Acessibilidade / Reportar erro

Conflito e improvisação por Design: a metáfora do Repente

Conflict and improvisation by design: the metaphor of Repente

Resumos

A metáfora do Jazz foi introduzida nos Estudos Organizacionais com o objetivo de estimular a adoção de práticas que levassem a um maior grau de improvisação. Essa apropriação foi feita assumindo-se um alto grau de cooperação, em oposição a organizações altamente formalizadas onde as rotinas se apresentariam como rígidas e geradoras de inércia. Esse artigo se apropria dessa literatura, buscando em primeiro lugar ampliar a ideia de rotina organizacional, enfatizando a dimensão interpretacionista, salientando o aspecto conflitivo e finalmente revendo o valor heurístico da dicotomia entre "colapso do sensemaking" e sensemaking. Essa reapropriação nos permite preparar o terreno para a introdução e análise da metáfora do Repente e subsequente comparação com a metáfora do Jazz. Buscamos mostrar como as estruturas do Repente permitem a improvisação e ao mesmo tempo protegem os espaços de cada oponente. Essa configuração é importante quando toma-se o conflito como vetor preponderante na improvisação.

Rotinas organizacionais; improvisação; sensemaking; conflito; Repente


The Jazz metaphor was introduced in Organizational Studies aiming to encourage the adoption of practices that could lead to a greater degree of improvisation. This appropriation was made assuming a high degree of cooperation, as opposed to highly formalized organizations where routines are taken as rigid routines, source of inertia. This article appropriates from this literature, seeking first to extend the idea of organizational routines, emphasizing the interpretationist dimension, pointing out the role of conflict and finally reviewing the heuristic value of the dichotomy between "collapse of sensemaking" and "sensemaking". This reappropriation allows us to prepare the ground for the introduction and analysis of the Repente metaphor and subsequently to compare it with the metaphor of Jazz. We attempt to show how the structures of Repente allow improvisation while protecting each opponent's space. This setting is important when one takes conflict as the predominant vector for improvisation.

Organizational routines; improvisation; sensemaking; conflict; Repente


Conflito e improvisação por Design: a metáfora do Repente

Charles KirschbaumI; Cristina SakamotoII; Flávio C. VasconcelosIII

IProfessor Assistente no Insper Instituto de Ensino e Pesquisa/Pesquisador do CEM-Cebrap Doutor em Administração de Empresas, Fundação Getulio Vargas (FGV) Pós-doutorado em Sociologia Econômica, Columbia University. CharlesK1@insper.edu.br

IIDoutoranda em Sociologia, The University of Chicago. Bolsista CAPES - Proc. nº 0841/12-1 cysakamoto@uchicago.edu

IIIProfessor da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getulio Vargas (EBAPE/FGV) Doutor em Administração, Ecole dês Hautes Etudes Commerciales de Paris (HEC). flavio.vasconcelos@fgv.br

RESUMO

A metáfora do Jazz foi introduzida nos Estudos Organizacionais com o objetivo de estimular a adoção de práticas que levassem a um maior grau de improvisação. Essa apropriação foi feita assumindo-se um alto grau de cooperação, em oposição a organizações altamente formalizadas onde as rotinas se apresentariam como rígidas e geradoras de inércia. Esse artigo se apropria dessa literatura, buscando em primeiro lugar ampliar a ideia de rotina organizacional, enfatizando a dimensão interpretacionista, salientando o aspecto conflitivo e finalmente revendo o valor heurístico da dicotomia entre "colapso do sensemaking" e sensemaking. Essa reapropriação nos permite preparar o terreno para a introdução e análise da metáfora do Repente e subsequente comparação com a metáfora do Jazz. Buscamos mostrar como as estruturas do Repente permitem a improvisação e ao mesmo tempo protegem os espaços de cada oponente. Essa configuração é importante quando toma-se o conflito como vetor preponderante na improvisação.

Palavras-chave: Rotinas organizacionais, improvisação, sensemaking, conflito, Repente

ABSTRACT

The Jazz metaphor was introduced in Organizational Studies aiming to encourage the adoption of practices that could lead to a greater degree of improvisation. This appropriation was made assuming a high degree of cooperation, as opposed to highly formalized organizations where routines are taken as rigid routines, source of inertia. This article appropriates from this literature, seeking first to extend the idea of organizational routines, emphasizing the interpretationist dimension, pointing out the role of conflict and finally reviewing the heuristic value of the dichotomy between "collapse of sensemaking" and "sensemaking". This reappropriation allows us to prepare the ground for the introduction and analysis of the Repente metaphor and subsequently to compare it with the metaphor of Jazz. We attempt to show how the structures of Repente allow improvisation while protecting each opponent's space. This setting is important when one takes conflict as the predominant vector for improvisation.

Key-words: Organizational routines, improvisation, sensemaking, conflict, Repente

Introdução

A metáfora do "Jazz-como-improvisação" foi introduzida nos estudos organizacionais com o intuito de reforçar a contraposição ao modelo burocrático. De forma caricatural, poderíamos sintetizar o argumento da seguinte forma: a) as organizações (principalmente as burocráticas) desenvolvem rotinas rígidas, b) essas rotinas são postas em dúvida apenas quando há um "colapso do sensemaking", c) o que leva à necessidade de improvisação e recriação das rotinas. Em contraste, d) os músicos de Jazz se engajam na improvisação sem que haja necessariamente um "colapso do sensemaking" (como por exemplo, um grave erro de um músico), e essas práticas poderiam ser traduzidas para a realidade organizacional. Assume-se que as bandas de Jazz sejam e) harmônicas, democráticas, e informais (talvez um revival da metáfora de "organização orgânica") e com isso a improvisação transcorre de forma esteticamente agradável. No decorrer desse artigo, retomaremos a esses pressupostos.

No lugar do entendimento convencional das rotinas como "rígidas e inertes", ofereceremos uma visão mais flexível das rotinas ao explicitar suas dimensões ostensiva e performativa. Se as rotinas, mesmo em contextos mais burocratizados, não são plenamente rígidas, é possível vislumbrar uma dinâmica de mudanças nas rotinas que prescinde do elemento de "colapso de sensemaking". Se o "Jazz" aparecera na literatura como "bala-de-prata" para a promoção da improvisação espontânea, tentaremos mostrar que a improvisação pode ocorrer de forma deliberada em contextos altamente estruturados. Finalmente, ao retratar a banda de Jazz como um grupo harmônico, tememos que o papel conflitivo da improvisação não ganhe a ênfase necessária.

Em comparação com o Jazz, caracterizado como o lócus social onde há predominância de interações informais e coesão grupal e o conflito é tomado como secundário, sugerimos o estudo do Repente, que por sua vez evidencia o conflito como um elemento central, e à existência de rotinas que demarcam o território dos atores envolvidos, sugerindo maior formalização. Mostraremos que o Repente nos ajuda a pensar as metáforas musicais como "configurações" (RAGIN; BECKER, 1992): na medida em que encontremos nos diversos gêneros musicais combinações distintas das dimensões críticas, podemos tornar a comparação entre a metáfora e as organizações um exercício de geração de novos conhecimentos ao evidenciar tanto na metáfora quanto na organização os mecanismos (análogos ou alternativos) que dão coerência à configuração.

Especificamente no estudo do Repente, mostraremos como o papel central do conflito está ligado à improvisação e é suportado pela estrutura de versos (análogo aos processos organizacionais). Essa estrutura ao mesmo tempo protege o espaço de cada músico, mas permite a improvisação temática e obriga as partes a engajarem-se em diálogo.

A centralidade das rotinas organizacionais

Um dos conceitos centrais para esse artigo é a centralidade das rotinas para entendermos o comportamento organizacional. Rotinas podem ser definidas como atividades repetitivas, cujos padrões podem ser reconhecidos e associados a ações interdependentes, levadas a cabo por múltiplos atores (FELDMAN; PENTLAND, 2003; PENTLAND, 2010). Recentemente, agregou-se a ideia de que rotinas também são associadas a predisposições adquiridas através de atividade passada e que podem ser reativadas se evocadas pelo estímulo adequado. (BECKER; ZIRPOLI, 2008)

Tradicionalmente, a literatura assume as rotinas como estáveis e associadas a um baixo engajamento cognitivo. (REYNAUD, 2005) March e Simon (1958) identificaram nas rotinas uma das fontes de redução de esforço cognitivo, na medida em que permitiam reduzir os esforços de busca de soluções, assim como abreviar o tempo dedicado à deliberação. As rotinas também são importantes para reduzir incertezas (BECKER; KNUDSEN, 2005), e podem ser o resultado de "trégua" entre partes (por exemplo, de departamentos) em conflito. (NELSON; WINTER, 1982; ANTONELLO; GODOY, 2009; PENTLAND, 2010)

Se partirmos do pressuposto que as rotinas estabilizam a interação interpessoal, é coerente assumir que os indivíduos terão pouco estímulo para modificá-las, ganhando um alto grau de estabilidade. Sob esse ponto de vista, como poderíamos entender a mudança nas rotinas? Cyert e March (1963) elaboraram um modelo adaptativo, localizando em "meta-rotinas" a fonte da mudança nas rotinas respectivamente subordinadas (ver também BECKER et al., 2005).1 1 . Feldman e Pentland (2003) identificam a ideia de "meta-rotina" de Cyert e March como antecessora a ideia atual de "capacidades dinâmicas". Uma outra forma de mudança é o estímulo dos gestores aos subordinados de desempenhar a mesma rotina de forma distinta. (ADLER; GOLDOFTAS; LEVINE, 1999) No outro extremo do espectro, pesquisadores alinhados com a Ecologia Organizacional enxergam nas rotinas uma fonte de inércia organizacional que é rompido apenas com um choque externo capaz de forçar a organização a uma reorganização mais profunda. Vale ressaltar que nessas abordagens as rotinas são sempre vistas de forma reificada - elas existem de forma objetiva e inequívoca, seja como fonte de inércia, ou como subproduto da atividade organizacional.

Em contraste, propostas recentes vêm reexaminando o conceito de rotina com a finalidade de reinterpretar as rotinas como elementos intermediários entre "estrutura" e "agência". (BECKER, 2004) Pentland e Feldman (2005) propuseram que o estudo das rotinas deve cobrir sempre duas dimensões, a "ostensiva" e a "performativa". A dimensão ostensiva se refere ao aspecto explícito, verbal e formalizável, e também abstrato das rotinas. Em contraste, o aspecto "performativo" leva em consideração que as rotinas são concretizadas na medida em que são efetivamente desempenhadas através de práticas.

Ao propor a existência dessas duas dimensões, é possível verificar que a rotina em sua dimensão cognitiva não ganha correspondência unívoca nas práticas, como se as práticas pudessem ser determinadas pelas rotinas. Ao contrário: a sustentação da rotina pode dar-se através do desempenho de práticas concretas que fogem do reconhecimento consciente da gestão (BECKER; ZIRPOLI, 2008), ao mesmo tempo em que não é justo fixar o aspecto ostensivo como antecedente ao aspecto performativo. O último pode influenciar o primeiro, na medida em que a codificação de práticas em rotinas pode ser relacionada como um esforço estruturante. (GIDDENS, 1986)

É importante salientar que é possível estabelecer vínculos diretos entre ambas as dimensões com abordagens interpretativistas à vida organizacional. Em oposição a uma leitura objetivista das rotinas, entende-se que seu aspecto ostensivo está sempre aberto para reinterpretações e não pode ser tomado como uma entidade unificada. (PENTLAND; FELDMAN, 2005) Além disso, a especificação da dimensão ostensiva nunca é exaustiva, sempre permitindo que as respectivas práticas variem, satisfazendo de forma diversa as lacunas deixadas pela dimensão formal. (BECKER, 2004; COHEN, 2007) Traduzindo essa ideia para as metáforas musicais, isso corresponde à evidência de que mesmo na execução da música erudita, onde poderíamos conceber a partitura como exaustiva em suas instruções, há liberdade de interpretação.

Além disso, a interpretação das rotinas também depende da experiência passada e da leitura da situação. Dessa forma, há uma relação forte entre sensemaking e a abordagem interpretativista das rotinas. (REYNAUD, 2005; COHEN, 2007) Se a atividade ligada às rotinas depende de interpretação da dimensão ostensiva e da tradução dessa dimensão em prática, alcançando através de esforço uma adequação aceitável entre as duas dimensões, há pelo menos três formas em que o sensemaking é um elemento preponderante na constituição das rotinas: na interpretação do aspecto ostensivo, na interpretação da situação e na reapropriação de experiências passadas. De forma correlata, é possível pensar no sensemaking organizacional como fortemente influenciado pelas rotinas, na medida em que as rotinas influenciam a atenção organizacional.

Se as rotinas não são simplesmente tidas como dadas e facilmente reproduzidas, mas que são suscetíveis à interpretação e dependem de esforço para o alcance de níveis aceitáveis de desempenho em situações diversas, podemos admitir que haja uma fonte endógena de mudança nas rotinas. (NELSON; WINTER, 1982; BECKER et al., 2005) Como corolário da mudança que ocorre a cada vez que uma rotina é performada, sempre há um elemento de improvisação. (JOAS, 1996; PENTLAND; FELDMAN, 2005)

Para o nosso estudo, é importante também enfatizar o aspecto coletivo e relacional das rotinas. (PENTLAND, 2010) Como salientado acima, as rotinas por definição são um fenômeno coletivo, interpessoal, enquanto que as atividades que se restringem aos indivíduos sem serem compartilhadas ou sem aspectos interpessoais são correntemente definidas como "hábitos individuais". A possibilidade de compartilhamento de rotinas torna-as passíveis de serem distribuídas nas organizações. (BECKER, 2004) De forma correlata, como adquirem um status de coordenação interpessoal, também exigem um mínimo de consenso, exigindo o sensemaking coletivo e sustentação de interpretações intersubjetivas. Em situações onde há pressão para o desempenho de rotinas (por exemplo, tempo exíguo para a realização de tarefas), é possível que haja menor predisposição dos indivíduos para engajarem-se em sensemaking coletivo, levando a possível rompimento na rotina. (WEICK, 1993; BECKER, 2004) Se a "trégua" entre os indivíduos envolvidos já não é mais sustentável, o conflito interpessoal pode levar à remoção da sustentação social da rotina (ZBARACKI; BERGEN, 2010)

A partir desses elementos, é possível sugerir um mecanismo dinâmico de mudança das rotinas, como resultado da interação entre indivíduos e grupos dentro das organizações. Na medida em que rotinas são relacionais, elas sempre dependem do status intersubjetivo e, portanto, se sustentam em um acordo (tácito ou explícito). (BECKER et al., 2005) Essa mudança pode ocorrer ainda que seu aspecto ostensivo se mantenha inalterado. Eventualmente o aspecto ostensivo também poderá ser alterado para dar conta das modificações nas práticas concretas dos grupos engajados na rotina. Essa dinâmica pode ser descrita como um mecanismo coevolucionário de mudança de rotinas através de interações intraorganizacionais. (NELSON; WINTER, 1982; BECKER, 2004)

Sensemaking, incerteza e improvisação

Como apontamos acima, torna-se importante recuperar o conceito de "sensemaking" proposto por Weick e sua relação com as rotinas e a improvisação. Tentaremos mostrar uma possível bifurcação na apreensão desse conceito de Weick. Por um lado, há possibilidade de utilização desse conceito a partir de uma perspectiva "realista", onde a ação social presume a existência de uma realidade objetiva e plenamente compartilhada. Em contraste, enfatizamos a apreensão interpretacionista, onde a produção de sentido e negociação do entendimento da realidade são dimensões imbricadas na ação social. Esse deslocamento nos levará a uma releitura da ideia de "colapso do sensemaking" e maior nuance da ideia de improvisação.

O conceito de sensemaking proposto por Weick (1998) está intimamente ligado à produção de sentido: "Sensemaking envolve transformar circunstâncias em uma situação que possa ser compreendido explicitamente em palavras e serve como trampolim para a ação" (WEICK, 1998, p. 2, tradução nossa)2 2 . "Sensemaking involves turning circumstances into a situation that is comprehended explicitly in words and that serves as a springboard into action." Sensemaking é transformar em palavras a forma com que a organização percebe o seu ambiente: "Nós sentimos um entusiasmo conjunto ao reestabelecer o sensemaking ao torna-lo mais voltado ao futuro, mais macro, mais vinculado ao organizar"3 3 . "We sense joint enthusiasm to restate sensemaking in ways that makes it more future oriented, more action oriented, more macro, more closely tied to organizing." (WEICK, 1998, p. 2, tradução nossa)

É o "dar sentido" às ações das pessoas para os fins da organização e o entendimento do grupo à forma da realização de suas tarefas. De acordo com Weick (1998), o sensemaking se faz mais explícito quando há um evento inesperado na organização e que poucas pessoas, ou ninguém, tem conhecimento anterior de referência para lidar com essa situação imediatamente; portanto, naquele momento, a organização será obrigada a aprender com esta nova situação. O sensemaking tem as seguintes características (WEICK, 1998): a) organiza o fluxo de experiência, dando coerência aos eventos percebidos; b) produz e renova as categorias cognitivas, organizando os eventos percebidos em esquemas cognitivos compartilhados, c) sustenta e é produzido de forma concomitante à ação social: "Se a primeira pergunta do sensemaking é 'O que está acontecendo aqui?', a segunda questão igualmente importante é 'O que faço em seguida?'".4 4 . "If the first question of sensemaking is 'What's going on here?', the second equally important question is, 'What do I do next?'." (WEICK, 1998, p. 13, tradução nossa)

Um elemento central na ideia de sensemaking é o papel da incerteza. Iniciemos a análise dessa relação a partir de um "experimento mental", propondo uma situação fictícia onde inexiste a incerteza. Nessa situação, a produção de sentido seria trivial: todas as informações relevantes seriam plenamente compartilhadas, coletivamente interpretadas da mesma forma, eliminando, portanto, o elemento subjetivo e intersubjetivo da ação humana. Nesse sentido, poderíamos sugerir a articulação dessa ideia com as elaborações teóricas recentes nos estudos de rotinas organizacionais. Se as situações pudessem ser concebidas como destituídas de incerteza e o elemento intersubjetivo concebido como trivial, poderíamos admitir como corolário uma visão das rotinas organizacionais limitada à dimensão "ostensiva" descrita acima.

No entanto, é ao defrontar-se com a incerteza, intrínseca a toda ação humana, que a produção de sentido se faz como uma atividade não trivial. Essa ideia se desdobra em duas implicações importantes para o nosso entendimento da ação social dentro das organizações. Em primeiro lugar, podemos entender a dimensão performativa das rotinas como um corolário da existência intrínseca da incerteza, em graus variados, na experiência individual e coletiva.

Entretanto, é possível que invertamos os termos da equação: ao darmos a devida ênfase à dimensão agêntica e colocarmos como pressuposto a necessidade e direito de todos indivíduos em produzir sentido para aquilo que fazem, isso nos leva à possibilidade que os indivíduos, de forma deliberada introduzirão e tolerarão incerteza em suas situações cotidianas para que a partir disso possam mobilizar sua capacidade de geração de sentido. Em outras palavras: sem incerteza, não há oportunidade de recriação de sentido, o que nos obriga a abandonar o pressuposto que os indivíduos conseguem eliminar completamente a incerteza de seu dia a dia.

A partir desse posicionamento, podemos fornecer o marco teórico para a improvisação dentro das organizações. Improvisação pode ser definida como a distância entre o planejamento e a execução (VENDELO, 2009), o que nesse sentido, define-se com três características importantes: a) assume um objetivo (não é apenas uma atividade aleatória), b) é extemporânea (não há como planejar como a improvisação irá ocorrer) e c) ocorre durante a ação. (CUNHA; CUNHA; KAMOCHE, 1999)

A improvisação pode ser concebida como a ação social que permite o desatarrachamento (uncoupling) da dimensão performativa e ostensiva das rotinas, e pode ser motivada por eventos "exógenos" como choques, por questões de complexidade sistêmica, por falhas e variações individuais, mas também por ação deliberada, seja do indivíduo, de grupos, ou por design organizacional.

Como mostramos acima, o elemento performativo pode levar a variações nas práticas concretas, sem levar a modificações na parte ostensiva. Dessa forma, a improvisação desencadeada pelos fatores listados acima poderá levar a variações nas atividades, sem com isso promover uma desestabilização da dimensão ostensiva das rotinas, o que permite a manutenção da coordenação, dado que os atores entendem que as modificações introduzidas não implicam em um rompimento dos elementos ostensivos compartilhados, essenciais para a coordenação.

Na próxima sessão, recuperaremos a relação entre improvisação e "colapso" do sensemaking. Argumentaremos que embora essa relação tenha sido útil como estratégia heurística para explorar a relação entre incerteza, sensemaking e improvisação, ela traz o risco de uma ênfase exagerada em casos limítrofes.

Deslocando a centralidade do "colapso do sensemaking"

Karl Weick utilizou uma série de casos limítrofes de "perda de sentido" (colapso do sensemaking) com o objetivo de evidenciar como se dá a ação social e a reconstrução do sentido quando categorias, esquemas cognitivos, narrativas, relações de causa e efeito, procedimentos sedimentados em processos formais, enfim, quando elementos que de forma ampla podemos nos referir como "sentido usualmente evocado" parecem não surtir efeito. (WEICK, 1993, 2010) Traduzindo para o arcabouço teórico sobre rotinas que elaboramos anteriormente, essas situações limítrofes levam os atores a suspenderem a validade da dimensão ostensiva das rotinas. Nessas situações, a improvisação é motivada por "choques externos" ou rupturas internas radicais. De forma correlata, a recriação de sentido pode vir a modificar ou adaptar de forma extensa esses elementos ostensivos.

Essa estratégia analítica, no entanto, arrisca dar uma ênfase exagerada às situações limítrofes. Em outras palavras: a necessidade lógica de enfatizar o papel da incerteza na produção do sentido leva os estudantes de organizações a coletar e analisar os casos onde há uma perda radical de sentido. De forma correlata, retira-se a ênfase sobre situações que seriam classificadas pelo pesquisador como "normais" e, portanto destituídas do glamour necessário para nossa atenção. Nesse sentido, é interessante que o exemplo do desastre de Mann Gulch envolvesse bombeiros que não se conheciam e que dependiam de convenções e rotinas altamente burocratizadas para se coordenarem (WEICK, 1993) - o que reforça a apreensão em relação à seleção enviesada de situações limites.

Quando damos ênfase exagerada às situações limítrofes, arriscamos entender a relação entre a incerteza e a ação social de forma dicotômica: a incerteza é experimentada como plena (collapse) ou é tomada como completamente eliminada (taken-for-grantedness). O mesmo problema se espraia nos conceitos conexos: as rotinas existem como objetivas e dadas, ou simplesmente não dão conta dos eventos percebidos. E, sobretudo, o ator social é concebido como "realista", na medida em que acredita e exige uma realidade externa e objetiva para agir. Ainda que o próprio pesquisador saiba que esse posicionamento epistemológico não é sustentável, cabe a indagação quanto à necessidade de conceber o ator social dessa forma. Embora não acreditemos que tenha sido essa a intenção original de Karl Weick, entendemos que essa pode ser uma das formas de apreensão de sua ideia de sensemaking, rotinas, e "colapso" do sensemaking quando se privilegia o material empírico coletado a partir de desastres, acidentes e outras situações limítrofes.

Apresentação e reapropiação da metáfora da improvisação no Jazz

A situação distópica do colapso do sensemaking parece depender de uma visão de rotinas rígidas, onde a dimensão "ostensiva" e "performática" estão fortemente atarrachadas (tightly coupled), talvez próprio de um contexto altamente formalizado (por exemplo, CROZIER, 1963). Dessa forma, não estaremos cometendo uma injustiça ao contextualizar a crítica de Weick dentro de uma corrente de pensamento na segunda metade do século XX, que buscava rejeitar a excessiva formalização e burocratização como soluções necessárias. Nesse contexto, a apresentação de alternativas viáveis torna-se um esforço ao mesmo tempo propositivo e teórico. É nesse contexto histórico que a metáfora do Jazz pode ser melhor apreciada5 5 . Apesar do foco desse artigo ser o Repente, acreditamos que podemos nos beneficiar da análise da metáfora do Jazz, com o objetivo de refletir criticamente quanto à apropriação dessa metáfora. .

Ao descrever e relatar a metáfora da improvisação do Jazz, Weick nos convida a pensar como os indivíduos poderiam, de forma voluntária, colocar em dúvida a percepção da sua realidade e, por consequência, a forma como enxergam as rotinas. Weick evoca a improvisação no Jazz como uma situação ideal de criatividade, onde os indivíduos podem livremente negociar o desenrolar da sequência musical. Em contraste com "organizações tradicionais", aqui os indivíduos são levados a introduzir deliberadamente a incerteza em seu dia a dia, emulando o caos que podemos observar em uma performance jazzística. (BARRETT, 2012) A seguir, recuperaremos os elementos que guardam afinidade com essa forma de apresentação do Jazz.

De criação afro-americana, o Jazz é um estilo derivado do Blues originário de New Orleans, onde, durante e ao fim da escravidão, artistas negros expressavam sua condição musicalmente, utilizando-se da influência europeia da música clássica. Diversos artistas romperam as barreiras da música inovando as técnicas da formalizada música clássica para uma transformação mais sincopada no ragtime de Buddy Bolden e Scott Joplin. Seguido de novas formas de cantar e tocar os instrumentos clássicos de orquestra, como o saxofone e o trumpete, com Louis Armstrong and Sidney Bechet; que inspiraram, posteriormente, os músicos - que nessa época também rompiam as barreiras raciais - Benny Goodman e Glenn Miller com suas orquestras de swing. (BURNS; DAVID; CORREL, 2001; BERLINER, 1994)

O swing popularizou o Jazz, pelo seu ritmo acelerado e forma dançante, tornando-se o principal estilo musical em Nova York e Los Angeles. No entanto, a vontade de romper ainda mais barreiras na execução musical com grande ousadia, outros subestilos do Jazz surgiram como o Bebop, Cool Jazz, Free Jazz, nos anos 40 e 50, ao Jazz Fusion e Post Bop nos anos 60 e 70, ao Jazz experimental dos anos 80 em diante. (BURNS; DAVID; CORREL, 2001) Hoje, o Jazz pode ser considerado um estilo musical de experimentação, no qual os artistas procuram um estilo pessoal de execução, se diferenciando dos demais músicos, testando o limite dos seus talentos. Um grande exemplo é o pianista Thelonious Monk, que, através da dissonância de sons, marcou-se como um pianista inovador. (GOURSE, 1997)

Cooperação e conflito no Jazz

O Jazz é comumente idealizado como um estilo musical democrático na medida em que traz a possibilidade para que cada indivíduo expresse o seu estilo pessoal na música. Ao mesmo tempo, é concebido como um estilo cooperativo, onde todos estão empenhados em resguardar a coesão interna da música. A cooperação é tomada como necessária para que o grupo todo produza uma boa apresentação.

Quando uma sessão de Jazz típica começa, os músicos tocam parte da melodia principal, acrescentando o seu estilo próprio, batida e arranjos. Segue-se então às improvisações: enquanto um músico desenvolve sua improvisação, os outros acompanham em um volume mais baixo para que o solista possa se destacar. Para que exista ordem no revezamento dos solos, o líder da banda determina o tempo e a ordem, para que cada músico de Jazz fique mais à vontade para criar o seu solo no tempo da música que lhe foi concedido, sem ser abruptamente interrompido por outro.

Portanto, a cooperação tornou-se um elemento central na forma como entendemos o Jazz. Essa percepção é reforçada pelas evidências trazidas pela etnomusicologia:

[A] comunidade do jazz esposa uma […] visão de liberdade de expressão que enfatiza a interdependência mútua dos músicos que de certa forma limita a liberdade individual. Para Leroy Williams, 'tocar jazz é como um esforço de equipe, do tipo que você encontra em basquete ou beisebol. Cada um deve desempenhar sua tarefa específica. Essa é a única forma de marcar pontos. Um jogador não consegue tomar para si todos os lances no basquete, por exemplo. Ele tem que ficar na retaguarda de vez em quando. Você tem que dar a bola para o jogador que tiver a melhor posição, qualquer que seja ele. É um grande esforço coletivo e quando todos estão em harmonia, é assim que as melhores coisas acontecem. As vezes você tem que sacrificar suas melhores ideias."6 6 . [T]he jazz community espouses a […] view on freedom of expression, stressing the mutual interdependence of players and someway limiting individual freedom. For Leroy Williams, "playing jazz is like a team effort, the kind you find in basketball or baseball. Everybody has to do their specific job. That's the only way you're going to score. One guy can't take all the shots in basketball, for instance. He has to lie back at times. You have to give the ball to whichever player has the best shot. It's one big group effort, and when everybody's in harmony, that's when the best things happen. You have to sacrifice your own ideas at times." (BERLINER, 1994, cap. 15, grifo nosso, tradução nossa)

Quando tocam em conjunto, cada artista transmite seu estilo individual que é compreendido pelos colegas que o correspondem também com seus estilos individuais. O resultado da interação de uma banda de Jazz em uma jam session,7 7 . Jam Sessions são um tipo de apresentação do Jazz em que diversos músicos, que trabalharam juntos previamente ou não, revezam em bandas a fim de demonstrarem seus talentos. Geralmente, participam de Jam Sessions, músicos desconhecidos ou não profissionais, como uma oportunidade de prática em banda. por exemplo, é o equilíbrio do talento individual de cada um. A caracterização acima nos leva a crer que a improvisação no Jazz, para que tenha sucesso, deva comprometer-se com o ideal de harmonia do grupo, suprimindo a competição e conflito8 8 . Em vários pontos desse artigo nos referiremos aos termos "competição" e "conflito" como conceitos próximos, mas distintos. Enquanto a competição marca a disputa por recursos excassos (como por exemplo, a atenção da plateia), ela não implica a desestabilização das regras e do framing de uma situação. Em contraste, o conflito já implica no questionamento do framing mais apropriado para a situação em questão. Essa distinção entre competição e conflito é o que leva sociólogos como Georg Simmel e Robert E. Park pensarem o conflito social como um escalonamento da competição. entre os membros da banda. Essa é uma fotografia simplificada do Jazz, onde as relações de poder e dominação também estão presentes. (ZACK, 2000) Em primeiro lugar, concebe-se as relações internas ao grupo de Jazz como preponderantemente horizontais, minimizando a assimetria de poder que se pode observar empiricamente na história do Jazz. Em segundo lugar, o grupo de Jazz é imaginado como um espaço social harmônico, onde o conflito tem um papel secundário.

A liderança no Jazz é geralmente vista como secundária, e funcional, na medida em que é caracterizada como uma variável epifenômica à liberdade, coesão e harmonia no Jazz. O líder da banda é concebido como o coordenor dos membros do grupo dando igual oportunidade para solar, indicando por gestos ou olhares, quem deve ser o próximo, ou quando alguém deve parar.

Em contrapartida, historicamente podemos observar na história do Jazz o papel do poder hierárquico do líder (principalmente nas big bands de Swing, mas mesmo em pequenas bandas como a de Miles Davis). O conflito entre os músicos para conseguir um pouco mais de espaço de solo é bem documentado pela etnomusicologia e é um elemento constitutivo da emersão de novos estilos. (BERLINER, 1994; DEVEAUX, 1999) No Jazz, a competição torna-se mais evidente quando os músicos de uma banda tentam superar seus colegas na apresentação, mas sem importarem-se como seus colegas irão reagir ou se eles saberão acompanhá-lo; ou mesmo sabendo, o colega não pode lhe superar tecnicamente, portanto, podendo ser deliberadamente competitivo. Berliner (1994) nos oferece uma passagem:

Uma vez, ao final de uma canção numa apresentação no Sweet Basil em Nova Iorque, Lonnie Hillyer diminui seu ritmo de repente e começou a improvisar a cadencia num tom fora da métrica. Olhando do teclado surpreendido, o pianista instantaneamente diminui seus padrões rítmicos e trocou olhares rápidos com o percursionista que abandonou as baquetas pelas vassouras para criar ondas de som desprendidas de ritmo com seus címbalos. Na medida em que o ritmo e a textura da música mudou ao seu redor, o baixo ficou confuso de início e parou de tocar. Mas em seguida, entretanto, ele começou a dedilhar o baixo como se fosse um violão e tocou em conjunto com os outros músicos enquanto Hillyer concluía a canção.9 9 . Once, at the close of a ballad in a set at New York's Sweet Basil, Lonnie Hillyer slowed his tempo suddenly and began improvising a cadenza in unmetered time. Looking up from the keyboard in surprise, the pianist instantly slowed his comping patterns and exchanged quick glances with the drummer, who switched from sticks to brushes to create free-rhythmic waves of sound with his cymbals. As the music's tempo and texture changed around him, the bass player appeared flustered initially and stopped performing. Soon, however, he began to strum the bass softly like a guitar and phrased in step with his counterparts as Hillyer concluded the ballad. (BERLINER, 1994, p. 377, tradução nossa)

Se por um lado as evidências de competição no Jazz frustram a visão idílica desse estilo como um lócus harmônico e cooperativo, é justamente o impulso ao destaque individual e o embate técnico nas cutting sessions que fez surgir o Bebop, o paradigma do Jazz moderno. (DEVEAUX, 1999) Em contrapartida, a ideia de que o Jazz deve permanecer como um estilo onde o coletivo se sobrepõe ao indivíduo e a improvisação coletiva seja a única autêntica (em detrimento da improvisação individual percebida como comercial) é acusada de "primitivismo". (GIOIA, 1989) Ou seja, a ideia de que para o Jazz ser autêntico, seus músicos devem manter suas características originais (especificamente a harmonia coletiva em detrimento da expressão individual) origina-se de um movimento intelectual norte-americano dos anos trinta que apoiava o "New Deal", no qual o jazz era apropriado como símbolo de coesão social. Essa apropriação torna-se um problema para nós, estudantes de organizações no Brasil, quando tomada de forma acrítica e a-histórica, sanitizada de conflitos e assimetria de poder. Ainda assim, podemos acatar a ideia de que o papel do conflito no Jazz é, na melhor das hipóteses, coerente com a coordenação informal. Com o propósito de endereçar a dimensão conflituosa das organizações de forma mais direta, trabalhos como de Kamoche, Cunha e Cunha (2003) trouxeram aos estudos organizacionais gêneros musiciais alternativos como o da música indiana. Ao abordarmos o Repente, esperamos contribuir para esse esforço, buscando analisar uma forma de improvisação que combine à dimensão conflituosa promovida de forma deliberada e sustentada pelas rotinas.

Rotinas e Improvisação no jazz

A improvisação no Jazz acontece em dois níveis: do indivíduo e do grupo como um conjunto. A improvisação no nível individual é mais perceptível quando o artista está solando. A improvisação individual é influenciada pelo prévio preparo do artista. Assim como as organizações utilizam-se da sua "memória organizacional" para realizar suas atividades, o artista também utiliza na sua improvisação seu aprendizado passado - sobre teoria musical, execução do instrumento e também o aprendizado ao ter escutado músicos que o precederam.

Músicos de seção rítmica se baseiam na sua experiência de execução musical para improvisar acompanhamentos compatíveis dentro dos arranjos musicais, satisfazendo assim as expectativas do grupo de uma interação bem-sucedida. [...] Para cada geração de improvisadores, as práticas acumuladas de performance da tradição do Jazz têm servido como diretrizes gerais de composição, delimitando as possibilidades infinitas dentro do papel de cada instrumento e contribuindo para a coesão musical coletiva.10 10 . "Rhythm section players draw upon their knowledge of the interrelated performance practices sampled above to improvise compatible accompaniments within arrangements, thereby satisfying the group's expectations for successful interaction. [...] For each generation of improvisers, in effect, the jazz tradition's cumulative performance practices have served as general compositional guidelines, delimiting otherwise infinite possibilities for invention within each instrument's part and contributing cohesion to collective musical invention." (BERLINER, 1994, p. 347, tradução nossa)

Como sugerimos acima, podemos identificar as seguintes fontes de improvisação, em relação às rotinas organizacionais. Em primeiro lugar, desatarrachamento da dimensão performativa da dimensão ostensiva. Em segundo lugar, choques exógenos e estímulos endógenos podem levar a variações nas práticas (dimensão performativa), podendo ou não levar a uma modificação na dimensão ostensiva das rotinas. Essas duas fontes não são excludentes. No Jazz, os músicos podem deliberadamente criar interpretações distintas a partir da mesma base harmônica, mas fugindo da base melódica original. (BARRETT, 2012) Como a mesma base harmônica pode se referir a inúmeras canções distintas, mesmo que não haja um perfeito compartilhamento de repertório, é possível que músicos que nunca se viram antes, nem conheçam as mesmas músicas possam tocar juntos. (FAULKNER; BECKER, 2009) Em contrapartida, o distanciamento da base melódica original pode ocorrer em virtude de um erro ou provocação de um colega.

Finalmente, a forma de construção da música é muitas vezes caracterizada como "caótica", "completamente livre", como se a improvisação fosse a expressão pura e absoluta de uma ação livre, destituída de regras. Oguri, Chauvel e Suarez (2009) mostram como a improvisação a partir de "estruturas mínimas" permite que a organização resista à rigidez tipicamente associada ao planejamento burocrático. No Jazz, há diferentes níveis de improvisação que podem ser comparados a diferentes tipos de organizações. No trabalho de Moorman e Miner (1998), utiliza-se um departamento de pesquisa e desenvolvimento de uma organização como exemplo nos diferentes níveis de improvisação:

  • Primeiro nível: acrescenta-se modificações simples, para embelezar e ornamentar uma peça pré-existente. Segundo Moorman e Miner (1998), é como se modificasse uma característica de um produto já existente.

  • Segundo nível: a improvisação na música começa a expressar características do artista, fazendo com que sobre menos elementos da melodia original do que no primeiro nível. Segundo as autoras, é como se a organização criasse novos produtos, mas como variações de produtos pré-existentes.

  • Terceiro nível: nesse nível, o improvisador cria uma nova estrutura, utilizando muito pouco da música original, isso se não a descartar. Ainda segundo as autoras, é como criar um produto inovador que não existe no mercado.

Fica evidente que, em contraste com uma visão de que a improvisação se dá de forma livre, estudos de musicologia no Jazz revelam que a improvisação só pode ocorrer quando os músicos compartilham coletivamente da base harmônica que rege a música e logram modificar a melodia de tal forma que a base harmônica não é rompida. É com esse entendimento de como regras, normas e procedimentos que sejam abstratos suficientes permitem uma adaptação às situações concretas, mas coerentes o suficiente para manter a coesão em torno de objetivos comuns. (STINCHCOMBE, 2001; DAVIS; EISENHARDT, BINGHAM, 2009)

Como apontado acima (seção 1), erros podem levar à improvisação (FLACH; ANTONELLO, 2011) e à mudança das rotinas. (RERUP; FELDMAN, 2011) Berliner indica um exemplo sobre o caso.

Durante uma execução no clube Sweet Basil, o solo de Lonny Hillyer vacilou, e ele precisou temporariamente segurar e tocar o trumpete com a mão direita, enquanto ele passava a esquerda pelo cabelo com um único movimento, como para se coçar, e então, passou levemente a mão sobre sua orelha antes de retornar a mão esquerda ao trompete. Compreendendo o gesto, o pianista instantaneamente passou de padrões de acompanhamentos indescritíveis para aberturas de acordes, até que Hillyer recuperasse sua auto-confiança.11 11 . During a Sweet Basil engagement in which Lonny Hillyer's solo faltered, he temporary held and played the trumpet with his right hand, while he ran his left through his hair with a single motion, as if to scratch an itch, then lightly brushed his ear before replacing his left hand on the trumpet. Understanding the gesture, the pianist instantly switched from elusive comping patterns to explicit chord voicings, which he continued until Hillyer regained his confidence. (BERLINER, 1994, p. 381, tradução nossa)

O erro força os músicos a criarem um novo movimento para que ele seja redimido.

Com relação ao ato de salvar uma música por solistas, grupos de jazz simplesmente tratam erros de execução como problemas de composição que exigem soluções imediatas e coletivas, e em alguns casos, exigindo a salvação hábil da execução de um músico por outro.12 12 . As for musical saves of soloists discussed earlier, jazz groups simply treat performance errors as compositional problems that require instant, collective solutions, in some cases the skillful mending of one another's performances. (BERLINER, 1994, p. 382, tradução nossa)

A flexibilidade com que os eventos acontecem durante as apresentações levam a esse tipo de evento.

Dentro do passo normal de uma apresentação, improvisadores devem reagir de forma criativa às surpresas que surgem constantemente. Mudanças inesperadas de eventos ocorrem de todas as maneiras: nos detalhes de cada parte e nas mudanças periódicas de grande escala em programas de repertório e estruturas formais que orientam a improvisação. Esta última ocorre geralmente quando o fluxo de idéias de uma apresentação faz com que o grupo mude seu estilo de acompanhamento a fim de se igualar à execução de um improvisador externo. Em última análise, a flexibilidade com que os músicos tratam arranjos musicais e de seus repertórios, seja ornamentando sutilmente ou alterando as suas características substancialmente, reforça o espírito de improvisação de performances. 13 13 . Within the normal compass of their activities, improvisers must respond creatively to surprises that constantly arise during performances. Unexpected turns of events occur everywhere: in the ever-changing details of each part and in the periodic large-scale changes in repertory programs and formal structures that guide improvisation. The latter occur typically when the natural flow of ideas conceived in performance leads a particular improviser outside the group's agreed-upon formats and other players follow along. Ultimately, the flexibility with which musicians treat repertory and musical arrangements, whether subtly ornamenting or substantially altering their features, enhances the improvisatory spirit of performances. (BERLINER, 1994, p. 374, tradução nossa)

Gostaríamos de propor na próxima sessão o estudo do Repente como candidato à metáfora para o entendimento da ação social. Enquanto a metáfora do Jazz parece ser adequada ao entendimento da dinâmica interna de equipes coesas, acreditamos ser necessária a introdução de metáforas que deem conta de situações onde as partes se encontram em unidades distintas (departamentos, unidades de negócio, ou mesmo parceiros em aliança estratégica). Essas situações se distinguem das equipes na medida em que não podemos assumir uma coesão social suficientemente forte para produzir a coordenação, nem podemos assumir que a coordenação seja garantida por elementos hierárquicos de governança, mas onde existem elementos institucionais de coordenação (como rotinas) que permitem a improvisação.

O Repente como metáfora: conflito por design, improvisação e aprenizado

As raízes do Repente14 14 . Em comparação com o volume de pesquisas sobre o Jazz, há pouca literatura acadêmica sobre o Repente. A maioria da literatura formalizada sobre o repente apresentada neste trabalho foi encontrada pelos autores fora do Brasil, apesar de serem resultados de pesquisas financiadas pelo Ministério da Cultura (MinC), como no caso da obra de Salles (1985), ou então, por serem resultado de pesquisas de acadêmicos americanos, alemães e franceses. remontam às tradições trovadoras da Península Ibérica por sua forma e poesia serem baseadas na sextilha setissilábica, podendo variar para quartilha e/ou para versos de dez sílabas (CROOK, 2005; SALLES, 1985). Artistas nordestinos transformaram essa tradição musical europeia através da mescla das culturas europeia, negra e indígena. Eles expressavam sua situação de pobreza no Sertão Nordestino, e migração dos nordestinos ao sul do Brasil; conteúdos sociais que alimentaram a música Repentista (MCGOWAN; PESSANHA, 1998) O Repente também se desenvolveu no Pará, principalmente na Ilha de Marajó. (SALLES, 1985)

Segundo Crook (2005), os repentistas tinham a "função de críticos sociais, historiadores, filósofos, e intelectuais orgânicos comentando sobre os problemas diários e sociais confrontados pela população rural e migrante do Nordeste" em um momento em que tais profissionais pouco existiam formalmente naquela região.15 15 . "Repentistas (as these singers-poets are also called) functioned as social critics, historias, philosophers, and organic intellectuals commenting on the daily problems and social issues confronted by the rural and migrant populations of the Northeast." (CROOK, 2005, p. 94, tradução nossa) Através de sua poesia improvisada, os cantadores discutiam assuntos desde os problemas sociais do seu cotidiano a disputa da atenção de alguma mulher, usando como base a melodia e ritmos achatados e quase monótonos que são a base da música repentista (MCGOWAN; PESSANHA, 1998). Os tópicos abordados pelos cantadores "revestem-se de certa malícia e ironia, que às vezes descambam para o insulto". (SALLES, 1985, p. 46)

O Repente ajudou a difundir a cultura nordestina para o resto do Brasil, uma cultura tradicionalmente oral. A dança Baião executada antes do Desafio (cantoria) em praças públicas nas cidades do Nordeste servia como prelúdio à competição poética, que atraia sua plateia. Os cantores produziam seus versos, mantendo seu ritmo melódico constante acompanhado de suas violas de dez cordas, pandeiro ou ganzá. "Um cantor expõe uma questão, desafio ou insulto; o outro responde tentando vencer seu oponente sempre na mesma forma poética rigidamente observada. As palavras são cantandas planamente, quase que monótonas."16 16 . "One singer poses a question, challenge, or insult; the other responds, trying to top his opponent, always in the same rigidly observed poetic form. The words are sung rather flatly, almost in a monotone." (MCGOWAN; PESSANHA, 1998, p. 153, tradução nossa) A disputa verbal, piadas e insultos divertem a plateia; e depois da apresentação, "passa-se um chapéu para recolher algumas moedas". (MCGOWAN; PESSANHA, 1998, p. 153)

O repentista tinha um status social elevado, e sobreviver com a sua arte significava ter que encontrar o equilíbrio entre manter as tradições do Repente, enquanto se adapta ao meio social em que se expressa, criando suas falas dentro dos costumes e da ética local. A reputação do repentista era firmada principalmente ao receberem convites dos fazendeiros para participar de desafios, e aqueles que mais entretiam e venciam os desafios eram os mais convidados. Portanto, o grande motivador para a competição no Repente é o status social conferido ao Repentista pela qualidade da sua arte. (MIGUEL; SAUTCHUK, 2010)

Cooperação e conflito no Repente

O formato mais comum da música repentista envolve dois cantadores que utilizam suas violas de dez cordas para acompanhá-los enquanto improvisam na criação de versos, discutindo e dialogando, dentro da música improvisada, um tópico específico muitas vezes definido e informado através de manifestações vocais pela plateia; ou, no caso de competições formais, a dupla recebia no palco o tópico da disputa em um envelope selado. (SALLES, 1985; CROOK, 2005)

Travassos (2000) aponta que os valores imbuídos no Repente transformaram-se. Originalmente o Repente era uma expressão artística que envolvia conflitos acirrados. A plateia esperava que apenas um cantor fosse o campeão, e esse receberia o total do dinheiro doado pelos ouvintes. Em consequência, os embates poderiam durar dias. Não era raro que esses duelos terminassem em lutas físicas violentas; portanto, em alguns casos, o cantador era tido como um "marginal" (ou para usar a expressão de BECKER, 1972, um desviante social), por envolver-se com álcool, brigas e ser um andarilho sem raízes.

Após a profissionalização e formalização do Repente, os versos dos cantadores passaram a definir com mais peso o vencedor da competição, por exemplo, quando um cantador dá-se por vencido ou fica-se claro que um deles não possui mais argumentos contra o outro.

A emersão do período atual do Repente levou à modificação de alguns desses elementos. Em primeiro lugar, a busca de profissionalização do músico de Repente levou ao repúdio da luta física. Em segundo lugar, e mais importante, os músicos envolvidos em um embate já não se preocupam em encontrar um vencedor. Ao contrário, há um esforço de manutenção de uma equidade entre as partes, para que o "jogo" mantenha-se equilibrado:

Um desafio envolve dois indivíduos que se confrontam um contra o outro como poetas. Como homens e mulheres comuns, suas identidades sociais são constituídas por uma gama de atributos, como status, relacionamentos, gênero, idade, religião, etc; mas ao entrar na arena da execução musical, eles devem esforçar-se para suspender as suas identidades sociais cotidianas, neutralizando esses atributos para se envolver com o outro oponente como poetas, ou seja, como 'iguais'.17 17 . "A 'desafio' involves two individuals who confront one another as poets. As ordinary men and women, their social identity is constituted by a range of attributes, such as status, a network of relations, gender, age, religion and so on; but on entering the performance arena, they must strive to suspend their everyday social identities, neutralizing these attributes to engage with one another as poets, that is, as 'equals'." (TRAVASSOS, 2000, p. 63, tradução nossa)

A fim de se obter uma certa equidade entre os dois cantadores, algumas regras emergiram no Repente, notando-se que essas regras estão embutidas no estilo musical como um todo, e permanecem durante a apresentação. Essas regras envolvem o formato dos versos e o fato de que os dois cantadores devem garantir o espaço do outro para que também possa se expressar, diferentemente do caso da competição no Jazz, quando um músico pode se arriscar a prolongar sua improvisação "roubando" o tempo do colega. (SALLES, 1985; BERLINER, 1994)

A cooperação dentro do contexto competitivo pode ser observada em vários elementos do ethos contemporâneo dos músicos de Repente. Em primeiro lugar, cada músico providencia o acompanhamento para seu parceiro. Os músicos tocam toadas conhecidas e que podem ser facilmente acompanhadas por seus parceiros. Toadas são melodias e canções que são conhecidas pela comunidade de repentistas e que formam os repertórios dos subgêneros, ajudando os repentistas a se guiar na criação de versos, já que não há tempo hábil para que possam contar o número de sílabas por verso antecipadamente. O rítmo de melodias padrões, marcadas e compassadas ajudam-nos nessa criação.

Esse procedimento leva à proteção do oponente de certa forma porque se elimina o risco de desconhecimento da melodia e ao mesmo tempo protege-se a voz e afinação do parceiro através da baixa variação melódica. Em segundo lugar, as provocações típicas do Repente são contidas para evitar-se a humilhação do opositor. O oposto acontece: se a humilhação ocorre, aquele que ofende tem a sua reputação posta em risco pela comunidade de repentistas. Finalmente, os repentistas repartem as doações recebidas da plateia, reforçando mais uma vez o caráter cooperativo da competição.

A dupla inicia a música em um mesmo nível, ou seja, os dois participantes têm o mesmo status diante da plateia. Na medida em que a música se desenvolve, um músico pode se sentir-se em desvantagem em relação ao outro. Logo, o outro se sente vitorioso, por ter proferido algo em um verso que poderia ter feito com a imagem do outro diminuísse. A vontade de um repentista em tentar vencer o outro durante a música faz com que exista um jogo de palavras, derrubando-o às vezes, mas também, por solidariedade e para não cristalizar a assimetria de status, ajudar o parceiro para que esse se recupere.

O elemento de improvisação entra no Repente novamente ligado à ideia de justiça e equidade no embate, que só são possíveis quando a interação é autêntica (não é "ensaiada") e quando as partes têm oportunidades reais de "recuperar a face". Para que a interação não fique "presa" em rotinas engessadas, é preciso que ambos repentistas se engajem na improvisação. Como salienta Travassos:

O princípio da prática repentista é a condenação do uso excessivo de versos previamente preparados, o chamado 'decoro' (memorizado) ou 'balaio'. Um balaio é um receptáculo para o transporte da safra, mas metaforicamente, significa versos prontos, aqueles que foram 'armazenados'. A fim de impedir o uso de versos memorizados e garantir a autenticidade das improvisações, cantores podem ser chamados a fazer a primeira linha de seu verso rimar com a última linha da improvisação do seu parceiro; essa prática é chamada de 'pegar na deixa'[...].18 18 . "The principle norm in repentista practice is the condemnation of the excessive use of previously prepared verses, the so-called 'decoro' (memorized) or 'balaio'. A balaio is a receptacle for transporting the harvest, but metaphorically, it means ready-made verses, ones that have been 'put away'. To hinder the use of memorized verses and guarantee the authenticity of the improvisations, singers can be called upon to make the first line of their verse rhyme with the last line of their partner's improvisation; this practice is called 'pegar na deixa' […]." (TRAVASSOS, 2000, p. 80, grifos do autor, tradução nossa)

Em resumo, o Repente contemporâneo nos revela uma expressão artística que comporta a competição cooperativa. Os jogadores esforçam-se por manter o jogo justo, mantendo assim uma conduta ética entre os repentistas. Seguindo Huizinga (1971), poderíamos também adicionar que esses jogos justos mantêm o interesse dos competidores e da plateia.

Quando um poeta demora demais para 'soltar' seu verso, batendo nas cordas da viola para pensar no que vai dizer, ele quebra o andamento do diálogo poético e dispersa a atenção do público, o qual tende a entender que o cantador que tarda insistentemente esteja 'apanhando'. Pecando pelo oposto, há poetas que, em disputas acirradas, usam iniciar seu canto logo que o colega encerra sua última sílaba, quase emendando sua estrofe com a do outro, mas isso não é bem visto, porque inibe ou encobre aclamações eventuais da audiência (aplausos, gritos, elogios) à estrofe do parceiro". (MIGUEL; SAUTCHUK, 2010, p. 179)

Portanto, verificamos um forte consentimento com um conjunto de regras e valores que regem a competição entre os repentistas. A possibilidade de competição cooperativa que a) bloqueie a destruição mútua, b) mantenha a simetria (justiça) na competição e c) fomente embates futuros é possível pelo desenvolvimento e consentimento a esse ethos contemporâneo do Repente.

Rotinas e improvisação no Repente

As regras de versificação são inspiradas em diversos gêneros poéticos, sendo a mais comum as sextilhas (versos de seis linhas de rima abcbdb) de sete sílabas de comprimento. Os temas das disputas são escolhidos pela plateia que os comunicam gritando a distância aos cantores, que os convertem em "jogos intelectuais", através de argumentos trocados entre eles enquanto seguem estritamente as regras poéticas e melódicas. (SALLES, 1985; MCGOWAN, PESSANHA, 1998) E o último verso da sextilha deve permitir que o segundo cantador consiga continuar com seu argumento buscando rimar seu primeiro verso com o final do último verso do cantador anterior, a chamada "deixa". (CROOK, 2005)

A música dos repentistas é baseada na improvisação, pois eles criam as suas falas no momento da execução da música, e criam um acompanhamento musical simples em sua viola, como que apenas para acrescentar um tom musical à poesia. A melodia da música repentista é bem simples, sendo quase monótona e recitada, pois segundo Crook (2005, p. 97, tradução nossa), "a viola serve apenas para apoiar e ajudar na interpretação da poesia, e não para ofuscá-la".19 19 . "Viola serves only to support and help interpret the poetry, not to overshadow it". O repentista Ivanildo Vilanova, entrevistado pelo periódico Folha de São Paulo, afirma que "quando vêem um sujeito que só canta com a viola, que não tem voz privilegiada, pobre em melodia, estranham. Não percebem que a força do cantador é a palavra. As pessoas preferem o barulho. Existe um preconceito em relação ao cantador." (ALMEIDA, 1982)

O paralelo dos Jazz e do Repente com as organizações

Metáforas têm sido abundantemente utilizadas nos Estudos Organizacionais. Oferecemos aos nossos alunos ilustrações vívidas de "empresas-como-máquinas" ou "organizações-como-selva". Entretanto, a utilização das metáforas limitadas às semelhanças e analogias ao mesmo tempo desperdiça oportunidades de descobrimento de novas associações conceituais, assim como obscurece o entrelaçamento semântico dos conceitos, assumindo a transposição imediata dos significados de um contexto a outro. (TSOUKAS, 1991; PALMER, DUNFORD, 1996) Como ilustração: assistimos ao filme Ensaio de Orquestra de Federico Fellini com o intuito de ilustrar conflitos dentro de uma burocracia. E curiosamente, em um dos depoimentos dos músicos nesse pseudodocumentário, a orquestra é caracterizada como uma linha de produção. Se a metáfora deveria ser um "espelho" fiel da realidade, Fellini inverte esse espelho e nos força desancorar as metáforas (nesse caso, as musicais): a organização burocrática serve como metáfora aos músicos, que refletem até que ponto são capazes de criar e se expressar. E mesmo em contextos onde acreditaríamos estar destituídos de autonomia (como em orquestras), há depoimentos de liberdade de criação.

Cornelissen (2005) sugere que a utilização de metáforas deve ir além do esforço de evidenciar a simples similaridade, em direção à criação de novo conhecimento. Na medida em que os termos são correlacionados, os proponentes da utilização da metáfora devem evidenciar de que forma eles são reinterpretados, dado que se encontram em domínios semânticos distintos. Nesse esforço, os proponentes devem também explicitar não apenas as semelhanças, mas também as tensões (diferenças) de utilização do mesmo termo em contextos distintos. É a partir da explicitação das diferenças que os termos ganham maior poder analítico.

Além disso, novo conhecimento pode ser gerado a partir da identificação de relações causais existentes em um contexto, mas que poderia ser investigados em outro. Por exemplo, no caso da metáfora do Jazz, evidenciamos como as "regras simples" constituem parte do mecanismo que suporta a improvisação. É também nesse sentido que a utilização das metáforas vai além da analogia: os elementos observados podem ser gerados por causas distintas nos diversos contextos, evidenciando a equifinalidade típica da análise configuracional. A partir dos conceitos de rotina, sensemaking e improvisação, partimos para a comparação do Jazz e do Repente, visando a construção de pontes para o estudo das organizações.

Relação entre as dimensões ostensiva e performativa das rotinas. No Jazz existe a possibilidade de migração entre a melodia e harmonia, enquanto marco orientador (aspecto ostensivo das rotinas). Essa possibilidade torna as regras mais abstratas, aumentando o poder discricionário na dimensão performativa e, portanto, dá maior espaço de criação e improvisação. Já o Repente traz a dimensão ostensiva aparentemente mais rígida, ao estabelecer a métrica e a versificação. No entanto, essa rigidez é compatível com a natureza conflitiva da interação dos músicos, como iremos aprofundar a seguir. Em contrapartida, os músicos gozam de alta liberdade de improvisação temática.

Conflito. Enquanto no Jazz o conflito é visto como algo secundário, talvez indesejado, no Repente o papel do conflito é central. A estrutura do "jogo" proposto aos seus participantes coloca os oponentes em conflito; sua improvisação é fruto dessa competição, e ambas as partes aprendem um com o outro justamente por estarem em competição, em contraste com a caracterização idílica do aprendizado em grupos harmônicos. (DEWEY, 2004) O conflito leva as partes a se engajarem no reconhecimento mútuo e estreitamento da relação. (SIMMEL, 1955) Se as rotinas podem ser vistas como o resultado cristalizado das tréguas entre partes conflitivas (ver seção 1 acima), ao promover o conflito, as organizações também estão fomentando a revisão das rotinas em suas diversas acepções.

Cooperação. Como exploramos acima, o Jazz é bastante marcado pela cooperação tipicamente encontrado em equipes. Ainda que exista o conflito e a competição, e esses desempenhem um papel importante para o desenvolvimento de novos estilos20 20 . Com exeção dos cutting sessions, jam sessions onde havia um intuito de disputa pela maestria técnica. (DEVEAUX, 1997) , salientamos que a dimensão conflitiva não é deliberada no Jazz, como é no Repente. A existência de fricção interna às equipes nas organizações reforça ainda mais a necessidade de releitura da metáfora do jazz como um lócus onde há o conflito e competição, ainda que o objetivo coletivo seja o de realização coletiva. (EINSENHARDT; KAHWAJY; BOURGEOIS, 1997; LANGFRED, 2004)

É interessante notar que embora o Repente traga a dimensão conflitiva de forma explícita, existe a expectativa normativa que o oponente "salve a face" do companheiro, assemelhando-se assim ao "salvar a face" encontrado no Jazz, quando há erros. Essa constatação é importante, na medida em que o Repente nos ajuda a perceber como o conflito só pode ser produtivo quando existe um esforço de ambas as partes para que a relação perdure e que o conflito não seja disruptivo (ver também nos embates no rap, LEE, 2009). Em comparação com o Jazz (que se traduz melhor para situações de equipe), sugerimos que o Repente se traduza melhor para situações onde há pouca ou nenhuma coordenação via liderança, e ao mesmo tempo um alto grau de formalização da interação. Eccles e White (1998) reportam como o conflito entre gestores de unidades de negócio autônomos em organizações multidivisionais ajudava ao CEO obter uma quantidade mais elevada de conhecimento tácito. As interações e a circulação de conhecimento se davam através de "rounds" de negociação em torno de orçamentos anuais e estabelecimento de preços de transferência. Nessa situação, o processo de formulação do orçamento é deliberadamente conflitivo, e os atores implicados devem levar em consideração os argumentos utilizados anteriormente por seus oponentes. É dessa forma que esse processo se assemelha ao Repente: os diversos "rounds" se assemelham às estrofes intercaladas entre os músicos.

Liderança. Como vimos acima, o papel da liderança no Jazz é na sua versão mais frouxa desempenhado de forma "benevolente" (na medida em que é associado principalmente à mediação das interações entre os músicos para que haja respeito mútuo); em sua forma mais coercitiva, o líder pode vir a impor fortes restrições à autonomia de seus músicos. No Repente, a figura do líder inexiste. Em compensação, torna-se ainda mais importante a adesão à estrutura de versos para que as partes possam respeitar-se mutuamente. Ainda insistindo na analogia de formação de orçamento em organizações complexas, o CEO desempenha predominantemente o papel de "plateia" do que "líder", uma vez que se vê como provedor de capital, e não necessariamente o coordenador de atividades de seus executivos. (WILLIAMSON, 1973)

Conclusão

O desafio desse artigo foi de explorar no Jazz e no Repente uma metáfora que seja ao mesmo tempo capaz de mobilizar as dimensões cognitivas e emocionais do gestor (HATCH, 2002) e conduzir a desenhos organizacionais que incluam a dimensão da improvisação. (CAVALCANTI, 2004) Em contraste com a metáfora do Jazz, o repente oferece de forma mais explícita a possibilidade de localizar a improvisação em contextos onde o conflito organizacional é deliberadamente promovido.

Ao tomarmos a comparação entre o Jazz e o Repente, podemos vislumbrar "configurações" distintas, onde os vários aspectos (conflito, improvisação, cooperação, relação entre as dimensões ostensiva e performativa das rotinas) se combinam de formas distintas. Ou seja: enfatizamos como essas variáveis se combinam de forma coerente, retirando a ênfase da análise isolada de cada dimensão. (RAGIN; BECKER, 1992).

Nosso ponto de partida foi a relação entre as rotinas organizacionais e a improvisação. Através do Jazz percebemos formas como a improvisação pode ser desencadeada sem uma ruptura das rotinas. Ao contrário: as rotinas podem levar à improvisação, na medida em que suportam a flexibilidade nas práticas locais e concretas. Mostramos também como a improvisação, mesmo ocorrendo em situações destituídas de um "colapso" do sensemaking, pode levar a uma mudança nas rotinas, na medida em que levam a modificações nas "meta-regras".

Em contraste com uma visão unívoca entre "harmonia e aprendizado", recuperamos também o papel do conflito na mudança das rotinas e no aprendizado. Embora o conflito exista no Jazz, não é promovido de forma deliberada. Assim, tornou-se importante trazer à tona os estudos de sociologia organizacional onde o conflito é deliberado. É nessa configuração (conflito deliberado, improvisação e demarcação de territórios através de rotinas) que se justificou a apropriação do Repente.

Submissão: 9/9/2012

Aprovação: 2/3/2013

  • ADLER, P. S.; GOLDOFTAS, B.; LEVINE, D. I. Flexibility versus efficiency? A case study of model changeovers in the Toyota production system. Organization Science, Catonsville, ,v. 10, n. 1, p. 43-68, 1999.
  • ALMEIDA, M. D. O Nordeste dos violeiros e repentistas. Folha de S.Paulo São Paulo, 30 de maio de 1982. Disponível em: <http://almanaque.folha.uol.com.br/musicapop1.htm> Acesso em: 11 maio 2010.
  • v. 49, n. 3, p. 266-281, jul./set. 2009.
  • BARRETT, F. J. Yes to the Mess: Developing a Jazz Mindset for Leading in a Complex World Harvard: Harvard Business School Press, 2012.
  • BECKER, H. S. The Professional Jazz Musician And His Audience. In: PETERSON, Richard A. The Sounds Of Social Change: Studies In Popular Culture. p. 248-260. Chicago: Rand McNally, 1972.
  • BECKER, M. C. Organizational routines: a review of the literature. Ind Corp Change, Oxford, v. 13, n. 4, p. 643-678, 2004.
  • BECKER, M. C.; KNUDSEN, T. The role of routines in reducing pervasive uncertainty. Journal of Business Research, Park Avenue, NY, v. 58, n. 6, p. 746-757, 2005.
  • p. 775-791, 2005.
  • BECKER, M. C.; ZIRPOLI, F. Applying organizational routines in analyzing the behavior of organizations. Journal of Economic Behavior & Organization, New York, v. 66, n. 1, p. 128-148, 2008.
  • BERLINER, P. F. Thinking in Jazz: the infinite art of improvisation. Chicago: The University of Chicago Press, 1994.
  • BURNS, Ken; DAVID, Keith; CORRELL, Charles J. Jazz: a film by Ken Burns. PBS Home Video, 2001.
  • CAVALCANTI, B. Da Modelagem à Improvisação: reinterpretando a modelagem organizacional. Revista de Administração Pública Rio de Janeiro, v. 38, n. 4, jul./ago., p. 589-611. 2004.
  • COHEN, M. D. Reading Dewey: Reflections on the study of routine. Organization Studies, Thousands Oaks, v. 28, n. 5, p. 773-786, 2007.
  • CORNELISSEN, J. P. Beyond compare: Metaphor in organization theory. The Academy of Management Review, Briarcliff Manor, NY, v. 30, n. 4, p. 751-764, 2005.
  • CROZIER, M. O fenômeno burocrático Brasília: Universidade de Brasília, 1963.
  • CROOK, L. Brazilian music northeastern traditions and the heartbeat of a modern nation Santa Barbara, CA: ABC-CLIO, 2005.
  •  CUNHA, M. P.; CUNHA, J.; KAMOCHE, K. Organizational improvisation: What, when, how and why. International Journal of Management Reviews, Hoboken, v. 1, n. 3, p. 299-341, 1999.
  • CYERT, R. M.; MARCH, J. G. A behavioral theory of the firm Englewood Cliffs, NJ.: Prentice-Hall, 1963.
  • DAVIS, J. P.; EISENHARDT, K. M.; BINGHAM, C. B. Optimal structure, market dynamism, and the strategy of simple rules. Administrative Science Quarterly, Ithaca, v. 54, n. 3, p. 413-452, 2009.
  • DEVEAUX, S. The birth of bebop: a social and musical history. Berkeley, CA: University of California Press, 1999.
  • DEWEY, J. Democracy and education Mineola, NY: Dover Pubns, 2004.
  • ECCLES, R. G.; WHITE, H. C. Price and Authority in Inter-Profit Center Transactions. American Journal of Sociology, Chicago, IL, v. 94, p. S17, 1988.
  • EISENHARDT, K. M.; KAHWAJY, J. L.; BOURGEOIS, L. How management teams can have a good fight. Harvard Business Review, Cambridge, MA, v. 75, p. 77-86, 1997.
  • FAULKNER, R.; BECKER, H. S. Do you know?: the jazz repertoire in action. Chicago: The University of Chicago Press, 2009.
  • v. 48, p. 94-118, 2003.
  • FLACH, L.; ANTONELLO, C. S. Improvisação e Processos de Aprendizagem nas Organizações: uma metáfora a partir do ritmo Brasileiro Choro. Organizações e Sociedade, Salvador, v. 18, n. 59, p. 681-699, 2011.
  • GIDDENS, A. The constitution of society: outline of the theory of structuration. Berkeley: University of California Press, 1986.
  • GIOIA, T. Jazz and the primitivist myth. The Musical Quarterly, Oxford, v. 73, n. 1, p. 130-143, 1989.
  • GOURSE, L. Straight, No Chaser: the life and genious of Thelonious Monk. New York: Schirmer Trade Books, 1997.
  • HATCH, M. Explorando os espaços vazios: jazz e estrutura organizacional. Revista de Administracao de Empresas, São Paulo, v. 42, n. 3, jul./set., p. 19-35. 2002.
  • HUIZINGA, J. Homo ludens: o jogo como elemento da cultura. São Paulo: Editora da Universidade de S. Paulo; Editora Perspectiva, 1971.
  • JOAS, H. The creativity of action Chicago: The University of Chicago Press, 1996.
  • KAMOCHE, K.; CUNHA, M. P. E; CUNHA, J. V. Towards a Theory of Organizational Improvisation: Looking Beyond the Jazz Metaphor. Journal of Management Studies, Hoboken, v. 40, 2003.
  • LANGFRED, C. W. Too Much of a Good Thing? Negative Effects of High Trust and Individual Autonomy in Self-Managing Teams. The Academy of Management Journal, Briarcliff Manor, NY, v. 47, p. 385-399, 2004.
  • LEE, J. Escaping Embarrassment: Face-work in the Rap Cipher. Social Psychology Quarterly, Thousand Oaks, v. 72, n. 4, p. 306-324, 2009.
  • MARCH, J. G.; SIMON, H. A. Organizations. New York: Wiley, 1958.
  • MCGOWAN, C.; PESSANHA, R. The Brazilian sound: samba, bossa nova, and the popular music of Brazil. Philadelphia, PA: Temple Univ. Pr., 1998.
  • MOORMAN, C.; MINER, A. S. Organizational improvisation and organizational memory. Academy of Management Review, Briarcliff Manor, p. 698-723, 1998.
  • MORGAN, G. Imagens da organização (C. W. Bergamini, Tran.). São Paulo: Atlas, 1996.
  • NELSON, R. R.; WINTER, S. G. An evolutionary theory of economic change Cambridge, Mass.: Belknap Press of Harvard University Press, 1982.
  • OGURI, L. M. B.; CHAUVEL, M. A.; SUAREZ, M. C. O processo de criação das telenovelas. Revista de Administração de Empresas, São Paulo n. 1, p. 38-48, 2009.
  • PALMER, I.; DUNFORD, R. Conflicting Uses of Metaphors: Reconceptualizing Their Use in the Field of Organizational Change. The Academy of Management Review, Briarcliff Manor, v. 21, p. 691-717, 1996.
  • PENTLAND, B. T. The foundation is solid, if you know where to look: comment on Felin and Foss. Journal of Institutional Economics, Cambridge, v. 7, p. 279-293, 2010.
  • PENTLAND, B. T.; FELDMAN, M. S. Organizational routines as a unit of analysis. Oxford, Ind Corp Change, v. 14, p. 793-815, 2005.
  • RAGIN, C. C.; BECKER, H. S. What is a case?: exploring the foundations of social inquiry. Cambridge England; New York, NY: Cambridge University Press, 1992.
  • RAMALHO, E. B. Cantoria nordestina: pensando uma estética da cultura oral. Ensaio à Universidade Estadual do Ceará, 2001. http://www.iaspmal.net/wp-content/uploads/2011/12/Ramalho.pdf Acesso em: 1 set. 2012.
  • RERUP, C.; FELDMAN, M. S. Routines as a source of change in organizational schemata: The role of trial-and-error learning. The Academy of Management Journal (AMJ), Journal of Institutional Economics, v. 54, n. 3, p. 577-610, 2011.
  • REYNAUD, B. The void at the heart of rules: routines in the context of rule-following. The case of the Paris Metro Workshop. Industrial and Corporate Change, Oxford, v. 14, n. 5, p. 847, 2005.
  • SALLES, V. Repente & Cordel. Rio de Janeiro: FUNARTE, 1985.
  • SAUTCHUK, J. M. A poética cantada: investigação das habilidades do repentista nordestino. Estudos de Literatura Brasileira Contemporânea, Brasília, n. 35, 2010.
  • SIMMEL, G. Conflict and The Web of Group-Affiliations Glencoe, IL: The Free Press, 1955.
  • STINCHCOMBE, A. L. When formality works: Authority and abstraction in law and organizations. Chicago: University of Chicago Press, 2001.
  • v. 9, p. 61-94, 2000.
  • TSOUKAS, H. The missing link: A transformational view of metaphors in organizational science. The Academy of Management Review, Briarcliff Manor, v. 16, n. 3, p. 566-585, 1991.
  • WEICK, K. E. The Collapse of Sensemaking in Organizations: The Mann Gulch Disaster. Administrative Science Quarterly, Ithaca, v. 38, p. 628-652, 1993.
  • WEICK, K. Improvisation as a Mindset for Organizational Analysis. Organization Science, Catonsville, v. 9, p. 543-555, 1998.
  • WEICK, K. Reflections on enacted sensemaking in the Bhopal disaster. Journal of Management Studies, Hoboken, NJ, v. 47, n. 3, p. 537-550, 2010.
  • WILLIAMSON, O. E. Markets and Hierarchies: some elementary considerations. The American Economic Review, Pittsburgh, v. 63, p. 316-325, 1973.
  • p. 449-456, 2009.
  • ZACK, M. H. Jazz Improvisation and Organizing: once more from the top. Organization Science, Catonsville, v. 11, p. 227-234, 2000.
  • ZBARACKI, M. J.; BERGEN, M. When Truces Collapse: A Longitudinal Study of Price-Adjustment Routines. Organization Science, Catonsville, v. 21, n. 5, p. 955-972, 2010.
  • 1
    . Feldman e Pentland (2003) identificam a ideia de "meta-rotina" de Cyert e March como antecessora a ideia atual de "capacidades dinâmicas".
  • 2
    . "Sensemaking involves turning circumstances into a situation that is comprehended explicitly in words and that serves as a springboard into action."
  • 3
    . "We sense joint enthusiasm to restate sensemaking in ways that makes it more future oriented, more action oriented, more macro, more closely tied to organizing."
  • 4
    . "If the first question of sensemaking is 'What's going on here?', the second equally important question is, 'What do I do next?'."
  • 5
    . Apesar do foco desse artigo ser o Repente, acreditamos que podemos nos beneficiar da análise da metáfora do Jazz, com o objetivo de refletir criticamente quanto à apropriação dessa metáfora.
  • 6
    . [T]he jazz community espouses a […] view on freedom of expression, stressing the mutual interdependence of players and someway limiting individual freedom. For Leroy Williams, "playing jazz is like a team effort, the kind you find in basketball or baseball. Everybody has to do their specific job. That's the only way you're going to score. One guy can't take all the shots in basketball, for instance. He has to lie back at times. You have to give the ball to whichever player has the best shot. It's one big group effort, and when everybody's in harmony, that's when the best things happen. You have to sacrifice your own ideas at times."
  • 7
    . Jam Sessions são um tipo de apresentação do Jazz em que diversos músicos, que trabalharam juntos previamente ou não, revezam em bandas a fim de demonstrarem seus talentos. Geralmente, participam de Jam Sessions, músicos desconhecidos ou não profissionais, como uma oportunidade de prática em banda.
  • 8
    . Em vários pontos desse artigo nos referiremos aos termos "competição" e "conflito" como conceitos próximos, mas distintos. Enquanto a competição marca a disputa por recursos excassos (como por exemplo, a atenção da plateia), ela não implica a desestabilização das regras e do framing de uma situação. Em contraste, o conflito já implica no questionamento do framing mais apropriado para a situação em questão. Essa distinção entre competição e conflito é o que leva sociólogos como Georg Simmel e Robert E. Park pensarem o conflito social como um escalonamento da competição.
  • 9
    . Once, at the close of a ballad in a set at New York's Sweet Basil, Lonnie Hillyer slowed his tempo suddenly and began improvising a cadenza in unmetered time. Looking up from the keyboard in surprise, the pianist instantly slowed his comping patterns and exchanged quick glances with the drummer, who switched from sticks to brushes to create free-rhythmic waves of sound with his cymbals. As the music's tempo and texture changed around him, the bass player appeared flustered initially and stopped performing. Soon, however, he began to strum the bass softly like a guitar and phrased in step with his counterparts as Hillyer concluded the ballad.
  • 10
    . "Rhythm section players draw upon their knowledge of the interrelated performance practices sampled above to improvise compatible accompaniments within arrangements, thereby satisfying the group's expectations for successful interaction. [...] For each generation of improvisers, in effect, the jazz tradition's cumulative performance practices have served as general compositional guidelines, delimiting otherwise infinite possibilities for invention within each instrument's part and contributing cohesion to collective musical invention."
  • 11
    . During a Sweet Basil engagement in which Lonny Hillyer's solo faltered, he temporary held and played the trumpet with his right hand, while he ran his left through his hair with a single motion, as if to scratch an itch, then lightly brushed his ear before replacing his left hand on the trumpet. Understanding the gesture, the pianist instantly switched from elusive comping patterns to explicit chord voicings, which he continued until Hillyer regained his confidence.
  • 12
    . As for musical saves of soloists discussed earlier, jazz groups simply treat performance errors as compositional problems that require instant, collective solutions, in some cases the skillful mending of one another's performances.
  • 13
    . Within the normal compass of their activities, improvisers must respond creatively to surprises that constantly arise during performances. Unexpected turns of events occur everywhere: in the ever-changing details of each part and in the periodic large-scale changes in repertory programs and formal structures that guide improvisation. The latter occur typically when the natural flow of ideas conceived in performance leads a particular improviser outside the group's agreed-upon formats and other players follow along. Ultimately, the flexibility with which musicians treat repertory and musical arrangements, whether subtly ornamenting or substantially altering their features, enhances the improvisatory spirit of performances.
  • 14
    . Em comparação com o volume de pesquisas sobre o Jazz, há pouca literatura acadêmica sobre o Repente. A maioria da literatura formalizada sobre o repente apresentada neste trabalho foi encontrada pelos autores fora do Brasil, apesar de serem resultados de pesquisas financiadas pelo Ministério da Cultura (MinC), como no caso da obra de Salles (1985), ou então, por serem resultado de pesquisas de acadêmicos americanos, alemães e franceses.
  • 15
    . "Repentistas (as these singers-poets are also called) functioned as social critics, historias, philosophers, and organic intellectuals commenting on the daily problems and social issues confronted by the rural and migrant populations of the Northeast."
  • 16
    . "One singer poses a question, challenge, or insult; the other responds, trying to top his opponent, always in the same rigidly observed poetic form. The words are sung rather flatly, almost in a monotone."
  • 17
    . "A 'desafio' involves two individuals who confront one another as poets. As ordinary men and women, their social identity is constituted by a range of attributes, such as status, a network of relations, gender, age, religion and so on; but on entering the performance arena, they must strive to suspend their everyday social identities, neutralizing these attributes to engage with one another as poets, that is, as 'equals'."
  • 18
    . "The principle norm in repentista practice is the condemnation of the excessive use of previously prepared verses, the so-called 'decoro' (memorized) or 'balaio'. A balaio is a receptacle for transporting the harvest, but metaphorically, it means ready-made verses, ones that have been 'put away'. To hinder the use of memorized verses and guarantee the authenticity of the improvisations, singers can be called upon to make the first line of their verse rhyme with the last line of their partner's improvisation; this practice is called 'pegar na deixa' […]."
  • 19
    . "Viola serves only to support and help interpret the poetry, not to overshadow it".
  • 20
    . Com exeção dos cutting sessions, jam sessions onde havia um intuito de disputa pela maestria técnica. (DEVEAUX, 1997)
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Abr 2014
    • Data do Fascículo
      Mar 2014

    Histórico

    • Recebido
      09 Set 2012
    • Aceito
      02 Mar 2013
    Escola de Administração da Universidade Federal da Bahia Av. Reitor Miguel Calmon, s/n 3o. sala 29, 41110-903 Salvador-BA Brasil, Tel.: (55 71) 3283-7344, Fax.:(55 71) 3283-7667 - Salvador - BA - Brazil
    E-mail: revistaoes@ufba.br