Acessibilidade / Reportar erro

Repensar as Organizações e a Sociedade a partir da Ética

Resumo

No mundo das organizações e das sociedades contemporâneas, assistimos, há várias décadas, a um retorno das questões morais. Dentre os inúmeros fatores que têm contribuído para isso, a questão ecológica ocupa, cada vez mais, um papel central. A era do antropoceno, na qual entramos, exige, um agir urgente a partir de uma ética de ação apropriada. No presente artigo, após retomarmos as origens do conceito de ética, mostraremos ela é sinônimo de numerosas capacidades e como podemos colocá-las em prática no seio de nossas organizações e das nossas sociedades a serviço de um desenvolvimento sustentável, indispensável, doravante, à sobrevivência coletiva. Portanto, convidamos, simultaneamente, os indivíduos, as organizações e as sociedades do mundo para uma mudança radical.

ética; antropoceno; desenvolvimento sustentável; gestão; política; organizações; sociedades

Abstract

Contemporary organizations and societies have witnessed a return of ethical issues for several decades – with the ecological issue occupying center stage among its many contributing factors. In fact, the current Anthropocene era requires urgent ethics-based appropriate action. In this article, after recalling the meaning of ethics, we discuss how ethics is associated with many capacities, and how an ethics of finitude can aid organizations and societies put into practice a true sustainable development, which is now indispensable for our collective survival. From this ethical perspective, we invite individuals, citizens, organizations, societies, and the world to enact social radical change 1 1 . This text reproduces some elements of an article already published in French: Chanlat, J. F. (2009). De l'éthique du pouvoir au pouvoir de l'éthique: l'agir managérial à l'épreuve des valeurs. in M. Marchesnay, & M. S. Payaud (Coords.), Stratégies et pouvoirs: mélanges en l'honneur du professeur Alain-Charles Martinet (pp. 207-219). Paris: Vuibert.

ethics; anthropocene; sustainable development; management; politics; organizations; societies

O homem é a alegria do sim na tristeza do finito .

Paul Ricoeur

De nossa posição de sujeito, nós somos todos responsáveis .

Jacques Lacan

Aja de modo que os efeitos de tua ação sejam compatíveis com a permanência de uma vida autenticamente humana na terra .

Hans Jonas

Introdução 1 1 . Esta versão em português foi traduzida e revisada diretamente do original francês “Repenser les organisations et la société à partir de l’ethique”. A tradução foi realizada por Marcelo Dantas (CIAGS-UFBA e CECULT-UFRB) e a revisão técnica por Maria Ester de Freitas (EAESP-FGV-SP) , 2 2 . Este texto retoma alguns elementos do artigo publicado em francês: Chanlat, J. F. (2009). De l’Éthique du pouvoir au pouvoir de l’éthique: l’agir managérial à l’épreuve des valeurs. In M. Marchesnay, & M. A. Payaud (Coords.), Stratégies et pouvoirs: mélanges en l’honneur du professeur Alain-Charles Martinet (pp. 207-219). Paris: Vuibert.

Na Ética a Nicômaco , Aristóteles (1992) escreveu:

No campo da prática, o fim não consiste no estudo e no conhecimento puramente teórico das diferentes ações, mas principalmente na sua execução. Então, no que concerne à virtude, não é também suficiente saber o que ela é, mas devemos nos esforçar de a possuir e de colocá-la em prática ou tentar, por qualquer outro meio, se ele existe, de tornarmo-nos homens de bem. (pp. 522-523)

Através dessa proposição, o célebre filósofo grego colocava, há mais de dois mil anos, não apenas o problema das relações que a política, cuja finalidade é a ação, mantém com a moral, mas também as relações que o bem individual mantém com o bem coletivo. Essa irrupção de considerações de ordem ética no que se constitui a essência mesma da humanidade, a ação, é um fenômeno que presente em todas as épocas. Como lembra o filósofo Eric Weil (1989)Weil, É. (1989). Morale. Encyclopedia Universalis, 15, 743-750. Retrieved from https://bit.ly/3riLZl2
https://bit.ly/3riLZl2...
:

Toda empreitada humana, por desinteressante que ela seja, é submetida à questão de saber se ela é justificada ou não, necessária, admissível ou repreensível, de acordo com os valores reconhecidos ou em contradição com eles; quer dizer, se ela ajuda na realização do que é considerado como desejável para a prevenção ou eliminação do que é julgado como maléfico. (p. 743)

No mundo das organizações, notadamente o ocidental, vemos há várias décadas o retorno dessas interrogações ( Deslandes, 2010Deslandes, G. (2010). Éthique des organisations, le retour de la vertu. L’Expansion Management Review, 137(2), 103-111. doi:10.3917/emr.137.0103 ; Pesqueux & Biefnot, 2002Pesqueux, Y., Biefnot, Y. (2002). L’éthique des affaires. Paris: Éditions d’Organisation. ). Esse impulso ético é atribuível a um conjunto de fatores: aos numerosos escândalos financeiros que marcaram Wall Street e a vida dos negócios em geral (Enrom, World Com, Parmalat, Ahold, Affaire Conrad Black, crise dos subprimes , Société Générale etc.); ao crescimento de atitudes cada vez mais egoístas dos jovens diplomados e recém-formados dos programas de gestão3 3 . Em francês, o termo “gestão” refere-se à administração de empresas, portanto, ao setor privado. O termo “administração” é usado para designar a administração pública ou o setor público. ; aos questionamentos em torno do declínio da consciência profissional em certos setores; às consequências socioeconômicas de certas decisões especulativas; às convulsões geradas pela técnica; às catástrofes industriais; aos debates sobre a remuneração dos dirigentes; e, enfim e sobretudo, aos desafios gigantescos trazidos pelo aquecimento do planeta e ao modo de desenvolvimento em que ele está associado, cujos relatórios do MIT (Meadows, 1972), do Clube de Roma (1974), do Grupo de Lisboa (1995) ou os trabalhos de bioeconomia de Nicolas Georgescu-Roegen (1978/2013) e de René Passet (1996)Passet, R. (1996). L’Économique et le vivant. Paris: Economica. , que haviam estabelecido, há várias décadas, de maneira premonitória, os seus principais contornos.

O antropoceno trata-se da nova era geológica, que se caracteriza pelo advento dos homens como principal força de mudança na Terra (Intergovernmental Panel on Climate Change [IPCC], 2021). Ela exige uma revisão radical de nossas práticas e de nosso modo de pensar ( Charbonnier, 2020Charbonnier, P. (2020). Abondance et liberté, une histoire environnementale des idées politiques. Paris: La Découverte. ; Fleury & Prévot, 2017Fleury, C., & Prévot, A.-C. (Eds.) (2017). Le Souci de la nature: Apprendre, inventer, gouverner. Paris: CNRS Editions. ); essa é a razão pela qual escolhemos tratar da ética neste número da revista, dedicado a repensar as organizações e a sociedade a partir de novas ideias. Nosso artigo está organizado da seguinte maneira: após relembrar o que entendemos por ética e apresentarmos seus poderes, abordaremos os principais elementos que devemos considerar para a colocar em prática de uma forma apropriada no seio das nossas organizações e de nossas sociedades. Para nós, não há nenhuma dúvida de que somente com essa postura poderemos antever um futuro sustentável para a humanidade. Veremos que, diante da urgência da situação, serão necessárias mudanças radicais, tanto para os indivíduos e organizações, como para as sociedades e o mundo.

Ética e moral: origens do conceito

Hoje, a ética está na moda. Isso é um fato social em si. A leitura regular dos jornais, das revistas (veja, por exemplo, em francês, a Revue française d'éthique appliquée , a Revue Interdisciplinaire, Management, Homme & Entreprise (RIMHE) e a Revue de l’organisation responsable , e, em inglês, o Journal of Business Ethics , o número de publicações aparecendo sobre esse tema ( Brenkert & Beauchamp, 2009Brenkert, G. G., Beauchamp, T. L. (Eds.) (2009). The Oxford handbook of business ethics. Oxford: Oxford University Press. ; Deslandes, 2010Deslandes, G. (2010). Éthique des organisations, le retour de la vertu. L’Expansion Management Review, 137(2), 103-111. doi:10.3917/emr.137.0103 ; Luetge, 2013Luetge, C. (Ed.) (2013). Handbook of the philosophical foundations of business ethics. Amsterdam: Springer. ; Mercier, 2014Mercier, S. (2014). L'éthique dans les entreprises. Paris: La Découverte. ; Pesqueux & Biefnot, 2002)Pesqueux, Y., Biefnot, Y. (2002). L’éthique des affaires. Paris: Éditions d’Organisation. ou sobre temas próximos, como o da responsabilidade social das empresas ( Capron & Quairel-Lanoizelée, 2015Capron, M., Quairel-Lanoizelée, F. (2015). La responsabilité sociale de l'entreprise: une question politique. Paris: La Découverte. ; Gendron & Girard, 2013Gendron, C., Girard, B. (Eds.) (2013). Repenser la responsabilité s’ciale de l’en’reprise. L’école de Montréal. Paris: Armand Colin. ; Pasquero & Chanlat, 2015)Pasquero, J., & Chanlat, J.-F. (2015). Le tournant sociétal. In F.-X. Vaujany, A. Hussenot, J.-C. Chanlat (Eds.), Repenser les théories des organisations (pp. 56-78). Paris: Economica. , ou, ainda, os números especiais de revistas que são regularmente consagrados a ele (Brasseur, Kefi, & Ngijol, 2012; Flipo & Seidel, 2010)Flipo, J-F., & Seidel, F. (2010). 20 ans de recherche en éthique marketing. Une revue comparée de littérature francophone et internationale. Revue française de gestion, 8(207), 47-61. Retrieved from https://bit.ly/3oNctd8
https://bit.ly/3oNctd8...
são provas eloquentes do interesse contemporâneo pela ética.

Essa popularidade da ética, entretanto, não é apenas o fruto de uma reflexão particular aos filósofos; ela é também resultante de numerosos problemas que chocam regularmente a consciência moral de cada um: corrupção; escândalos financeiros; chefes desonestos; remuneração gigantesca dos dirigentes das grandes empresas multinacionais; práticas duvidosas de gestão; crise de subprimes , desigualdades crescentes e também, cada vez mais, os efeitos ambientais de nossas próprias ações ( Charbonnier, 2020Charbonnier, P. (2020). Abondance et liberté, une histoire environnementale des idées politiques. Paris: La Découverte. ; Fleury & Prévot, 2017Fleury, C., & Prévot, A.-C. (Eds.) (2017). Le Souci de la nature: Apprendre, inventer, gouverner. Paris: CNRS Editions. ; IPCC, 2021). Se a reflexão ética acompanha mais ou menos toda ação, o termo “ética” necessita aqui de algumas precisões. Para os filósofos, a ética é a parte de sua reflexão que interroga os valores que guiam toda ação humana. Ela se distingue, pois, de um lado, da moral, que dita de maneira normativa aquilo que devemos fazer, e, de outro, da deontologia, isto é, um guia de ação prática em um dado contexto profissional ( Pesqueux & Biefnot, 2002)Pesqueux, Y., Biefnot, Y. (2002). L’éthique des affaires. Paris: Éditions d’Organisation. .

A palavra ética, como afirma Rouzel (2002)Rouzel, J. (2002). L’Éthique dans les pratiques sociales. In J. Rouzel, Le Transfert dans la relation éducative: psychanalyse et travail social (pp. 233-256). Paris: Dunod. , têm origem em duas palavras gregas: èthos e éthos . Devemos a Aristóteles a apresentação dessas duas acepções da ética. A segunda palavra, éthos , designa os bons costumes, a moral social, o que é socialmente aceitável ou proibido; a primeira, èthos , a precede historicamente. Sua primeira ocorrência encontra-se nos fragmentos de Heráclito. Os especialistas da ética consideram que, para ele, apenas a primeira palavra mantém a ordem do mundo, aquilo que os gregos designavam sob o nome de cosmos. A questão é, então, saber o que permite ao ser humano colocar-se em harmonia com essa ordem cósmica e, assim, assumir as boas práticas e fazer as boas escolhas. É para responder a essa questão que Heráclito introduz essa dimensão essencial que ele nomeia èthos ( Munier, 1991Munier, R. (1991). Les Fragments d’Héraclite. Paris: Fata Morgana. ).

Mais tarde, Spinoza avançou um pouco mais nesse caminho, não hesitado em afirmar que, uma vez que o homem tenha descoberto o núcleo em torno do qual se cristaliza a sua verdadeira ideia, ele deve revelá-la e partilhá-la ( Deleuze, 2003Deleuze, G. (2003). Spinoza: philosophie pratique. Paris: Minuit. ). Retomando os termos da psicanálise contemporânea, pode-se dizer que se trata da dimensão subjetiva ( Lacan, 1986Lacan, J. (1986). L’Éthique de la psychanalyse. Séminaire VII. Paris: Seuil. ). Mas como o ser humano pode se colocar em contato com o que habita no mais íntimo de si e lhe dar uma expressão em palavra para organizar o mundo?

O filósofo Alain Badiou (1993)Badiou, A. (1993). L’Éthique. Essai sur la conscience du mal. Paris: Hatier. buscou responde a essa questão em L’Éthique . Para ele, a ética não é uma defesa de valores dominantes, como o humanismo ou o respeito aos diretos humanos. Pelo contrário, ela intervém como um contrapeso a esses valores sociais que, entregues a si mesmos, podem conduzir frequentemente ao pior, com querer fazer o bem ao outro contra a sua própria vontade. Kant afirmava que “querer fazer o bem aos outros é a pior das tiranias”. Em outras palavras, o que essa outra vertente da ética nos indica é que a noção aristotélica do bem supremo é, de fato, ser governado, sempre de maneira invisível, pelos fantasmas e pela vontade de poder de cada um. Querer fazer o bem ao outro não é querer, definitivamente, que ele se conforme ao que os outros esperam dele ou, sempre, segundo a psicanálise, a marca do sujeito não reside justamente na não-conformidade ao desejo do Outro?

No terreno da reflexão ética, encontramos, pois, dois níveis : no primeiro nível, o èthos, que corresponde à relação entre o ser humano e sua própria estranheza, em que cabe a cada um encontrar seu caminho: é o lugar da ética do sujeito; e, no segundo nível, o éthos , que remete à moral social com a qual o primeiro nível entra em tensão, sendo os dois, naturalmente, indispensáveis; pois a ética não consiste em fazer o que quer que seja, mas em manter a inserção do sujeito em uma sociedade ( Enriquez, 1997Enriquez, E. (1997). Les Enjeux éthiques dans les organisations modernes. In E. Enriquez, Les Jeux du pouvoir et du désir dans l’entreprise (pp. 115-137). Paris: Desclée de Brouwer. ; 2007). As sociedades humanas não podem sobreviver sem leis que obriguem seus cidadãos a limitar seu prazer para viver com os outros. Podemos, inclusive, identificar um bom exemplo disso na determinação das políticas sanitárias contemporâneas em todo o mundo – confinamento; vacinação; uso de máscaras; distanciamento social; passaporte sanitário etc. – em razão da pandemia da covid-19, em que somos confrontados há mais de um ano e meio ( Chanlat, 2020Chanlat, J.-F. (2020). A catástrofe sanitária atual: um fato social total? Ciências em Debate, 4, 80-106. ). Além disso, nem sempre o sujeito pode se conformar às leis da cidade e abster-se de sua própria responsabilidade. Nesse caso, nos deparamos com um conflito potencial entre o sujeito e a sociedade envolvidos, resultando numa tensão entre essas duas éticas, que Sófocles colocou em clara evidência na peça Antígona .

A ética começa, pois, por um questionamento de si mesmo e do lugar que ocupamos no contexto social. Ela não considera unicamente injunções institucionais e até mesmo regras morais, em que cada um será remetido, a cada vez, ao seu próprio engajamento. Como escreveu Eugène Enriquez (2007)Enriquez, E. (2007). Voies et impasses de la société occidentale. Nouvelle revue de psychosociologie, (3), 23-40. doi:10.3917/nrp.003.0023: “A ética só se exerce ‘na execução’. A ética sem prática não existe” (p. 38). Em outras palavras, a ética revela com o que cada sujeito se compromete para sustentar sua própria verdade num contexto em que ele é pago para agir. Assim, ela se torna um ponto de tensão entre o que cada um pensa e o que se exige dele nas em determinadas circunstâncias.

A ética do sujeito apresentada pelos anciãos não faz desaparecer, entretanto, a outra versão da ética: a da moral social. É nessa tensão permanente entre as duas em que se abre o caminho de toda a ação entre o sujeito e a sociedade. Mantendo essa tensão, a ética impede a desaparição do cidadão responsável em vez de beneficiar um discurso científico que desvalorizaria a palavra e a subjetividade de cada um. Ela evita também ceder aos extremos, representados, de um lado, pelo individualismo absoluto do sujeito (como podemos ver em certas contestações atuais das políticas sanitárias), e, de outro, pelo holismo de uma sociedade totalitária. Com efeito, se o sujeito não existe sem a sociedade que o envolve, tampouco uma sociedade se manteria viva sem considerar as singularidades dos sujeitos que a compõem ( Castoriadis, 1975Castoriadis, C. (1975). L’Institution imaginaire de la société. Paris: Seuil. ; 1996; Enriquez, 1983Enriquez, E. (1983). De La Horde à l’État. Psychanalyse du lien social. Paris: Gallimard. , 1997Enriquez, E. (1997). Les Enjeux éthiques dans les organisations modernes. In E. Enriquez, Les Jeux du pouvoir et du désir dans l’entreprise (pp. 115-137). Paris: Desclée de Brouwer. , 2007Enriquez, E. (2007). Voies et impasses de la société occidentale. Nouvelle revue de psychosociologie, (3), 23-40. doi:10.3917/nrp.003.0023 ; Gori, 2016Gori, R. (2016). L’Individu ingouvernable. Paris: Les liens qui libèrent. ). No fim das contas, se a ética salienta uma posição fundamentalmente subjetiva, ela não encontra sua plenitude senão no retorno que ela produz no seio da sociedade. Os atores sociais, sendo sempre mais ou menos responsáveis pelo que fazem, não podem se abrigar atrás de uma pretensa injunção social de normalização. É a razão pela qual o imperativo ético se impõe a cada um sob toda forma de ação social.

Após essa retomada das duas faces da ética, é necessário precisar agora o que entendemos por moral. Se os dois termos são sempre sinônimos numa linguagem coloquial, a moral se distingue, entretanto, um pouco da ética. Recorremos às palavras de Paul Ricoeur (2001)Ricoeur, P. (2001). De La Morale à l'éthique et aux éthiques. In P. Ricoeur, Le Juste 2 (pp. 40-58). Paris: Esprit. para determinar essa distinção entre as duas éticas:

Eu proponho sustentar o conceito de moral como o termo fixo de referência e de lhe atribuir uma dupla função, aquela de designar, de um lado, a região das normas; dito de outra forma, os princípios do permitido e do proibido; e, por outro lado, o sentimento de obrigação como face subjetiva da relação de um sujeito com as normas. É aqui, no meu entendimento, o ponto fixo, o núcleo duro. E é relacionado a ele que é preciso definir o emprego do termo ética. Eu vejo, então, o conceito de ética se desdobrar em dois: uma parte, designando qualquer coisa como o montante das normas – eu chamarei de ética anterior –, e a outra parte designando qualquer coisa como o aval das normas – e que chamarei de ética posterior . . . a ética anterior apontando para o enraizamento das normas na vida e no desejo e a ética posterior visando inserir as normas nas situações concretas. (p. 1)

Como podemos ver, Paul Ricoeur (2001)Ricoeur, P. (2001). De La Morale à l'éthique et aux éthiques. In P. Ricoeur, Le Juste 2 (pp. 40-58). Paris: Esprit. retoma, à sua maneira, as duas versões de ética apresentadas acima. Assim, a ética anterior remete ao èthos e a ética posterior remete ao éthos . Ele acrescenta, adiante, um elemento importante para os atores sociais que habitam as organizações:

Uma norma, como quer que seja intitulada, invoca um ser capaz de entrar numa ordem simbólica prática, quer dizer, reconhecer nas normas uma pretensão legítima de regular as condutas. Por sua vez, a ideia de imputabilidade, enquanto capacidade, inscreve-se na longa enumeração das capacidades pelas quais eu caracterizo, tranquilamente, no plano antropológico o que chamo de homem capaz: capacidade de falar, capacidade de fazer, capacidade de se mostrar; a imputabilidade acrescenta a essa sequência a capacidade de se colocar como agente. (p. 3)

E conclui sua proposição assim:

Podemos tomar por equivalentes as duas formulações seguintes: de um lado, podemos tomar a moralidade como plano de referência em relação ao qual se definem de uma parte a outra uma ética fundamental que lhe seria anterior e éticas aplicadas que lhe seriam posteriores . . . a moral, no seu desdobramento em normas privadas, jurídicas e políticas, constituem a estrutura de transição que guia a transferência da ética fundamental em direção às éticas aplicadas que lhe dão visibilidade e inteligibilidade no plano da prática. A ética médica e a ética jurídica são, desse ponto de vista, exemplares, visto que o sofrimento e o conflito constituem duas situações típicas, que colocam sobre a prática o selo do trágico. (p. 11)

A ética dos negócios fornece um outro bom exemplo, uma vez que seu objetivo não é o de determinar a maneira como podemos conciliar as expectativas morais, sempre contraditórias. Na verdade, uma empresa ou uma organização, através dos atores que a compõem, deve sempre fazer escolhas difíceis entre as ações que têm um valor moral superior e ações puramente estratégicas que devem lhe permitir continuar viva ( Denis & Martinet, 2021Denis, J.-P., & Martinet, A-C. (2021, 29th Mars). Danone, ou l’ultime paradoxe de la société "à mission". The Conversation. Retrieved from https://bit.ly/3GAZAbV
https://bit.ly/3GAZAbV...
; Deslandes, 2010Deslandes, G. (2010). Éthique des organisations, le retour de la vertu. L’Expansion Management Review, 137(2), 103-111. doi:10.3917/emr.137.0103 ; Pesqueux & Biefnot, 2002)Pesqueux, Y., Biefnot, Y. (2002). L’éthique des affaires. Paris: Éditions d’Organisation. . Nós estamos bem no coração da tensão apresentada acima.

Quais são, então, os valores que orientam hoje a ação dos diferentes atores trabalhando nas organizações? A resposta é complexa, pois a maior parte dos trabalhos e das pesquisas nos mostram que esses valores variam segundo muitos parâmetros: a natureza jurídica das organizações; o setor industrial; o porte; a cultura do país; a filosofia de gestão; a função; a idade; o sexo; a religião etc. (Baïda-Hirèche, 2008; Baïda-Hirèche, Pasquero, & Chanlat, 2012Chanlat, J.-F. (2012). Anthropologie des organisations. In J. Allouche (Ed.), Encyclopédie des ressources humaines (pp. 17-39). Paris: Vuibert. ; Chanlat & Özbilgin, 2017a, 2017b; Davel, Dupuis & Chanlat, 2008; d’Iribarne, 2013d’Iribarne, P. (2013). The effect of culture on business ethics. In J-F. Chanlat, E. Davel., & J-P. Dupuis (Eds.), Cross-cultural management, culture and management across the world (pp. 165-200). London: Routledge. ; Grellier-Bidalun & Chanlat, 2019)Grellier-Bidalun, H., & Chanlat, J.-F. (2019). Le Groupe Mondragon: l’ethos coopératif au service d’un projet socio-économique. Dauphine Recherche en Management, 70-83. Retrieved from https://bit.ly/3DSU7M1
https://bit.ly/3DSU7M1...
. Dito de outra maneira, como lembra Robert Jackall (1988)Jackall, R. (1988). Moral mazes: the world of corporate managers. Oxford: Oxford University Press.:

As regras morais em uso, formuladas em função de restrições particulares e estruturais de uma organização podem notadamente variar em função de múltiplos fatores, como a proximidade do mercado, as responsabilidades funcionais ou operacionais ou a posição hierárquica. As morais organizacionais são, assim, contextuais, situacionais, fundamentalmente específicas e, quase sempre, pouco claras. (p. 6)

A reflexão sobre a ética, em particular aquela dos dirigentes, não pode, pois, se contentar com uma abordagem normativa e prescritiva; ela deve ser acompanhada de um verdadeiro estudo do contexto, as éticas do poder sendo analisadas na situação. É, pois, precisamente através da análise fina da experiência cotidiana vivida no trabalho que as posturas éticas se revelam (Baïda-Hirèche, 2008) e que as dificuldades, que aparecem através do tempo, fazem ressaltar a complexidade dos desafios e da ordem negociada dela resultante (Baïda-Hirèche, Pasquero & Chanlat, 2012Chanlat, J.-F. (2012). Anthropologie des organisations. In J. Allouche (Ed.), Encyclopédie des ressources humaines (pp. 17-39). Paris: Vuibert. ). Enfim, um último aspecto a destacar é a influência que pode exercer a cultura nessas ações. A maneira de conceber a ética varia caso estejamos lidando com uma ética do tipo particularista ou do tipo universalista ( Chanlat & Özbilgin, 2018, 20Chanlat, J.-F., & Özbilgin, M. (Eds.) (2018). Management et diversité: Comparaisons internationales. Ste Foy: Les Presses de l’université Laval; Paris: Hermann. , 2019Chanlat, J.-F., & Özbilgin, M. (Eds.) (2019). Management et diversité: approches thématiques. Sainte Foy: Les Presses de l’Université Laval; Paris: Hermann. ; d’Iribarne, 2008). Se as éticas do poder no campo das organizações ilustram bem as tensões que surgem entre o èthos e o éthos , já evocados, essas tensões são igualmente reveladoras dos poderes da ética.

Os poderes da ética

Se a ética tem duas versões, essa interrogação permanente de éthos para èthos , ou da moral social do ambiente para a ética do sujeito, pode nos levar a ver que o ator social pode tirar disso os elementos para sua ação. A reflexão ética toca o essencial no centro de toda relação social à medida que ela a torna efetiva, estando no fundamento do que chamamos o saber viver e a civilidade ( Pharo, 1991Pharo, P. (1991). Politique et savoir vivre. Paris: L’Harmattan. ). Ela está igualmente na base da confiança porque repousa no respeito da promessa ( Dejours, 1995Dejours, C. (1995). Le facteur humain. Paris: Presses universitaires de France. ). Dito de outra forma, questionando os valores que sustentam as ações em nome de princípios fundamentais, ela não se resume a ser uma metamoral, mas ela se posiciona no centro da política ( Pharo, 1991Pharo, P. (1991). Politique et savoir vivre. Paris: L’Harmattan. ).

Há várias décadas que as ciências sociais, notadamente a análise estratégica, tem mostrado que todo membro de uma organização é um indivíduo dotado de capacidade de ação, qualquer que seja seu nível hierárquico ( Clegg & Haugaard, 2009Clegg, S. R., Haugaard, M. (Eds.) (2009). The Sage handbook of power. London: Sage. ; Crozier & Friedberg, 1977)Crozier, M., Friedberg, E. (1977). L’Acteur et le système. Paris: Seuil. . Se essa visão dinâmica e pluralista da vida política trouxe uma contribuição significativa para a compreensão dos comportamentos nas organizações, ela também não deixou de lado certos aspectos do ator estudado, especialmente suas interrogações éticas. Isso não é surpreendente já que a abordagem original, notadamente no caso do trabalho de Crozier e Friedberg, privilegia, antes de tudo, um ator político, no sentido estratégico do termo, em detrimento de um ator-sujeito portador de identidade (Chanlat, 2021a; Ollivier, 1995Ollivier, B. (1995). L’Acteur et le sujet. Paris: Desclée de Brouver. ; Sainsaulieu, 1977/2014, 2001; Sainsaulieu & Kirschner, 2006). Se reintroduzimos o sujeito no ator, medimos então o quanto a reflexão ética torna-se, como propõe Paul Ricoeur (2001)Ricoeur, P. (2001). De La Morale à l'éthique et aux éthiques. In P. Ricoeur, Le Juste 2 (pp. 40-58). Paris: Esprit. , portadora de capacidades múltiplas: capacidade de refletir, capacidade de agir, capacidade de discutir, capacidade de julgar, capacidade de conhecer seus próprios limites.

A ética como capacidade de refletir

A ética do sujeito é fruto de uma reflexão permanente sobre os valores que orientam a ação e sobre aqueles que podem ser estruturantes em termos de regras de ação em contexto organizado; pois, nós compreendemos bem, o èthos é o poder de refletir ao mesmo tempo sobre o que nós fazemos, sobre a maneira como o fazemos e sobre as consequências dos nossos atos. Ela é, nesse ponto, uma manifestação da liberdade, já que está estritamente ligada à vontade de não se submeter aos determinismos naturais e sociais e a questionar as consequências de nossas decisões e de nossas ações. Confrontados permanentemente com esse tipo de reflexão, é em nome da ética da responsabilidade, como qualifica Max Weber, que os gestores ou qualquer outro ator em uma organização questiona as ações de uns e de outros. Diante da ética utilitária, que reina quase sempre de forma predominante em certos universos, nos quais o ser humano está associado essencialmente a um recurso (vide a “expressão recursos humanos”!) ( Brabet, 1993Brabet, J. (Ed.) (1993). Repenser la gestion des ressources humaines. Paris: Economica. ; Gori, 2016Gori, R. (2016). L’Individu ingouvernable. Paris: Les liens qui libèrent. ; Gorz, 1988Gorz, A. (1988). Métamorphose du travail: Quête du sens. Paris: Galilée. ), alguns podem se aproveitar de sua capacidade de reflexão nos valores que portam e os elementos do pensamento que lhes nutre (saber científico, escritos filosóficos e conhecimento em ciências humanas) para contestar certas ações e propor outras alternativas ( Brenkert & Beauchamp, 2009Brenkert, G. G., Beauchamp, T. L. (Eds.) (2009). The Oxford handbook of business ethics. Oxford: Oxford University Press. ; Chanlat, 2015Chanlat, J.-F. (2015). Le champ des études organisationnelles: réflexions critiques d’un observateur plurilingue. Revista de Administração de Empresas, 55(1), 226-230. doi:10.1590/S0034-759020150212 ; Etzioni, 1988Etzioni, A. (1988). The moral dimension: toward a new economics. New York: The Free Press. ; Luetge, 2013)Luetge, C. (Ed.) (2013). Handbook of the philosophical foundations of business ethics. Amsterdam: Springer. .

A ética como capacidade de agir

Como ator social, todo indivíduo tem a capacidade de agir e transformar a realidade que o cerca. Ou seja, a ética constitui um dos elementos centrais dessa capacidade de agir (Ricœur, 2001; Deleuze, 2003Deleuze, G. (2003). Spinoza: philosophie pratique. Paris: Minuit. ). Max Weber a qualificava de ética da convicção , pois nós sempre agimos em nome dos valores que cremos. Por exemplo, é em nome de valores solidários e democráticos que as sociedades europeias construíram, após a Segunda Guerra Mundial, o Estado do bem-estar social ( Supiot, 2010Supiot, A. (2010). L’Esprit de Philadelphie: la justice sociale face au marché total. Paris: Seuil. ). Mas é também em nome de uma ética do interesse pessoal que questionamos, a partir do fim dos anos 1970, certos elementos desse Estado em proveito dos mecanismos do mercado e de um individualismo exacerbado ( Gori, 2016Gori, R. (2016). L’Individu ingouvernable. Paris: Les liens qui libèrent. ; Kay, 2003Kay, J. (2003). The truth about markets: their genius, their limits, their follies. London: Allen Lane. ; Laval, 2007Laval, C. (2007). L’Homme économique. Essai sur les racines du néolibéralisme. Paris: Gallimard. ). Nos nossos dias, é novamente em nome de valores de equidade e solidariedade que defendemos o mercado justo ou que fundamos cooperativas (Eynaud & França Filho, 2019; Grellier-Bidalun & Chanlat, 2019)Grellier-Bidalun, H., & Chanlat, J.-F. (2019). Le Groupe Mondragon: l’ethos coopératif au service d’un projet socio-économique. Dauphine Recherche en Management, 70-83. Retrieved from https://bit.ly/3DSU7M1
https://bit.ly/3DSU7M1...
; como é também em nome da eficiência do mercado que promovemos largamente a privatização das empresas públicas, a desregulamentação e as lógicas financeiras (Clarke, O’Brien, & O’Kelley, 2019; Ho, 2009Ho, K. (2009). Liquidated: an ethnography of Wall Street. Durham: Duke University Press. ; Kay, 2003Kay, J. (2003). The truth about markets: their genius, their limits, their follies. London: Allen Lane. ; Lazonick & Shin, 2019Lazonick, W., & Shin, J-S. (2019). Predatory value extraction: how the looting of the business corporation became the Us norm and how sustainable prosperity can be restored. Oxford: Oxford University Press. ; Passet, 2001)Passet, R. (2001). L'illusion néo-libérale. Paris: Flammarion. .

Os estudos americanos sobre a influência dos valores destacados em um programa universitário mostram o seu papel na representação da realidade social percebida pelos estudantes. Não é por acaso que numerosos daqueles que fazem estudos em gestão e em economia têm uma visão mais utilitarista do mundo do que aqueles oriundos de outras disciplinas; esse é possivelmente o único discurso que eles entendem e leem (Chanlat, 2018; Etzioni, 1988Etzioni, A. (1988). The moral dimension: toward a new economics. New York: The Free Press. ; Goshal, 2005Goshal, S. (2005). Bad management theories are destroying good management practices. Academy of Management Learning & Education, 4(1), 75-91. doi:10.5465/amle.2005.16132558
https://doi.org/10.5465/amle.2005.161325...
; Jackall, 1988Jackall, R. (1988). Moral mazes: the world of corporate managers. Oxford: Oxford University Press. ; Khurana, 2007Khurana, R. (2007). From higher aims to hired hands: the social transformation of American Business Schools and the unfulfilled promise of management as a profession. Princeton: Princeton University Press. ; Mintzberg, 2005Mintzberg, H. (2005). Managers not MBAs. San Francisco: Berritt-Koelher. ; Villette, 1988Villette, M. (1988). L’Homme qui croyait au management. Paris: Seuil. ). Ainda que a ética do Homo economicus seja distinta da ética do Homo socialis ( Laval, 2007Laval, C. (2007). L’Homme économique. Essai sur les racines du néolibéralisme. Paris: Gallimard. ; Mauss, 1968Mauss, M. (1968). Sociologie et anthropologie. Paris: Presses Universitaires de France. ; Revue du Mauss, 2007Revue du Mauss. (2007). Avec Karl Polanyi contre la société du tout-marchand. Paris: La Découverte. ; Polanyi, 1974), notamos que uma boa parte das decisões tomadas, no curso dos últimos trinta anos nos nossos universos sociais, foi tomada em nome da ética do Homo economicus . Ou ainda, que muitas vozes hoje se elevam para questionar as consequências dessas decisões e apelam para revermos nossas maneiras de fazer, vistos os desafios a nós impostos por elas (Capron & Quairel-Lanozelée, 2015; Charbonnier, 2020Charbonnier, P. (2020). Abondance et liberté, une histoire environnementale des idées politiques. Paris: La Découverte. ; Gendron & Girard, 2013Gendron, C., Girard, B. (Eds.) (2013). Repenser la responsabilité s’ciale de l’en’reprise. L’école de Montréal. Paris: Armand Colin. ; Pasquero & Chanlat, 2015)Pasquero, J., & Chanlat, J.-F. (2015). Le tournant sociétal. In F.-X. Vaujany, A. Hussenot, J.-C. Chanlat (Eds.), Repenser les théories des organisations (pp. 56-78). Paris: Economica. , especialmente face à grave crise ambiental que vivemos ( Fleury & Prévot, 2017Fleury, C., & Prévot, A.-C. (Eds.) (2017). Le Souci de la nature: Apprendre, inventer, gouverner. Paris: CNRS Editions. ; Groupe d'Experts Intergouvernemental sur L'évolution du Climat [Giec], 2021). Outros não hesitam ainda em questionar a ética daqueles que nos dirigem, especialmente os dirigentes financeiros, diretores de empresas e responsáveis pelas escolas de gestão ( Bogle, 2005Bogle, J. (2005). The battle for the soul of capitalism. New Have: Yale University Press. ; Chanlat, 2015Chanlat, J.-F. (2015). Le champ des études organisationnelles: réflexions critiques d’un observateur plurilingue. Revista de Administração de Empresas, 55(1), 226-230. doi:10.1590/S0034-759020150212 ; Dietrich, Pigeyre & Vercher-Chapsal, 2015; Fischer & Davel, 2018Fischer, T., Davel, E. (2018). Administração como aprendizagem: do vir ao porvir com Tânia Fischer. Farol - Revista de Estudos Organizacionais e Sociedade, 5(12), 13-31. doi:10.25113/farol.v5i12.4794 ; Khurana, 2007Khurana, R. (2007). From higher aims to hired hands: the social transformation of American Business Schools and the unfulfilled promise of management as a profession. Princeton: Princeton University Press. ; Mintzberg, 2005Mintzberg, H. (2005). Managers not MBAs. San Francisco: Berritt-Koelher. ; Van de Ven, 2007)Van de Ven, A. H. (2007). Engaged scholarship: a guide for organizational and social research. Oxford: Oxford University Press. . Fazer esses questionamentos contribuem para dinamizar o espaço de discussão típico de todo regime democrático.

A ética como capacidade de discutir

É ao filósofo alemão Jürgen Habermas (1985)Habermas, J. (1985). Theory of communicative action, volume one: reason and the rationalization of society. Boston: Beacon. que devemos a noção de ética da discussão. Em sua célebre obra, L’Agir communicationnel ( Teoria do agir comunicativo ), o filósofo frankfurtiano procura defender a ideia de que o regime democrático é aquele que permite a melhor expressão desse poder de discutir, pois essa capacidade de expressar o que pensamos, o que sentimos e o que cremos num diálogo respeitoso com o outro é justamente um dos fundamentos do que chamamos democracia. Por sua vez, o filósofo Cornelius Castoriadis (1975Castoriadis, C. (1975). L’Institution imaginaire de la société. Paris: Seuil. , 1996Castoriadis, C. (1996). Les Carrefours du labyrinthe. 4. La montée de l’insignifiance. Paris: Seuil. ) mostrou o quanto esse projeto se inscrevia historicamente na experiência política da nossa civilização ocidental desde suas origens e o quanto ele confrontou os poderes estabelecidos. O projeto democrático é, pois, diretamente ligado à capacidade de se questionar regularmente certos princípios que fundam nossa sociedade a partir de debates pertinentes. Seguida ao crescimento do fascismo e às experiências trágicas dele resultantes, ao longo do século XX, devido ao apagamento do sujeito em benefício das massas, a questão da emergência do sujeito reflexivo e crítico foi um fundamento, desde Lewin, dos trabalhos da psicossociologia das organizações (Barus-Michel, Enriquez, & Lévy, 2002; Enriquez, 1983Enriquez, E. (1983). De La Horde à l’État. Psychanalyse du lien social. Paris: Gallimard. ; 1997).

No caso das organizações contemporâneas, é a possibilidade de colocar em prática essa capacidade de discussão através de espaços para a palavra, que muitas vezes faltam, ou de manter os que já existem, que está no centro da dinâmica de uma gestão renovada; pois, sem esses espaços de discussão, não há possibilidade de se ter acesso à palavra autêntica, aquela que diz exatamente como as coisas se passam ( Chanlat, 1990Chanlat, J.-F. (Ed.) (1990). L’Individu dans l’organisation. Les dimensions oubliés. Ste Foy: Presses de l’Université Laval. ; Dejours, 2005Dejours, C. (2005). L’Évaluation du travail à l’épreuve du réel. Paris: INA. , 2012Dejours, C. (2012). From psychopathology to the psychodynamics of work. In N. H. Smith, J-P. Deranty (Eds.), New philosophies of labour: work and the social bond (pp. 209‑250). Leiden: Brill. ; Girin, 2016Girin, J. (2016). Langage, organisations, situations et agencements. Ste Foy: Les Presses de l’université Laval, Paris: Herrman. ). Aparentemente, à luz de muitos trabalhos de campo, existe hoje um déficit nesse sentido em numerosos universos organizados. Uma das fontes do mal-estar dos gerentes e dos empregados reside justamente na ausência do diálogo ( Abord de Chatillon & Desmarais, 2017Abord de Chatillon, E., & Desmarais, C. (2017). Espaces de discussion, management et épuisement professionnel. @GRH, 2(23), 13-36. doi:10.3917/grh.172.0013 ; Dejours, 2015Dejours, C. (2015). Le choix: souffrir au travail n’est pas une fatalité. Paris: Bayard. ; Detchassahar, Devigne, Grévin, & Stimec, 2015; Dujarier, 2015Dujarier, M.-A. (2015). Le Management désincarné. Paris: La Découverte. ; Linhart, 2015)Linhart, D. (2015). La Comédie humaine du travail. De la déshumanisation taylorienne à la sur-humanisation managériale. Toulouse: Èrès. .

A ética como capacidade de julgar

Uma outra capacidade da ética reside no seu poder de julgar. É em nome de certos valores que nos permitimos julgar a ação do outro. Questionando assim a legitimidade de uma ação e interpelando as normas existentes ( Laufer, 2020Laufer, R. (2020). Tocqueville au pays du management. Crise dans la démocratie. Caen: Editions EMS. ), tais julgamentos, quaisquer que sejam seus fundamentos, podem minar as bases da autoridade ( Eraly, 2019Eraly, A. (2019). Une Démocratie sans autorité? Toulouse: Erès. ; Eraly & Lebrun, 2021Eraly, A., & Lebrun, J.-P. (2021). Réinventer l’autorité. Psychanalyse et sociologie.Toulouse: Erès. ).

Esse julgamento partirá de diferentes critérios que, segundo as circunstâncias e o contexto sociocultural, poderão flutuar (Baïada-Hirèche, Pasquero, & Chanlat, 2012Chanlat, J.-F. (2012). Anthropologie des organisations. In J. Allouche (Ed.), Encyclopédie des ressources humaines (pp. 17-39). Paris: Vuibert. ; d’Iribarne, 2013d’Iribarne, P. (2013). The effect of culture on business ethics. In J-F. Chanlat, E. Davel., & J-P. Dupuis (Eds.), Cross-cultural management, culture and management across the world (pp. 165-200). London: Routledge. ; Jackall, 1988)Jackall, R. (1988). Moral mazes: the world of corporate managers. Oxford: Oxford University Press. . Se os julgamentos éticos dos indivíduos podem variar no tempo, eles não são, todavia, inscritos de forma imutável. O que permite ver, a propósito, que a discussão da divisão normativa, largamente dominante na pesquisa em gestão ( Baïada-Hirèche, 2008)Baïada-Hirèche, L. (2008). La Dynamiqbue des jugements éthiques individuels en situation dans l’entreprise: une étude ethnographique (Doctorate dissertation). Université Paris 9 Dauphine, Paris. , nem sempre corresponde à realidade vivida, especialmente quando a analisamos a partir do comportamento e dos discursos dos empregados e não unicamente de seus dirigentes. Esses julgamentos se constroem através das interações sociais que se estabelecem no cotidiano em um dado espaço-tempo (Baïada-Hirèche, Pasquero, & Chanlat, 2012)Chanlat, J.-F. (2012). Anthropologie des organisations. In J. Allouche (Ed.), Encyclopédie des ressources humaines (pp. 17-39). Paris: Vuibert. .

A capacidade de julgar está igualmente no centro do processo de avaliação. Toda avaliação é um julgamento que fazemos sobre a ação de uma pessoa ou de um grupo. Encontrando-se no centro da dinâmica do reconhecimento do sujeito, esse julgamento é particularmente sensível para os sujeitos envolvidos e torna-se objeto de questionamentos críticos no mundo do trabalho ( Dejours, 2005Dejours, C. (2005). L’Évaluation du travail à l’épreuve du réel. Paris: INA. ). Uma avaliação será considerada como legítima, quer dizer, aceita socialmente, quando ela for julgada como justa e igualitária para aquele ou aquela que lhe foi objeto, qualquer que seja seu caráter “objetivo”. As estruturas desse julgamento podem variar, como nós já destacamos, segundo os atores envolvidos e seu contexto sociocultural; é isso que explica os valores que orientam cada um dos atores, podendo entrar, às vezes, em choque se são antagonistas e deflagrar essa “guerra de deuses” a que se referia Max Weber (Chanlat & Özbilgin, 2017a, 2017b) – como nos mostram as tensões provocadas pelos fundamentalismos religiosos em muitas partes do mundo ( Banon & Chanlat, 2017)Banon, P., & Chanlat, J.-F. (2017). The French principle of “laïcité” and religious pluralism in the workplace: main findings and issues. in J. Syed, A. Klarsfeld, C. E. J. Härtel, F. Ngunjiri (Eds.), Religious diversity in the workplace (pp. 264-304). Cambridge: Cambridge University Press. . No entanto, certos conflitos podem se provar salutares. Por exemplo, o debate que se iniciou há quatro décadas em torno da questão do desenvolvimento sustentável, que coloca não somente questões fundamentais sobre nosso futuro ( Fleury & Prévot, 2017Fleury, C., & Prévot, A.-C. (Eds.) (2017). Le Souci de la nature: Apprendre, inventer, gouverner. Paris: CNRS Editions. ; Gorz, 2008Gorz, A. (2008). Ecologica. Paris: Galilée. ; Passet, 1996)Passet, R. (1996). L’Économique et le vivant. Paris: Economica. e sobre o futuro do planeta que habitamos (Giec, 2021), mas também nos faz redescobrir nossa fragilidade, nos remetendo a nossa própria finitude, tanto individual como coletiva.

A ética como capacidade de conhecer nossos próprios limites

Como o lembram muitos autores, essas interrogações de tipo ético se enraízam também em uma reflexão dos anciãos sobre nossos limites e nossa capacidade de reconhecê-los. É o que eles chamavam de phronésis , quer dizer, a sabedoria prática ou prudência ( Villette, 1988Villette, M. (1988). L’Homme qui croyait au management. Paris: Seuil. ). Na linguagem de hoje, a finitude qualifica o caráter de toda coisa que possui um limite, ao menos sobre um certo aspecto. Para o ser humano, cuja existência é limitada pela morte, a finitude é entendida principalmente, mas não unicamente, em relação ao tempo que fixa sua condição de mortal. Ela pode também remeter aos limites de nossas faculdades, notadamente de conhecer o universo que nos cerca, é a finitude cognitiva, bem ilustrada pelo famoso aforismo de Sócrates: “Se há uma coisa que sei, é que nada sei»”. Na corrente filosófica da fenomenologia, essa finitude vai tornar-se um elemento positivo de nossa existência, visto que ela traça um contorno que nos distingue do que é indefinido ou indeterminado. Em relação às outras coisas e aos seres finitos, a consciência que nós temos dessa finitude é um aspecto essencial, tanto para a percepção de nossa inelutável degradação física, como para o valor que damos à nossa existência e ao nosso ser (Merleau-Ponty, 1954/1976).

Nas ciências sociais, essa capacidade de conhecer os próprios limites foi evidenciada por Freud quando abordou a questão do desejo de poder absoluto e os benefícios de seu luto para cada um de nós ( Enriquez, 1983Enriquez, E. (1983). De La Horde à l’État. Psychanalyse du lien social. Paris: Gallimard. ; 1997). Esse desejo não é outro, senão aquele sobre o qual se fundou, há mais de um século, a imagem de um ser humano ocidental todo-poderoso e onisciente, que trata a natureza e os outros de modo instrumental ( Charbonnier, 2020Charbonnier, P. (2020). Abondance et liberté, une histoire environnementale des idées politiques. Paris: La Découverte. ; Saul, 1992Saul, J. R, (1992). Voltaire’s bastards: the dictatorship of reason in the West. New York: The Free Press. ), os dominando em nome dos interesses superiores civilizatórios. Ainda que essa atitude tenha produzido, sem dúvida, alguns frutos, ela é cada vez mais desafiada pela ecologia política contemporânea ( Gorz, 2008Gorz, A. (2008). Ecologica. Paris: Galilée. ; Passet, 1996Passet, R. (1996). L’Économique et le vivant. Paris: Economica. , 2012Passet, R. (2012). La Bioéconomie de la dernière chance. Paris: Les liens qui libèrent. ). Ao reintegrar o ser humano na natureza, mostrando as fragilidades do nosso biótopo, a ecologia política se apoia nessa consciência da nossa finitude, vindo a questionar nossos modos de produção e de consumo. O produtivismo frenético, o esgotamento das riquezas naturais e o aquecimento do planeta são agora questionados não somente por alguns utopistas, mas também pelos cientistas de todas as origens e pelos cidadãos comuns ( Watts, 2021Watts, J. (2021, 16th August). Humans ‘pushing Earth close to tipping point’, say most in G20. The Guardian. Retrieved from https://bit.ly/3ILN6jW
https://bit.ly/3ILN6jW...
). Estamos tomando, enfim, consciência, talvez muito lentamente, daquilo que deveríamos ter aprendido com a sabedoria de outros povos, ditos primitivos, como defendia fortemente Claude Lévi-Strauss (2008)Lévi-Strauss, C. (2008). La difficulté croissante de vivre ensemble. . .. Le Nouvel Observateur, (2269), 17-18. Retrieved from https://bit.ly/3DRRsSX
https://bit.ly/3DRRsSX...
num dos seus últimos escritos:

Através de sábios costumes, que nós teríamos equivocadamente relegado à classificação de superstições, elas limitam o consumo pelo homem das outras espécies vivas e lhe impõe o respeito moral, associado a regras muito estritas para assegurar sua conservação. Tão diferentes que essas sociedades sejam umas das outras, elas concordam em fazer do homem uma parte interessada da criação e não um mestre da criação. Tal é a lição que a etnologia nos ensina, esperando que no momento de reunir o concerto das nações, essas sociedades a conservem intacta, e que, através do seu exemplo, nós saibamos nos inspirar. (p. 18)

Para retomar uma ideia expressa há quase 25 anos por Eugène Enriquez (1997)Enriquez, E. (1997). Les Enjeux éthiques dans les organisations modernes. In E. Enriquez, Les Jeux du pouvoir et du désir dans l’entreprise (pp. 115-137). Paris: Desclée de Brouwer. , trata-se de colocar uma ética da finitude no centro das sociedades e das organizações. Tal ética, que leve o ser humano a conhecer seus limites, permitirá contrabalançar os desejos de poder, de levar em conta o outro na sua alteridade e ser mais atento ao uso dos meios para se atingir determinados fins. No século XXI, tal ética não é um luxo, mas uma urgência vital, como disse recentemente o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, ao declarar que o último Relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climática (IPCC, 2021) é um alerta vermelho para a humanidade (Le Figaro & AFP, 2021). As restrições são igualmente oportunidades ( Giddens, 1986)Giddens, A. (1986). The constitution of society: outline of the theory of structuration. Cambridge: Polity. , sendo elas portadoras de novos caminhos para o agir humano no contexto organizado. Essa ética da finitude deveria, portanto, levar à revisão da política estratégica ( Martinet, 2009)Martinet, A.-C. (2009). Management Stratégique et Libertés: pour une science noo-politique du concevable. Management International, 13(3), 85-98. doi:10.7202/037833ar e abrir o caminho para novas fontes de inovação ( Alter, 2002Alter, N. (2002). L’Innovation ordinaire. Paris: Presses Universitaires de France. ; Fleury & Prévot, 2017)Fleury, C., & Prévot, A.-C. (Eds.) (2017). Le Souci de la nature: Apprendre, inventer, gouverner. Paris: CNRS Editions. , destacando, novamente, a acuidade de uma concepção antropológica ampliada pela ação social ( Chanlat, 1990, 1998,Chanlat, J.-F. (Ed.) (1990). L’Individu dans l’organisation. Les dimensions oubliés. Ste Foy: Presses de l’Université Laval. , 1998Chanlat, J.-F. (1998). Sciences sociales et management Plaidoyer pour une anthropologie générale. Ste Foy: Presses de l’Université Laval. , 2010Chanlat, J.-F. (2010). Gestão das empresas. Uma perspectiva antropológica. São Paulo, SP: Cengage Learning, Coleção Debates em administração. , 2021bChanlat, J.-F. (2021b). O desafio social da gestão: a contribuição das ciências sociais. in P. Bendassolli, L. A. Soboll (coords.), Clínicas do trabalho (pp. 34-54). São Paulo: Artesa. ; Morin, 2008Morin, E. (2008). La Méthode. Six tomes. Paris: Seuil. ; Sennett, 2013)Sennett, R. (2013). Together: the rituals, pleasures, and politics of cooperation. Yale University Press. . Temos clareza de que a ética da finitude permite uma conciliação entre os valores da autonomia, própria da experiência ocidental desde os gregos, sem deixar de considerar a condição humana (Renaud, 1996). Da mesma forma, ela torna possível, como veremos, um conjunto de ações práticas no campo das organizações, próprias a responder aos desafios do antropoceno ( Fleury & Prévot, 2017)Fleury, C., & Prévot, A.-C. (Eds.) (2017). Le Souci de la nature: Apprendre, inventer, gouverner. Paris: CNRS Editions. .

As aplicações de uma ética da finitude no campo das organizações

A ética da finitude que defendemos aqui está associada, no contexto contemporâneo, a um conjunto de ações que tocam tanto as organizações como nossas sociedades. Essas ações devem nos permitir sair definitivamente de um modelo economicista e financeiro de curto prazo a fim de implementar um modelo de desenvolvimento ecosocioeconômico que nos permita evitar as catástrofes previstas associadas ao aquecimento planetário (IPCC, 2021). No domínio das organizações, isso passa por um conjunto de ações: uma redefinição da empresa; uma verdadeira política de responsabilidade social empresarial e de desenvolvimento sustentável; uma revisão profunda dos princípios contábeis; uma implantação de práticas responsáveis em termos de finanças, marketing, logística; uma gestão enraizada na experiência e um redesenho dos ensinamentos em gestão à luz das novas exigências ecosociopolíticas.

Por uma redefinição da empresa

A reflexão sobre a empresa não data de hoje. Ela remonta ao período moderno do início do século XIX ( Chanlat, 2022Chanlat, J.-F. (2022). Management, sciences sociales et sociétés. Plaidoyer pour une anthropologie élargie. Ste-Foy: Presses de l’Université Laval. ; Clarke et al., 2019Clarke, T., O’Brien, J., O’Kelley, C. R. T. (eds.) (2019). The Oxford handbook of the corporation. Oxford: Oxford University Press. ; Laufer, 2020Laufer, R. (2020). Tocqueville au pays du management. Crise dans la démocratie. Caen: Editions EMS. ; Saussois, 2021Saussois, J.-M. (2021). Penser l’entreprise aujourd’hui. Conférences montréalaises. Ste-Foy: Les Presses de l’Université Laval. ). No entanto, verifica-se há alguns anos uma renovação por seu interesse, seguido das constatações que evocamos acima. Isso trouxe um certo número de atores, especialmente pesquisadores, a propor mudanças na própria definição da empresa e a ampliar a sua missão (Clarke, O’Brien, & O’Kelley, 2019; Segrestin, Baudoin & Vernac, 2014; Segrestin & Hatchuel, 2012)Segrestin, B., Hatchuel, A. (2012). Refonder l’entreprise. Paris: Seuil. . Esse movimento agarrou-se especialmente à teoria da agência sobre as bases das práticas de gestão contemporâneas, em particular, nas empresas que operam nas bolsas ( Chanlat, 2019Chanlat, J.-F. (2019). Corporations, organization, and human action: an anthropological critique of agency theory. In T. Clarke, J. O’Brien., & R. T. O’Kelley (Eds.), The Oxford handbook of the corporation (pp. 387-417). Oxford: Oxford University Press. ; Goshal, 2005)Goshal, S. (2005). Bad management theories are destroying good management practices. Academy of Management Learning & Education, 4(1), 75-91. doi:10.5465/amle.2005.16132558
https://doi.org/10.5465/amle.2005.161325...
. Como sublinhou o professor de Harvard, Rakesh Khurana (2007)Khurana, R. (2007). From higher aims to hired hands: the social transformation of American Business Schools and the unfulfilled promise of management as a profession. Princeton: Princeton University Press.:

A teoria da agência representa os gestores como distintos e dissociados um dos outros, definindo a organização como um simples nó de contratos entre indivíduos . . .. Desde então, os gestores não são mais fiduciários ou servidores de suas empresas e de seus valores; são agentes livres que não têm nenhuma implicação permanente para com as normas ou interesses coletivos. (p. 323)

De uma forma geral, a proposta de redefinição da empresa tornou-se mais visível após numerosos escândalos financeiros e malversações de todos os tipos ocorridos desde o início dos anos 1980. “É assim que chegamos”, como notou John Bogle (2005Bogle, J. (2005). The battle for the soul of capitalism. New Have: Yale University Press. , p. 3), um dos mais respeitados gestores de fundos mútuos americanos, “a esse precipício: a forma em vez do conteúdo, o prestígio em vez da virtude, o dinheiro em vez de realizações concretas, o carisma em vez do caráter, o efêmero em vez do perene” (p. 1). Recentemente, esse movimento de redefinição da empresa teve efeitos concretos na França com o voto da lei PACTE, que permite, doravante, a toda empresa comercial redefinir sua razão de ser e de reforçar, assim, a atitude de considerar os desafios sociais e ambientais ligados à sua atividade – “A empresa é gerida em seu interesse social, levando em conta os desafios sociais e ambientais de sua atividade” (Loi n. 2019-486 du 22 mai 2019 relative à la croissance et la transformation des entreprises, 2019). O futuro nos dirá se essa primeira ação modificará efetivamente as empresas francesas no sentido desejado ( Hatchuel, 2020Hatchuel, A. (2020). Ce que gérer veut dire. Paris: Ma Éditions. ), o que não foi necessariamente alcançado quando estudamos o caso da Danone ( Denis & Martinet, 2021Denis, J.-P., & Martinet, A-C. (2021, 29th Mars). Danone, ou l’ultime paradoxe de la société "à mission". The Conversation. Retrieved from https://bit.ly/3GAZAbV
https://bit.ly/3GAZAbV...
).

Por uma verdadeira RSE e uma política de desenvolvimento sustentável

O agir estratégico da empresa está atualmente no centro da questão ambiental. Ainda que, em certos casos, esse agir seja irrepreensível, permanece o fato de que os noticiários nos lembram que a ganância em ganhar no curto prazo infelizmente se sobrepõe, frequentemente, a quaisquer outras considerações sociais.

No mundo atual, as considerações financeiras tornaram-se mais importantes que todas as outras ( Davis, 2009Davis, G. (2009). Managed by the markets. How finance reshaped America. Oxford: Oxford University Press. ; Ho, 2009Ho, K. (2009). Liquidated: an ethnography of Wall Street. Durham: Duke University Press. ). Quando o anúncio de demissões em massa provoca, por exemplo, um aumento imediato de ações nas bolsas, estamos no direito de colocar questões muito mais do que os dirigentes, detentores de milhares de ações, que veem seu capital aumentar no mesmo momento. Não podemos, pois, nos espantar se as desigualdades aumentaram de modo considerável em nossos países, notadamente nos Estados Unidos. Enquanto nos anos 1960, um CEO ganhava quarenta vezes mais do que um assalariado médio, hoje ele ganha 450 vezes mais ( Bogle, 2005Bogle, J. (2005). The battle for the soul of capitalism. New Have: Yale University Press. ). As desigualdades de renda e de riqueza são, nos Estados Unidos, mais importantes hoje do que nos anos 1930 ( Bogle, 2005Bogle, J. (2005). The battle for the soul of capitalism. New Have: Yale University Press. ; Chanlat, 2022Chanlat, J.-F. (2022). Management, sciences sociales et sociétés. Plaidoyer pour une anthropologie élargie. Ste-Foy: Presses de l’Université Laval. ; Piketty, 2014Piketty, T. (2014). Capital in the twenty-first century. Cambridge: Harvard University Press. ; Wolman & Colamosca, 1997Wolman, W., Colamosca, A. (1997). The Judas economy: the triumph of capital and the betrayal of work. New York: Basic Books. ). A dinâmica socioeconômica da empresa contemporânea não é estranha a esse abismo que se aprofunda entre os ricos e os outros.

As transformações que conhecemos atualmente não são, portanto, um fato da natureza ou do destino, elas são claramente produtos de ações humanas que, pelo jogo das lógicas individuais e coletivas, constroem o mundo em que vivemos. O agir estratégico da empresa e as sociedades nas quais elas se inscrevem mantêm uma relação complexa ( Deroy, 2007Deroy, X. (Ed.) (2007). L’Agir stratégique. Brussels: de Boeck. ). Se a sociedade necessita do dinamismo econômico da empresa, a empresa precisa do sistema social em que ela se origina. Nem absolutamente dependente, nem absolutamente autônomo, o agir estratégico da empresa tem uma relação ao mesmo tempo conflituosa e harmoniosa com a sociedade. Conflituosa em razão de sua lógica, antes de tudo econômica e financeira, mas também, em certos casos, de seus valores, de sua produção, de seus métodos de gestão que entram em choque com a sociedade; e cooperação em virtude do seu papel socioeconômico e das numerosas relações que ela tece com o meio, sem as quais ela não poderia existir ou sobreviver ( Chanlat, 2007Chanlat, J.-F. (2007). La Logique de l’entreprise et la logique de la société: deux logiques inconciliables? In J.-P. Dupuis (Ed.), Sociologie de l’entreprise (pp. 295-321). Montréal: Gaétan Morin. ; Pasquero & Chanlat, 2015Pasquero, J., & Chanlat, J.-F. (2015). Le tournant sociétal. In F.-X. Vaujany, A. Hussenot, J.-C. Chanlat (Eds.), Repenser les théories des organisations (pp. 56-78). Paris: Economica. ).

Hoje, a empresa, em nome de imperativos sociais e ambientais, é cada vez mais cobrada a questionar suas práticas em diversos planos, tais como ecológico, social etc. ( Pasquero & Chanlat, 2015Pasquero, J., & Chanlat, J.-F. (2015). Le tournant sociétal. In F.-X. Vaujany, A. Hussenot, J.-C. Chanlat (Eds.), Repenser les théories des organisations (pp. 56-78). Paris: Economica. ). Porém, as dificuldades que temos tido ao longo das últimas décadas, considerando os elementos do Relatório Brundtland (1987)Brundtland, G. H. (ed.) (1987). Report of the World Commission on Environment and Development: Our Common Future. New York: United Nations. , a ratificação do Protocolo de Tóquio, e em colocar em prática as bases do Acordo de Paris (COP-21) e as inquietudes iminentes quanto aos resultados da próxima Conferência de Glasgow 2021 (COP-26), testemunham não somente a complexidade dos interesses em jogo, mas também os limites da economia de mercado diante essas questões ( Kay, 2003Kay, J. (2003). The truth about markets: their genius, their limits, their follies. London: Allen Lane. ; Passet, 2012)Passet, R. (2012). La Bioéconomie de la dernière chance. Paris: Les liens qui libèrent. , pois as empresas têm a tendência a externalizar os custos associados à defesa da natureza ( Bürgenmeier, 1994)Bürgenmeier, B. (1994). La socio-économie. Paris: Economica. . Em razão da urgência, as preocupações em termos de desenvolvimento sustentável terão, de agora em diante, que ser levadas a sério e incorporadas a qualquer reflexão estratégica e a todas as funções da empresa (Aggeri, Pezet, Abrassard, & Acquier, 2005; Gendron & Girard, 2013Gendron, C., Girard, B. (Eds.) (2013). Repenser la responsabilité s’ciale de l’en’reprise. L’école de Montréal. Paris: Armand Colin. ; Levillain, Segrestin, Hatchuel, & Vernac, 2020; Martinet & Reynaud, 2005)Martinet, A.-C., & Reynaud, E. (2005). Entreprise durable, finance et stratégie. Revue française de gestion, 5(152), 121-136. doi:10.3166/rfg.152.121-136 .

Por uma revisão profunda das práticas contábeis

Os trabalhos que tratam de questões ecológicas no campo da gestão são atualmente muito numerosos, mas aqueles que as abordam sob o ângulo da contábil são ainda bastante raros. Essa é a razão pela qual a obra de Rambaud e Richard (2021)Rambaud, A., Richard, J. (2021). Philosophie d’une écologie anticapitaliste: pour un nouveau modèle de gestion écologique. Ste-Foy: Les Presses de l’université Laval. , estudiosos franceses dessa disciplina e pioneiros do que alguns chamam em nossos dias de contabilidade ambiental, é de suma importância. Principalmente porque, para as ciências da gestão e a sociedade em seu conjunto, esse estudo ultrapassa a simples questão da técnica contábil, oferecendo uma reflexão ao mesmo tempo histórica, econômica, política, jurídica, filosófica e ética, e que conduz a um modelo original de gestão ecológica a partir de uma redefinição do modelo contábil.

Contrariamente a muitas reflexões no domínio da gestão, que se contentam, na maior parte do tempo, com discussões técnicas nas quais o horizonte temporal se reduz ao imediato ou ao curto prazo, o trabalho deles mostra a força que pode ter uma reflexão que se inscreve no longo prazo, lembrando as etapas pelas quais passou o desenvolvimento socioeconômico de nossas sociedades desde a Antiguidade. Tal reflexão histórica, não somente coloca em evidência os questionamentos que tiveram nossos predecessores sobre a maneira de enxergar a economia, o capital, o trabalho, a natureza, mas também nos permite melhor compreender os efeitos que eles sofreram sobre o estabelecimento do modelo de gestão capitalista. O pensamento contábil alcança aqui uma outra dimensão: longe de se reduzir a uma técnica, ele emerge como um elemento-chave de toda reflexão sobre a ação socioeconômica. O modelo contábil moderno, que surgiu no final da Idade Média e que se desenvolveu no seio do capitalismo, desembocou em uma supervalorização do capital em detrimento do trabalho e a uma exclusão da natureza. Essa escolha não deixou de ter consequências particularmente problemáticas tanto no plano socioeconômico quanto no ambiental.

Se a reflexão ambiental existe há muito tempo, a proposição de um novo modelo de gestão ecológica, a partir de uma revisão dos elementos contábeis e de uma abordagem fundada sobre a ecologia relacional, fornece uma das chaves de saída do impasse ambiental em que nos metemos. À sua maneira, ela contribui para edificar uma nova forma de totalidade social que possa responder aos desafios consideráveis que se colocam para nossas sociedades e para o mundo. Para sair em definitivo de uma visão economicista e tecnicista, Marcel Mauss (1968)Mauss, M. (1968). Sociologie et anthropologie. Paris: Presses Universitaires de France. nos convidou, de forma premonitória, em 1924, a considerar que “não é no cálculo das necessidades individuais que encontraremos o método da melhor economia. Nós devemos . . ., mesmo considerando que queremos desenvolver nossa própria riqueza, ser mais que puros financistas, nos tornando melhores contabilistas e melhores gestores” (p. 272). Como especialistas da gestão e da contabilidade, Rambaud e Richard (2021)Rambaud, A., Richard, J. (2021). Philosophie d’une écologie anticapitaliste: pour un nouveau modèle de gestion écologique. Ste-Foy: Les Presses de l’université Laval. responderam a esse convite antropológico, devolvendo a política ao seu devido lugar, que é, no senso maussiano, a arte da direção consciente da vida em comum.

Por uma finança verdadeiramente responsável

No quadro dos desafios contemporâneos em termos de desenvolvimento sustentável, o que chamamos de finança responsável é também um novo tipo de financiamento posto à disposição das empresas para enfrentar esse desafio. Para se beneficiar, as empresas devem demonstrar como seus projetos contribuem com o desenvolvimento sustentável de suas comunidades, de suas regiões e de seus países. As empresas devem, assim, fornecer provas do seu apoio, as ferramentas, as abordagens praticadas para reduzir os riscos incorridos no projeto e para alcançar as performances sociais, ambientais e econômicas esperadas. Existem várias formas de finança responsável. A primeira forma é o investimento socialmente responsável (ISR) ( Dejean, 2005Dejean, F. (2005). L’investissement socialement responsable. Paris: Vuibert. ; Mottis, 2014Mottis, N. (2014). ISR et finance responsable. Paris: Ellipses. ).

O ISR funda sua ação no financiamento das empresas cujos diferentes projetos têm um verdadeiro impacto ambiental. O segundo critério diz respeito ao impacto social, tendo a empresa privada ou pública que justificar a possibilidade de um forte crescimento. O critério da governança é também levado em conta. Outros critérios aumentam a chance de uma empresa se beneficiar de um ISR: (a) a obrigação de intervir em setores como a agricultura biológica, as energias renováveis, a conservação da biodiversidade etc. Empresas especializadas na fabricação de fumo, de azeite de dendê, de energias fósseis, de armamento nuclear, os produtos transgênicos etc. estão naturalmente excluídas, bem como todas as empresas corruptas; (b) o engajamento formal dos acionistas dessas empresas e das autoridades públicas nessa direção provam sua vontade de operar, de agora em diante, ações em favor do desenvolvimento sustentável; (c) a implicação das empresas em projetos ambientais, ditos verdes, como a redução das emissões de gases que provocam o efeito estufa. Falamos, então, de finança verde.

A segunda forma de finança responsável remete ao que se qualifica hoje de finança solidária, que dá prioridade, como seu nome indica, a produtos financeiros do mesmo nome, pois, nesse tipo de financiamento, a rentabilidade não é uma prioridade e se baseia em múltiplos critérios. Os projetos têm fortes impactos sociais, e os que visam a redução da taxa de desemprego, o desenvolvimento do comércio justo e promovem a criação de habitações sociais são geralmente bem avaliados por esses tipos de fundos (Eynaud & França Filho, 2019). As organizações elegíveis aqui são normalmente fundações, associações, ONG ou qualquer organização sem fins lucrativos.

A terceira forma de finança responsável concerne ao financiamento participativo, que os anglo-saxões chamam de crowdfunding . Em termos de finança responsável, essa última forma conseguiu, nos últimos anos, um crescimento particularmente espetacular. Nele, o investimento é feito por meio de três modalidades: (1) o investimento em royalties, em obrigações ou em capital; (2) por empréstimos com ou sem juros (falamos, então de crowdlending ); (3) por doações (a forma mais difundida). Essas três modalidades de financiamento permitem associar projetos econômicos a missões societais que são essenciais ao bom equilíbrio e à harmonia social (Eynaud & França Filho, 2019; Mottis, 2014)Mottis, N. (2014). ISR et finance responsable. Paris: Ellipses. . Essa tendência se inscreve em novo movimento mais amplo de regulação socioeconômica em benefício do maior número de indivíduos ( Gendron & Bourque, 2003)Gendron, C., Bourque, G. (2003). Une Finance responsable à l’ère de la mondialisation économique. L’Economie politique, 2(18), 50-61. doi:10.3917/leco.018.0050 .

Por um marketing responsável

A sociedade de consumo tem suscitado historicamente muitos escritos e críticas, especialmente sobre a venda de bens muitas vezes inúteis, perigosos e que usam em seu processo produtivo matérias-primas não renováveis e em risco de extinção ( Baudrillard, 1970Baudrillard, J. (1970). La Société de consommation. Paris: Gallimard. ; Jacobson, Mazur, & Nader, 1995/2019; Packard, 1960)Packard, V. (1960). Waste makers. New York: Longman. . Nesse avanço das reflexões sobre o desenvolvimento sustentável, o marketing é novamente confrontado com essas críticas e com a função que ele assume nesse processo de desperdício econômico. Isso deu lugar ao desenvolvimento de uma corrente denominada de “marketing responsável”, fundamentado em princípios de desenvolvimento sustentável. Trata-se aqui de integrar nas práticas do marketing das empresas mais do que produtos e serviços sustentáveis, mais que efetivamente respeitem o meio ambiente e da saúde dos consumidores, bem como fixando preços justos, recorrendo a uma comunicação mais respeitosa com a natureza, levando os consumidores a adotar comportamentos apropriados. O estabelecimento de uma abordagem de marketing responsável pressupõe, pois, uma responsabilidade que além da simples conformidade regulamentar. Trata-se de um engajamento voluntário das empresas pela liderança de dirigentes preocupados com essas questões, o que traduz não somente uma tomada de consciência das suas responsabilidades diante da natureza e dos consumidores, mas também no interesse do que representa para eles uma melhor conciliação entre suas práticas de marketing e aquelas próprias do desenvolvimento sustentável ( Blanc, 2008Blanc, F. (2008). Le Marketing I. In G. Schmidt (coord.), Le Management (pp. 91-103). Paris: Sciences Humaines. ; Deveaux & Laville, 2010)Deveaux, R., Laville, E. (2010). La “Nouvelle fronteire” du marketing responsable. In D. Wolff (Ed.), Le développement durable. Théories et applications au management (pp. 175-193). Paris: Dunod. . Isso exige uma revisão das bases da lógica capitalista tradicional ( Carrigan & Bosangit, 2016)Carrigan, M., Bosangit, C. (2016). The challenges of responsible marketing and consumption. In D. Shaw, M. Carrington, A. Chatzidakis (eds), Ethics and morality in consumption interdisciplinary perspectives (pp. 75-94). London: Routledge. .

Por uma logística sustentável

No contexto de um mundo cada vez mais interconectado e interdependente na produção e no consumo, a logística desempenha um papel vital na sociedade, assegurando a disponibilidade de produtos e de serviços aos consumidores, sincronizando a cadeia da oferta com a demanda a ser satisfeita ( Jouenne, 2010Jouenne, T. (2010). Les quatre leviers de la logistique durable. Revue française gestion industrielle, 29(1), 35-50. doi:10.53102/2010.29.01.617 ). Entre os elementos sobre os quais ela se apoia, temos os meios de transporte que utilizam combustíveis fósseis, objeto de numerosas críticas em razão do seu impacto negativo ao meio ambiente. Além da poluição (as emissões de monóxido e dióxido de carbono), os meios de transporte que consomem derivados do petróleo e do carbono geram outros inconvenientes não menos prejudiciais, como a poluição sonora. Levando em conta o papel que ela desempenha na otimização da condução dos fluxos contemporâneos, podemos, desde já, compreender por que a logística suscita tanto interesse e tanta expectativa na otimização do comércio e na redução do impacto do consumo dos combustíveis fósseis ao meio ambiente. Mais amplamente, ela pode contribuir ao desenvolvimento sustentável, agindo diretamente sobre a diminuição das emissões de gás no efeito estufa, na competitividade das empresas e no desenvolvimento dos territórios.

Até os anos 1970, a logística privilegiava técnicas ligadas ao tratamento físico dos fluxos de mercadorias (gestão de estoques, otimização do tempo de entrega, cálculo dos agendamentos). Nos últimos vinte anos, sua missão foi consideravelmente ampliada. Aos fluxos físicos foram acrescidos os fluxos de informações associados. A função logística se estende agora à concepção do sistema industrial e logístico, necessário à fabricação, à distribuição, ao serviço pós-venda e ao recolhimento dos produtos em fim de validade, à gestão e otimização dos fluxos de abastecimento, da produção, da distribuição e de suporte ( Isaac, 2021Isaac, H. (2021). Business models de plateformes. Les clés pour accélérer votre transformation numérique. Paris: Vuibert. ; Jouenne, 2010Jouenne, T. (2010). Les quatre leviers de la logistique durable. Revue française gestion industrielle, 29(1), 35-50. doi:10.53102/2010.29.01.617 ). Os indicadores de performance centrados sobre uma performance local passaram a uma gestão da performance global da cadeia de suprimento como alavanca da criação de valor para o conjunto das partes envolvidas, nos quais o sistema de informação tem um papel determinante (Fabbes-Coste & Paché, 2013; Isaac, 2021Isaac, H. (2021). Business models de plateformes. Les clés pour accélérer votre transformation numérique. Paris: Vuibert. ; Jouenne, 2010)Jouenne, T. (2010). Les quatre leviers de la logistique durable. Revue française gestion industrielle, 29(1), 35-50. doi:10.53102/2010.29.01.617 .

Algumas dessas práticas geram, no entanto, efeitos contrários ao desenvolvimento sustentável. É assim que a pesquisa de custos de produção sempre mais baixos (especialmente em países considerados de baixo custo), ditada pelos objetivos de lucro de curto prazo, conduz a uma explosão ao mesmo tempo dos custos logísticos, das emissões de CO2e a uma perda de capacidade de resposta sempre essencial em vista de responder às flutuações da demanda ( Jouenne, 2010Jouenne, T. (2010). Les quatre leviers de la logistique durable. Revue française gestion industrielle, 29(1), 35-50. doi:10.53102/2010.29.01.617 ). Para nos convencer disso, basta pensarmos nas penúrias que passamos, no início da pandemia da covid-19, para adquirir máscaras e suprimentos médicos em nossos países ( Chanlat, 2020Chanlat, J.-F. (2020). A catástrofe sanitária atual: um fato social total? Ciências em Debate, 4, 80-106. ). Tais constatações nos levaram ultimamente a modificar nossos modelos econômicos da cadeia de valor para dotá-los mais responsabilidade, equilíbrio, transparência e colaboração entre as partes envolvidas. Para ajudar as empresas a enfrentar seus desafios e os transformar em ações concretas, a logística se sustenta em quatro pilares: a confiabilidade; a eficiência; a capacidade de reação; e a ecologística ( Jouenne, 2010Jouenne, T. (2010). Les quatre leviers de la logistique durable. Revue française gestion industrielle, 29(1), 35-50. doi:10.53102/2010.29.01.617 ).

A confiabilidade se traduz na capacidade de entregar as encomendas conforme as expectativas dos clientes. A eficiência nos leva à relação conhecida de “eficácia/custo”, que significa alcançar o objetivo com o mínimo de meios. Mas ela não deve ser confundida com a eficácia que apenas mede a realização de um objetivo sem especificar os meios utilizados. A capacidade de resposta é poder adaptar rapidamente os volumes de produção e a variedade dos produtos às flutuações da demanda, assim como acelerar a colocação no mercado de um novo produto. Uma de suas chaves é a redução sistemática do tempo de concepção, de fornecimento, de fabricação, de mudança de série e de distribuição face às evoluções da demanda. Enfim, ecologística concerne à aplicação de vários programas associados a uma política de desenvolvimento sustentável (a certificação ISO 14001; a utilização de energias renováveis; a redução do consumo de água; a triagem e a reciclagem das embalagens; o planejamento regional, graças, principalmente, ao desenvolvimento de produtos locais; o desenvolvimento de comércio justo; a integração de trabalhadores sociais etc.). Como destaca Jouenne (2010)Jouenne, T. (2010). Les quatre leviers de la logistique durable. Revue française gestion industrielle, 29(1), 35-50. doi:10.53102/2010.29.01.617:

Combinada aos três pilares da confiabilidade, a eficiência e a capacidade de resposta logística – fontes de vantagens econômicas, sociais e ambientais –, a alavanca econômica reforça a contribuição da cadeia de suprimento aos aspectos sociais e ambientais do desenvolvimento sustentável, emitidos por plataformas de logística e transporte (segundo o peso transportado, o modo utilizado e a distância percorrida), a participação de meios de transporte alternativos à rodovia, o tempo de congestionamento do tráfego, etc. (p. 13)

Podemos, pois, verificar o quanto a implantação de uma logística sustentável pode contribuir para o combate à degradação ecológica, tanto no aspecto de sua organização quanto de seus conteúdos; e, além disso, permite melhor conciliar os imperativos de desenvolvimento econômico e de distribuição dos lucros entre os atores, mantendo o poder de compra e o desenvolvimento dos territórios ( Crague, 2014Crague, G. (2014). Entreprise, management et territoire: Le management des implantations territoriales à l’ère de l’entreprise-réseau. Sainte Foy: Les Presses de l'université Laval; Paris: Hermann. ; Fabbe-Costes & Rouquet, 2019Fabbe-Costes, N., Rouquet, N. (2019). La Logistisation du monde. Chronique d’une révolution en cours. Aix-en-Provence: Presses de l’Université de Provence. ).

Por uma gestão enraizada na experiência

Repensar o agir humano em contexto organizado se baseia, assim, em um certo número de constatações antropológicas evidenciadas pelas ciências sociais, sobre as quais nós temos estudado e nos envolvido pessoalmente há mais de trinta anos ( Chanlat, 1990Chanlat, J.-F. (Ed.) (1990). L’Individu dans l’organisation. Les dimensions oubliés. Ste Foy: Presses de l’Université Laval. , 1998Chanlat, J.-F. (1998). Sciences sociales et management Plaidoyer pour une anthropologie générale. Ste Foy: Presses de l’Université Laval. , 2012Chanlat, J.-F. (2012). Anthropologie des organisations. In J. Allouche (Ed.), Encyclopédie des ressources humaines (pp. 17-39). Paris: Vuibert. , 2020Chanlat, J.-F. (2020). A catástrofe sanitária atual: um fato social total? Ciências em Debate, 4, 80-106. , 2021aChanlat, J.-F. (2021a). Gestión y subjetividad en el trabajo en el mundo euroamericano: tres posturas principales. Innovar: Revista de Ciencias Administrativas y Sociales, 31(79), 27-41. , 2021bChanlat, J.-F. (2021b). O desafio social da gestão: a contribuição das ciências sociais. in P. Bendassolli, L. A. Soboll (coords.), Clínicas do trabalho (pp. 34-54). São Paulo: Artesa. , 2022Chanlat, J.-F. (2022). Management, sciences sociales et sociétés. Plaidoyer pour une anthropologie élargie. Ste-Foy: Presses de l’Université Laval. ).

Privilegiando os seres humanos reais e a experiência na situação concreta, nossa abordagem antropológica pretende tornar compreensível o que se passa realmente no trabalho (a lacuna entre o prescrito e o real, os comportamentos observados, a cooperação, os conflitos…); na verdade, a relação entre os atores/sujeitos não se dá jamais no vazio, ela é sempre atravessada pelo trabalho concreto realizado no seio da organização. Ou seja, nós somos todos “trabalhadores em situação”, , isto é, nossas ações, nossa subjetividade, nossa identidade no trabalho estão ligadas diretamente com o que fazemos concretamente ( Chanlat, 2017Chanlat, J.-F. (2017). La place de la subjectivité dans les théories managériales: un regard socio-historique. In D. Mercure, M.-P. Bourdages-Sylvain (Eds.), Travail et subjectivité; perspectives critiques (pp. 81-120). Sainte Foy, Les Presses de l'Université Laval; Paris: Hermann. ). Essa questão central na compreensão dos comportamentos no trabalho permanece ainda impensável para a gestão contemporânea, ainda muito influenciada por um pensamento tecnicista, economicista e gerencialista ( Dejours, 2005Dejours, C. (2005). L’Évaluation du travail à l’épreuve du réel. Paris: INA. ; Dujarier, 2015Dujarier, M.-A. (2015). Le Management désincarné. Paris: La Découverte. ; Dupuy, 2015Dupuy, F. (2015). La Faillite de la pensée managériale. Lost in management. Paris: Seuil. ; Enriquez, 1997Enriquez, E. (1997). Les Enjeux éthiques dans les organisations modernes. In E. Enriquez, Les Jeux du pouvoir et du désir dans l’entreprise (pp. 115-137). Paris: Desclée de Brouwer. ; Gorz, 2008Gorz, A. (2008). Ecologica. Paris: Galilée. ; Linhart, 2015Linhart, D. (2015). La Comédie humaine du travail. De la déshumanisation taylorienne à la sur-humanisation managériale. Toulouse: Èrès. ). Entretanto, numerosos são os trabalhos de campo que nos mostram que as organizações funcionam porque os indivíduos nelas atuantes mobilizam sua inteligência prática em detrimento de regras e procedimentos e propostas inaplicáveis ( Babeau & Chanlat, 2008Babeau, O., & Chanlat, J.-F. (2008). La transgression, une dimension oubliée de l’organisation. Revue française de Gestion, 34(183), 201-219. doi:10.3166/rfg.183.201-219 ; Lorino, 2018)Lorino, P. (2018). Pragmatism and organization studies. Oxford: Oxford University Press. .

Toda experiência humana é, de fato, um encontro entre o espírito de uma pessoa (um ator/sujeito) e a realidade exterior. Mobilizando todos os aspectos do nosso ser (e, assim, todos os nossos sentidos), essa experiência está no centro da condição humana (Moriceau, Letiche, & Le Theule, 2019). Portanto, a experiência engloba, ao mesmo tempo, o conhecimento que nós temos de uma atividade e a maneira como a vivemos. Como destacam Cynthia Fleury e Anne-Caroline Prévot (2017) a propósito da questão ambiental: “Saber não é suficiente. É preciso o vivido. A experiência” (p. 9).

Em gestão, essa falta de se considerar o vivido está sempre ligada ao lugar que ocupam os elementos prescritos, formais e abstratos no discurso dirigente, que, sentado que em suas certezas, em maior ou menor grau, rejeitam a experiência vivida concretamente ( Dejours, 2005Dejours, C. (2005). L’Évaluation du travail à l’épreuve du réel. Paris: INA. , 2015Dejours, C. (2015). Le choix: souffrir au travail n’est pas une fatalité. Paris: Bayard. ; Dujarier, 2015Dujarier, M.-A. (2015). Le Management désincarné. Paris: La Découverte. ; Dupuy, 2015Dupuy, F. (2015). La Faillite de la pensée managériale. Lost in management. Paris: Seuil. ; Linhart, 2015Linhart, D. (2015). La Comédie humaine du travail. De la déshumanisation taylorienne à la sur-humanisation managériale. Toulouse: Èrès. ; Reynaud, 1989Reynaud, A. (1989). L'ère de l'individu. Paris: Gallimard. ; Villette, 1988Villette, M. (1988). L’Homme qui croyait au management. Paris: Seuil. ).

Enfim, o mundo da organização é um universo de linguagem e de não-ditos no interior do qual se entrechocam as palavras individuais, as práticas de linguagem escritas ou orais de uns e outros (operários, empregados, técnicos, executivos, gerentes etc.), os silêncios e a ordem dos diferentes discursos ( Girin, 2016Girin, J. (2016). Langage, organisations, situations et agencements. Ste Foy: Les Presses de l’université Laval, Paris: Herrman. ; Vandevelde-Rougale, 2017Vandevelde-Rougale, A. (2017). La Novlangue managériale. Emprise et résistance. Toulouse: Érès. ). Esse universo de linguagem está mergulhado em uma língua ou línguas oficialmente reconhecidas pelo Estado, ou em uma língua imposta pelo investidor estrangeiro ou pela ordem regional ou mundial ( Fitoussi, 2020Fitoussi, J.-P. (2020). Comme on nous parle: L'emprise de la novlangue dans nos sociétés. Paris: Les Liens qui libèrent. ; Tréguer-Felten, 2018Tréguer-Felten, G. (2018). Langue commune, cultures distinctes: Les illusions du Globish. Ste-Foy: Les Presses de l’Université Laval. . Essa pluralidade linguística, sempre fonte de tensão no interior e no exterior da organização, mostra que o choque concreto das línguas expressa o conflito entre identidades coletivas distintas e visões da realidade ( Chanlat & Pierre, 2018Chanlat, J.-F., & Pierre, P. (2018). Le Management interculturel. Evolution, tendances et critiques. Caen: Management et Sociétés. ). Somente levando em conta todos esses elementos é que encontramos as palavras apropriadas para dizer as coisas (desenvolvimento sustentável, antropoceno), reforçando o caráter sustentável da gestão das organizações fundamentadas no verdadeiro humanismo ( Brabet, 1993Brabet, J. (Ed.) (1993). Repenser la gestion des ressources humaines. Paris: Economica. ; Chanlat, 1990, 19Chanlat, J.-F. (Ed.) (1990). L’Individu dans l’organisation. Les dimensions oubliés. Ste Foy: Presses de l’Université Laval. , 1998Chanlat, J.-F. (1998). Sciences sociales et management Plaidoyer pour une anthropologie générale. Ste Foy: Presses de l’Université Laval. , 2021bChanlat, J.-F. (2021b). O desafio social da gestão: a contribuição das ciências sociais. in P. Bendassolli, L. A. Soboll (coords.), Clínicas do trabalho (pp. 34-54). São Paulo: Artesa. , 2022Chanlat, J.-F. (2022). Management, sciences sociales et sociétés. Plaidoyer pour une anthropologie élargie. Ste-Foy: Presses de l’Université Laval. ; Dietrich et al., 2015)Dietrich, A., Pigeyre, F., Vercher-Chapsal, C. (Eds.) (2015). Dérives et perspectives de la gestion. Échanges autour des travaux de Julienne Brabet. Lille: Septentrion. .

Por uma revisão do ensino da gestão

Não queríamos concluir esse conjunto de ações sem um último apelo: o de rever o ensino da gestão a partir do que acabamos de desenvolver aqui. Na verdade, se queremos repensar eticamente as organizações e nossas sociedades e que elas passem a integrar os desafios urgentes aos quais o antropoceno nos conduz, precisamos agir sobre os programas de formação.

A crítica às formações em gestão não é recente. Ela é retomada regularmente desde o fim da Segunda Guerra Mundial ( Chanlat, 1990Chanlat, J.-F. (Ed.) (1990). L’Individu dans l’organisation. Les dimensions oubliés. Ste Foy: Presses de l’Université Laval. , 1998Chanlat, J.-F. (1998). Sciences sociales et management Plaidoyer pour une anthropologie générale. Ste Foy: Presses de l’Université Laval. ; Dufour & Chanlat, 1985Dufour, M., Chanlat, A. (1985). La Rupture entre l’entreprise et les hommes. Montréal: Québec/Amérique. ; 1988; Gordon & Howell, 1958Gordon, R. A., Howell, J. E. (1958). Higher education for business. New York: Columbia University Press. ; Khurana, 2007Khurana, R. (2007). From higher aims to hired hands: the social transformation of American Business Schools and the unfulfilled promise of management as a profession. Princeton: Princeton University Press. ; Locke & Spender, 2011Locke, R. C., & Spender, J-C. (2011). Confronting managerialism: how the business elite and their business schools threw our lives out of balance. London: Zed. ; Mintzberg, 2005Mintzberg, H. (2005). Managers not MBAs. San Francisco: Berritt-Koelher. ; Pierson, 1959Pierson, F. C. (1959). The education of American businessman: a study of university-college programs in administration. Toronto: McGraw-Hill. ; Porter & McKibbin, 1988)Porter, L., McKibbin, L. (1988). Management, education and development. New York: McGraw-Hill. . Hoje, a urgência da situação nos impõe quatro imperativos nesse campo: (a) um reforço no ensino das ciências sociais (Chanlat, 2021b, 2022; Clegg, & Pina e Cunha, 2019) e das ciências da vida, como biologia, ecologia etc. ( Fleury & Prévot, 2017)Fleury, C., & Prévot, A.-C. (Eds.) (2017). Le Souci de la nature: Apprendre, inventer, gouverner. Paris: CNRS Editions. ; (b) uma presença sistemática de ensinamentos críticos em cada uma das funções relacionadas à ideia de desenvolvimento sustentável ( Dietrich et al., 2015)Dietrich, A., Pigeyre, F., Vercher-Chapsal, C. (Eds.) (2015). Dérives et perspectives de la gestion. Échanges autour des travaux de Julienne Brabet. Lille: Septentrion. ; (c) uma séria reflexão ética que priorize a cooperação, a solidariedade e as dimensões qualitativas poéticas, estéticas e afetivas da existência (Moriceau, Letiche, & Le Theule, 2019); (d) enfim, levar em conta os contextos sócio-históricos próprios de cada universo para evitar um “ocidentalo-centrismo” ( Fischer & Davel, 2018Fischer, T., Davel, E. (2018). Administração como aprendizagem: do vir ao porvir com Tânia Fischer. Farol - Revista de Estudos Organizacionais e Sociedade, 5(12), 13-31. doi:10.25113/farol.v5i12.4794 ; Gantman, Yousfi, & Alcadipani, 2015). É somente por meio dessa reviravolta, em que as humanidades e a história ocuparão um lugar significativo, que poderemos alcançar nossos objetivos, tanto no terreno da gestão sustentável na formação como da harmonia social em nossos respectivos países.

Conclusão: a ética da finitude, uma escolha política

Como acabamos de ver, os desafios sociais e ambientais contemporâneos são imensos e propícios a numerosos questionamentos. Nos últimos anos, os debates sobre o desenvolvimento sustentável são os que expressam melhor os maiores desafios para a humanidade e a natureza. Nossa reflexão procurou mostrar o quanto é urgente, no contexto do antropoceno, repensar o agir humano contemporâneo à luz da ética, especialmente da ética da finitude.

Após relembrar as razões dessas interrogações e o que entendemos por ética e moral, apresentamos os poderes da ética e de como levar em conta uma ética da finitude pode nos conduzir a uma revisão de nossas ações em diversos domínios da gestão das organizações e da sociedade. De fato, com a urgência ecológica e vital que vivemos, o pensamento gerencial não pode mais ignorar esse quadro, exceto se quisermos contribuir às mais sombrias previsões e alertas. Como disse Paul Ricoeur, nós pensamos que a esperança está sempre do lado daqueles que pensam que o agir humano reside justamente nessa capacidade de fazer e nos ligar pelo bem da maioria e a participar, no nosso campo, da fundação de uma ciência moral e política do concebível, como nosso colega, Alain-Charles Martinet (2009)Martinet, A.-C. (2009). Management Stratégique et Libertés: pour une science noo-politique du concevable. Management International, 13(3), 85-98. doi:10.7202/037833ar nos convidou já há algum tempo.

Da nossa parte, se nós subscrevemos em tal projeto é porque ele nos parece à altura dos desafios que confrontam a gestão e a sociedade no seu conjunto, presas nas garras de um capitalismo implacável ( Bauman, 2008Bauman, Z. (2008). Does ethics have a chance in a world of consumers? Cambridge: Harvard University Press. ; Saussois, 2006Saussois, J.-M. (2006). Capitalisme sans répit. Paris: La Dispute. , 2021Saussois, J.-M. (2021). Penser l’entreprise aujourd’hui. Conférences montréalaises. Ste-Foy: Les Presses de l’Université Laval. ; Sennett, 2006Sennett, R. (2006). The culture of the new capitalism. New Haven: Yale University Press. ; Reich, 2008Reich, R. (2008). Supercapitalism: the transformation of business, democracy and everyday life. New York: Vintage. ). Isso requer, entretanto, um alargamento antropológico de certas visões gerenciais dominantes, um projeto sobre o qual trabalhamos incansavelmente.

Esperamos que essas reflexões sobre a ética contribuam com sua efetiva construção. Depende de nós, indivíduos, cidadãos, empresas, organizações, associações e poder público, assumir as responsabilidades, em cada uma das nossas esferas, para dar as respostas necessárias. É, portanto, para um ponto de inflexão política, baseado no humanismo democrático renovado que convidamos o mundo das organizações e a nossa sociedade (Chanlat, 2021b, 2022; Fleury & Prévot, 2017Fleury, C., & Prévot, A.-C. (Eds.) (2017). Le Souci de la nature: Apprendre, inventer, gouverner. Paris: CNRS Editions. ; Sennett, 2013)Sennett, R. (2013). Together: the rituals, pleasures, and politics of cooperation. Yale University Press. . Como nos propõe Pierre Charbonnier (2020)Charbonnier, P. (2020). Abondance et liberté, une histoire environnementale des idées politiques. Paris: La Découverte. em sua última obra:

Abundância e liberdade marcharam, por longo tempo, de mãos dadas, a segunda sendo considerada a habilidade de escapar dos caprichos da fortuna e da falta que humilham os seres humanos, mas essa aliança e a trajetória histórica que ela desenha chega agora a um impasse. Diante dele, a alternativa que se apresenta, às vezes, é por um lado, o abandono puro e simples dos ideais de emancipação, sob a pressão de severas restrições ecológicas, e por outro lado, o gozo dos últimos instantes de autonomia que nos restam. Mas quem iria querer uma ecologia autoritária ou uma liberdade sem futuro? O imperativo teórico e político do presente consiste, pois, em inventar a liberdade na era da crise climática, quer dizer, no antropoceno. Ao contrário do que, às vezes, ouvimos, não se trata de afirmar que uma liberdade infinita em um mundo finito é impossível, mas que ela somente poderá ser obtida através de uma relação de socialização sustentável com o mundo material. (p. 21)

References

  • Abord de Chatillon, E., & Desmarais, C. (2017). Espaces de discussion, management et épuisement professionnel. @GRH, 2(23), 13-36. doi:10.3917/grh.172.0013
  • Aggeri, F., Pezet, E., Abrassart, C., Acquier, A. (2005). Organiser le développement durable. Angers: ADEME.
  • Alter, N. (2002). L’Innovation ordinaire. Paris: Presses Universitaires de France.
  • Aristotle. (1992). Éthique à Nicomaque. Paris: Livre de Poche.
  • Babeau, O., & Chanlat, J.-F. (2008). La transgression, une dimension oubliée de l’organisation. Revue française de Gestion, 34(183), 201-219. doi:10.3166/rfg.183.201-219
  • Badiou, A. (1993). L’Éthique. Essai sur la conscience du mal. Paris: Hatier.
  • Baïada-Hirèche, L. (2008). La Dynamiqbue des jugements éthiques individuels en situation dans l’entreprise: une étude ethnographique (Doctorate dissertation). Université Paris 9 Dauphine, Paris.
  • Baïada-Hirèche, L., Pasquero, J., Chanlat, J-F. (2012). Managerial responsibility as negotiated order: a social construction perspective. Journal of Business Ethics, 101, 17-34. Doi:10.1007/s10551-011-1172-7
  • Banon, P., & Chanlat, J.-F. (2017). The French principle of “laïcité” and religious pluralism in the workplace: main findings and issues. in J. Syed, A. Klarsfeld, C. E. J. Härtel, F. Ngunjiri (Eds.), Religious diversity in the workplace (pp. 264-304). Cambridge: Cambridge University Press.
  • Barus-Michel, J., Enriquez, E., Lévy, A. (Eds.) (2002). Vocabulaire de la psychosociologie. Toulouse: Érès.
  • Baudrillard, J. (1970). La Société de consommation. Paris: Gallimard.
  • Bauman, Z. (2008). Does ethics have a chance in a world of consumers? Cambridge: Harvard University Press.
  • Bazerman, M. H. (2020). Better, not perfect. A realist guide to maximum sustainable goodness. New York: Harper Collins.
  • Blanc, F. (2008). Le Marketing I. In G. Schmidt (coord.), Le Management (pp. 91-103). Paris: Sciences Humaines.
  • Bogle, J. (2005). The battle for the soul of capitalism. New Have: Yale University Press.
  • Brabet, J. (Ed.) (1993). Repenser la gestion des ressources humaines. Paris: Economica.
  • Brasseur, M., Kefi, H., Ngijol, J. (2012). Éthique et management: repenser l’organisation. RIMHE: Revue Interdisciplinaire Management, Homme & Entreprise, 1(1), 3-6. doi:10.3917/rimhe.001.0003
    » https://doi.org/10.3917/rimhe.001.0003
  • Brenkert, G. G., Beauchamp, T. L. (Eds.) (2009). The Oxford handbook of business ethics. Oxford: Oxford University Press.
  • Brundtland, G. H. (ed.) (1987). Report of the World Commission on Environment and Development: Our Common Future. New York: United Nations.
  • Bürgenmeier, B. (1994). La socio-économie. Paris: Economica.
  • Capron, M., Quairel-Lanoizelée, F. (2015). La responsabilité sociale de l'entreprise: une question politique. Paris: La Découverte.
  • Carrigan, M., Bosangit, C. (2016). The challenges of responsible marketing and consumption. In D. Shaw, M. Carrington, A. Chatzidakis (eds), Ethics and morality in consumption interdisciplinary perspectives (pp. 75-94). London: Routledge.
  • Castoriadis, C. (1975). L’Institution imaginaire de la société. Paris: Seuil.
  • Castoriadis, C. (1996). Les Carrefours du labyrinthe. 4. La montée de l’insignifiance. Paris: Seuil.
  • Chanlat, J.-F. (1998). Sciences sociales et management Plaidoyer pour une anthropologie générale. Ste Foy: Presses de l’Université Laval.
  • Chanlat, J.-F. (2007). La Logique de l’entreprise et la logique de la société: deux logiques inconciliables? In J.-P. Dupuis (Ed.), Sociologie de l’entreprise (pp. 295-321). Montréal: Gaétan Morin.
  • Chanlat, J.-F. (2010). Gestão das empresas. Uma perspectiva antropológica. São Paulo, SP: Cengage Learning, Coleção Debates em administração.
  • Chanlat, J.-F. (2012). Anthropologie des organisations. In J. Allouche (Ed.), Encyclopédie des ressources humaines (pp. 17-39). Paris: Vuibert.
  • Chanlat, J.-F. (2015). Le champ des études organisationnelles: réflexions critiques d’un observateur plurilingue. Revista de Administração de Empresas, 55(1), 226-230. doi:10.1590/S0034-759020150212
  • Chanlat, J.-F. (2017). La place de la subjectivité dans les théories managériales: un regard socio-historique. In D. Mercure, M.-P. Bourdages-Sylvain (Eds.), Travail et subjectivité; perspectives critiques (pp. 81-120). Sainte Foy, Les Presses de l'Université Laval; Paris: Hermann.
  • Chanlat, J.-F. (2019). Corporations, organization, and human action: an anthropological critique of agency theory. In T. Clarke, J. O’Brien., & R. T. O’Kelley (Eds.), The Oxford handbook of the corporation (pp. 387-417). Oxford: Oxford University Press.
  • Chanlat, J.-F. (2020). A catástrofe sanitária atual: um fato social total? Ciências em Debate, 4, 80-106.
  • Chanlat, J.-F. (2021a). Gestión y subjetividad en el trabajo en el mundo euroamericano: tres posturas principales. Innovar: Revista de Ciencias Administrativas y Sociales, 31(79), 27-41.
  • Chanlat, J.-F. (2021b). O desafio social da gestão: a contribuição das ciências sociais. in P. Bendassolli, L. A. Soboll (coords.), Clínicas do trabalho (pp. 34-54). São Paulo: Artesa.
  • Chanlat, J.-F. (2022). Management, sciences sociales et sociétés. Plaidoyer pour une anthropologie élargie. Ste-Foy: Presses de l’Université Laval.
  • Chanlat, J.-F. (Ed.) (1990). L’Individu dans l’organisation. Les dimensions oubliés. Ste Foy: Presses de l’Université Laval.
  • Chanlat, J.-F. (Ed.) (1994). Towards an anthropology of organizations. in J. Hassard, M. Parker (eds.), Towards a new theory of organizations (pp. 155-189). London: Routledge.
  • Chanlat, J.-F., & Özbilgin, M. (eds.) (2017a). Management and diversity: perspectives from different national contexts. London: Emerald.
  • Chanlat, J.-F., & Özbilgin, M. (eds.) (2017b). Management and diversity: thematic approaches. London: Emerald.
  • Chanlat, J.-F., & Özbilgin, M. (Eds.) (2018). Management et diversité: Comparaisons internationales. Ste Foy: Les Presses de l’université Laval; Paris: Hermann.
  • Chanlat, J.-F., & Özbilgin, M. (Eds.) (2019). Management et diversité: approches thématiques. Sainte Foy: Les Presses de l’Université Laval; Paris: Hermann.
  • Chanlat, J.-F., & Pierre, P. (2018). Le Management interculturel. Evolution, tendances et critiques. Caen: Management et Sociétés.
  • Charbonnier, P. (2020). Abondance et liberté, une histoire environnementale des idées politiques. Paris: La Découverte.
  • Clarke, T., O’Brien, J., O’Kelley, C. R. T. (eds.) (2019). The Oxford handbook of the corporation. Oxford: Oxford University Press.
  • Clegg, S. R., Haugaard, M. (Eds.) (2009). The Sage handbook of power. London: Sage.
  • Clegg, S., & Pina e Cunha, M. (eds.) (2019). Management, organizations and contemporary social theory. London: Routledge.
  • Clegg, S., Kornberger, M., Rhodes, C. (2007). Business ethics as practice. British Journal of Management, 18(2), 107-112. doi:10.1111/j.1467-8551.2006.00493.x
  • Crague, G. (2014). Entreprise, management et territoire: Le management des implantations territoriales à l’ère de l’entreprise-réseau. Sainte Foy: Les Presses de l'université Laval; Paris: Hermann.
  • Crane, A., Matten, D., McWilliams, A., Moon, J., Siegel, D. S. (2009). The Oxford handbook of corporate social responsibility. Oxford: Oxford University Press.
  • Crozier, M., Friedberg, E. (1977). L’Acteur et le système. Paris: Seuil.
  • d’Iribarne, P. (2013). The effect of culture on business ethics. In J-F. Chanlat, E. Davel., & J-P. Dupuis (Eds.), Cross-cultural management, culture and management across the world (pp. 165-200). London: Routledge.
  • Davel, E., Dupuis, J.-P., & Chanlat, J.-F. (Eds.) (2008). Gestion en contexte interculturel: approches, problématiques, pratiques et plongées. Québec: Presses de l'Université Laval, Télé-université.
  • Davis, G. (2009). Managed by the markets. How finance reshaped America. Oxford: Oxford University Press.
  • De Gaulejac, V. (2005). La Société malade de la gestion. Paris: Seuil.
  • Dejean, F. (2005). L’investissement socialement responsable. Paris: Vuibert.
  • Dejours, C. (1995). Le facteur humain. Paris: Presses universitaires de France.
  • Dejours, C. (2005). L’Évaluation du travail à l’épreuve du réel. Paris: INA.
  • Dejours, C. (2012). From psychopathology to the psychodynamics of work. In N. H. Smith, J-P. Deranty (Eds.), New philosophies of labour: work and the social bond (pp. 209‑250). Leiden: Brill.
  • Dejours, C. (2015). Le choix: souffrir au travail n’est pas une fatalité. Paris: Bayard.
  • Deleuze, G. (2003). Spinoza: philosophie pratique. Paris: Minuit.
  • Denis, J.-P., & Martinet, A-C. (2021, 29th Mars). Danone, ou l’ultime paradoxe de la société "à mission". The Conversation. Retrieved from https://bit.ly/3GAZAbV
    » https://bit.ly/3GAZAbV
  • Deranty, J.-P. (2010). Work as transcendental experience: implications of dejours’ psychodynamics for contemporary social theory and philosophy. Critical Horizons, 11(2), 181-220. doi:10.1558/crit.v11i2.181
  • Deroy, X. (Ed.) (2007). L’Agir stratégique. Brussels: de Boeck.
  • Deslandes, G. (2010). Éthique des organisations, le retour de la vertu. L’Expansion Management Review, 137(2), 103-111. doi:10.3917/emr.137.0103
  • Detchessahar, M., Devigne, A., Grévin, A., Stimec, A. (2012). Santé et souffrance au travail, le management en question. In A. Bardelli, J. Allouche, La souffrance au travail: quelle responsabilité de l’entreprise? (pp. 293-318). Paris: Armand Colin.
  • Deveaux, R., Laville, E. (2010). La “Nouvelle fronteire” du marketing responsable. In D. Wolff (Ed.), Le développement durable. Théories et applications au management (pp. 175-193). Paris: Dunod.
  • Dietrich, A., Pigeyre, F., Vercher-Chapsal, C. (Eds.) (2015). Dérives et perspectives de la gestion. Échanges autour des travaux de Julienne Brabet. Lille: Septentrion.
  • Dufour, M., Chanlat, A. (1985). La Rupture entre l’entreprise et les hommes. Montréal: Québec/Amérique.
  • Dujarier, M.-A. (2015). Le Management désincarné. Paris: La Découverte.
  • Dupuy, F. (2015). La Faillite de la pensée managériale. Lost in management. Paris: Seuil.
  • Enriquez, E. (1983). De La Horde à l’État. Psychanalyse du lien social. Paris: Gallimard.
  • Enriquez, E. (1997). Les Enjeux éthiques dans les organisations modernes. In E. Enriquez, Les Jeux du pouvoir et du désir dans l’entreprise (pp. 115-137). Paris: Desclée de Brouwer.
  • Enriquez, E. (2007). Voies et impasses de la société occidentale. Nouvelle revue de psychosociologie, (3), 23-40. doi:10.3917/nrp.003.0023
  • Eraly, A. (2019). Une Démocratie sans autorité? Toulouse: Erès.
  • Eraly, A., & Lebrun, J.-P. (2021). Réinventer l’autorité. Psychanalyse et sociologie.Toulouse: Erès.
  • Etzioni, A. (1988). The moral dimension: toward a new economics. New York: The Free Press.
  • Eynaud, P., França Filho, G. C. (2019). Solidarité et organisation: penser une autre gestion. Toulouse: Érès.
  • Fabbe-Costes, N., Paché, G. (Eds.) (2013). La Logistique. une approche innovante des organisations. Aix-en-Provence: Presses de l’Université de Provence.
  • Fabbe-Costes, N., Rouquet, N. (2019). La Logistisation du monde. Chronique d’une révolution en cours. Aix-en-Provence: Presses de l’Université de Provence.
  • Fischer, T., Davel, E. (2018). Administração como aprendizagem: do vir ao porvir com Tânia Fischer. Farol - Revista de Estudos Organizacionais e Sociedade, 5(12), 13-31. doi:10.25113/farol.v5i12.4794
  • Fitoussi, J.-P. (2020). Comme on nous parle: L'emprise de la novlangue dans nos sociétés. Paris: Les Liens qui libèrent.
  • Fleury, C., & Prévot, A.-C. (Eds.) (2017). Le Souci de la nature: Apprendre, inventer, gouverner. Paris: CNRS Editions.
  • Flipo, J-F., & Seidel, F. (2010). 20 ans de recherche en éthique marketing. Une revue comparée de littérature francophone et internationale. Revue française de gestion, 8(207), 47-61. Retrieved from https://bit.ly/3oNctd8
    » https://bit.ly/3oNctd8
  • Ford, M. (2015). The rise of the robots: technology and the threat of a jobless future. New York: Basic Books.
  • Gantman, E., Yousfi, H., Alcadipani, R. (2015). Challenging Anglo-Saxon dominance in management and organizational knowledge. Revista de Administração de Empresas, 3(55), 126-129. doi:10.1590/S0034-759020150202
  • Gendron, C., Bourque, G. (2003). Une Finance responsable à l’ère de la mondialisation économique. L’Economie politique, 2(18), 50-61. doi:10.3917/leco.018.0050
  • Gendron, C., Girard, B. (Eds.) (2013). Repenser la responsabilité s’ciale de l’en’reprise. L’école de Montréal. Paris: Armand Colin.
  • Georgescu-Roegen, N. (1978/2013). De La Science économique à la bioéconomie. in A. Missemer, Nicholas Georgescu-Roegen, pour une révolution bioéconomique (pp. 45-60). Lyon: ENS.
  • Giddens, A. (1986). The constitution of society: outline of the theory of structuration. Cambridge: Polity.
  • Groupe d'experts intergouvernemental sur l'évolution du climat. (2021). Changement climatique 2021: les éléments scientifiques. Genève: OMM/PNUE.
  • Girin, J. (2016). Langage, organisations, situations et agencements. Ste Foy: Les Presses de l’université Laval, Paris: Herrman.
  • Gordon, R. A., Howell, J. E. (1958). Higher education for business. New York: Columbia University Press.
  • Gori, R. (2016). L’Individu ingouvernable. Paris: Les liens qui libèrent.
  • Gorz, A. (1988). Métamorphose du travail: Quête du sens. Paris: Galilée.
  • Gorz, A. (2008). Ecologica. Paris: Galilée.
  • Goshal, S. (2005). Bad management theories are destroying good management practices. Academy of Management Learning & Education, 4(1), 75-91. doi:10.5465/amle.2005.16132558
    » https://doi.org/10.5465/amle.2005.16132558
  • Grant, D. B, Trautrims, A., & Won C. Y. (2017). Sustainable logistics and supply chain management principles and practices for sustainable operations and management (2nd ed.). London: Kogan Page.
  • Grellier-Bidalun, H., & Chanlat, J.-F. (2019). Le Groupe Mondragon: l’ethos coopératif au service d’un projet socio-économique. Dauphine Recherche en Management, 70-83. Retrieved from https://bit.ly/3DSU7M1
    » https://bit.ly/3DSU7M1
  • Groupe de Lisbonne. (1995). Limites à la compétitivité, pour un nouveau contrat mondial. Charleroi: Labor
  • Habermas, J. (1985). Theory of communicative action, volume one: reason and the rationalization of society. Boston: Beacon.
  • Hatchuel, A. (2020). Ce que gérer veut dire. Paris: Ma Éditions.
  • Ho, K. (2009). Liquidated: an ethnography of Wall Street. Durham: Duke University Press.
  • Horn, S., Lecomte, P., Tietze, S. (eds.) (2020). Managing multilingual workplaces: methodological, empirical and pedagogic perspectives. London: Routledge.
  • Huggan, G. (Ed.) (2013). The Oxford handbook of postcolonial studies. Oxford: Oxford University Press.
  • Intergovernmental Panel on Climate Change. (2021). Climate Change 2021: The Physical Science Basis. Contribution of Working Group I to the Sixth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change. Cambridge: Cambridge University Press.
  • Isaac, H. (2021). Business models de plateformes. Les clés pour accélérer votre transformation numérique. Paris: Vuibert.
  • Jackall, R. (1988). Moral mazes: the world of corporate managers. Oxford: Oxford University Press.
  • Jacobson, M. F., Mazur, A. L., Nader, R. (1995/2019). Marketing madness: a survival guide for a consumer society. New York: Routledge.
  • Jouenne, T. (2010). Les quatre leviers de la logistique durable. Revue française gestion industrielle, 29(1), 35-50. doi:10.53102/2010.29.01.617
  • Kay, J. (2003). The truth about markets: their genius, their limits, their follies. London: Allen Lane.
  • Khurana, R. (2007). From higher aims to hired hands: the social transformation of American Business Schools and the unfulfilled promise of management as a profession. Princeton: Princeton University Press.
  • Lacan, J. (1986). L’Éthique de la psychanalyse. Séminaire VII. Paris: Seuil.
  • Laufer, R. (2020). Tocqueville au pays du management. Crise dans la démocratie. Caen: Editions EMS.
  • Laval, C. (2007). L’Homme économique. Essai sur les racines du néolibéralisme. Paris: Gallimard.
  • Lazonick, W., & Shin, J-S. (2019). Predatory value extraction: how the looting of the business corporation became the Us norm and how sustainable prosperity can be restored. Oxford: Oxford University Press.
  • Le Figaro, & AFP.(2021, 9th August). Climat: le rapport du Giec est une «alerte rouge» pour l’humanité, selon Antonio Guterres. Le Figaro Sciences.Retrieved from https://bit.ly/3dEMgao
    » https://bit.ly/3dEMgao
  • Levillain, K., Segrestin, B., Hatchuel, A., Vernac, S. (2020). Entreprises, responsabilités et civilisations. Paris: Presses des Mines.
  • Lévi-Strauss, C. (2008). La difficulté croissante de vivre ensemble. . .. Le Nouvel Observateur, (2269), 17-18. Retrieved from https://bit.ly/3DRRsSX
    » https://bit.ly/3DRRsSX
  • Linhart, D. (2015). La Comédie humaine du travail. De la déshumanisation taylorienne à la sur-humanisation managériale. Toulouse: Èrès.
  • Locke, R. C., & Spender, J-C. (2011). Confronting managerialism: how the business elite and their business schools threw our lives out of balance. London: Zed.
  • Loi n. 2019-486 du 22 mai 2019 relative à la croissance et la transformation des entreprises. (2019, 15 juin). Journal Officiel de la République française. Retrieved from https://bit.ly/3o34wzH
    » https://bit.ly/3o34wzH
  • Lorino, P. (2018). Pragmatism and organization studies. Oxford: Oxford University Press.
  • Luetge, C. (Ed.) (2013). Handbook of the philosophical foundations of business ethics. Amsterdam: Springer.
  • Martinet, A.-C. (2009). Management Stratégique et Libertés: pour une science noo-politique du concevable. Management International, 13(3), 85-98. doi:10.7202/037833ar
  • Martinet, A.-C., & Reynaud, E. (2005). Entreprise durable, finance et stratégie. Revue française de gestion, 5(152), 121-136. doi:10.3166/rfg.152.121-136
  • Mauss, M. (1968). Sociologie et anthropologie. Paris: Presses Universitaires de France.
  • Meadows, D., Meadows, D., Randers, j., Behrens III, W. (1972). The limits to growth. A report for the club of Rome’s Project on the predicament of mankind. New York: Universe Books.
  • Mercier, S. (2014). L'éthique dans les entreprises. Paris: La Découverte.
  • Merleau-Ponty, M. (1954/1976). Phénoménologie de la perception. Paris: Gallimard.
  • Mintzberg, H. (2005). Managers not MBAs. San Francisco: Berritt-Koelher.
  • Moriceau, J.-L., Letiche, H., & Le Theule, M.-A. (2019). L’Art du sens dans les organisations. Ste Foy: Les Presses de l’Université Laval.
  • Morin, E. (1973). Le Paradigme perdu: la nature humaine. Paris: Seuil.
  • Morin, E. (1993). Terre-Patrie. Paris: Seuil.
  • Morin, E. (2008). La Méthode. Six tomes. Paris: Seuil.
  • Mottis, N. (2014). ISR et finance responsable. Paris: Ellipses.
  • Munier, R. (1991). Les Fragments d’Héraclite. Paris: Fata Morgana.
  • Ollivier, B. (1995). L’Acteur et le sujet. Paris: Desclée de Brouver.
  • Packard, V. (1960). Waste makers. New York: Longman.
  • Pasquero, J., & Chanlat, J.-F. (2015). Le tournant sociétal. In F.-X. Vaujany, A. Hussenot, J.-C. Chanlat (Eds.), Repenser les théories des organisations (pp. 56-78). Paris: Economica.
  • Passet, R. (1996). L’Économique et le vivant. Paris: Economica.
  • Passet, R. (2001). L'illusion néo-libérale. Paris: Flammarion.
  • Passet, R. (2012). La Bioéconomie de la dernière chance. Paris: Les liens qui libèrent.
  • Pesqueux, Y., Biefnot, Y. (2002). L’éthique des affaires. Paris: Éditions d’Organisation.
  • Pharo, P. (1991). Politique et savoir vivre. Paris: L’Harmattan.
  • Pierson, F. C. (1959). The education of American businessman: a study of university-college programs in administration. Toronto: McGraw-Hill.
  • Piketty, T. (2014). Capital in the twenty-first century. Cambridge: Harvard University Press.
  • Polanyi, K. (1944/2001). The great transformation: the political and economic origins of our time. Boston: Beacon.
  • Porter, L., McKibbin, L. (1988). Management, education and development. New York: McGraw-Hill.
  • Rambaud, A., Richard, J. (2021). Philosophie d’une écologie anticapitaliste: pour un nouveau modèle de gestion écologique. Ste-Foy: Les Presses de l’université Laval.
  • Reich, R. (2008). Supercapitalism: the transformation of business, democracy and everyday life. New York: Vintage.
  • Reynaud, A. (1989). L'ère de l'individu. Paris: Gallimard.
  • Revue du Mauss. (2007). Avec Karl Polanyi contre la société du tout-marchand. Paris: La Découverte.
  • Reynaud, J.-D. (1989). Les règles du jeu: l’action collective et la régulation sociale. Paris: Armand Colin.
  • Ricoeur, P. (2001). De La Morale à l'éthique et aux éthiques. In P. Ricoeur, Le Juste 2 (pp. 40-58). Paris: Esprit.
  • Rouzel, J. (2002). L’Éthique dans les pratiques sociales. In J. Rouzel, Le Transfert dans la relation éducative: psychanalyse et travail social (pp. 233-256). Paris: Dunod.
  • Saïd, E. (1994). Culture and imperialism. New York: Vintage.
  • Sainsaulieu, R. (1977/2014). L’Identité au travail. Paris: Les Presses de la Fondation des sciences politiques.
  • Sainsaulieu, R. (2001). Des Sociétés en mouvement. Paris: Desclée de Brouwer.
  • Sainsaulieu, R., Kirschner, A. M. (2006). Sociologia da empresa: organização, poder, cultura e desenvolvimento no Brasil. Rio de Janeiro: DP&A.
  • Saul, J. R, (1992). Voltaire’s bastards: the dictatorship of reason in the West. New York: The Free Press.
  • Saussois, J.-M. (2006). Capitalisme sans répit. Paris: La Dispute.
  • Saussois, J.-M. (2021). Penser l’entreprise aujourd’hui. Conférences montréalaises. Ste-Foy: Les Presses de l’Université Laval.
  • Schoenmaker, D., Schramade, W. (2018). Principles of sustainable finance. Oxford: Oxford University Press.
  • Segrestin, B., Hatchuel, A. (2012). Refonder l’entreprise. Paris: Seuil.
  • Segrestin, B., Baudoin R., Vernac, S. (2014). L’Entreprise, point aveugle du savoir. Paris: Editions Sciences Humaines.
  • Sennett, R. (2006). The culture of the new capitalism. New Haven: Yale University Press.
  • Sennett, R. (2013). Together: the rituals, pleasures, and politics of cooperation. Yale University Press.
  • Supiot, A. (2010). L’Esprit de Philadelphie: la justice sociale face au marché total. Paris: Seuil.
  • Tréguer-Felten, G. (2018). Langue commune, cultures distinctes: Les illusions du Globish. Ste-Foy: Les Presses de l’Université Laval.
  • Van de Ven, A. H. (2007). Engaged scholarship: a guide for organizational and social research. Oxford: Oxford University Press.
  • Vandevelde-Rougale, A. (2017). La Novlangue managériale. Emprise et résistance. Toulouse: Érès.
  • Villette, M. (1988). L’Homme qui croyait au management. Paris: Seuil.
  • Watts, J. (2021, 16th August). Humans ‘pushing Earth close to tipping point’, say most in G20. The Guardian. Retrieved from https://bit.ly/3ILN6jW
    » https://bit.ly/3ILN6jW
  • Weil, É. (1989). Morale. Encyclopedia Universalis, 15, 743-750. Retrieved from https://bit.ly/3riLZl2
    » https://bit.ly/3riLZl2
  • Wolman, W., Colamosca, A. (1997). The Judas economy: the triumph of capital and the betrayal of work. New York: Basic Books.

Notas

  • 1
    . Esta versão em português foi traduzida e revisada diretamente do original francês “Repenser les organisations et la société à partir de l’ethique”. A tradução foi realizada por Marcelo Dantas (CIAGS-UFBA e CECULT-UFRB) e a revisão técnica por Maria Ester de Freitas (EAESP-FGV-SP)
  • 2
    . Este texto retoma alguns elementos do artigo publicado em francês: Chanlat, J. F. (2009). De l’Éthique du pouvoir au pouvoir de l’éthique: l’agir managérial à l’épreuve des valeurs. In M. Marchesnay, & M. A. Payaud (Coords.), Stratégies et pouvoirs: mélanges en l’honneur du professeur Alain-Charles Martinet (pp. 207-219). Paris: Vuibert.
  • 3
    . Em francês, o termo “gestão” refere-se à administração de empresas, portanto, ao setor privado. O termo “administração” é usado para designar a administração pública ou o setor público.
  • Verificação de plágio
    A O&S submete todos os documentos aprovados para a publicação à verificação de plágio, mediante o uso de ferramenta específica.
  • Disponibilidade de dados
    A O&S incentiva o compartilhamento de dados. Entretanto, por respeito a ditames éticos, não requer a divulgação de qualquer meio de identificação dos participantes de pesquisa, preservando plenamente sua privacidade. A prática do open data busca assegurar a transparência dos resultados da pesquisa, sem que seja revelada a identidade dos participantes da pesquisa.
  • Financiamento: O autor não recebeu apoio financeiro para a pesquisa, autoria ou publicação deste artigo.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Mar 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2022

Histórico

  • Recebido
    23 Ago 2021
  • Aceito
    23 Ago 2021
Escola de Administração da Universidade Federal da Bahia Av. Reitor Miguel Calmon, s/n 3o. sala 29, 41110-903 Salvador-BA Brasil, Tel.: (55 71) 3283-7344, Fax.:(55 71) 3283-7667 - Salvador - BA - Brazil
E-mail: revistaoes@ufba.br