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Temporalidades em disputa: uma leitura deliberacionista de conflitos ambientais 1 1 Versões iniciais deste artigo foram apresentadas no GT Mídia e Política da Anpocs, em outubro de 2020, e em dois seminários do Centre for Deliberative Democracy and Global Governance, na Universidade de Canberra, em fevereiro e maio de 2020. Agradecemos a Jonathan Pickering, Lucy Oliveira, Viktor Chagas, Raquel Oliveira, Gustavo Gazzinelli e Sandoval Filho por comentários. Agradecemos também às sugestões e críticas dos pareceristas anônimos.

Timeframes in clash: a deliberative analysis of environmental conflicts

Temporalidades en disputa: una lectura deliberativa de los conflictos ambientales

Temporalités en conflit: une analyse délibérative des conflits environnementaux

O presente artigo busca discutir a dimensão temporal de conflitos sociais a partir das lentes da abordagem deliberacionista de democracia. Busca-se, assim, suprir uma lacuna dessa abordagem, contestando uma premissa implícita em diversos estudos, qual seja, a de que mais tempo de discussão implica incrementos de inclusão democrática. Em diálogo com os conceitos de slow violence , tempo duracional e acontecimento, buscamos debater como sobreposições de temporalidades, tentativas de controle dos ritmos e das durações de processos políticos por parte dos atores envolvidos impactam tanto a presença e o posicionamento desses atores quanto a configuração de debates públicos. Com uma abordagem metodológica interpretativa, tematizamos essas questões a partir de três casos de conflitos ambientais sobre mineração ocorridos no estado de Minas Gerais nas últimas décadas, na região da Serra do Gandarela, em Conceição do Mato Dentro e em Brumadinho.

tempo; sistema deliberativo; confronto político; conflitos ambientais; mineração


Abstract

This article seeks to discuss the temporal dimension of social conflicts through the lens of the deliberative approach to democracy. In this sense, it seeks to fill a gap in this approach, challenging an implicit premise in several studies, namely that more time for discussion implies democratic inclusion. In dialogue with the concepts of slow violence, durational time, and event, we seek to discuss how overlapping temporalities, attempts to control the pace of political processes by the actors involved, and the duration of these processes impact both the presence and positioning of these actors and the configuration of public debates. Using an interpretative methodological approach, we discuss these issues based on two cases of environmental conflicts over mining in the state of Minas Gerais in recent decades, in the region of Serra do Gandarela and in the municipality of Brumadinho.

time; deliberative systems; contentious politics; environmental conflicts; mining

Resumen

Este artículo busca discutir la dimensión temporal de los conflictos sociales a través de la lente del enfoque deliberativo de la democracia. En este sentido, busca llenar un vacío en este enfoque, cuestionando una premisa implícita en varios estudios, a saber, que más tiempo para la discusión implica más inclusión democrática. En diálogo con los conceptos de violencia lenta, tiempo duracional y evento, buscamos discutir cómo la superposición de temporalidades, los intentos de controlar el ritmo de los procesos políticos por parte de los actores involucrados y la duración de estos procesos impactan tanto en la presencia y posicionamiento de estos actores como en la configuración de los debates públicos. Utilizando un enfoque metodológico interpretativo, discutimos estas cuestiones a partir de dos casos de conflictos ambientales por la minería en el estado de Minas Gerais en las últimas décadas, en la región de Serra do Gandarela y en Brumadinho.

tiempo; deliberación; política contenciosa; conflictos ambientales; minería

Resumé

Cet article cherche à discuter la dimension temporelle des conflits sociaux à travers le prisme de l'approche délibérative de la démocratie. En ce sens, il cherche à combler une lacune dans cette approche, contestant une prémisse implicite dans plusieurs études: plus de temps pour la discussion impliquerait plus d’inclusion démocratique. En dialoguant avec les concepts de violence lente, de durée et d'événement, nous cherchons à discuter de la manière dont les temporalités qui se chevauchent, les tentatives de contrôle du rythme des processus politiques par les acteurs impliqués et la durée de ces processus ont un impact à la fois sur la présence et le positionnement de ces acteurs et sur la configuration des débats publics. En utilisant une approche méthodologique interprétative, nous discutons de ces questions à partir de deux cas de conflits environnementaux liés à l'exploitation minière dans l'État du Minas Gerais au cours des dernières décennies, dans la région de Serra do Gandarela, et à Brumadinho.

temps; systèmes délibératifs; confrontation politique; conflits environnementaux; exploitation minière

Introdução

A dimensão temporal pode ajudar a entender fatores que dificultam a configuração de discussões públicas sobre questões relevantes. A atenção a essa dimensão permanece, contudo, subexplorada na literatura sobre democracia deliberativa, que se dedica especificamente à centralidade do debate público para pensar os fundamentos da democracia. Este artigo busca debruçar-se sobre essa lacuna, entendendo que a promoção do debate público é necessária à vitalidade da democracia.

A partir da análise de conflitos ambientais sobre mineração em Minas Gerais, o artigo propõe-se a apontar como a dimensão temporal os atravessa e contribui para a compreensão da conformação (ou não conformação) de discussões públicas. Duas chaves analíticas ajudam a compreender a questão. A primeira é que há uma sobreposição de temporalidades distintas dos atores envolvidos nesses conflitos. Atingidos pelos projetos mineradores, movimentos sociais, atores estatais e do mercado podem se pautar por regimes distintos de relacionamento com o tempo, e isso interfere na forma como se dão as discussões sobre o problema. A segunda chave, relacionada à primeira, é que há conflitos para controlar o ritmo dos processos discursivos, por meio de várias estratégias de aceleração, suspensão e retomada dos debates. Os processos discursivos que se desdobram na esfera pública são marcados por ritmos cujo controle é objeto de luta política e chave para entender a emergência ou obstrução de potenciais deliberações públicas.

O artigo está dividido em três partes. No primeiro momento, articulamos a discussão sobre sistemas deliberativos com a questão temporal, a partir de contribuições de outras áreas, notadamente a contribuição sobre violência lenta, de Rob Nixon (2011)Nixon, R. Slow violence and the environmentalism of the poor. Cambridge; London: Harvard University Press, 2011. , sobre tempo duracional ( Cohen, 2018Cohen, E. The political value of time: citizenship, duration, and justice. Cambridge: Cambridge University Press, 2018. ) e de acontecimento (Queré, 2005). Em seguida, fazemos uma breve apresentação de nossa abordagem metodológica, ancorada em uma perspectiva interpretativa e tendo como base entrevistas com atores envolvidos em casos de conflitos ambientais contra a expansão da atividade mineradora em Minas Gerais, nas décadas de 2000 e de 2010, bem como observações de manifestações, audiências públicas e debates sobre a temática. Por fim, apontamos como as já levantadas sobreposições de temporalidades entre atores e a disputa pela marcação rítmica de processos discursivos ajudam a entender obstruções ao debate público sobre a mineração em Minas Gerais, observando os casos dos conflitos ambientais da implementação do Parque Nacional da Serra do Gandarela, da implementação do projeto Minas-Rio, em Conceição do Mato Dentro, e da operação do complexo Jangada/Córrego do Feijão, em Brumadinho.

Deliberação e tempo

A relação entre tempo e política é alvo de extensa literatura nas diversas áreas de humanidades. Na Ciência Política, são particularmente influentes os debates do neoinstitucionalismo histórico, sobretudo em seus desdobramentos sobre dependência de trajetória e no emprego da técnica de process tracing ( Pierson e Skocpol, 2002Pierson, P.; Skocpol, T. Historical institutionalism in contemporary political science. In: Katznelson, I.; Milner, H. (eds.). Political Science: the state of the discipline. Nova York: WW Norton & Company, 2002. ; Thelen, 2003Thelen, K. How institutions evolve: insights from comparative historical analysis. In: Mahoney, J.; Rueschemeyer, D. (eds.). Comparative historical analysis in the social sciences. Cambridge: Cambridge University Press, p. 208-40, 2003. ; Mahoney, 2006Mahoney J. Analyzing path dependence: lessons from the social sciences. In: Wimmer A.; Kössler R. (eds.). Understanding change. Londres: Palgrave Macmillan, 2006. ; Bennett e Checkel, 2015Bennett, A.; Checkel, J. Process tracing: from metaphor to analytic tool. Cambridge: Cambridge University Press, 2015. ). Os debates historiográficos também têm peso significativo, sobretudo na área da teoria política, delineando perspectivas atentas às complexidades de variáveis temporais, aos conflitos em torno de definições históricas e à dimensão interpretativa do tempo ( Braudel, 1987Braudel, F. A dinâmica do capitalismo. Rio de Janeiro: Rocco, 1987. ; Koselleck, 1993Koselleck, R. Futuro pasado: para una semántica de los tiempos históricos. Barcelona: Ediciones Paidos, 1993. ; Skinner, 1996Skinner, Q. As fundações do pensamento político moderno. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. ; Koselleck et al., 2013Koselleck, R., et al. O conceito de história. Belo Horizonte: Autêntica, 2013. ; Pocock, 2013Pocock, J. Cidadania, historiografia e res publica: contextos do pensamento político. São Paulo: Grupo Almedina, 2013. ; Mendonça et al., 2019Mendonça, R. F., et al. “Protests as ‘events’: the symbolic struggles in 2013 demonstrations in Turkey and Brazil”. Revista de Sociologia e Política, vol. 27, n° 69, 2019. ; Mendonça e Santos, 2021Mendonça, R. F.; Santos, N. “Now is the time to protest: the eternal sunshine of a spotless polity”. The 2021 conference of The International Journal of Press/Politics [online], 2021. ). E estudos sociológicos relevantes apontam para como processos de aceleração e espera interferem na organização da vida contemporânea ( Auyero, 2012Auyero, J. Patients of the State: the politics of waiting in Argentina. Durham: Duke University Press, 2012. ; Rosa, 2013Rosa, H. Social acceleration: a new theory of modernity. Nova York: Columbia University Press, 2013. ).

Nos estudos sobre democracia deliberativa, dinâmicas temporais também se mostram relevantes. Tempo pode facilitar, constranger, dilatar ou inviabilizar trocas argumentativas públicas. A maneira como o tempo é manejado tem implicações importantes para a forma como um debate público sobre determinada questão pode se estabelecer ou não. Qualquer pessoa que já tenha participado de um experimento participativo sabe que constrangimentos temporais podem afetar profundamente o rumo das discussões e decisões desses fóruns.

Isso se faz ainda mais evidente em perspectivas macro deliberativas. Um dos pilares do conceito de sistema deliberativo é que debates públicos se estruturam a partir de um conjunto de arenas formais e informais, espraiadas temporal e espacialmente, embora conectadas de alguma forma. Muito esforço analítico tem sido feito, nos últimos anos, para buscar compreender de que maneira essas arenas se estruturam e se conectam, tornando-se mais (ou menos) inclusivas e democráticas ( Parkinson e Mansbridge, 2012Parkinson, J.; Mansbridge, J. (eds.). Deliberative systems: deliberative democracy at the large scale. Cambridge: Cambridge University Press, 2012. ; Boswell, Hendriks e Ercan, 2016; Mendonça, 2016Mendonça, R. F. “Mitigating systemic dangers: the role of connectivity inducers in a deliberative system”. Critical Policy Studies, vol. 10, n° 2, p. 171-190, 2016. ; Faria, 2017Faria, C. F. “Sistema deliberativo, formas de conexão e inclusão política: alcance teórico e prático”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol. 32, n° 95, 2017. ; Steiner et al., 2017Steiner, J., et al. Deliberation across deeply divided societies. Cambridge: Cambridge University Press, 2017. ; Bächtiger et al., 2018Bächtiger, A., et al. Deliberative democracy: an introduction. In: Bächtiger, A., et al. (eds.). The Oxford handbook of deliberative democracy. Oxford: Oxford University Press. p. 1-32, 2018. ; Neblo e White, 2018Neblo, M.; White, L. “Politics in translation: communication between sites of the deliberative system”. In: Bächtiger, A., et al. (eds.). The Oxford handbook of deliberative democracy. Oxford: Oxford University Press, 2018. ; Curato, 2019Curato, N. Democracy in a time of misery: from spectacular tragedy to deliberative action. Oxford: Oxford University Press, 2019. ; Maia, Laranjeira e Mundim, 2017; Maia et al., 2017Maia, R. C.; Laranjeira, M. D.; Mundim, P. S. “The role of experts across two different arenas in a deliberative system”. Journal of Deliberative Democracy, vol. 13, n° 1, 2017. ). Pouco se discutiu, contudo, a respeito de como as temporalidades que atravessam processos discursivos interferem na análise deliberativa ( Sarmento, 2013Sarmento, R. “Entre tempos e tensões: o debate mediado sobre a Lei Maria da Penha (2001-2012)”. Dissertação de Mestrado em Ciência Política. Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte (MG), 2013. ), muito embora um dos primeiros esforços na tentativa de teorização sobre sistemas deliberativos tenha sido a ideia de sequência de momentos deliberativos ( Goodin, 2005Goodin, R. “Sequencing deliberative moments”. Acta Politica, vol. 40, p. 182-196, 2005. ).

Miola (2012) e Parkinson (2006)Parkinson, J. Deliberating in the real world: problems of legitimacy in deliberative democracy. Oxford: Oxford University Press, 2006. são exceções, nesse sentido, ao defender a necessidade de contextualizar temporalmente processos deliberativos, observando as diferenças entre momentos distintos de uma discussão. Com isso, faz-se necessário considerar diferentes protagonismos de atores ao longo do processo deliberativo, bem como atentar para a adaptação de discursos em momentos temporais distintos. Em diálogo com Christiano (1996)Christiano, T. “Deliberative equality and democratic order”. Nomos, vol. 38, p. 251-287, 1996. , Parkinson (2006)Parkinson, J. Deliberating in the real world: problems of legitimacy in deliberative democracy. Oxford: Oxford University Press, 2006. ainda chama atenção ao fato de grupos de interesse terem os recursos, o tempo e a expertise necessários para facilitar a deliberação em nível amplo enquanto outros não têm ( Parkinson, 2006Parkinson, J. Deliberating in the real world: problems of legitimacy in deliberative democracy. Oxford: Oxford University Press, 2006. , p. 85).

Apesar das louváveis exceções, nota-se que o debate não caminhou no sentido de considerar temporalidades em suas múltiplas formas e consequências. Este artigo busca dar mais um passo nessa agenda, propondo-se a realizar uma articulação um pouco mais ampla da relação entre tempo e deliberação. Por mais restrito que esse foco na deliberação possa parecer, entendemos que ele é relevante para o avanço da própria abordagem, que se mostra atualmente mais necessária do que nunca em face de um cenário de erosão democrática ( Dryzek et al., 2019Dryzek, J. S., et al. “The crisis of democracy and the science of deliberation”. Science, vol. 363, n° 6.432, p. 1.144-1.146, 2019. ). Para tanto, começamos com a apresentação da ideia de tempo duracional para, em seguida, evidenciar seus limites.

Tempo duracional

A dimensão duracional do tempo diz respeito à sua linearização cronológica, com padrões de horas, dias e anos. Ela é central para o funcionamento dos Estados, na medida em que rege uma série de normas, procedimentos e processos que os fazem operar. Como bem detalhado por Elizabeth Cohen (2018)Cohen, E. The political value of time: citizenship, duration, and justice. Cambridge: Cambridge University Press, 2018. , esses padrões de demarcação do tempo são espécies de fronteiras invisíveis que determinam a inserção ou exclusão de pessoas e coisas em determinadas ordens políticas.

Ordenamentos políticos têm por referência as lógicas padronizadas dessa dimensão temporal. Assim, um decreto ou uma lei pode estabelecer que, a partir de determinada data, certo território passa a ser entendido como um parque ou como um local passível de ser minerado. De uma forma mais ampla, a maior parte das constituições dos Estados democráticos garante que, a partir dos 18 anos de idade, os cidadãos têm o direito de serem responsabilizados penalmente por crimes cometidos, como nos lembra a autora. Datas e horários ainda são marcadores de quando pessoas podem ter acesso a determinados serviços públicos ou a direitos – idade é um critério para acesso à previdência/aposentadoria, mas também para o acesso à educação por crianças, por exemplo.

Uma relação comum entre perspectivas deliberativas de análise política e a dimensão duracional do tempo diz respeito à avaliação de que é preciso “determinada quantidade de tempo” para que as pessoas envolvidas em determinado processo discursivo i) possam se apropriar adequadamente das informações que lhes permitam compreender o que está em jogo, e ii) possam trocar entendimentos sobre como resolver determinada questão. Há, aqui, uma questão de natureza epistêmica: é quase lugar comum na perspectiva deliberacionista dizer que é preciso tempo para se deliberar bem e chegar às melhores decisões.

Em geral, tempo remete à inclusão e à dimensão de justiça dos processos deliberativos: é preciso certa quantidade de tempo para que todos os envolvidos tomem conhecimento do que se passa, possam opinar e justificar seus posicionamentos, e ainda para a promoção de reflexividade pública . Nosso argumento, no entanto, é que a dimensão duracional do tempo carrega grande carga de ambivalência. Mais tempo também pode levar a esgotamento físico e psicológico de participantes. E pode, além disso, acarretar o desengajamento e dificultar a sustentação da presença de corpos e de discursos desfavorecidos – o que remete ao problema da espera dos cidadãos perante o Estado pontuado por Auyero (2012)Auyero, J. Patients of the State: the politics of waiting in Argentina. Durham: Duke University Press, 2012. .

Uma camada de complexidade que deve ser adicionada à discussão sobre a relação entre a dimensão duracional do tempo e os processos político-discursivos é que, como sabemos, muitas questões controversas têm seus processos de publicização iniciados em fluxos discursivos informais. Por isso, essas questões podem não ter a sua duração passível de controle pelo Estado, mas o fato é que as durações impostas pelos procedimentos de funcionamento do Estado liberal acabam por regular ciclos de implementação de políticas e discussões fundamentais para as democracias, como mandatos de representantes, processos eleitorais e ciclos orçamentários. Prazos regulamentam a atuação da burocracia e do sistema de justiça, cujas decisões podem impactar o início, o fim e a condução de debates – como retomamos adiante.

Slow violence e sobreposição de temporalidades

Embora tenha uma centralidade importante para a compreensão das dinâmicas políticas, a dimensão duracional do tempo não é suficiente para dar conta da questão. Como ponderado por Nixon (2011)Nixon, R. Slow violence and the environmentalism of the poor. Cambridge; London: Harvard University Press, 2011. , em muitos casos, como os de conflitos ambientais, i) os atores e as questões estão atravessados por diferentes temporalidades, em que passado, futuro e presente se misturam, e ii) diferentes atores envolvidos podem se orientar a partir de perspectivas temporais distintas – o que causa um choque de construções temporais ou a tentativa de supressão de determinada perspectiva temporal por outra.

Quanto ao primeiro ponto, cabe destacar que as implicações e os impactos de determinadas questões nem sempre podem ser determinadas por relações de causa e efeito em que apenas o que aconteceu no passado é relevante para o debate. Disputas discursivas sobre mudanças climáticas, por exemplo, são atravessadas por emissões de gases de efeito estufa que ocorreram há décadas (passado) e que ainda hoje se encontram na atmosfera (presente), impactando nossas vidas e interagindo com aqueles gases que hoje emitimos, podendo ter consequências imprevisíveis para gerações humanas e de outros seres vivos que estarão no planeta daqui a séculos (futuro). Esses atravessamentos dificultam ou minam possibilidades de estabelecimento de cadeias causais simples não apenas no plano físico-químico-geológico, mas também no político. E trazem à tona debates como a necessidade de representação discursiva daqueles que não se encontram presentes, mas estarão, no debate de mudanças climáticas (p. ex., Stevenson e Dryzek, 2014Stevenson, H.; Dryzek, J. S. Democratizing global climate governance. Cambridge: Cambridge University Press, 2014. ), e se estendem à compreensão de outros fenômenos que apresentam problemas estruturais na sua perpetuação e estiramento, como a violência doméstica ou o racismo, aponta Nixon (2011)Nixon, R. Slow violence and the environmentalism of the poor. Cambridge; London: Harvard University Press, 2011. .

De nossa parte, acreditamos que a discussão sobre o conceito de acontecimento trouxe importantes contribuições na compreensão dessa dinâmica não linear do tempo ( Quéré, 2005Quéré, L. “Entre o facto e o sentido: a dualidade do acontecimento”. Trajectos, n° 6, p. 59-75, 2005. ; Simões, 2014Simões, P. G. O acontecimento e o campo da comunicação. In: França, V. R. V.; Aldé, A.; Ramos, M. C. (orgs.). Teorias da comunicação no Brasil: reflexões contemporâneas, p. 173-195. 1 ª ed. Salvador: EDUFBA, 2014. ; França e Lopes, 2017França, V. R. V.; Lopes, S. C. “Análise do acontecimento: possibilidades metodológicas”. Matrizes (Online), vol. 11, p. 71-87, 2017. ; Mendonça et al., 2019Mendonça, R. F., et al. “Protests as ‘events’: the symbolic struggles in 2013 demonstrations in Turkey and Brazil”. Revista de Sociologia e Política, vol. 27, n° 69, 2019. ). Pensando sobre as rupturas que atravessam as continuidades da experiência, pesquisadoras e pesquisadores que empregam o conceito refletem sobre as lutas políticas que eventos geram sobre a ressignificação do passado e a abertura de futuros possíveis. Construída no presente, a política seria uma disputa permanente sobre passado e futuro, sendo que essas três “categorias” não existem como entidades fixas e separadas, mas se sobrepõem a todo momento. Os debates instaurados por uma tragédia ambiental, por exemplo, não dizem apenas sobre o que houve ali, mas disputam passados possíveis para explicar o acontecimento e projetam futuros alternativos a partir de diversos cursos de ação. O poder hermenêutico dos acontecimentos tem a ver com sua capacidade de reinvenção de temporalidades.

O segundo ponto supramencionado diz respeito à possibilidade de presença de atores com orientações e perspectivas temporais distintas em processos políticos. Quando se comparam atores com condições socioeconômicas e socioculturais muito diferentes, oriundos de gerações distintas, ou mesmo que vivem em áreas rurais e urbanas, tende a haver choques de perspectivas temporais (Santos, Ferreira e Penna, 2017; Nixon, 2011Nixon, R. Slow violence and the environmentalism of the poor. Cambridge; London: Harvard University Press, 2011. ). Nixon lida, especificamente, com a diferença entre as orientações temporais de afetados por grandes empreendimentos empresariais (como fábricas, mineradoras ou oleodutos) e aquelas dos responsáveis por esses projetos (setores do mercado e dos Estados). A questão é que os tempos para assimilação e tomada de decisão das questões envolvidas são distintos entre esses grupos. E a chegada desses projetos, na maior parte das vezes, acaba por anular regimes temporais de atores menos poderosos, como as comunidades atingidas. Até porque, frequentemente, esses regimes de temporalidade não hegemônicos (entendidos aqui como aqueles dos atores menos poderosos em um dado processo) estão interligados à experiência territorial – relações com ciclos hidrológicos, das estações e da migração de animais, por exemplo – que acabam sendo desestabilizados pelos próprios projetos em questão. Situação vista, por exemplo, nas reflexões de Ailton Krenak (2019)Krenak, A. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2019. sobre o modo como o povo Krenak é afetado pela operação da Vale na bacia do rio Doce.

Essas complexas dinâmicas temporais estão no coração de invisibilização de violações de direitos ecossistêmicos e humanos, ainda que sejam recorrentes e brutais, justamente porque acontecem de forma espraiada e, muitas vezes, sem o impacto espetacular dos desastres. Nixon (2011)Nixon, R. Slow violence and the environmentalism of the poor. Cambridge; London: Harvard University Press, 2011. chama essas violações estiradas no tempo e espaço de violência lenta ( slow violence ). As violências lentas ambientais convivem com a sobreposição de diferentes temporalidades, onde o passado nunca passou, o presente – embora acelerado – é estendido, e o futuro carregará marcas incontornáveis do presente, o que significa que pode nem existir.

Ritmo

O terceiro ponto da nossa discussão sobre o tempo diz respeito à capacidade ou à tentativa de os atores políticos fazerem o manejo dos ritmos dos processos discursivos nos quais eles se inserem ou são inseridos. Conflitos políticos são marcados por ritmos e esses ritmos não estão dados de forma aleatória, mas são fruto da capacidade de articulação e de imposição de certos grupos sobre outros. Movimentos sociais, cidadãos, políticos profissionais, atores do mercado, da burocracia e do sistema de justiça operam a partir de procedimentos e estratégias que constroem a cadência de processos político-discursivos. E, assim como há disputas em torno do enquadramento que define uma dada situação, também há conflitos acerca do ritmo de um confronto político, sendo eles vitais nos desdobramentos do processo. Poder acelerar, parar ou suspender um processo discursivo é tão – ou mais – importante quanto apresentar argumentos convincentes.

Uma manifestação nas ruas, ou uma entrevista bombástica, ou um furo de reportagem nos jornais ou um processo judicial são estratégias possíveis para iniciar, suspender ou interromper o curso de processos políticos, a depender dos contextos. Da mesma forma, como já dito, o controle do tempo pode fazer com que certos processos se arrastem por muito tempo, o que traz implicações para a capacidade de atores se fazerem mais ou menos presentes tanto física quanto discursivamente em seus diversos momentos. Isso afeta a inclusividade do processo, bem como seu potencial de promoção de reflexões públicas substantivas sobre as questões envolvidas.

O ritmo diz da contingência e das articulações e rearticulações presentes nos processos políticos ( Laclau e Mouffe, 2015Laclau, E.; Mouffe, C. Hegemonia e estratégia socialista: por uma política democrática radical. São Paulo: Intermeios, 2015 [1985]. [1985]). Rupturas temporais, acontecimentos, acelerações e prolongamentos podem levar à criação ou ao esfacelamento de novos grupos, de novas formas de entendimento e de novos modos de enquadrar determinadas temáticas. A catástrofe da ruptura de uma barragem, por exemplo, foi a única coisa capaz de fazer a Assembleia Legislativa de Minas Gerais avaliar um projeto de lei que torna mais rígida a operação de barragens de rejeito de mineração no estado. O desastre fez com que um conjunto de atores que antes se recusava a discutir a questão – atores da mídia, lideranças políticas, parte significativa da sociedade civil – observasse um projeto de lei que havia sido formulado por alguns grupos da sociedade civil logo após o rompimento de uma outra barragem de rejeitos 4 4 Nos referimos ao Projeto de Lei Mar de Lama Nunca Mais, de iniciativa popular, apresentado após a ruptura da barragem da Samarco em Mariana, ocorrida em 2015, e votado apenas após a ruptura da barragem da Vale em Brumadinho, em 2019. .

A compreensão das outras dimensões temporais levantadas até aqui é fundamental. Atores buscam suspender ou reiniciar o tempo duracional que rege boa parte do funcionamento do Estado e que pode servir de baliza para a condução de determinados conflitos que atravessam a esfera pública. Nos casos de conflitos ambientais sobre mineração, os processos de licenciamento ambiental conduzidos pelos órgãos dos executivos federal e estadual costumam servir de fio condutor de parte do conflito. Os empreendedores podem buscar acelerar esses processos, por meio de pressão política ou econômica junto a membros do executivo (ministros, secretários de meio ambiente, governadores, prefeitos etc.), de modo a evitar resistências. Movimentos sociais, por sua vez, podem criar fatos políticos que buscam reduzir ou paralisar o ritmo desses processos, por meio de manifestações – que dão visibilidade a eventuais problemas e mobilizam apoiadores –, mas também por meio de articulações junto ao Ministério Público ou de procedimentos jurídicos que busquem barrar processos de licenciamento ou abrir novas arenas discursivas, como audiências públicas, por exemplo ( Losekann e Bissoli, 2017Losekann, C.; Bissoli, L. D. “Direito, mobilização social e mudança institucional”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol. 32, 2017. ; Motta, 2020Motta, F. M. “O conflito sobre a Serra do Gandarela: uma análise deliberativa sistêmica”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol. 36, 2020. ). E atores do sistema político também podem jogar com acelerações ou estiramentos temporais, de forma a lhes garantir algum tipo de vantagem – boa parte das vezes dentro das regras procedimentais que legitimam o sistema político institucionalizado. Algumas vezes, atingidos por um projeto ou desastre demandam reparação imediata e partem para negociações individuais, enquanto movimentos sociais podem demandar algo de mais longo prazo, que gere um desfecho mais justo do ponto de vista coletivo, e os conflitos temporais podem atravessar até mesmo atores que se presume serem aliados 5 5 Somos gratos a uma das pareceristas anônimas por pontuar essa pertinente questão. . Em outras situações, por outro lado, é possível que o senso de urgência e imediatismo de ambientalistas seja diferente do tempo necessário de processamento de questões por alguns grupos com os quais eles interagem – como vemos adiante.

Nesses vários processos, passados e futuros podem ser reinterpretados para ressignificar o ritmo, a extensão e a espessura do presente. Buscar controlar o tempo e seus ritmos é interferir na capacidade de ação de outros atores políticos com os quais se está lidando – abrindo ou restringindo as possibilidades de posicionamento público dos adversários. Conceder mais tempo pode significar dar mais possibilidade de ação, mas também levar à exaustão física, psíquica, articulatória e financeira dos atores envolvidos. Mais tempo para o debate pode, assim, trazer ganhos deliberativos à democracia, mas também implicar limites à inclusividade da própria deliberação e, consequentemente, da democracia ( Mendonça, 2016Mendonça, R. F. “Mitigating systemic dangers: the role of connectivity inducers in a deliberative system”. Critical Policy Studies, vol. 10, n° 2, p. 171-190, 2016. ).

Para a discussão sobre sistemas deliberativos, é importante considerar de que maneira essas diferentes temporalidades se sobrepõem e se tensionam no debate público sobre determinada questão. Isso requer pensar não apenas no fato de, em uma determinada arena, diferentes atores estarem atravessados por percepções/experiências temporais diversas, mas também no fato de as múltiplas arenas de um potencial sistema deliberativo – sejam elas formais ou informais – estarem ancoradas em temporalidades próprias.

Tendo em vista os pontos levantados até aqui sobre questões temporais, uma matriz deliberativa precisa observar as seguintes questões: 1) as restrições e excessos temporais que propiciam ou limitam debates e dialogam com a questão dos ritmos e durações apontadas nesta seção; 2) as lutas estabelecidas pelos atores envolvidos em torno das temporalidades dos processos, incluindo tentativas de sobrepor determinadas temporalidades hegemônicas a outras, de atores menos poderosos; 3) as dissonâncias entre as temporalidades dos diversos atores envolvidos e das diversas arenas, com as possibilidades e impossibilidades de tradução entre elas; e 4) os momentos ou situações que funcionam deslocando temporalidades e afetando a cena e os atores relevantes.

Buscamos retomar esses pontos a partir do desenvolvimento da análise. Antes disso, porém, cabe pontuar as escolhas metodológicas adotadas.

Metodologia

Para buscar entender, empiricamente, como as dimensões temporais apresentadas até aqui de forma teórica se manifestam, propomo-nos a olhar para quadros de conflitos ambientais envolvendo a expansão da atividade mineradora no estado de Minas Gerais. Este artigo faz parte de uma pesquisa mais ampla, que busca compreender os constrangimentos ao debate público sobre mineração nesse estado, num período que abrange de meados dos anos 2000 às vésperas do rompimento de barragens de rejeitos da Vale em Brumadinho, em janeiro de 2019 6 6 Além da dimensão temporal, a pesquisa busca analisar a formação de constrangimentos ao debate público sobre mineração envolvendo a atuação da imprensa, e a partir de configurações de espaços de participação institucionalizadas e de instituições do Estado que lidam com a questão. . Nesse processo, entre julho de 2019 e outubro de 2020, realizamos 18 entrevistas em profundidade com atores envolvidos em situações de conflitos ambientais sobre mineração: integrantes de movimentos sociais, jornalistas, membros do Ministério Público, representantes do setor mineral e funcionários de mineradoras. Também nos valemos de outras 25 entrevistas semiestruturadas, realizadas entre 2015 e 2016, sobre um conflito ambiental específico, envolvendo ambientalistas, agentes do mercado e moradores da região da Serra do Gandarela, no centro de Minas Gerais, na disputa sobre a implementação de um projeto minerador da Vale e de um Parque Nacional.

Ademais, observamos protestos conduzidos por grupos como o Movimento Pelas Serras e Águas de Minas e MAB – Movimento dos Atingidos por Barragens, reuniões de fóruns institucionalizados de participação (como o Conselho Estadual de Política Ambiental, COPAM-MG), debates sobre a temática conduzidos por atores da sociedade civil, e eventos abertos realizados por grupos de pesquisa, como seminários do Grupo de Pesquisa em Temáticas Ambientais (GESTA-UFMG) com a presença de atingidos e ambientalistas. Atos em municípios como Congonhas, Belo Horizonte, Brumadinho e Rio Acima também foram observados.

Assim, neste artigo, a partir dessas observações e da reconstituição dos casos dos conflitos analisados, buscamos identificar padrões de manejo e relacionamento do tempo por parte dos atores. É importante considerar que entrevistas e falas de pessoas afetadas pelos processos não necessariamente acionam a dimensão temporal de forma explícita e, em muitos momentos, tal dimensão se manifesta a partir da leitura do contexto estudado pelos pesquisadores. Até por isso, optou-se por reduzir o uso de citações diretas dos entrevistados para buscar proteger a segurança dos mesmos. As entrevistas foram muito importantes para a reconstrução do cenário mais amplo e dos processos que buscamos compreender, embora não necessariamente versem, isoladamente, sobre as questões temporais que reconstruímos aqui.

O artigo segue uma abordagem interpretativa, em que a construção de significados, a reflexividade e a compreensão do contexto estudado têm centralidade, ante uma tentativa de explicação de relações de causalidade específicas e de generalizações ( Marsh e Furlong, 2002Marsh, D.; Furlong, P. A skin not a sweater: ontology and epistemology in political science. In: Marsh, D.; Stoker, G. (eds.). Theory and methods in political science, 2ª ed. Londres: Palgrave Macmillan, 2002. ; Yanow e Schwartz-Shea, 2014Yanow, D.; Schwartz-Shea, P. Introduction. In: Yanow, D.; Schwartz-Shea, P. (orgs.). Interpretation and method: empirical research methods and the interpretive turn. Armonk: M. E. Sharpe, 2014. ). Acreditamos que esse movimento metodológico dialoga com as tentativas de construção de análises que seguem as abordagens teóricas de sistemas deliberativos como referência. Como afirmam Boswell e Corbett (2017)Boswell, J.; Corbett, J. “Why and how to compare deliberative systems”. European Journal of Political Research, vol. 56, n° 4, p. 801-819, 2017. , dada a complexidade, a porosidade e a natureza cambiante dos sistemas deliberativos, eles não podem ser mensurados e analisados por ferramentas tradicionais de análise deliberativa de fóruns. Seguindo Bevir e Ansari (2012)Bevir, M.; Ansari, N. “Should deliberative democrats eschew modernist social science?”. In: [Anais do] Western Political Science Association Conference. Portland, Oregon, 2012. , eles defendem que a adoção de uma abordagem interpretativa auxilia na construção de pontes entre abordagens normativas e empíricas ( Boswell e Corbett, 2017Boswell, J.; Corbett, J. “Why and how to compare deliberative systems”. European Journal of Political Research, vol. 56, n° 4, p. 801-819, 2017. , p. 808). Nesse sentido, a compreensão sobre os sistemas deliberativos depende de análises densas (Ercan, Hendriks e Boswell, 2017). “[O]s sistemas deliberativos também devem ser estudados ricamente no contexto, com atenção às sobreposições e interações entre locais que possibilitam e sustentam, ou minam e desafiam, as normas e bens mais amplos associados à democracia deliberativa” ( Boswell e Corbett, 2017Boswell, J.; Corbett, J. “Why and how to compare deliberative systems”. European Journal of Political Research, vol. 56, n° 4, p. 801-819, 2017. , p. 802) 7 7 Original em inglês. Tradução nossa. .

Tendo esse posicionamento metodológico como base, apresentamos tentativas de compreensão do já mencionado caso da disputa sobre a Serra do Gandarela, bem como os conflitos ambientais envolvendo a abertura de uma mina da Anglo American/MMX em Conceição do Mato Dentro, e da operação e expansão do complexo Jangada/Córrego do Feijão, da Vale, em Brumadinho, que antecede a ruptura da barragem de rejeitos em 2019.

Análise empírica

Minas Gerais passou por uma forte expansão da atividade mineradora a partir de meados dos anos 2000, relacionada principalmente à extração de minério de ferro destinada à exportação à China. Essa questão tem a ver com um movimento mais amplo de primarização da economia brasileira e da América do Sul, conhecido como boom das commodities . Em Minas Gerais, o processo afetou sobretudo municípios na região central do estado, conhecida como Quadrilátero Ferrífero, onde se localiza a maior parte das reservas de minério de ferro exploradas até então. A sobreposição dessas reservas minerais com aquíferos importantes, a proximidade com áreas urbanas e agrícolas, as desapropriações e a necessidade de construção de grandes complexos de infraestrutura para a retirada e o escoamento do minério contribuíram para a emergência de um grande número de conflitos ambientais ( Santos e Milanez, 2015Santos, R. S. P.; Milanez, B. “The global production network for iron ore: materiality, corporate strategies, and social contestation in Brazil”. The Extractive Industries and Society, vol. 2, n° 4, p. 756-765, 2015. ; Coelho, 2016Coelho, T. P. “Noventa por cento de ferro nas calçadas: mineração e (sub) desenvolvimentos em municípios minerados pela Vale”. Tese de Doutorado em Ciência Sociais. Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2016. ; Acselrad, 2017Acselrad, H. “Mariana, November, 2015: the political genealogy of a disaster”. Vibrant: Virtual Brazilian Anthropology, vol. 14, n° 2, 2017. ; Döring, Santos e Pocher, 2017; Losekann, 2017Losekann, C. “'It was no accident!' The place of emotions in the mobilization of people affected by the collapse of Samarco's tailings dam in Brazil”. Vibrant: Virtual Brazilian Anthropology, vol. 14, n° 2, 2017. ; Santos, Ferreira e Penna, 2017; Svampa, 2017Svampa, M. Del cambio de época al fin de ciclo: gobiernos progresistas, extractivismo, y movimientos sociales en América Latina. Buenos Aires: Edhasa, 2017. ; Zhouri et al., 2017Zhouri, A., et al. “The Rio Doce mining disaster in Brazil: between policies of reparation and the politics of affectations”. Vibrant: Virtual Brazilian Anthropology, vol. 14, 2017. ; Zucarelli, 2018Zucarelli, M. C. “A matemática da gestão e a alma lameada: os conflitos da governança no licenciamento do projeto de mineração Minas-Rio e no desastre da Samarco”. Tese de Doutorado em Antropologia. Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte (MG), 2018. ; Milanez, Magno e Pinto, 2019; Motta, 2021Motta, F. M. “Constrangimentos ao debate público sobre mineração em Minas Gerais”. Tese de Doutorado em Ciência Política. Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte (MG), 2021. ).

Soma-se a esse contexto, o interesse explícito dos chefes de executivos federal, estadual e municipais na expansão da atividade, dada a movimentação de recursos trazidos pela circulação dos prestadores de serviços necessários para a operação dos complexos mineradores e os empregos gerados – mas também pelo suporte financeiro expressivo dado pelas mineradoras em financiamentos de campanhas eleitorais. Fato é que, mesmo com a queda da cotação do minério de ferro observada a partir da crise mundial de 2008, a atividade continuou a crescer na década de 2010, com a expansão do volume de minério retirado compensando o valor depreciado da commodity . É nesse contexto de maturação de uma violência lenta e arrastada, por vezes invisibilizada, que os casos de Gandarela, Conceição do Mato Dentro e Jangada/Córrego do Feijão acontecem, estando ao lado de muitos outros que também caberiam nessas páginas, como os de Serro, Brucutu, Congonhas, Paracatu...

Gandarela: temporalidades sobrepostas, pausas e retomadas forçadas

O conflito ambiental envolvendo a disputa sobre a implementação de uma mina da Vale, chamada projeto Apolo, e de um parque Nacional e de uma Reserva de Desenvolvimento Sustentável na região da serra do Gandarela, traz demonstrações importantes de como pausas e retomadas marcam determinados processos discursivos que se desdobram na esfera pública. Nesse sentido, aponta para as dimensões rítmicas, mas também para as duracionais mencionadas na primeira seção do artigo, e ainda traz exemplos de como aspectos de sobreposição de temporalidades se manifestam.

Em meados de 2008, a Vale apresentou interesse em minerar a região do Gandarela, que abrange principalmente os municípios de Caeté, Santa Bárbara, Rio Acima e Raposos. Após uma série de audiências públicas, realizadas em 2010, a proposta de avaliação do licenciamento do empreendimento Apolo foi suspensa pelo governo de Minas, após grande pressão argumentativa de ambientalistas. Nesse intervalo, o Movimento pela Preservação da Serra do Gandarela, reunindo moradores e ambientalistas das cidades impactadas pelo projeto e da região metropolitana de Belo Horizonte, elaborou a proposta de criação de um Parque Nacional, com base em pesquisas científicas desenvolvidas na UFMG que apontavam as particularidades do ecossistema da região ( Motta, 2016Motta, F. M. “Conflito e deliberação na Serra do Gandarela: pela superação de uma dicotomia”. Dissertação de Mestrado em Ciência Política. Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte (MG), 2016. ; 2020).

A mina Apolo era tida como uma das principais apostas da Vale em Minas Gerais, com possibilidade de retirada de cerca de 25 milhões de toneladas de minério de ferro por ano 8 8 Para comparação, a mina de Brucutu, em São Gonçalo do Rio Abaixo (MG), considerada uma das maiores da empresa em operação no estado, tem extração média de cerca de 30 milhões de toneladas de minério por ano. . Pelo projeto original, uma barragem de rejeitos seria construída próxima à cidade de Raposos. A barragem, junto aos riscos das cavas da mina afetarem aquíferos que vertem água para as bacias dos rios Doce e das Velhas, estava entre os principais argumentos apresentados contra o projeto.

O anúncio do projeto serviu de gatilho para o reacendimento de traumas antigos ligados à mineração da comunidade de Raposos, marcada por tragédias em mineração de ouro e mortes de trabalhadores das mesmas minas por silicose. A reativação de lembranças do passado acionou referências dos moradores se posicionarem frente a ameaças do presente, diante de medos sobre possibilidades de futuro – acendendo os aspectos hermenêuticos do acontecimento trabalhados na seção “Deliberação e Tempo” deste artigo –, e a possibilidade de atualização do tempo a partir de determinados eventos, como ponderado ao final daquela mesma seção:

Sou de Raposos, uma cidade traumatizada com a mineração. Lá tivemos a Morro Velho, que não deixou nada para a cidade: só deixou silicótico, arsênico por todo lado e viúvas. A cidade é um exemplo de que a mineração não deixa nada para a cidade. (…) E agora nós tivemos a ameaça da Vale. Ela pretende uma mineração cujo prejuízo maior será para Raposos. Porque a planta não está em Raposos, a não ser a barragem de rejeitos. E essa barragem [pelo projeto original] teria 128 metros de altura. Seria a maior barragem no gênero no mundo a acumular água e rejeitos ao mesmo tempo. […] As pessoas usam o ribeirão para lazer. É um dos atrativos de Raposos. Isso assustou muito. (Entrevista 9, morador de Raposos, setembro de 2015).

Dentre outros pontos, somava-se a isso o risco de pequenas comunidades rurais localizadas nas proximidades da serra, como as de André do Mato Dentro e Conceição do Rio Acima, ambas em Santa Bárbara, terem os seus modos de vida impactados pelo empreendimento. Muitos moradores da região, que atuavam com práticas como apicultura, extração de musgo e candeia, poderiam ser prejudicados pela chegada da mina, ainda que uma parte concordasse com o argumento de geração de empregos formais derivada do empreendimento. Uma tensão entre a manutenção do ecossistema e modos de vida da comunidade – a valorização do presente – versus a “possibilidade de progresso” anunciada pelo empreendimento – a projeção de um futuro idealizado e tido como melhor do que esse presente – criou uma cisão entre os moradores. O depoimento de um morador de área afetada pelo projeto trabalha esses pontos, apontando como projeções sobre possibilidades e expectativas futuras marcam constantemente os embates políticos:

Muitos, na verdade, não queriam a mina, outros... Em todo lado é assim: uma parte quer, acha que vai gerar emprego, a outra não. Na época foi assim: “vai trazer desenvolvimento pro lugar, vai trazer isso e aquilo”. Há uns quatro anos atrás, que tava essa coisa forte [de abrir a mina]. [...] [Pergunta: Havia briga entre os moradores?] Dava, dava. Nas reuniões dava – tinha uns que queria parque, outros não. Uns quer Vale, outros não. E tem as nascentes d’água... (Entrevista 20, morador de Santa Bárbara, 20 de ago. 2015).

O desacordo em relação ao Parque fez com que, durante o processo de avaliação do projeto da unidade de conservação, que seria acolhido pelo Instituto Chico Mendes (ICMBio), ambientalistas e burocratas do órgão também propusessem a criação de uma Reserva de Desenvolvimento Sustentável no território, em áreas conjuntas ao eventual parque, para permitir a permanência das atividades das comunidades rurais ( Motta, 2016Motta, F. M. “Conflito e deliberação na Serra do Gandarela: pela superação de uma dicotomia”. Dissertação de Mestrado em Ciência Política. Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte (MG), 2016. ; 2020).

O projeto do Parque foi tema de consultas públicas realizadas pelo ICMBio em 2012 e 2013. E entre 2011 e 2012, o governo do estado criaria grupos de trabalho envolvendo mineradoras, ambientalistas e técnicos da burocracia ambiental para buscar construir consensos para acomodar tanto a criação do Parque quanto interesses da Vale e de pequenas mineradoras interessadas na região. O Parque Nacional seria criado em 2014, por decreto da presidência da República, seguindo um modelo que retirou de dentro do desenho da unidade de conservação parte considerável dos interesses das mineradoras. Desde então, a Vale tem avaliado novos projetos para retomada do licenciamento do empreendimento. A RDS não foi criada, frustrando a avaliação de boa parte dos moradores das comunidades do entorno a respeito da legitimidade do processo.

Uma questão fundamental para este artigo é como ações para a aceleração e a contração do processo político analisado nos ajudam a compreender o seu desdobramento. Num primeiro momento, quando da emergência da questão, a Vale buscou agilizar a condução do processo de licenciamento ambiental da mina Apolo. Os ambientalistas, por outro lado, em busca de apoiadores para seus argumentos e no interesse de dar visibilidade para o caso, atuavam de forma a reduzir a velocidade da condução da disputa discursiva. Nesse sentido, uma disputa chave no início do conflito foi pela ampliação do número de audiências públicas destinadas ao debate do projeto da mina, que passou de duas para sete a partir de pressão junto à secretaria estadual de Meio Ambiente, incluindo a realização de um evento em Belo Horizonte, município indiretamente afetado pelo projeto e onde a empresa e apoiadores tinham maior resistência para que o debate ocorresse. A fala do então secretário estadual de meio ambiente de Minas Gerais explica:

As sete audiências só ocorreram por causa da minha interlocução com o Movimento. Senão não teria as sete. Eu acompanhei, mas a sétima foi a que eu banquei, participei. Havia uma certa contrariedade do pessoal [apoiadores da mina] achar que não tinha nada a ver fazer uma audiência em Belo Horizonte (Entrevista 6, ex-secretário de Meio Ambiente de MG, ago. 2015).

Após a suspensão do processo de licenciamento da mina e o início da análise do projeto do Parque, por parte do ICMBio, a lógica se inverte. Atores interessados no projeto minerador buscam frear a implementação do Parque. A demora por parte do Estado em dar um parecer sobre a unidade de conservação fez com que os ambientalistas tentassem acelerar a tramitação da causa. Aqui, várias estratégias de ação contenciosa poderiam ser utilizadas, como a construção de fatos políticos com visibilidade midiática – o que não vinha sendo objeto de êxito por parte do grupo. O Movimento pela Preservação da Serra do Gandarela, no entanto, valeu-se da boa articulação junto ao Ministério Público Federal, que elaborou recomendações para que o poder Executivo decidisse pela criação da unidade de conservação. O mesmo Ministério Público havia sido importante, anteriormente, na recomendação de ampliação no número de audiências públicas sobre o projeto Apolo, por parte do governo de Minas 9 9 Avaliação importante sobre a articulação entre ambientalistas e Ministério Público foi feita por Losekann: “a ação civil pública e as denúncias ao MP são parte de uma cadeia de ações estratégicas da sociedade civil no que se refere às questões ambientais brasileiras. Essas estratégias envolvem a articulação de instrumentos institucionais existentes e a articulação da ação interpessoal entre sujeitos posicionados nas diversas instituições do Estado e na sociedade. [...] movimentos se apropriam de mecanismos institucionais, e estes reforçam as ações dos movimentos, criando ciclos que viabilizam mudanças” (Losekann, 2013, p. 342). . Sobre o caso da criação do parque, o depoimento de um procurador federal aponta a articulação com a sociedade civil, além de chamar a atenção para como a ausência de prazos definidos para a tomada de determinadas decisões interfere nos desdobramentos dos processos:

O problema é que você não tem na lei uma delimitação de tempo . Nenhuma legislação, seja lei, seja decreto te diz “olha, o parque, a partir do momento em que o estudo chega no MMA, você tem 2, 3, 4 anos”. Daí os movimentos sociais serem importantes . Você tem uma pressão do movimento social enorme – e o caso Gandarela foi isso –, dizendo “precisamos da criação do parque”. Aí vem o Ministério Público e auxilia. Mas te dizer que, legalmente, há um prazo, não há. Você pode fazer uma série de construções jurídicas – e isso é possível ao Ministério Público, como é possível a outros atores também, como as organizações da sociedade civil –, dizendo: “Não é possível que uma ação de criação de parque, toda tecnicamente construída, com apoio da sociedade civil.... ficar parada”. Minha ideia era essa: “se eu tenho uma proposta toda construída e o governo não fizer nada, em algum momento eu vou entrar com ação” – seja pro governo estabelecer um prazo mínimo para analisar aquela proposta, seja pro juiz dar um valor (Entrevista 17, integrante do Ministério Público Federal, ago. 2015).

Da mesma forma, o diálogo entre os atores da sociedade civil e a burocracia do ICMBio havia sido importante para agilizar a coleta de informações técnicas que justificassem a criação das duas unidades de conservação. O Movimento pela Preservação da Serra do Gandarela municiou o órgão federal de uma série de estudos científicos sobre aspectos ecossistêmicos locais, além de ter conduzido, a partir de entidades parceiras, análises qualitativas e quantitativas sobre os usos do território por parte das comunidades. Toda essa movimentação foi publicizada pelo Movimento em seus canais em redes sociais, principalmente em páginas criadas no Facebook, mas também em materiais de comunicação impressos distribuídos nas cidades no entorno da Serra ( Motta, 2016Motta, F. M. “Conflito e deliberação na Serra do Gandarela: pela superação de uma dicotomia”. Dissertação de Mestrado em Ciência Política. Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte (MG), 2016. ).

Assim, existe no caso um processo de articulação entre diferentes atores que compunham o sistema discursivo sobre a questão Gandarela. A atuação dos movimentos sociais, da burocracia ambiental federal e do Ministério Público não só forjou conexões discursivas sobre o processo, nos termos teóricos apresentados por deliberacionistas ( Mendonça, 2016Mendonça, R. F. “Mitigating systemic dangers: the role of connectivity inducers in a deliberative system”. Critical Policy Studies, vol. 10, n° 2, p. 171-190, 2016. ; Faria, 2017Faria, C. F. “Sistema deliberativo, formas de conexão e inclusão política: alcance teórico e prático”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol. 32, n° 95, 2017. ; Curato, Hammond e Min, 2019; Hendriks, Ercan e Boswell, 2020), mas o fez marcando, acelerando e retomando esse encadeamento discursivo . Muitas vezes isso se deu a partir da abertura de novas arenas públicas; em outras, por atalhos no interior de instituições – o que não é necessariamente um problema, caso essa conexão discursiva esteja em consonância com questões anteriormente refletidas em arenas públicas formais ou informais que lhes deem legitimidade, como posto por Stevenson e Dryzek (2014)Stevenson, H.; Dryzek, J. S. Democratizing global climate governance. Cambridge: Cambridge University Press, 2014. . De outro lado, vale reforçar, as empresas também buscavam dar seu próprio ritmo ao processo, em diálogo com atores políticos aliados – esfriando ou buscando acelerar a análise dos casos da mina e do parque em momentos específicos.

Cabe, ainda, ressaltar a sobreposição de percepções de temporalidades entre os atores envolvidos, bem como a relação entre essas temporalidades, o uso do território ( Nixon, 2011Nixon, R. Slow violence and the environmentalism of the poor. Cambridge; London: Harvard University Press, 2011. ) e o conhecimento sobre ele. Em entrevistas com moradores das comunidades rurais da região do Gandarela, aparecem incômodos em relação à dificuldade e à violência dos atores do mercado e, em alguns momentos, mesmo do Estado, em dar conta das elaborações de percepções que essas pessoas tinham sobre o território em disputa. Esse tipo de violência no relacionamento com as comunidades é colocado por um dos moradores do entorno do Gandarela. A fala aponta para como a condição de igualdade que funda práticas democráticas pode ser escanteada nesses contextos:

Pela conversa da gente com a Vale, não adianta nada, porque nem palavra você tem. Você vai ter que conversar com alguém que tem autoridade para ter palavra com ela. É conversando que se entende. Mas não a gente, que nem palavra para eles a gente tem. […] [Pergunta: “O que é isso que o senhor diz que para a Vale o senhor não tem palavra?”]. É que o que a gente tem para falar, eles têm pessoas lá, especial, pra te retrucar, que sua palavra não tem significado nenhum. Eles começam a falar coisa que você não entende, ou o que você fala, joga pro escanteio, e no fim fica como se ele fosse o vitorioso. […] Chega eu pra conversar uma coisa qualquer com um técnico da Vale, ele vira e fala “vai estudar para poder conversar comigo – eu nem sei o que você tá falando”. O que eu vou fazer? […] Dá vontade de abrir um buraco e enterrar ele. Ele que tem que me entender. Ele também foi igual eu. Mas aí ele usa o recurso da grosseria e para me tentar passar pra trás. E aí você tem que correr atrás de autoridade, pra enxergar o erro deles, e eles ter qualquer punição ou parar, ou mudar. Tem que ser por aí (Entrevista 18, morador de Santa Bárbara, ago. 2015).

Essa relação problemática com as comunidades vai desde esse não reconhecimento dos saberes dessas pessoas sobre o território até a forma como o conflito nele se instaura. No caso Gandarela, uma reunião marcada de supetão, no gramado em frente à igrejinha de um dos vilarejos, em que a rotina é alterada para sempre a partir da chegada de executivos da mineradora em um helicóptero.

Curiosamente, em determinados momentos, o ritmo de atuação do Movimento pela Preservação da Serra do Gandarela se choca com os próprios ritmos de apropriação das propostas por parte das comunidades. Ritmos por vezes atravessados por intervenções de adversários, mas também pela própria dinâmica da vida em áreas rurais, nem sempre familiarizada com os processos regulados pelo tempo do Estado. O que reforça nosso argumento sobre sobreposição temporal trabalhado na seção “Deliberação e Tempo” deste artigo: de como ela pode resultar em conflitos e mal-entendidos discursivos e, por vezes, merece processos de intermediação mais cuidadosa – como o empreendido por funcionários do ICMBio envolvidos com o processo, que conseguiram costurar contribuições de moradores da região de Conceição do Rio Acima com as demais colocadas à mesa, como aponta um ambientalista, no relato a seguir:

Em André [do Mato Dentro, comunidade de Santa Bárbara], você tinha o Júlio e a Glória [lideranças locais], e eles foram mais rápidos em fazer essa proposta da RDS ao ICMBio. E em Conceição do Rio Acima [outra comunidade] demorou bastante, teve muita catimba , houve desistências internas... e houve um esforço por parte do ICMBio de ir lá, conversar, fazer várias reuniões com eles... percorrer a área para ver o que iria entrar e o que não iria entrar no parque. Tentar ganhar essa comunidade. E não tê-la como adversária do parque. Houve um esforço grande e muita paciência do ICMBio. Confesso que eu mesmo cheguei a falar com eles [ICMBio] que não era para eles ficarem naquela cozinhação , que estavam fazendo hora com a cara deles [ICMBio] (Entrevista 1, ambientalista, mar. 2015).

Cecile Lawrence e Natalie Churn (2012) destacam a necessidade de entender a tentativa de controle do tempo por atores do Estado e do mercado enquanto formas de dominação sobre grupos com outras experiências temporais – e como a ação coletiva se coloca como momento de observar esse problema, mas também de tensioná-lo e de apresentar formas de transformá-lo, trazendo à tona formas radicais de mudança social e democrática. Ao barrar, ainda que temporariamente, o projeto minerador, o Movimento pela Preservação da Serra do Gandarela atua nesse sentido. Ao buscar acelerar a aprovação do parque, também atua para contestar o monopólio da marcação rítmica do processo político. O caso em tela ilustra de forma clara como o conflito político envolve a disputa pelo cadenciamento temporal do debate público em torno de um projeto e aponta para processos de sobreposição de temporalidades distintas.

Por fim, o fato de a Vale ter reapresentado em outubro de 2021 uma nova proposta de atuação de mineração na área, uma versão repaginada do projeto Apolo, reforça a capacidade de controle de agenda do problema pelo mercado e o quanto o Estado atua disposto a receber as demandas do setor: ainda que uma unidade de conservação esteja no território, não há proibição e há sempre espaço e tempo para que determinadas questões sejam reinseridas.

Caso Anglo American/MMX: estiramentos, lentidões, acelerações

A abertura da mina da Anglo American em Conceição do Mato Dentro, Dom Joaquim e Alvorada de Minas, também região central do estado, é um dos casos mais emblemáticos de violações ambientais e de direitos humanos envolvendo a expansão da atividade mineradora no Brasil dos últimos 20 anos. É marcada por atravessamentos de ocorrências de lentidão e aceleração, ditadas pela força econômica de quem está interessado na sua operação, reforçando os aspectos de ritmo e duração temporais levantados na seção teórica do artigo.

O empreendimento é parte do projeto Minas-Rio, idealizado pelo empresário Eike Batista no auge da atuação da MMX – braço mineral do seu império de extração de commodities e complexos de logística. Além da mina, que envolve os três municípios, o sistema conta com o maior mineroduto do mundo, com mais de 500 quilômetros, ligando a área de extração a um porto (do Açu) construído no município de São João da Barra, no estado do Rio de Janeiro. Ainda durante a construção, o complexo mina-mineroduto foi vendido por Batista para o grupo britânico Anglo American, em 2008. Para a construção do complexo de extração mineral, houve o redesenho de uma área de preservação municipal em Conceição do Mato Dentro. Várias famílias foram removidas sob o risco da proximidade com o empreendimento, e muitas outras ainda aguardam para serem reconhecidas como afetadas pelo projeto, em processos lentos de retirada e reassentamento, que contrastam com movimentos rápidos para a abertura e as sequências de ampliação do complexo minerador. As famílias que restaram próximas à mina conviviam com falta d’água, mortandades de peixes e vazamentos de minério que destruíram paisagens da região.

A sobreposição de informações desencontradas sobre fases e impactos do empreendimento dificulta o posicionamento dos atores que se colocam como contrários ou buscam, ao menos, minorar os impactos do projeto – o que reforça o problema dos riscos democráticos envolvidos nas tentativas de controle dos ritmos de conflitos políticos, como já levantado. O trecho do texto a seguir, reproduzido do site da Ação Franciscana de Ecologia e Solidariedade, sintetiza a dimensão do problema:

embora a Licença de Operação concedida em novembro de 2014 preveja atividades por 5 anos, a licença para o Step 2 foi concedida em outubro de 2016. Somente um ano depois, ainda dentro do período de 5 anos previsto na primeira licença, o processo de licenciamento do Step 3 foi iniciado. (2) O rebaixamento do lençol freático deveria iniciar-se no 5º ano de exploração mineira, mas o pedido de rebaixamento foi apresentado em Março de 2014, mesmo antes da concessão da Licença de Exploração. (3) Nos estudos iniciais foi argumentado que não haveria necessidade de novas áreas para pilhas de estéril. Mas o pedido do Step 3 diz que haverá mais pilha de estéril (Ação Franciscana de Ecologia e Solidariedade, 2017 10 10 Mineração em Conceição do Mato Dentro denunciada na assembleia da Anglo American em Londres , texto publicado em 25 abr. 2017. Disponível em: < http://www.falachico.org/2017/04/mineracao-em-conceicao-do-mato-dentro.html> . Acesso em: 15 out. 2020. ).

Criou-se, dessa forma, uma fragmentação do projeto da mina em vários subprojetos, que correm como se fossem questões distintas, conduzidos em temporalidades independentes, de forma a tumultuar e confundir o posicionamento daqueles que se colocam contrários a ele. Assim, a autorização de operação e ampliação do empreendimento, mesmo sem o cumprimento de diversas condicionantes, e a ausência de responsabilização à empresa marcam o processo, como atestam alguns depoimentos de moradores, dados em reunião da Câmara Técnica de Mineração do COPAM-MG, em dezembro de 2018:

Não paramos de nos surpreender com situações muito graves. Como pautar a Licença de Operação com o mineroduto embargado? [...] Estamos diante do capital externo influenciando a todos. O dinheiro tem que ser usado pra gente progredir, não para influenciar dessa forma (Morador de Conceição do Mato Dentro A, declaração na CMI, 21 dez. 2018).

O modal de transporte [do minério, o mineroduto] está suspenso [por falhas estruturais]. O que justifica a Licença de Operação? O que justifica a pressa da licença? (Morador de Conceição do Mato Dentro B, declaração na CMI, 21 dez. 2018).

O mineroduto está a 30 metros da minha residência. (...) Tem nascentes de água soterradas. Onde faço captação de água, essa água vai secar. (...) A empresa está passando o carro na frente dos bois (Morador de Conceição do Mato Dentro C, declaração na CMI, 21 dez. 2018).

Não está fácil morar no Sapo. Dinamites fazem as casas tremerem. Todas as casas têm rachaduras. A condicionante 39 não está sendo cumprida. A assessoria técnica independente deveria ter sido contratada há mais de 150 dias. Nunca fui contra a mineração, só peço o cumprimento das condicionantes (Morador de Conceição do Mato Dentro D, declaração na CMI, 21 dez. 2018).

O resultado desse tipo de ação é a fragmentação inclusive dos enquadramentos e posicionamentos possíveis dos grupos resistentes, dada a dificuldade de apreender a realidade com a qual os atores estão lidando, o que gera fraturas nos potenciais de reflexividade pública e na capacidade epistêmica que são gravíssimos para o quadro democrático.

Do ponto de vista da subjetividade dos atores envolvidos, a lentidão no reconhecimento dos afetados se soma ao temor diante dos riscos envolvidos com a operação do empreendimento e ao sofrimento diante de violências distribuídas temporalmente – ecoando Nixon (2011)Nixon, R. Slow violence and the environmentalism of the poor. Cambridge; London: Harvard University Press, 2011. . O quadro de violência lenta – em que aspectos temporais compõem as violações socioambientais – é visível no depoimento de um morador de Conceição do Mato Dentro com propriedade na área diretamente afetada pela barragem de rejeitos da mina do Sapo, da Anglo American. Merece atenção o fato de que o tempo para resolução de uma questão em favor da empresa é quase imediato, enquanto o do processamento das demandas dos cidadãos é quase indefinido. A situação de dor e sofrimento criada com o arrastamento e indefinição do processo é marcante no relato:

Quando começaram a construir a barragem em Conceição, a barragem de rejeito, duas pessoas que estavam no limite muito próximo da barragem foram retiradas. E aí, por causa das obras, da necessidade física das obras, a empresa os obrigou a sair com um prazo de 15 dias. Isso constou numa condicionante: “tais e tais pessoas, diante do risco iminente de vida, tiveram que sair em tantos dias”. Só que existiam pessoas na mesma linha e que não foram tiradas. Isso criou para nós uma certeza de que havia algo errado. [...] A barragem tem 80 metros de altura e tem 300 e tantos milhões de metros cúbicos – são oito, sete vezes maior que a Fundão. A dimensão é muito maior. [...] A minha propriedade é essa, é a primeira abaixo da barragem de rejeito. [...] Dentro da minha propriedade, duas pessoas residem a menos de 1,5 km da barragem. [...] Pessoas tão aqui, no leito do rio, quase. Desde 2010 as pessoas descrevem adoecimento, terror e medo da barragem. Por quê? Porque nós somos testemunhas oculares da ineficiência da empresa. [...] Um dique de contenção da Anglo rompeu, fez um estrago lá a olho visto. Abriu um buracão lá – a gente sabe que [de] um dique de contenção ela não dá conta. E a gente sabe que é uma empresa que não tem expertise em mineração desse porte 11 11 Antes da aquisição da mina em Conceição, a empresa operava com extração de metais preciosos, cujas minas são de menor porte, em comparação com as de extração de minério de ferro. . As fossas sépticas que eles foram obrigados a instalar em algumas casas, lá, não deram certo. Tudo que eles fizeram para as comunidades não deu certo. O poço [artesiano] que eles furaram não tem água suficiente. [...]. Morrem peixes inúmeras vezes na barragem de rejeito – isso já é sinal de que a barragem não está sob controle. Morre peixe! E quem tem conhecimento disso primeiro é a comunidade. É a comunidade que comunica com a empresa e com a Secretaria [de Meio Ambiente] que os peixes estão morrendo – eles não têm inclusive monitoramento. Você pode observar nas atas das reuniões: muito antes de Brumadinho, muito antes de Mariana, as pessoas descrevem terror, medo e adoecimento. Nós já tivemos, lá, várias pessoas que adoeceram. E teve pessoas que morreram no curso [do processo de luta em torno] da barragem e que não tem como não botar na conta. Morreu de processos de aceleramento... de doenças que... Sabe? Então... [silêncio] (Entrevista 6, morador de Conceição Mato Dentro, ago. 2019).

A antropóloga Ana Flávia Santos, que tem se dedicado à análise desses contextos, também vê o tempo (assim como os espaços onde se performam processos de participação para discussão de licenciamentos) se transformando em um instrumento de controle. Ao se referir ao processo de licenciamento do projeto Minas-Rio, ela e seus colaboradores apontam nessa direção de questionar os problemas envolvidos com os modelos de participação que têm sido colocados como saída ou como legitimadores de negociações dessas crises:

Se, de um lado, a participação é anunciada como fundamento estruturador do próprio modelo de governança, por outro, a dinâmica do tempo, na montagem da cena participativa, inclui dispositivos destinados a dificultar essa participação. O encadeamento de eventos, com o consequente encurtamento dos prazos, acelera o tempo, fragilizando a qualidade e a capacidade de participação dos sujeitos. (...) Por outro lado, o tempo pode ser dilatado, quando se prolongam indefinições, que simultaneamente sustentam e esgarçam expectativas. Ferreira (2015: 98/104) identifica, como um dos dispositivos de poder acionados pela Anglo American no licenciamento Minas-Rio, um contínuo e duradouro diálogo/negociação da empresa com as comunidades, a evidenciar uma violenta protelação na resolução dos problemas gerados pelo empreendimento (Santos, Ferreira e Penna, 2017, p. 212-213).

Nesse caminho, um elemento frequentemente levantado por ambientalistas envolvidos com o contexto de Conceição do Mato Dentro é que, aqui, ao contrário do caso Gandarela, a atuação do Ministério Público, por vezes, contribuiu para a protelação da resolução dos problemas, na medida em que, ao invés de vocalizar as demandas da sociedade civil, o órgão se colocou, muitas vezes, no papel de construtor e mediador de espaços de negociação entre as empresas e os afetados. Além do uso reiterado de Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) que, de exceção, transformaram-se em regra (não cumprida) em inúmeros conflitos ambientais, o órgão avançou na construção de espaços de negociação mais perenes. No caso Conceição do Mato Dentro, foi criada a REASA – Rede de Acompanhamento Socioambiental, da qual parte da sociedade civil declinou de participar por entender que as resoluções tomadas no fórum, ainda que considerassem a atuação desses atores, não tinham desdobramentos nas demais arenas, onde as questões de fato eram decididas pelo Estado. Parte dos que declinaram, inclusive, criariam a REAJA – Rede de Articulação e Justiça dos Atingidos do Projeto Minas-Rio, que traz uma provocação incisiva na própria sigla (Santos, Ferreira e Penna, 2017; Zucarelli, 2018Zucarelli, M. C. “A matemática da gestão e a alma lameada: os conflitos da governança no licenciamento do projeto de mineração Minas-Rio e no desastre da Samarco”. Tese de Doutorado em Antropologia. Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte (MG), 2018. ; Oliveira e Zucarelli, 2020Oliveira, R.; Zucarelli, M. C. “A gestão dos conflitos e seus efeitos políticos: apontamentos de pesquisa sobre mineração no Espinhaço, Minas Gerais”. Antropolítica: Revista Contemporânea de Antropologia, vol. 49, p. 42-71, 2020. ).

Considerando os atores diretamente envolvidos naqueles processos, é preciso ponderar como a demora para a resolução de determinadas questões apontadas pela sociedade, por um lado, e a velocidade com que decisões são tomadas a favor de atores do mercado, por outro, sugerem um esgarçamento da isonomia do Estado contemporâneo e dos seus processos de justificação pública, assim como as limitações de desenhos institucionais participativos implementados a partir do final do século 20 – principalmente quando a composição desses desenhos envolve atores do mercado.

Nesse sentido, com relação à teoria deliberativa, reforça-se a necessidade de ampliar discussões sobre como a desigualdade material dos atores pode afetar a adoção de procedimentos em contextos institucionalizados, com implicações para as formas com que o debate acontece na esfera pública de modo mais amplo e também para os cidadãos envolvidos diretamente com as questões em jogo. Ter poder econômico pode contribuir para alterar as regras procedimentais de funcionamento de uma arena, restringir a capacidade de debate no interior da mesma e, com isso, limitar o potencial de reverberação do debate público sobre uma temática em outras arenas de um eventual “sistema deliberativo”, dentre vários outros pontos 12 12 É preciso considerar que a temporalidade do mercado é muito distinta daquela da sociedade e das instituições públicas. Agradecemos a uma das pareceristas por realçar esse ponto. . Ao mesmo tempo é preciso ponderar a capacidade que, por via do conflito, mesmo em situações adversas, certos grupos têm de arregimentar seguidores e pressionar minimamente para que padrões de legitimidade democráticas sejam cumpridos, como se vê na situação do Gandarela e, de alguma forma, segue ocorrendo em Conceição do Mato Dentro.

Omissões, informações imprecisas e acelerações em Brumadinho pré-desastre

O último caso reforça as discussões sobre tentativa de controle do ritmo dos processos políticos por parte dos atores envolvidos – particularmente o Estado e o mercado. Assim como no contexto relativo à mina da Anglo American, no caso de Brumadinho, o que se observou no segundo semestre de 2018 foi uma aceleração, por parte do Estado, do processo de licenciamento ambiental da ampliação do complexo de Feijão/Jangada, da Vale, e uma tentativa de representantes da sociedade civil, tomados de surpresa, de paralisar o processo burocrático-discursivo a partir do uso de pedidos de vista na Câmara de Atividades Minerárias do Conselho Estadual de Política Ambiental e do acionamento da justiça – sem êxito, já que a ampliação do complexo foi aprovada pelo Conselho, em dezembro. Pouco antes do desastre de janeiro de 2019, em dezembro de 2018, a ampliação das atividades do complexo minerador em que a barragem se encontra passou por uma deliberação na Câmara Técnica de Atividades Minerárias. O projeto de expansão também envolvia intervenções de desmanche (descomissionamento) da barragem B1 — alternativa discutida internamente, pela mineradora, justamente pelo fato de a estrutura apresentar riscos caso permanecesse de pé, conforme as investigações da Polícia Federal sobre o rompimento ( Ragazzi e Rocha, 2019Ragazzi, L.; Rocha, M. Brumadinho: a engenharia de um crime. Belo Horizonte: Letramento, 2019. ). Na reunião de análise do processo na Câmara Técnica, apenas uma conselheira, Maria Teresa Corujo, representante do Fórum Nacional das Entidades da Sociedade Civil nos Comitês de Bacia Hidrográfica (Fonasc) e ativista do Movimento Pelas Serras e Águas de Minas, votou contrariamente ao projeto de expansão, e um representante do Ibama se absteve.

Como atores da sociedade civil da região de Brumadinho gostam de reforçar, a ruptura da barragem foi o ápice de uma série de violações de direitos que ocorriam nas comunidades do entorno há décadas e que haviam sido acentuadas nos últimos dez anos. Na comunidade de Jangada, por exemplo, desde 2011, havia conflitos sobre o acesso à água de qualidade pelos moradores, já que a nascente que abastece mais de 150 casas se encontra no interior da área de propriedade da Vale. A comunidade pleiteava interlocução com a empresa para questionar os problemas enfrentados – inicialmente, a água passou a chegar barrenta às casas –, mas não conseguia estabelecer canais de diálogo. Isso só se deu quando, durante outro processo de expansão do complexo de Jangada, o COPAM determinou que, dentre as medidas compensatórias do projeto, a empresa criasse um serviço de diálogo com a comunidade. Reuniões ocorriam bimestralmente na sede administrativa da Vale em Brumadinho – a mesma que foi destruída pela ruptura da barragem em janeiro de 2019. Os encontros com a presença de representantes da comunidade de Jangada duraram cerca de dois anos.

Nossa captação de água, de 150 casas... A água é nossa, mas nasce dentro da propriedade da empresa. Aí, de repente, chegou uma água barrenta em nossas casas. Isso em 2011. Em 2011 chega uma água marrom em nossas torneiras. A gente já tava num processo de reuniões com a comunidade, resolvemos fazer um ato, e fizemos o Dia da Alegria, que foi um marco, quando nasce o Movimento Águas e Serras de Casa Branca, que é um movimento que enfrenta a Vale, historicamente, desde 2011. Essa água marrom chegou porque eles estavam fazendo sondagens para expandir a mina da Jangada. Quando isso aconteceu, a gente exigiu um espaço de relacionamento. “Como assim, vocês vão fazer sondagem, vai chegar água barrenta nas torneiras e você não comunica nada com os vizinhos?” [...] ... Nós protocolamos [pedidos de diálogo] no Ministério Público, COPAM, Comitê de bacia do Paraopeba, Câmara Municipal de Brumadinho... Ao longo desse caminho a gente fez mil e uma coisas... (Entrevista 16, morador de Brumadinho, ago. 2019).

O espaço de relacionamento, no entanto, era visto como hostil pelos representantes da comunidade, que não podiam gravar os encontros, nem levar os documentos e apresentações feitas pela empresa. Principalmente, tinham seus questionamentos tolhidos a partir de uma suposta incapacidade dos moradores em compreender as dimensões técnicas da mina – algo também relatado nos outros casos de conflitos ambientais. “‘Ah, menina (...) você não é técnica, você não sabe o que está falando’. ‘Você está muito preocupada com a nascente, ela não vai secar! Ela vai desaparecer temporariamente. Daqui a 40 anos, vai voltar’. Cara, a gente indo lá dentro da empresa e ouvindo esse tipo de narrativa” (Entrevista 16, morador de Brumadinho, ago. 2019). A avaliação é de que as reuniões haviam se tornado espaços de legitimação de supostas ações de reparação da empresa, onde questões substantivas eram tolhidas ou omitidas de apresentação. A famosa “perda de tempo”. Tudo isso acabou levando à saída de parte dos moradores dos encontros.

Essa postura de omissão de informações relevantes, enquanto questões menores eram apresentadas como ações de responsabilidade social – cursos de confecção de tapetes, informações sobre investimentos no museu de Inhotim etc. –, tornou-se mais forte quando processos de nova expansão do complexo Jangada/Feijão passaram a ser considerados pela empresa. A relação entre tempo e informação se revela fundamental para compreender o caso. Houve uma reunião fechada de apresentação de uma versão do projeto a políticos locais. Um vereador vazou a informação para os moradores de Jangada que, ao questionarem a empresa, receberam a informação de que o projeto inexistia. A documentação do licenciamento, no entanto, encontrava-se protocolada nos órgãos estaduais de meio ambiente. Vê-se, dessa forma, como atores privilegiados jogam com o controle informacional como uma ferramenta importante no controle do tempo. A omissão de informação atrasa o início de reações possíveis e dificulta a compreensão do contexto por parte de seus potenciais adversários.

Com a informação de que a expansão estava em jogo, conseguiu-se a convocação de uma audiência pública para a apresentação da expansão do projeto. A audiência foi marcada para 2015, mas ocorreu o rompimento da barragem da Samarco, em Mariana, no Rio Doce, e o encontro – e o projeto – foram suspensos. A audiência só viria a ocorrer em 2017, mas o projeto ainda precisava ser aprovado pela Câmara de Atividades Minerárias do Copam para ir adiante. Ao final de 2018, a avaliação da sociedade civil era de que o projeto seria analisado em 2019, até porque havia transição de gestão no governo estadual, após a eleição para governador. Mas uma reunião extraordinária, de última hora, foi convocada na Câmara Técnica de Atividades Minerárias para o dia 11 de dezembro, no apagar das luzes, para votar projetos de mineração considerados prioritários pelo governo. Outra, para o dia 21 de dezembro. Os conselheiros tiveram um prazo de quatro dias para analisar os processos da primeira reunião. Em uma delas, a expansão de Jangada/Feijão, que envolvia ampliação da profundidade da cava – afetando ainda mais o acesso à água das comunidades – era um dos pontos em jogo. E esse foi o projeto aprovado com apenas um voto contrário. Como já dito, a continuidade das operações das minas previa intervenções na barragem que rompeu em janeiro de 2019, uma nova pilha de estéril, a abertura de uma estrada nova, além da ampliação da cava. “Isso, para nós, era um assassinato. Não imediato, mas de médio prazo” (Entrevista 16, ago. 2019), diz uma moradora, em diálogo direto com a ideia de violência lenta de Nixon (2011)Nixon, R. Slow violence and the environmentalism of the poor. Cambridge; London: Harvard University Press, 2011. .

Essa fala, de alguma forma aponta para como, em determinadas circunstâncias, processos de estiramento ou aceleração acabam convergindo para dimensões subjetivas – o “assassinato” remete às vidas perdidas no desastre ocorrido na barragem em janeiro de 2019, mas de alguma forma também atualiza o desgaste embutido no conflito que se arrastava nos anos precedentes.

Considerações finais

Os casos analisados evidenciam a centralidade de dinâmicas temporais nas disputas políticas em torno de questões conflitivas. Eles mostram como o tempo, mais que um recurso fixo, que se tem ou que não se tem, é objeto de processos de significação que atravessam centralmente a possibilidade de discussão de problemas públicos, como aqueles relativos à mineração. Considerar a centralidade do tempo na análise deliberativa de processos políticos, portanto, requer ir além da dimensão duracional do tempo e considerar a sobreposição e o deslocamento entre diferentes temporalidades e o choque das construções temporais. A luta em torno do ritmo do conflito marca o passo do que pode ou não pode ser discutido, cadenciando processos de inclusão e exclusão tanto no encurtamento do tempo como na sua expansão rarefeita.

O primeiro caso explorado, sobre o projeto da mina Apolo na Serra do Gandarela, evidencia essa luta rítmica com clareza. Diferentes atores buscam acelerar ou retardar a duração de distintas fases do processo de discussão política necessária para a aprovação da mina ou a instauração de uma unidade de conservação. Aproveitando momentos específicos e o contexto político-discursivo mais amplo, um mesmo ator político pode buscar aumentar a velocidade de uma discussão ou interrompê-la e adiá-la, até que haja mudanças no contexto de modo a viabilizar um curso diferente de ação.

O segundo caso, acerca do complexo mina-mineroduto da Anglo American/MMX, evidencia, além da disputa rítmica, como a fragmentação de um projeto pode dificultar o acompanhamento, por outros atores, de diferentes temporalidades, gerando uma dispersão que inviabiliza a compreensão mais ampla do processo e a discussão pública sobre ele. Ele mostra ainda, de forma bastante clara, que, se a aceleração do tempo pode impedir a participação efetiva da sociedade civil, sua dilatação gera indefinições e custos que também podem gerar exclusões discursivas e políticas.

Por fim, o terceiro caso, sobre a ampliação do complexo Feijão/Jangada, joga luz sobre um dos mecanismos que faz a disputa por temporalidades ser tão crucial. Ao evidenciar como o controle informacional é estrategicamente utilizado, o caso demonstra que as assimetrias informacionais podem ser alimentadas pela capacidade que certos atores têm de controlar o ritmo temporal de discussões políticas. A omissão de informações afeta não apenas a capacidade de participação qualificada, mas pode retardar as reações a uma certa ação e dificultar mobilizações efetivas. Se a fragmentação processual e a dilatação temporal podem demandar ações hercúleas e se tornar excludentes, segue muito comum a estratégia de aprovação de projetos sob o signo da urgência, sem que haja tempo para que polêmicas se instaurem e resistências se estruturem.

O artigo argumenta, em síntese, que não há relação direta e simples entre mais tempo de discussão e maior inclusão política. Deliberacionistas precisam adotar um olhar mais complexo, que perceba a dinâmica de deslocamento de múltiplas temporalidades, as reconstruções simbólicas de passado, presente e futuro, bem como a disputa de ritmos que cadenciam um processo de tematização pública de questões. Se a agenda deliberacionista, tão central para enfrentar os desafios colocados à democracia no mundo contemporâneo, avançou na atenção à relevância de múltiplas arenas para compreender debates públicos, ainda fazem-se necessários muitos passos no reconhecimento dessas múltiplas temporalidades.

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  • Zucarelli, M. C. “A matemática da gestão e a alma lameada: os conflitos da governança no licenciamento do projeto de mineração Minas-Rio e no desastre da Samarco”. Tese de Doutorado em Antropologia. Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte (MG), 2018.
  • 1
    Versões iniciais deste artigo foram apresentadas no GT Mídia e Política da Anpocs, em outubro de 2020, e em dois seminários do Centre for Deliberative Democracy and Global Governance, na Universidade de Canberra, em fevereiro e maio de 2020. Agradecemos a Jonathan Pickering, Lucy Oliveira, Viktor Chagas, Raquel Oliveira, Gustavo Gazzinelli e Sandoval Filho por comentários. Agradecemos também às sugestões e críticas dos pareceristas anônimos.
  • 4
    Nos referimos ao Projeto de Lei Mar de Lama Nunca Mais, de iniciativa popular, apresentado após a ruptura da barragem da Samarco em Mariana, ocorrida em 2015, e votado apenas após a ruptura da barragem da Vale em Brumadinho, em 2019.
  • 5
    Somos gratos a uma das pareceristas anônimas por pontuar essa pertinente questão.
  • 6
    Além da dimensão temporal, a pesquisa busca analisar a formação de constrangimentos ao debate público sobre mineração envolvendo a atuação da imprensa, e a partir de configurações de espaços de participação institucionalizadas e de instituições do Estado que lidam com a questão.
  • 7
    Original em inglês. Tradução nossa.
  • 8
    Para comparação, a mina de Brucutu, em São Gonçalo do Rio Abaixo (MG), considerada uma das maiores da empresa em operação no estado, tem extração média de cerca de 30 milhões de toneladas de minério por ano.
  • 9
    Avaliação importante sobre a articulação entre ambientalistas e Ministério Público foi feita por Losekann: “a ação civil pública e as denúncias ao MP são parte de uma cadeia de ações estratégicas da sociedade civil no que se refere às questões ambientais brasileiras. Essas estratégias envolvem a articulação de instrumentos institucionais existentes e a articulação da ação interpessoal entre sujeitos posicionados nas diversas instituições do Estado e na sociedade. [...] movimentos se apropriam de mecanismos institucionais, e estes reforçam as ações dos movimentos, criando ciclos que viabilizam mudanças” (Losekann, 2013, p. 342).
  • 10
    Mineração em Conceição do Mato Dentro denunciada na assembleia da Anglo American em Londres , texto publicado em 25 abr. 2017. Disponível em: < http://www.falachico.org/2017/04/mineracao-em-conceicao-do-mato-dentro.html> . Acesso em: 15 out. 2020.
  • 11
    Antes da aquisição da mina em Conceição, a empresa operava com extração de metais preciosos, cujas minas são de menor porte, em comparação com as de extração de minério de ferro.
  • 12
    É preciso considerar que a temporalidade do mercado é muito distinta daquela da sociedade e das instituições públicas. Agradecemos a uma das pareceristas por realçar esse ponto.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Out 2022
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2022

Histórico

  • Recebido
    6 Mar 2021
  • Aceito
    9 Jun 2022
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