Matchings para colaboração intersetorial (K2) – linha de cima – e interfederativa (K3) – linha de baixo – (NNM: ATT) Fonte: Elaboração do autor com base em dados do survey “Capacidades estatais” ( Enap, 2018 ). ), foi o único resultado negativo encontrado no artigo e que, portanto, tende a discordar de que “(5) Há competição de agendas e recursos entre meu órgão e outros órgãos”.

Tabela 7
Colaboração intersetorial (K2) e interfederativa (K3)

Figura 4
Matchings para colaboração intersetorial (K2) – linha de cima – e interfederativa (K3) – linha de baixo – (ATT: KM)

A rejeição acerca da competição interinstitucional pode ter um duplo propósito. De um lado e mais superficialmente, esse elemento pode indicar que o efeito do tratamento político não observa ou percebe a competição interburocrática por agendas e recursos. De outro lado e mais realisticamente, o achado pode tanto sugerir uma defesa do ministério a que o burocrata pertence – pois assumir conflitos pode enfraquecer sua posição político-burocrática – quanto indicar que dirimir conflitos interburocráticos faz parte das atividades e funções dos recrutados.

Por fim, o contexto organizacional ( Tabela 8 ), que igualmente mensura a concordância a respeito de assertivas, foi a seção que apresentou mais variáveis com significância. Foram quatro de nove assertivas que tiveram efeitos no sentido de concordar com as sentenças propostas e que foram igualmente consistentes nos testes com NNM ( Apêndice 11 Apêndice 11 Matchings para contexto organizacional (NNM: ATT) Fonte: Elaboração do autor com base em dados do survey “Capacidades estatais” ( Enap, 2018 ). ). Entre as afirmações endossadas, citam-se: (2) a boa reputação do órgão; (4) a contribuição de grupos parlamentares; (5) a capacidade de mobilizar o Legislativo e o Judiciário; e (7) o apoio da consultoria jurídica do órgão.

Tabela 8
Contexto organizacional

Figura 5
Matchings para o contexto organizacional (ATT: KM)

Destaca-se que a variável (4) da maior contribuição de parlamentares para o aprimoramento de policies pode sugerir que o tratamento político possua componentes relacionais particularmente direcionados às conexões com atores do Legislativo. Logo, nota-se seu teor político em prol da efetivação e fortalecimento de políticas públicas com base na relação com tais atores – que podem compor ou constituir moeda de troca na coalizão do governo –, considerando que é uma assertiva que indaga como os legisladores são percebidos e cooperam com os atores burocráticos. As demais variáveis de destaque estão relacionadas com as capacidades endógenas da burocracia, isto é, (2) sua boa reputação, (5) sua capacidade de mobilizar o Legislativo e o Judiciário, e (7) o apoio de sua consultoria jurídica. Nessa esteira e para esse conjunto mais amplo, os efeitos parecem reiterar aspectos das capacidades institucionais e políticas da burocracia tanto de fora para dentro, no caso do apoio de parlamentares, quanto de dentro para fora, e para suas respectivas capacidades internas: de reputação, de mobilização de outros atores do sistema político e relacionadas à defesa legal e de seu enforcement jurídico.

Considerações finais

A técnica de matching empregada pelo artigo teve como objetivo isolar o efeito do tratamento político e lateral derivado da seleção discricionária de burocratas que ingressaram por nomeação em cargos nos ministérios nacionais. Os resultados foram estimados pela diferença entre os recrutados lateralmente e seus “espelhos” contrafactuais advindos do grupo controle – sendo esses os indivíduos que entraram na máquina estatal por concurso público e atuam profissionalmente na administração direta do Poder Executivo federal. Buscou-se testar a hipótese de que esses distintos tipos de recrutamentos gerariam incentivos diferentes ao desempenho das atividades dos atores burocráticos, cujas proxies comportamentais de atitudes e percepções ante as atividades administrativas e relacionais foram mensuradas pelo survey da Enap (2018)Enap. “Capacidades estatais para produção de políticas públicas: resultados do survey sobre serviço civil no Brasil”. Escola Nacional de Administração Pública (Enap), 2018. Disponível em: < http://repositorio.enap.gov.br/handle/1/3233> . Acesso em: 10 out. 2019.
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. No caso, a teoria sugere que os burocratas que entraram lateral e exclusivamente por indicações (grupo tratamento) se constituem em agentes estatais temporários que, por atuarem sob uma dinâmica similar ou análoga às relações de patronagem, teriam suas atividades condicionadas e dependentes da confiança e da lealdade pessoal e/ou política de seus superiores hierárquicos. Já os recrutados por concurso público (grupo controle), selecionados por exames conteudistas, técnicos e impessoais, possuiriam carreiras profissionais de longo prazo no serviço civil. As posições dos burocratas recrutados por concurso no setor público, normativa e laboralmente mais estáveis, não demandam necessariamente relacionamentos específicos de dependência com seus chefes diretos.

De um lado, os efeitos do tratamento político ao recrutamento burocrático foram parcialmente confirmados. Os resultados apresentaram significâncias para determinadas proxies comportamentais, que evidenciaram que o recrutamento político impacta no sentido de maior contato com a sociedade civil – seja em nível institucional ou comunicacional no ambiente digital –, mais habilidades de coordenação, mediação e conciliação de membros e equipes, relações mais próximas com legisladores e blindagens políticas e institucionais – mediante a defesa reputacional, a rejeição do conflito burocrático intersetorial, a construção de pontes com os demais atores do sistema político nacional e o reforço de determinadas capacidades organizacionais. A Tabela 9 sintetiza esses achados, conforme o nível constitutivo e indicativo, sua dimensão relacional ou administrativa e o sinal da significância estatística dos resultados nas seções analisadas.

Tabela 9
Efeitos do tratamento de recrutamento político sobre atitudes e percepções de burocratas

De outro lado, o efeito do tratamento verificado em pouco mais de 12% dos tópicos avaliados, compostos por 79 perguntas, merece uma nota metodológica e outra teórica. A primeira observação tem como base a opção conservadora do autor em utilizar duas técnicas de matching (MDM) e aceitar a validade dos resultados se, e somente se, estes apresentarem significância estatística sistemática (a 95% do intervalo de confiança) nos três modelos de cada um dos algoritmos aplicados (KM e NNM). Essa escolha inevitavelmente diminui a quantidade dos resultados considerados estatisticamente válidos, porém, equivalentemente, incrementa a robustez dos achados. Em outras palavras, ao reforçar a validade interna, não se objetiva aqui generalizar os resultados para toda a população ministerial, nem ao longo do tempo, e sim reforçar que, mantendo múltiplas características iguais ou similares entre os burocratas de entrada lateral e seus matches contrafactuais concursados, entrevistados em finais de 2017 (Apêndices 12 Apêndice 12 Diagnóstico para as atividades (diferença-padrão entre os valores originais e os matches do KM: validação cruzada em X) Fonte: Elaboração do autor com base em dados do survey “Capacidades estatais” ( Enap, 2018 ). - 18 Apêndice 18 Diagnóstico para contexto organizacional (diferença-padrão entre os valores originais e os matches do KM: validação cruzada em X) Fonte: Elaboração do autor com base em dados do survey “Capacidades estatais” ( Enap, 2018 ). ), pode se inferir com maior segurança quais são os efeitos que o recrutamento político exerce sobre as atitudes e percepções do grupo tratado.

Vimos que a literatura advinda da tradicional divisão estanque entre burocracia e política aponta que diferentes naturezas de recrutamento estão relacionadas a distintos incentivos às atividades laborais dos atores, moldando e diferenciando o comportamento burocrático associado a cada uma dessas esferas. Desse modo, para a nota teórica, cabe considerar que a clivagem da literatura proposta teve seus efeitos relativizados, sugerindo a existência de mais tons de cinza na relação entre burocracia e política (Aberbach, Putnam e Rockman, 1981). Isto é, quando comparamos contrafactualmente indivíduos com perfis similares, mas com formas de recrutamento distintas, o tratamento político demonstra um poder de ação pontual e focalizado. Em suma, respondendo à pergunta do título do artigo, o recrutamento político impacta sim, causalmente, determinadas atitudes e percepções de burocratas que atuam nos ministérios brasileiros, mas tem especificidades em seus efeitos. Particularmente, o tratamento político sobre o recrutamento lateral dos burocratas age principalmente sobre habilidades e capacidades relacionais, em paralelo ao uso de ferramentas administrativas específicas.

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  • Wu, X., et al. The public policy primer : managing the policy process. 2 nd ed. New York: Routledge, 2018.
  • 2
    O presente artigo compõe parte da tese doutoral do autor com as devidas adaptações e ajustes (financiamento Capes-Proex 001). Agradeço os comentários de Felix Lopez (Ipea) e Renata Bichir (Each/USP) nessa ocasião, além dos comentários dos pareceristas anônimos da revista Opinião Pública . O artigo também contou, em sua etapa de conclusão, com o apoio do Projeto de número 11200625, pertencente ao Fondo Nacional de Desarrollo Científico y Tecnológico, Fondecyt Iniciación, da Agencia Nacional de Investigación y Desarrollo (ANID) do Ministerio de Ciencia, Tecnología, Conocimiento e Innovación (Gobierno de Chile), em que o autor é pesquisador principal.
  • 3
    Decreto de nº 5.497, de 21 de julho de 2005, da presidência da República, Casa Civil, Subchefia de Assuntos Jurídicos, “Dispõe sobre o provimento de cargos em comissão do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores - DAS, níveis de 1 a 4, por servidores de carreira, no âmbito da administração pública federal”: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Decreto/D5497.htm> . Acesso: 10 out. 2019.
  • 4
    Na seção notícias do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão de 30/6/2016, de título “Cortes de DAS e transformação em FCPE”, esclarecem-se os impactos do Decreto nº8.875/2016 e da Medida Provisória 731/2016.
  • 5
    Decreto de nº 9.021, de 31 de março de 2017, da presidência da República, Casa Civil, Subchefia de Assuntos Jurídicos, “Altera o Decreto n 5.497, de 21 de julho de 2005, que dispõe sobre o provimento de cargos em comissão do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores - DAS, níveis de 1 a 4, por servidores de carreira, no âmbito da administração pública federal”. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2017/Decreto/D9021.htm >. Acesso: 10 out. 2019.
  • 6
    Para o banco, o questionário e o livro de códigos, ver: < http://repositorio.enap.gov.br/handle/1/3347> . Acesso em: 10 out. 2019. Para o relatório (Caderno Enap 56), ver: < http://repositorio.enap.gov.br/handle/1/3233> . Acesso em: 10 out. 2019.
  • 7
    Em suma, o RCM assume: (i) que o efeito causal em que o pesquisador está interessado é afunilado e limitado à população que experiencia a causa conhecida, aspecto que é recursivo e não simultâneo; (ii) que a causa é uniformemente administrada às unidades potencialmente afetadas; (iii) que outras possíveis administrações da causa não importam quanto à maneira como as unidades respondem; e (iv) que não existem efeitos cruzados entre as unidades – o RCM, portanto, é um modelo puramente do efeito das causas e não diz nada a respeito de como se mover de um conjunto de efeitos das causas para um modelo das causas dos efeitos ( Morton e Williams, 2010, pMorton, R. B.; Williams, K. C. Experimental political science and the study of causality : from nature to the lab. Cambridge: Cambridge University Press, 2010. , p. 99).
  • 8
    Os ministérios econômicos são: Ministério da Fazenda; Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão; Ministério da Indústria, Comércio e Serviços; Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento; e Ministério do Turismo. Já os ministérios de infraestrutura são: Ministério dos Transportes, Portos e Aviação Civil; Ministério de Minas e Energia; Ministério do Meio Ambiente; Ministério da Integração Nacional; Ministério das Cidades; e Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação ( Boletim Estatístico de Pessoal e Informações Organizacionais, 2017, pBoletim Estatístico de Pessoal e Informações Organizacionais. Parte I (vol. 21, nº 249, p. 210). Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão. Secretaria de Gestão de Pessoas e Relações do Trabalho no Serviço Público, 2017. , p. 215). Os ministérios econômicos e de infraestrutura foram inseridos em uma categoria.
  • 9
    Os ministérios de governo são: Ministério da Justiça e Cidadania; Ministério das Relações Exteriores; Ministério da Defesa; e Ministério da Transparência, Fiscalização e Controle. Já os ministérios sociais são: Ministério da Cultura; Ministério da Educação; Ministério da Saúde; Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário; Ministério do Trabalho; e Ministério do Esporte ( Boletim Estatístico de Pessoal e Informações Organizacionais, 2017, pBoletim Estatístico de Pessoal e Informações Organizacionais. Parte I (vol. 21, nº 249, p. 210). Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão. Secretaria de Gestão de Pessoas e Relações do Trabalho no Serviço Público, 2017. , p. 215). Os ministérios de governo e sociais foram inseridos em outra categoria.

Apêndice 1

Atividades
(F1.11.) Com que frequência você executa as atividades abaixo relacionadas à política pública na qual desempenha suas funções?
(F1.11.) 1 Elaborar relatórios, pareceres, notas técnicas e outras informações para subsidiar a tomada de decisões.
2 Operacionalizar bases de dados e sistemas de informação que apoiam a implementação da política pública.
3 Elaborar textos normativos (ex.: projetos de lei, decretos, portarias etc.).
4 Fiscalizar o cumprimento das normas e regulamentos da política pública.
5 Captar recursos financeiros para viabilizar ações, projetos e programas da política pública.
6 Elaborar, negociar, gerir e fiscalizar contratos.
7 Elaborar, negociar, gerir e fiscalizar convênios, termos de fomento, termos de colaboração e outros instrumentos de parceria.
8 Coordenar equipe.
9 Participar de grupos de trabalho ou projetos comuns com outras áreas do seu órgão.
10 Negociar e coordenar ações com outros órgãos da administração federal que participem da implementação da política pública.
11 Pactuar e gerir ações com entes governamentais estaduais ou municipais.
12 Atender demandas dos órgãos de controle.
13 Representar o órgão em eventos, reuniões e atividades externas.
14 Consultar e atender grupos interessados da sociedade sobre questões que envolvam a política pública.
15 Realizar atividades administrativas, tais como agendamento de reuniões, tramitação de processos, compra de passagens, elaboração de ofícios e memorandos.
16 Organizar eventos.
Fonte: Elaboração do autor com base em dados do survey “Capacidades estatais” ( Enap, 2018Enap. “Capacidades estatais para produção de políticas públicas: resultados do survey sobre serviço civil no Brasil”. Escola Nacional de Administração Pública (Enap), 2018. Disponível em: < http://repositorio.enap.gov.br/handle/1/3233> . Acesso em: 10 out. 2019.
http://repositorio.enap.gov.br/handle/1/...
).

Apêndice 2

Recursos interacionais
(H1. 13.) Com que frequência você interage com os atores/organizações abaixo para executar o seu trabalho na política pública?
(H1. 13.) 1 Outras áreas do meu ministério ou entidade
2 Outros ministérios ou entidades do governo federal
3 Governos estaduais
4 Governos municipais
5 Representantes do Poder Legislativo
6 Representantes do Poder Judiciário e Ministério Público
7 Órgão de controle (CGU, TCU)
8 Organizações da sociedade civil
9 Instâncias participativas (conselho de políticas públicas, conferências etc.)
10 Empresas públicas e de economia mista
11 Representantes do setor privado (ex.: empresas e grupos empresariais)
12 Entidades do sistema sindical patronal ou serviços sociais (ex.: CNI, CNA, Sesi, Senai etc.)
13 Sindicatos e entidades representativas de empregados e trabalhadores
14 Mídia e imprensa
15 Universidades e instituições de ensino
16 Institutos de pesquisa
17 Governos de outros países
18 Organizações internacionais
19 Cidadãos individuais
20 Outros
Fonte: Elaboração do autor com base em dados do survey “Capacidades estatais” ( Enap, 2018Enap. “Capacidades estatais para produção de políticas públicas: resultados do survey sobre serviço civil no Brasil”. Escola Nacional de Administração Pública (Enap), 2018. Disponível em: < http://repositorio.enap.gov.br/handle/1/3233> . Acesso em: 10 out. 2019.
http://repositorio.enap.gov.br/handle/1/...
).

Apêndice 3


Matchings para as atividades (KM: ATT)

Apêndice 4


Matchings para recursos interacionais (KM: ATT)

Apêndice 5


Matchings para atividades (NNM: ATT)

Apêndice 6


Matchings para recursos interacionais (NNM: ATT)

Apêndice 7


Matchings para recursos informacionais (NNM: ATT)

Apêndice 8


Matchings para conhecimentos (NNM: ATT)

Apêndice 9


Matchings para habilidades (NNM: ATT)

Apêndice 10


Matchings para colaboração intersetorial (K2) – linha de cima – e interfederativa (K3) – linha de baixo – (NNM: ATT)

Apêndice 11


Matchings para contexto organizacional (NNM: ATT)

Apêndice 12


Diagnóstico para as atividades (diferença-padrão entre os valores originais e os matches do KM: validação cruzada em X)

Apêndice 13


Diagnóstico para os recursos interacionais (diferença-padrão entre os valores originais e os matches do KM: validação cruzada em X)

Apêndice 14


Diagnóstico para os recursos informacionais (diferença-padrão entre os valores originais e os matches do KM: validação cruzada em X)

Apêndice 15


Diagnóstico para os conhecimentos (diferença-padrão entre os valores originais e os matches do KM: validação cruzada em X)

Apêndice 16


Diagnóstico para habilidades (diferença-padrão entre os valores originais e os matches do KM: validação cruzada em X)

Apêndice 17


Diagnóstico para colaboração intersetorial e interfederativa (diferença-padrão entre os valores originais e os matches do KM: validação cruzada em X)

Apêndice 18


Diagnóstico para contexto organizacional (diferença-padrão entre os valores originais e os matches do KM: validação cruzada em X)

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Jan 2021
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2020

Histórico

  • Recebido
    10 Out 2019
  • Aceito
    8 Set 2020
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