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Competências gerenciais desenvolvidas por profissionais de diferentes formações

Management competences developed by professionals from different areas

Resumos

Este estudo orienta-se pela seguinte questão de pesquisa: quais competências são desenvolvidas e utilizadas por gestores de origens profissionais distintas? Para respondê-la, desenvolveu-se uma pesquisa qualitativa básica, visando a identificar, descrever e analisar, comparativamente, as competências gerenciais desenvolvidas e utilizadas por gestores com formação em engenharia, psicologia e administração de empresas de uma empresa do setor de saneamento ambiental. Os dados foram coletados por meio de entrevistas semiestruturadas com quinze gerentes, e os resultados indicaram que o processo de mobilização e articulação das competências gerenciais ocorreu vinculado ao enriquecimento de experiências e vivências profissionais. Os dados evidenciaram que quando os sujeitos passaram da carreira profissional para a gerencial, houve mudança na forma de enxergar o trabalho, sobretudo pelo redimensionamento da responsabilidade. Atingir resultados, não mais como consequência exclusiva de seu esforço, mas pela ação de outras pessoas, passou a ser o grande desafio. As competências gerenciais se formaram apoiadas na integração entre aprendizagem formal e informal. Foram detectadas, ainda, peculiaridades nas capacidades aprendidas pelos gestores em função da origem profissional e na ênfase concedida no dia a dia.

Competência individual; Competência gerencial; Modelos de competências; Aprendizagem gerencial; Aprendizagem formal e informal


This study is guided by the following research question: which competences are developed and used by managers from different professions? In order to answer this question, a basic qualitative research was developed to identify, describe and analyze comparatively the managerial competences developed and used by managers from different professions - engineers, psychologists and administrators - of a company in the environmental sanitation sector. Data was collected through semi-structured interviews with fifteen managers. The results show that the process of mobilization and articulation of managerial competences is linked to the enrichment of experiences. The data shows that when managers move to a career in management, there is a change in how they see the work, especially because of the increasing responsibility assumed. Results were achieved, not only because of their effort, but through the action of others which became the biggest challenge. Management competences were acquired through both formal and informal learning. Some peculiarities were found in competences learned by managers as a function of their professional background and their day to day activities.

Individual competence; Managerial competence; Competence models; Managerial learning; Formal and informal learning


ARTIGOS

Competências gerenciais desenvolvidas por profissionais de diferentes formações

Management competences developed by professionals from different areas

Arilda Schmidt GodoyI; Marcia D'AmelioII

IDoutora em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo - USP. Professora pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Administração de Empresas da Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo/SP/Brasil. Endereço: Alameda dos Aicás, 255/101, São Paulo/SP. CEP: 04086-000. E-mail: arilda-godoy@uol.com.br

IIMestre em Administração de Empresas pela Universidade Presbiteriana Mackenzie de São Paulo. Gestora da Universidade Empresarial Sabesp, São Paulo/SP/Brasil. E-mail: marciadamelio@yahoo.com.br

RESUMO

Este estudo orienta-se pela seguinte questão de pesquisa: quais competências são desenvolvidas e utilizadas por gestores de origens profissionais distintas? Para respondê-la, desenvolveu-se uma pesquisa qualitativa básica, visando a identificar, descrever e analisar, comparativamente, as competências gerenciais desenvolvidas e utilizadas por gestores com formação em engenharia, psicologia e administração de empresas de uma empresa do setor de saneamento ambiental. Os dados foram coletados por meio de entrevistas semiestruturadas com quinze gerentes, e os resultados indicaram que o processo de mobilização e articulação das competências gerenciais ocorreu vinculado ao enriquecimento de experiências e vivências profissionais. Os dados evidenciaram que quando os sujeitos passaram da carreira profissional para a gerencial, houve mudança na forma de enxergar o trabalho, sobretudo pelo redimensionamento da responsabilidade. Atingir resultados, não mais como consequência exclusiva de seu esforço, mas pela ação de outras pessoas, passou a ser o grande desafio. As competências gerenciais se formaram apoiadas na integração entre aprendizagem formal e informal. Foram detectadas, ainda, peculiaridades nas capacidades aprendidas pelos gestores em função da origem profissional e na ênfase concedida no dia a dia.

Palavras-chave: Competência individual. Competência gerencial. Modelos de competências Aprendizagem gerencial. Aprendizagem formal e informal.

ABSTRACT

This study is guided by the following research question: which competences are developed and used by managers from different professions? In order to answer this question, a basic qualitative research was developed to identify, describe and analyze comparatively the managerial competences developed and used by managers from different professions - engineers, psychologists and administrators - of a company in the environmental sanitation sector. Data was collected through semi-structured interviews with fifteen managers. The results show that the process of mobilization and articulation of managerial competences is linked to the enrichment of experiences. The data shows that when managers move to a career in management, there is a change in how they see the work, especially because of the increasing responsibility assumed. Results were achieved, not only because of their effort, but through the action of others which became the biggest challenge. Management competences were acquired through both formal and informal learning. Some peculiarities were found in competences learned by managers as a function of their professional background and their day to day activities.

Keywords: Individual competence. Managerial competence. Competence models. Managerial learning. Formal and informal learning.

Introdução

Atualmente, o desenvolvimento de gerentes reveste-se de particular complexidade, pois as transformações dos ambientes organizacionais demandam mais do que a utilização de modelos ou ferramentas de planejamento e controle. Os padrões culturais de comportamento e as relações de poder com os diversos atores da cadeia produtiva, em especial com as equipes de trabalho, foram afetados profundamente, exigindo dos líderes preparação para respostas em novas bases. Como sugere Closs (2009), há também necessidade de desenvolver lideranças envolvidas com a responsabilidade social corporativa, capazes de fazer uso e gerenciamento proativo de informações e do conhecimento na tomada de decisões e de aplicar capacidades de empreendedorismo e inovação.

Nesse sentido, pode-se considerar que o processo de construção das competências gerenciais envolve duas perspectivas integradas: enquanto atribuição organizacional (desenvolvimento gerencial) e responsabilidade individual (autodesenvolvimento). Para as organizações, o investimento em desenvolvimento gerencial é amplamente justificável. A primeira razão está relacionada ao fato de que o desempenho dos gestores é uma questão imbricada no desempenho organizacional, pois são eles os responsáveis por assegurar a conexão do pensamento estratégico à implementação das ações (RUAS, 2005) e por mobilizar e liderar equipes, visando não só a assegurar o retorno aos acionistas, mas, também, a garantir sustentabilidade empresarial, considerando as demandas sociais e ambientais (CAMPOS et al., 2005).

Parece, ainda, difícil entender o processo de aprendizagem das competências gerenciais limitado às iniciativas formais do desenvolvimento, posto que, também, é autodirecionado e de natureza informal, pois resulta de vivências, experiências e necessidades próprias, conforme Antonello (2011a, 2011b), Bitencourt (2005), Leite (2011) e Reis (2011).

A aprendizagem gerencial, segundo Bitencourt (2005), é um processo de responsabilidade intrínseco ao indivíduo e abarca o conteúdo que emerge nas várias circunstâncias da vida. Portanto, focalizar o exercício da função gerencial como decorrente de um conjunto de capacidades aprendidas em uma dimensão articulada de aprendizagem entre as iniciativas formais e informais pode ser, para Antonello (2011a, 2011b), uma das maneiras de torná-lo mais efetivo.

Como ressaltam Mintzberg e Quinn (2001), o indivíduo desenvolve, a partir de experiências profissionais anteriores, conhecimentos e habilidades que se convertem em um conjunto de modelos mentais. Com base nesses modelos, os gerentes interpretam o mundo e constroem sua forma de atuar apoiados em visões peculiares. Na prática das organizações, esse fato é muitas vezes verificado por meio de referências ao modo particular de aprendizagem dos "gerentes engenheiros", ao demonstrarem interesse maior por metodologias e técnicas que privilegiam aspectos objetivos ou quantitativos em detrimento dos subjetivos ou filosóficos, ou por alusões de que psicólogos desenvolvem com grande facilidade competências gerenciais associadas à comunicação e ao relacionamento interpessoal.

De acordo com Cheetham e Chivers (1998, 2005), é natural que os indivíduos apliquem diferentes conhecimentos, habilidades, atitudes e valores no exercício de uma determinada ocupação, ou seja, reúnam competências gerais e específicas associadas a determinado setor de atuação, ao seu grau de desenvolvimento e à maturação profissional. A partir desses autores, pode-se considerar que o conjunto de competências necesssário ao exercício do papel gerencial é abrangente, e seu desenvolvimento é influenciado por vários fatores envolvendo desde as características pessoais até aquelas decorrentes da área de formação dos gerentes, assim como o aproveitamento de suas experiências profissionais.

Não existem argumentos suficientes para se acreditar que seja possível identificar um conjunto de competências gerenciais consideradas universais, como afirmam Antonacopoulou e FitzGerald (1996). Da mesma forma, para Le Deist e Winterton (2005), não há consenso sobre as conclusões dos estudos (especialmente os norte-americanos) que afirmam que as capacidades necessárias aos gerentes são suficientemente genéricas e se manifestam da mesma forma em um conjunto diferenciado de organizações.

Melhor entendimento desse pensamento pode ser obtido nas explicações de Sandberg e Dall'Alba (2006), nas quais as habilidades e os conhecimentos usados pelos profissionais no desenvolvimento de seu trabalho estão baseados na maneira como eles entendem e vivenciam suas experiências laborais. Cheetham e Chivers (2005) mostram em sua ampla pesquisa envolvendo 20 diferentes profissões que, embora possam ser identificados alguns atributos pessoais como parte do desenvolvimento das competências, a forma como são adquiridos e se manifestam em cada uma dessas competências é diferente e específica de determinado contexto e formação profissional.

Nesse sentido, a formação obtida nos cursos de graduação e o exercício da profissão são elementos que, possivelmente, interferem na construção das competências necessárias ao gerente. Por isso, aprofundar a compreensão da natureza constitutiva das competências de um grupo de gestores com formações profissionais variadas pode potencializar as oportunidades de desenvolvimento gerencial oferecidas no âmbito organizacional, assim como subsidiar o direcionamento de iniciativas de autodesenvolvimento. Diante desse cenário, propõe-se, neste estudo, esclarecer a seguinte questão: Quais competências são desenvolvidas e utilizadas por gestores de origens profissionais distintas?

Para tanto, com este trabalho, objetiva-se a identificar, descrever e analisar, comparativamente, as competências gerenciais desenvolvidas e utilizadas por gestores de origens profissionais distintas, a partir de informações obtidas com 15 gerentes de uma empresa do setor de saneamento ambiental (engenheiros, psicólogos e administradores).

O artigo está estruturado como se segue: nos três primeiros itens, apresenta-se o arcabouço teórico, que examina o tema competência na perspectiva individual, sob o enfoque de autores da escola europeia. Em seguida, trata-se da abordagem metodológica, de natureza qualitativa, e na sequência, a descrição e análise dos resultados. Ao final, são apresentadas as considerações acerca da contribuição do estudo em termos de compreensão teórica e as perspectivas de desenvolvimento gerencial.

Competências individuais e gerenciais

O significado do termo competência não é uniforme. Tanto no mundo do trabalho quanto na esfera da educação, é marcado pela sobreposição de várias concepções, conforme Le Deist e Winterton (2005) e Cheetham e Chivers (2005). Ruas (2005) propõe duas dimensões: a coletiva, que engloba as competências organizacionais, associadas à estratégia organizacional, e a individual, que envolve as competências individuais e gerenciais, foco deste trabalho.

O tema competência individual, segundo Dutra (2002, 2004), pode ser examinado a partir de três abordagens principais: aquela representada por autores norte-americanos; a que reúne os estudos de autores franceses; e uma terceira que integra as duas anteriores e vem orientando os estudos nacionais. Trabalhos de estudiosos brasileiros, como Ruas (2005), Fleury e Fleury (2004), Dutra (2004) e Bitencourt (2005) refletem essa última tendência, ao articular ideias de Zarifian (2001, 2003) e Le Boterf (2003) quanto à noção de competência como conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes que compõem as capacidades das pessoas para a entrega dos resultados desejados. Além dessas três perspectivas, é possível ainda acrescentar a tradição desenvolvida pelo Reino Unido, que foca sua atenção na geração de modelos mais holísticos de competências profissionais, como o de Cheetham e Chivers (2005), adotado neste trabalho.

Como frisou Le Boterf (2003), a competência não se refere a um estágio de qualificação ou a um conjunto / estoque de conhecimentos, habilidades e atitudes aprendidos. Apenas pode ser reconhecida a partir de uma ação concreta, na situação real de trabalho e na relação com o desempenho esperado. Ruas (2005, p. 40) reforça essa noção, referindo-se à competência como "fundamentada em um conjunto de capacidades (...) que assumem a condição de competência apenas no momento em que são mobilizadas para a realização de uma ação específica". Destaca-se, ainda, na definição de competência individual que, para Zarifian (2001), a mobilização das capacidades ocorre diferenciadamente, de acordo com as especificidades dos problemas e necessidades a serem atendidas. Por ser um processo peculiar, a avaliação de sua efetividade está sujeita a critérios relativos à ação requerida, tendo a pessoa a oportunidade de se rever em cada nova situação encontrada. Por essa razão, compreende-se o motivo pelo qual Le Boterf (2003) considera competência um processo em construção, que pode ser aperfeiçoado e transformado. Enquanto resultado de experiências e vivências sucessivas, é fruto de um processo contínuo de aprendizagens formais e/ou informais, sendo o indivíduo o responsável pelo exercício contínuo do "aprender a aprender".

A adoção da noção de competência individual disseminou-se nas organizações, conforme Ruas (2005, p.51), por representar "uma ação efetiva e legitimada no ambiente de trabalho". Trata-se, assim, de conceber o desempenho esperado das pessoas não mais como resultado de um acúmulo de conhecimentos adquiridos nas escolas, mas como a possibilidade de enfrentar desafios e resolver problemas em uma perspectiva de negócios marcada pela necessidade de fazer frente à competitividade e lidar com incertezas e riscos pela articulação de capacidades adquiridas ao longo da trajetória profissional. Dessa forma, pode ser utilizada como referência, em todos os níveis da organização, daquilo que deve ser feito e de como devem ser implementadas as estratégias competitivas, estabelecendo conexão com as competências organizacionais. Tal receptividade transparece nos resultados de pesquisas realizadas em empresas, como a da DELPHI RH 2010, coordenada por Albuquerque e Fischer (2004), e de Fernandes et al. (2005). Em tais pesquisas, figuram como prioridade a gestão de pessoas, o desenvolvimento de gerentes com base em competências e o alinhamento do desenvolvimento gerencial às estratégias de negócios.

Com base em Ruas (2005), consideraremos as competências gerenciais inclusas nas competências individuais, aqui entendidas como o conjunto de capacidades construído e desenvolvido pelo gerente. Essas capacidades, articuladas e mobilizadas de acordo com diferentes situações, necessidades ou desafios, possibilitam o alcance das estratégias empresariais.

Modelos de Competências

A elaboração de modelos que visam a identificar e relacionar os componentes que caracterizam as competências individuais e gerenciais tem sido tendência nas organizações e na literatura acadêmica. De acordo com Le Deist e Winterton (2005), nos modelos norte-americanos, é possível observar a importância de características individuais e dos aspectos comportamentais como meio de atingir o desempenho superior.

A abordagem dos autores ingleses demonstra o valor dos padrões para a definição da competência funcional e sua aplicabilidade no trabalho. E nos autores franceses, evidencia-se o potencial do conceito multidimensional da competência a partir do seu desmembramento em "savoir" (saber), "savoir faire" (saber fazer) e "savoir être" (saber ser). Entretanto, para Le Deist e Winterton (2005), há uma tendência de integração das várias abordagens em um modelo holístico, pois isso reflete a tomada de consciência de que, na prática, aspectos cognitivos, funcionais e sociais são elementos de difícil separação. Em consonância a esse movimento, identificou-se no modelo de Cheetham e Chivers (2005), pesquisadores ingleses, uma proposta de combinação de diferentes abordagens de competências em um todo coerente e significativo.

Cheetham e Chivers (1996, 1998, 2001, 2005) são responsáveis por um grande projeto de pesquisa que investigou como profissionais da Grã-Bretanha, de várias áreas do conhecimento, aprendem e mantêm suas competências profissionais. Nessa pesquisa, que envolveu 80 pessoas de 20 profissões diferentes, foi construído um modelo próprio de competências, porque as visões existentes isoladamente eram insuficientes para explicar o significado da competência na abrangência que esses autores julgavam ser necessária.

No modelo, foram integradas várias concepções de educação e desenvolvimento, consideradas necessárias para a melhor compreensão do exercício profissional, destacando-se as abordagens: técnico-racional, profissional reflexiva, competência funcional, competência pessoal, ética, metacompetência e transcompetências. O modelo de Cheetham e Chivers (2005) é composto por quatro componentes centrais de competência profissional: conhecimento / cognitiva, funcional, pessoal / comportamental e valores / ética, conforme Figura 1, a seguir:


Figura 1

No modelo citado, as competências relativas ao conhecimento são apresentadas como representação metafórica da "massa" necessária ao exercício de uma profissão: técnico-teórico especializado (os fundamentais da profissão), procedimental (o que, quando, como e onde), contextual (conhecimento da organização, do setor de atuação) e tácito / prático (as habilidades ou competências profissionais que caracterizam a atuação de uma pessoa).

Para o alcance de resultados, em uma perspectiva holística, o modelo confere importância equilibrada às competências funcionais, isto é, à execução efetiva de uma gama de tarefas, tanto as relacionadas a uma profissão particular quanto as de natureza genérica, como planejamento, delegação, avaliação e habilidades mentais básicas, como escrita / leitura, aritmética ou de natureza física, bem como às competências comportamentais, ou seja, à habilidade para adotar comportamento apropriado, observável em situações relacionadas ao trabalho, em seu posicionamento diante das atividades e na interação com outros. Ademais, ao conjunto anterior, é justaposta a competência relativa à ética e aos valores nos planos pessoal e profissional: a posse de valores pessoais e profissionais apropriados à definição de cursos de ação e a habilidade para fazer julgamentos em situações relacionadas ao trabalho.

Com vistas a envolver os quatro componentes centrais, o modelo situa as metacompetências e transcompetências. As metacompetências permitem aos indivíduos analisar e desenvolver competências que já possuem. Exemplos: capacidade analítica, criatividade e habilidade de aprendizagem equilibrada (aprender a aprender ou autodesenvolvimento). As transcompetências perpassam outras competências (possibilitam sua expressão), tais como a comunicação e a agilidade mental. Correspondem a um tipo de competência que se integra a outras, mediando sua expressão, incrementando-as, podendo ser determinantes no seu desenvolvimento ou aprendizagem ou até mesmo pré-requisitos ao desenvolvimento de competências mais específicas ao papel.

O modelo contempla, ainda, as influências que o contexto e o ambiente de trabalho podem exercer sobre a competência profissional. O contexto é definido por Cheetham e Chivers (2005, p.107) como a "situação de trabalho específica em que o profissional deve atuar". O ambiente, de acordo com Cheetham e Chivers (2005, p.108), refere-se às "condições físicas, culturais e sociais que circundam o indivíduo no trabalho". Para resumir, contexto e ambiente interferem em todos os tipos de competência e qualquer alteração em um deles modifica a expressão da competência. Ambos os componentes reforçam a necessidade de adequação da expressão de competências às situações peculiares evidenciadas no trabalho.

De maneira semelhante, o modelo reconhece que personalidade e motivação podem exercer impacto na expressão da competência profissional. A reflexão se constitui no que os autores denominaram "supermetacompetência", pois permite às pessoas analisar, modificar e desenvolver competências possuídas ou desencadear outras, funcionando como um tipo de "abre-alas". Considera, também, que as metacompetências e transcompetências, juntamente com os quatro componentes centrais (competências cognitiva, funcional, pessoal, ética e de valores) e seus respectivos constituintes interagem para produzir resultados globais, da atividade profissional e de atividades específicas. A autopercepção de resultados, pelo modelo, desencadeia a reflexão relativa a qualquer aspecto do papel profissional. Apoiados em Schön (2000), Cheetham e Chivers (2005) entendem que os profissionais, além de refletir sobre a ação passada depois de sua ocorrência, refletem, também, durante o curso da atividade (reflexão-em-ação). A reflexão (sobre a ação passada ou em andamento) pode, então, conduzir a modificações do comportamento desejáveis para a melhoria da competência.

A partir dos resultados encontrados em sua pesquisa empírica, Cheetham e Chivers (2001, 2005) demonstram que os profissionais adquirem muitas de suas competências e as mantêm por meio de experiências vivenciadas no cotidiano do trabalho. Assim, as aprendizagens requeridas para tornar um profissional competente vão além daquelas adquiridas via educação e treinamento formal.

Com base em Marsick e Watkins (1997, 2001), os autores distinguem e caracterizam a aprendizagem formal e a aprendizagem informal. A aprendizagem formalse refere a atividades oferecidas institucionalmente. É estruturada e associada ao treinamento e educação escolar. A figura do professor ou instrutor enquanto coordenador do processo é atributo comum dessa modalidade, que pode ocorrer por meio de cursos ministrados em instituições de ensino de diferentes níveis, em seminários e cursos oferecidos pelas organizações como parte de suas ações de desenvolvimento de recursos humanos e em programas de educação à distância. A aprendizagem informal é, predominantemente, experiencial e decorre das atividades de trabalho. Pode ser planejada ou não planejada, mas, normalmente, implica algum grau de consciência da pessoa que está aprendendo, podendo, inclusive, ser encontrada nos processos formais de ensino.

Nesse sentido, para Malcolm, Hodkinson e Colley (2003), é possível encontrar elementos significativos de aprendizagem formal em situações informais e aspectos de informalidade em situações formais, podendo-se considerar que os dois tipos de aprendizagem estão intrinsecamente inter-relacionados. Segundo Antonello (2011b, p. 227), "a natureza desta inter-relação, os modos como é descrita e seu impacto nos aprendizes e em outros envolvidos relacionam-se muito de perto aos contextos organizacionais, sociais, culturais, econômicos e históricos e políticos nos quais a aprendizagem acontece". Ao estudar como ocorreu o desenvolvimento de competências gerenciais dos participantes de programas de especialização e mestrado profissional em Administração na UFRGS, a autora encontrou uma diversidade de modos de aprendizagem, a partir dos quais os indivíduos adquiriram suas competências, destacando a relevância e importância crítica da aprendizagem informal.

A Contribuição do modelo de competências profissionais de cheetham e chivers para a presente pesquisa

Entende-se que a tipologia de Cheetham e Chivers (2005) para competências profissionais pode ser aplicável à identificação das competências gerenciais entre pessoas de diferentes formações profissionais, foco deste estudo. Assim, discorre-se, a seguir, sobre os quatro componentes das competências profissionais propostos pelos autores, tendo como foco o trabalho gerencial.

O exercício da atividade gerencial pressupõe determinado grau de conhecimento do segmento de negócio que o gerente administra. Portanto, o embasamento das decisões tomadas por ele baseia-se, entre outras capacidades, em um corpo de conhecimentos, cuja especialização varia em razão das diferentes dimensões nas organizações: da mais operacional ou especializada às mais abstratas, envolvendo conhecimentos mais técnicos, de um lado, e mais abrangentes e estratégicos, de outro.

Desse modo, a ênfase do papel dos conhecimentos decorrentes da formação profissional ou de seu exercício tem intensidade relativa na atuação do gerente, variando conforme a complexidade e natureza da unidade gerenciada. Por sua vez, o conhecimento contextual tem relação direta com o sucesso da atividade gerencial, pois não se pode entender a efetividade das ações organizacionais descolada dos conhecimentos acerca da realidade interna e externa em que se inserem: cultura, ramo do negócio, setor, mercado, aspectos políticos, econômicos e sociais que afetam a organização.

A efetividade da atuação gerencial, também, se consolida por meio das competências funcionais, originadas em capacidades relacionadas à utilização de metodologias, instrumentos, sistemas e tecnologia para a produção dos resultados (serviços ou produtos): planejamento, gestão de processos de trabalho, alocação de recursos, análise de custos, tomadas de decisão, controles e transformação organizacional.

Na dimensão pessoal / comportamental de seu papel, o gerente deve exibir competências que lhe permitam a otimização de pontos fortes e a minimização dos pontos vulneráveis, estilos de trabalho produtivos e posturas positivas. São competências que podem promover seu desenvolvimento na relação consigo mesmo, com seus liderados, com os pares, fornecedores e outros integrantes da cadeia de valor do seu negócio. Referem-se às posturas gerenciais em relação ao desempenho do trabalho (social / vocacional) e ao relacionamento interpessoal (intraprofissional). Quanto às competências éticas do modelo, sob a ótica pessoal e profissional, são fundamentais nas práticas dos gestores, pois visam ao equilíbrio entre a necessidade de apresentar resultados e a criação de benefícios para os stakeholders e para a sociedade.

Dos componentes reunidos por Cheetham e Chivers (2005), ressalta-se a singularidade da inclusão no modelo das metacompetências, transcompetências e de competências éticas, que conferem o diferencial em relação a outros e têm valor especial para o exercício da função gerencial. A volatilidade do ambiente de negócios e a diversidade de desafios requerem do gerente atualização e desenvolvimento constante de competências, o que pode ser garantido por meta ou transcompetências, como criatividade, análise e solução de problemas e reflexão. As competências éticas permeiam, atualmente, a gestão dos negócios em diversas questões, como assédio sexual no trabalho, discriminação por raça, gênero ou opção ideológica, relações organização-comunidade e controle de corrupção. Nesse cenário, a figura do gerente é central, pois se constitui no ator diretamente responsável pelas ações realizadas nas organizações e, sobretudo, por sua capacidade de imprimir ao ambiente organizacional novo posicionamento ético referente à promoção de sociedades mais justas. São demandas ambíguas e contraditórias, requerendo discernimento para conciliar elementos de difícil congruência, como competitividade e trabalho em grupo, entendimento do lado humano do trabalho e cortes de pessoal, dedicação à organização e projeção de carreira em torno de interesses e motivações particulares.

Cabe ressaltar que os componentes do modelo de Cheetham e Chivers (2005) "contexto, ambiente do trabalho, personalidade e motivação" não foram considerados diretamente na pesquisa, embora se reconheça que interferem no desenvolvimento das competências gerenciais, contribuindo para seu afloramento ou retraimento.

Metodologia

De natureza exploratória, este estudo caracteriza-se como qualitativo básico ou genérico. Assim, segundo Merriam (2002, p.6), seu objetivo é "descobrir e compreender um fenômeno, um processo e visão de mundo das pessoas nele envolvidas". Nesse tipo de estudo, busca-se identificar padrões recorrentes em forma de temas ou categorias que expressem os dados encontrados. O ponto de partida da investigação são as teorias, os modelos e os conceitos expostos no referencial teórico e que servirão de suporte à análise dos dados.

Os dados foram coletados por meio de entrevistas semiestruturadas com 15 gerentes, cinco de cada área de graduação a seguir: Engenharia, Administração de Empresas e Psicologia, atuantes em diversas áreas de uma empresa brasileira do setor de saneamento ambiental.

A análise dos dados obtidos nas entrevistas foi realizada com base nas orientações de Merriam (2002), e para a categorização temática, valeu-se da abordagem denominada por King (2004) de "análise de templates". Nessa abordagem, a categorização e organização dos dados são feitas a partir de temas definidos como relevantes para o pesquisador, considerando-se o arcabouço teórico apresentado. A leitura e reaudição de cada entrevista permitiram a identificação dos trechos correspondentes a cada grande tema que foi sendo detalhado de forma sistemática. Em uma última etapa, buscou-se comparar, estabelecer relações e articular os temas encontrados, expostos na Figura 2, a seguir.


Figura 2

Os resultados obtidos são relatados de maneira a descrever e identificar as competências gerenciais desenvolvidas, buscando-se tecer um comparativo entre elas com base na origem e na atuação profissional dos entrevistados. Ademais, são complementados por excertos das entrevistas, convencionando-se a seguinte legenda:

A (1 a 5) = Sujeitos com formação em Administração de Empresas = Administradores

P (1 a 5) = Sujeitos com formação em Psicologia = Psicólogos

E (1 a 5) = Sujeitos com formação em Engenharia = Engenheiros

Apresentação e análise dos resultados

De profissional a gerente

Os gerentes tinham, à época das entrevistas, em média, 47 anos de idade, 23 de empresa e 12 de exercício na função gerencial. Todos atuaram em suas respectivas áreas de formação por um período médio de oito anos e meio até atingirem a posição gerencial. Quando de seu alcance, por volta de 33 anos, 13 assumiram gerências de serviços relacionados à sua profissão. Por possuírem domínio dos conhecimentos das atividades da unidade, entenderam a oportunidade como um espaço para aprendizagem, o que lhes deu oportunidade para ampliar sua raia de ação na organização.

Embora com intensidade variada, os novos gerentes, na ocasião, não deixaram de sentir o impacto das novas atribuições. Na transição, os gestores das três profissões mencionaram mudança na visão do trabalho e relataram que as capacidades profissionais que lhes possibilitavam apresentar desempenho diferenciado na situação anterior precisaram ser revistas. Depararam-se com situações que não podiam mais ser resolvidas unicamente por seu empenho, exigindo-lhes o desenvolvimento da capacidade de canalizar esforços para atingir os resultados esperados de sua área, pela ação da equipe. Acentuou-se entre eles a percepção da amplitude da responsabilidade que possuíam perante a empresa e os clientes e, por isso, perceberam a importância das relações interpessoais, foco de atenção constante ao longo da carreira gerencial.

As competências gerenciais aprendidas

Na figura 2, a seguir, estão sintetizadas as capacidades gerenciais desenvolvidas pelos participantes deste estudo, classificadas com base no modelo de competências profissionais de Cheetham e Chivers (2005). Cabe salientar que sua categorização nos componentes do referido modelo se constituiu em um exercício analítico e teórico, já que, conforme seus autores, há grande interação entre os componentes, sendo muitas vezes difícil identificá-los em única categoria:

Conhecimentos

Conforme a Figura 2, os dados revelam que os gestores entrevistados incluíram nessa categoria o conhecimento dos serviços prestados pela unidade (técnicos / teóricos/ procedimental), do setor de negócio, da organização, das estratégias da empresa (contextual/ visão global / estratégica), dos sistemas / processos de negócio envolvidos e de suas inter-relações e impactos (visão sistêmica). Embora em menor intensidade, colocaram-se, também, conhecimentos tácitos / práticos.

Em comum, verificou-se que a aprendizagem gerencial dos três grupos profissionais envolveu expressiva incorporação de conhecimentos técnicos / teóricos/ procedimentais relativos à área de gerenciamento, principalmente nos momentos iniciais da carreira. A partir das entrevistas, percebeu-se tratar-se, na maioria dos casos (13 gerentes), de conhecimentos ainda não dominados, embora relacionados ao seu campo de formação profissional ou ao segmento de sua atuação profissional anterior na empresa (finanças, empreendimentos, recursos humanos). Os relatos denotaram a importância desses conhecimentos para aumentar sua confiança na tomada de decisões, como expressou A5, um gerente da área de administração:

Hoje eu sei o que estou fazendo, tenho domínio agora sobre os assuntos, sobre os processos que estão sob minha responsabilidade, coisa que quando eu estava iniciando, tinha certo receio, dependia das mãos de outros, do conhecimento de outros. Então, hoje, a maturidade me traz uma segurança maior do que eu estou fazendo.

A influência significativa dos conhecimentos técnicos / teóricos / procedimentais na prática profissional, primordialmente nos primeiros tempos de exercício, também foi relatada por Cheetham e Chivers (2001) em sua pesquisa entre profissionais, o que revela o papel dessa capacidade na construção do caminho do desempenho competente em qualquer nível de atuação.

Apesar de apresentar menor ênfase, os gerentes dos três grupos se referiram, também, ao desenvolvimento da capacidade "visão global" ou "estratégica" que Fleury e Fleury (2004) denominaram de competências de negócio. Cinco mencionaram a incorporação de conhecimentos específicos do negócio, das estratégias empresariais e do setor de saneamento, para conduzir as unidades de forma alinhada aos rumos da empresa. E2 afirmou que:

Quando eu entrei na empresa. eu fazia parte de um bloquinho muito pequeno de atividades e eu justamente tive dificuldades por não entender como é que funcionava o todo, eu tinha uma visão, eu não conseguia, só tinha uma visão de árvore, não tinha uma visão de floresta. Então, hoje sim, hoje eu tenho uma visão de floresta (...) Como o negócio funciona, na parte operacional, administrativa, financeira... Hoje eu tenho uma visão muito clara nesse sentido.

Notadamente entre psicólogos e engenheiros (oito gerentes), o desenvolvimento da visão sistêmica foi relevante, envolvendo o conhecimento dos vários sistemas conectados às atividades de sua unidade, das inter-relações e impactos existentes entre eles, bem como para o atendimento aos clientes

Eu participo de reuniões com a comunidade, onde me perguntam coisas sobre a empresa: lucro, ações na Bolsa em Nova Iorque... Então, se eu for desinformado, o que eu vou responder para a comunidade? Eu sou o quê? Um representante da empresa, não é o E5 que está lá, é a Empresa X. Então, vai desde o conhecimento geral do que está acontecendo, conhecimento específico para falar do nosso produto. Então, o gerente hoje que não tem esse conhecimento pode passar vergonha. (E5)

Os gerentes psicólogos, especificamente, salientaram a busca de conhecimentos dos serviços da unidade como um estilo de liderar, conforme a gerente P3:

Você tem que ter conhecimento (...) diante de uma equipe é importante, muitas vezes você só consegue ensinar se você sabe.

Ou para prover o desenvolvimento da própria carreira, como relatou P5:

(...) quando eu fui para a divisão, percebi que o conhecimento nessa área de exatas era importante para mim. Então, comecei a buscar formações que me dessem sustentação para continuar e não parar ali, ter oportunidade de fazer carreira também até o nível de departamento.

Em relação ao componente "conhecimento" do modelo, apontam-se algumas peculiaridades. Os psicólogos ressaltaram o desenvolvimento da visão global e a ampliação da visão sistêmica, em razão do forte apelo para conectar as atividades de suas unidades com o negócio, visando a oferecer serviços que contribuíssem, de maneira mais efetiva, com os resultados das atividades-fim. No processo de aprendizagem dos gerentes engenheiros, despontou a visão sistêmica, não mencionada por eles como desenvolvida na fase profissional, como os demais gerentes.

De maneira geral, os dados reunidos nesta categoria ilustram o que Zarifian (2001) explicou sobre a abrangência da competência. Gerentes precisam de conhecimento técnico para tomar decisões ou apresentar soluções para problemas novos ou complexos, distintamente das formas já padronizadas, para assegurar a adequação das ações às necessidades dos clientes ou às demandas da empresa. Mais do que isso: o gerente competente tem noção dos reflexos do seu trabalho, da sua unidade na empresa e do ambiente em que ela atua.

Competências funcionais

Considera-se que este componente do modelo adotado encerra o significado intrínseco da função gerencial: habilidades para a realização de diagnósticos, planejamento, organização e controle de atividades, definição de estratégias, planos táticos e operacionais para obtenção de resultados, estabelecimento de metas e indicadores, gestão de resultados, gestão de processos e administração de recursos. São capacidades correspondentes ao "fazer acontecer" por meio das ações dos outros, conforme P2:

(...) mesmo que a situação esteja nebulosa, eu acho que tenho uma facilidade em olhar e visualizar onde se quer chegar e canalizar esforços para atingir esse resultado.

Pode-se entender que as competências funcionais dos gerentes engenheiros, administradores e psicólogos estão associadas às orientações estratégicas da organização e impactam, fortemente, nas áreas que prestam serviços diretamente aos clientes. Dez gerentes entrevistados que atuavam nesse tipo de unidade, como decorrência provável, expressaram o foco colocado na aprendizagem de sua capacidade de gerir de forma orientada ao cliente, como exemplificado por E4:

Hoje, quando um cliente liga, acabamos sentindo realmente o problema dele e vamos com tudo para tentar resolver o mais rápido possível.

Para os gerentes administradores, ocorreu o mesmo:

Hoje eu falo: nem sempre o que você trouxer para mim vai ser aquilo que os outros estão esperando. Você tem que pensar no que eu estou pedindo e para quem você está enviando, o que a pessoa está querendo também e o que você acha que pode. (A4)

A gestão das unidades para a obtenção de resultados, com base nos depoimentos, resume-se à capacidade de definição de objetivos para o efetivo gerenciamento da equipe e da unidade de estabelecimento e controle dos processos de avaliação para atingir resultados, alocando esforço necessário naquilo que é mais importante. Esse tipo de competência mostrou-se presente entre 11 gestores dos três grupos e foi expressa por E1 da seguinte forma:

Eu acho que você tem que ter uma competência de saber gerir a sua atividade para chegar ao resultado. Você aloca o esforço necessário para aquilo que é mais importante e, aí, a visão holística, eu acredito, ajuda nisso. De repente, você envolve um esforço extremo em alguma atividade em que o resultado não é tão importante para o todo.

Em perspectiva comparativa, a capacidade "gestão de resultados" foi apontada especialmente por aqueles com formação em psicologia. Isso pode ser reflexo das exigências que nos últimos tempos assolaram as áreas-meio nas empresas, pressionando-as a demonstrar sua contribuição, fato não exigido anteriormente, e também do alinhamento com o processo de planejamento em vigor na empresa que, em seu desdobramento tático, estabeleceu metas e indicadores nas diferentes dimensões, tal como explicou P4:

Outra coisa que também desenvolvi foi a gestão de resultados (...) qualquer empregado tem que pensar em resultados, mas foi diferente na função gerencial. Por exemplo: quando eu estava no treinamento, eu cuidava da área de treinamento, hoje não, eu tenho que ver o resultado que a área recursos humanos, como um todo, está agregando para a unidade de negócios. Então, tenho que pensar nas metas que estão sendo propostas para a unidade de negócios e 'o quê' o treinamento agrega para todos os objetivos da unidade de negócios.

Assim, foi possível aferir, na prática, que a competência não é estática, conforme Le Boterf (2003), e deve ser revista permanentemente para adequação aos novos contextos.

Como outro aspecto de semelhança no processo de aprendizagem dos sujeitos dos três grupos, identificou-se a incorporação da capacidade denominada neste estudo de gestão de processos de trabalho. Para Zarifian (2001), esse tipo de capacidade é requerida para fazer frente a situações / eventos imprevisíveis do trabalho, que requer a visão aprofundada de todas as atividades envolvidas na execução. Gerir processos, para 12 dos gerentes entrevistados, implicou obter a visão global do negócio de sua unidade e, com base nela, realizar diagnóstico da atuação da área, (re) definir estratégias, planejar, assegurar a implementação de ações, controlar e avaliar as ações da equipe e detectar aspectos necessários de melhoria ou inovação.

Para os gestores administradores, a gestão por processos tornou-se capacidade importante, na medida em que lhes facilitava integrar funcionários em torno das questões, equacionar problemas, proporcionar visão mais abrangente da área, definir papéis e assegurar o compartilhamento de conhecimento. A1 comentou a experiência:

Eu senti uma necessidade forte de desenhar processos, criar processos de trabalhos, ver as atividades, quem faz, quem não faz, controlar, quem são os clientes. Acho fundamental não só para você ter conhecimento do que acontece dentro da sua área, mas também para você não ficar vulnerável (...) Tem pessoas ali que só elas fazem o que elas fazem. Então, usei esse desenho de processo para tentar unir as pessoas em uma mesma sala e de repente criar equipes multidisciplinares para tentar resolver um problema de uma atividade especifica.

Para os gerentes engenheiros, a assimilação da gestão de processos adquiriu significado no direcionamento da ação gerencial aos principais atores da cadeia produtiva. E3 declarou em seu depoimento a importância de:

(...) conhecer o que faz e interagir com as partes (funcionários, clientes, fornecedores e clientes), para não engessar a área e não se isolar no poder.

Entre os gerentes psicólogos, a capacidade relacionada à gestão de processos mostrou-se relevante, como indicou P5:

(...) para acompanhar o que está acontecendo e o tempo todo avaliar se a forma como a gente está desempenhando é adequada para aquela necessidade, o que a gente pode melhorar (...) o tempo todo fazendo questionamentos (...)

Os gestores engenheiros referenciaram suas capacidades funcionais em visão relacionada à própria metodologia de gestão de projetos, típica da engenharia. Consiste, basicamente, em planejar e organizar o trabalho, alocar recursos e pessoas e assegurar condições para atingir resultados no prazo esperado, de acordo com E4:

Fazer um planejamento de como é que você vai atender à necessidade de uma cidade (...) Como se faz uma boa programação para fazer um trabalho com produtividade boa na cidade? Primeiro, você tem que ter conhecimento da cidade na sua cabeça para poder planejar, para poder orçar as coisas. Então, eu era exigido nas duas coisas.

Essa foi, no entanto, uma capacidade mencionada com menor intensidade entre os gestores da área de Psicologia (dois) e de Administração de Empresas (três).

Competências pessoais / comportamentais

A partir das entrevistas, percebeu-se que essas capacidades foram relatadas como tendo sido incorporadas em duas dimensões. A primeira, relativa ao próprio gerente, diz respeito às atitudes que, combinadas às características pessoais, personalizam sua gestão. Tais capacidades aqui denominadas de "pessoais" contribuíram para o desempenho diferenciado dos gerentes entrevistados, asseguraram resultados em situações pontuais e sedimentaram outras que se sucederiam no tempo. Coragem, ousadia, comprometimento, autoconfiança, equilíbrio, saber ouvir e determinação são alguns exemplos. No conjunto, cabem referências para o que Le Boterf (2003) definiu como saberes do profissional competente, fazendo supor que, ao serem mobilizadas na ação, constituíram-se em competências: tomar iniciativas e decisões, resolver problemas e interagir com diferentes pessoas, resolver conflitos, assumir riscos e responsabilidades para alcançar objetivos. Foram mencionadas por 13 gerentes, mas não foram detectadas capacidades típicas de um ou outro grupo. A diversidade pode ser explicada pelo fato de terem sido, provavelmente, desenvolvidas ou fortalecidas a partir das exigências do contexto e dos desafios por eles deparados e, como tal, de acordo com Sandberg (2000), representaram vivências particulares, vistas em perspectivas singulares frente ao trabalho que tinham a realizar.

A segunda dimensão, a da "interação social", diz respeito ao relacionamento do gerente com superiores, pares, subordinados, clientes, órgãos externos e comunidade. Essa dimensão envolve, portanto, o que Zarifian (2003) denominou de "competências relacionais" e que Fleury e Fleury (2001) chamaram de "competências sociais".

O conteúdo das entrevistas demonstrou a ênfase que os gerentes passaram a conferir a esse aspecto após sua promoção, principalmente no tocante ao relacionamento com os funcionários, assim resumido por E3: "a gestão de pessoas é meu maior esforço, sempre", levando a entender que, realmente, é durante a carreira gerencial que os sujeitos têm o verdadeiro impacto do significado do "fazer acontecer pela ação das pessoas". Mesmo entre aqueles com formação profissional que facilite a interação, como a Psicologia, a gestão das equipes é uma das maiores preocupações gerenciais, como demonstrou P4:

Eu acho que o meu tom, todo esse tempo, foi a gestão de pessoas (...) porque eu percebi que essa era a minha maior dificuldade.

A gestão de pessoas, na realidade dos gestores deste estudo, abrangeu não apenas o estabelecimento de relacionamentos positivos com os funcionários, mas, também, a otimização do potencial, desenvolvimento e reconhecimento, para a obtenção de resultados e adequação aos estilos gerenciais, como evidenciado por E1:

(...) vi que tenho que tentar tirar dela, que ela contribua o máximo que ela pode; os cem por cento dela vão ser diferentes dos cem por cento do outro (...) Não dá para exigir dessa pessoa o mesmo de outra.

O aprendizado da capacidade interpessoal teve maior concentração entre engenheiros e administradores, provavelmente porque esse já era um ponto forte dos psicólogos antes de se tornarem gerentes, em função de sua formação e atividades profissionais.

A relação com os clientes entre os engenheiros impulsionou a capacidade de negociação para compatibilizar interesses e necessidades com o negócio. Foram citadas, por gerentes administradores e psicólogos, as redes de contatos com parceiros espalhados pela empresa, a partir das quais foram estabelecidas relações produtivas e construtivas, para obtenção de informações ou colaboração no fornecimento de referências para a prática gerencial. Cabe ressaltar, ainda, que o autoconhecimento foi mencionado como componente da capacidade pessoal, com destaque entre os gerentes psicólogos, em clara demonstração da influência da formação profissional.

Competências de valores / ética

Esse componente da competência gerencial, de acordo com os resultados do estudo, refere-se aos valores pessoais e profissionais que os gerentes mencionaram utilizar como balizadores em suas relações com os stakeholders no desempenho da função gerencial. Os valores e a ética constituem-se em elementos essenciais da competência, na medida em que podem afetar a tomada de decisões, tanto no que se refere à avaliação das finalidades de uma ação quanto dos meios adequados para se chegar a ela. Considerados como direcionadores da atuação gerencial, percebe-se a extensão de sua influência, na medida em que essa se efetiva nas várias dimensões organizacionais, desde as definições de metas, os processos e métodos de trabalho até a interação com clientes, fornecedores, comunidade e as inúmeras interfaces com as equipes, no que tange à atribuição de responsabilidades, desenvolvimento e avaliação e estilos de liderança. Sobretudo, são os valores pessoais e profissionais que podem assegurar coerência e equilíbrio na relação do gerente consigo mesmo e com a empresa.

Declarações dos gerentes envolvidos neste estudo corroboraram tais noções. Fizeram menção constante ao fato de terem incorporado como norteadores de sua gestão valores familiares, pessoais e profissionais. Expressões como "respeito às pessoas", "comprometimento", "responsabilidade", "dedicação", "seriedade" e "equilíbrio" são exemplos que podem ser compreendidos como sinalizadores da influência de crenças pessoais e profissionais sobre o relacionamento com as pessoas ou com o trabalho, como indicou A3:

(...) tenha clareza disso: amanhã ou depois, se a empresa tiver que escolher, vai escolher aquele que é bom, quem trabalha, quem dá sangue, quem é responsável.

Entretanto, foi nas relações com os funcionários das equipes que as competências dessa natureza mais se evidenciaram, traduzindo a essência do "ser gerente", que pressupõe compreender a profundidade do significado de trabalhar com pessoas, conforme P5:

Porque têm muitos que recebem o empregado para trabalhar e acham que vão transformar aquela pessoa. 'Vou apagar todo o histórico dele de vida e vou transformá-lo na melhor pessoa para a empresa', e de repente não é isso. Você tem que respeitar a pessoa e toda a formação dela e fazer com que ela possa se adequar àquele ambiente da empresa, identificar o que ela tem de melhor para contribuir naquele processo.

Um dos engenheiros, E3, resumiu o aspecto ético que desenvolveu na posição gerencial em relação a funcionários, fornecedores, clientes e stakeholders:

(...) você tem que saber dar atenção para essas pessoas, eles têm expectativas, eles têm desejos, anseios... Com os fornecedores eu tenho que ter essa noção da importância de manter um relacionamento justo, honesto com eles e de ter uma vida harmoniosa no sentido de priorizar as atividades da empresa. A gente aprendeu sobre a ética com o cliente: quando você fizer um produto para o cliente ou você for vender esse produto para o cliente, faça uma coisa que vai trazer benefício para ele, não é só você auferir lucros, faça alguma coisa que vai melhorar a qualidade de vida dele.

O exercício da atividade gerencial é permeado por dilemas, como expressaram alguns gerentes. A própria posição representa a dualidade constituída pela força da capacitação técnica e funcional para realizar e fazer acontecer, de um lado, e pelo dever de fazer cumprir as diretrizes empresariais que priorizam aspectos de impacto no negócio, de outro. Entretanto, os valores e crenças das pessoas e os da empresa ajudaram a dirimir questões e ponderar os melhores cursos de ação a serem tomados enquanto representantes desta, juntamente com funcionários, clientes e fornecedores.

É nesse ponto que se identifica a relação citada por Zarifian (2001), que permeia a competência das pessoas no trabalho: a importância da confluência da responsabilidade e corresponsabilidade das pessoas em relação ao alcance de objetivos coletivos. Em outras palavras, a responsabilidade individual e a corresponsabilidade no alcance dos objetivos coletivos em conjunto com os demais se efetiva por meio do consenso sobre o sistema de valores a ser adotado para dirigir as ações, expresso, muitas vezes, em códigos de conduta pelas empresas. Ou seja, a prática coletiva do trabalho em torno dos objetivos pressupõe sintonia entre as ações individuais e os sistemas de valores que orientam esses atos, sem perder de vista a finalidade econômica da empresa. Nesse sentido, a partir da interpretação das entrevistas, pôde-se inferir que

o código de ética da empresa em que atuam é mediador de consenso sobre o sistema de valores a ser seguido, porque, em última instância, os parâmetros para as decisões, do ponto de vista dos gerentes, devem ser focados no atendimento às necessidades da população, convergindo aos princípios universais de desenvolvimento do bem-estar humano e à preservação do meio ambiente.

Metacompetências e transcompetências

Os gerentes referiram-se ao desenvolvimento de metacompetências, consideradas primordiais ao monitoramento e desenvolvimento de outras competências, e de transcompetências, capazes de incrementar ou auxiliar a manifestação de outras capacidades.

A citação da metacompetência "aprender a aprender" foi percebida nas narrativas de 14 gerentes, não tendo sido, portanto, característica de nenhum grupo específico. Ademais, despontou com intensidade nas citações dos esforços empreendidos no início da carreira para detectarem o estágio de conhecimento sobre as atividades das áreas que passavam a assumir. Foi declarada pelos gerentes, notadamente os engenheiros e psicólogos, ao comentarem como identificavam as carências que emergiam do trabalho, descrevendo as formas de aprendizagem, formais e informais, utilizadas para supri-las. Nesse sentido, a ideia do "aprender a aprender" trazida por Le Boterf (2003, p. 77) está alinhada ao que foi encontrado na pesquisa, especialmente quando ele afirma que o "profissional sabe tirar as lições da experiência. Ele sabe transformar sua ação em experiência e não se contenta em fazer e agir. Faz de sua prática profissional uma oportunidade de criação de saber".

A comunicação, criatividade e capacidade de análise e síntese, de maneira congruente à definição de Cheetham e Chivers (2005) para transcompetências, foram citadas pelos gerentes permeando outras capacidades funcionais (processo dos serviços prestados) e de interação com pessoas de sua equipe, de outras unidades e com a comunidade.

A reflexão no trabalho, classificada como "supermetacompetência" por Cheetham e Chivers (2005), foi percebida no relato de 13 gestores. De acordo com eles, ocorreu de maneira não sistemática, durante ou após as ações, possibilitando avaliar erros e acertos das experiências vividas. Foi proporcionada na relação cotidiana com superiores ou subordinados e, para alguns, em atividades estruturadas de desenvolvimento gerencial e no bojo da autoavaliação e feedback induzidos. Com base nos depoimentos, foi possível entender que, pela reflexão, obtiveram suporte para o desenvolvimento de outras capacidades, relacionadas à interação com outros (subordinados, superiores e pares) e ao autodesenvolvimento, por ter-lhes subsidiado a identificação de aspectos a serem aprimorados, tal como mencionado em Antonello (2011b) e Fernandes et. al (2005). Os resultados encontrados apontam, também, como em Reis (2011, p. 377), "que os gerentes buscam o que necessitam junto a outras pessoas, dentro ou fora da organização", pois existem pessoas que:

(...) mesmo sem envolvimento com a situação ou sem conhecê-la, contribuem para obtenção de melhores percepções, simplesmente pelo fato de lhes darem novas perspectivas sobre o assunto. Ou seja, no processo de reflexão individual, ocorre a colaboração de outros indivíduos (REIS, 2011, p.377).

Considerações Finais

Ao considerar os resultados à luz de Zarifian (2001, p.72), que afirma que a "competência é um entendimento prático de situações que se apoia em conhecimentos adquiridos e os transforma na medida em que aumenta a diversidade das situações", os gerentes tiveram como base de sua evolução na carreira profissional as capacidades desenvolvidas no curso de graduação.

Em processo de mobilização e articulação proporcionado pela aprendizagem vinculada ao enriquecimento de experiências e vivências ao longo da carreira profissional (ANTONELLO, 2011c), tais competências lhes permitiram atingir um patamar diferenciado de desempenho em sua área profissional. Dessa forma, foi possível identificar, por meio de seus relatos, que todos tiveram oportunidades de vivenciar situações favorecedoras de aprendizagem de capacidades que, mais tarde, se mostrariam importantes ao exercício gerencial: assumiram responsabilidades crescentes e mais complexas - conforme os engenheiros -, incorporaram habilidades de liderança e de atuação em equipe - segundo os engenheiros e psicólogos -, ampliaram a visão empresarial e das interligações entre as diversas áreas da empresa, enfrentaram desafios e desenvolveram capacidades comportamentais e de interação social -, como citaram os psicólogos e administradores - e, por isso, foram reconhecidos e promovidos à função gerencial.

Portanto, a formação profissional dos indivíduos (Engenharia, Psicologia e Administração de Empresas) e as capacidades que desenvolveram no exercício de tais profissões, aliadas às características pessoais, mostraram-se determinantes para que se tornassem gerentes. E, por sua vez, foram essas competências os pontos de partida para a construção da carreira gerencial aí iniciada.

Quando os sujeitos passaram da carreira profissional para a gerencial, os dados da investigação evidenciaram que houve, em vários casos, mudança na forma de ver o trabalho, sobretudo pelo redimensionamento da responsabilidade. Atingir resultados, não mais como consequência exclusiva de seu esforço, mas pela ação de outras pessoas, passou a ser o grande desafio. Como processo de construção individual, capacidades profissionais se ampliaram e se somaram às novas, apoiadas à integração entre aprendizagem formal e informal.

Assim, a aprendizagem das competências gerenciais dos sujeitos se constituiu como um processo dinâmico, contínuo e baseado em sucessivas experiências. Embora os gerentes entrevistados reconheçam o papel da aprendizagem formal nesse processo, consideraram que os cursos promovidos pela empresa isoladamente não lhes asseguravam aprendizagem efetiva, conforme Cheetham e Chivers (2001) e Ruas (2005).

A aprendizagem das competências dos gerentes deste estudo ocorreu, de forma acentuada, com base nas experiências informais do cotidiano. Foi possível constatar que, em diversas ocasiões, o desenvolvimento da capacidade gerencial se deu pela articulação entre a aprendizagem formal e informal, segundo Malcolm, Hodkinson e Colley (2003) e Antonello (2011b). Para Antonello (2011b), a efetividade do processo de aprendizagem dependerá não da adoção de uma ou outra forma, mas da efetividade da inter-relação estabelecida, tendo a experiência como ponte entre as duas. Os resultados encontrados, portanto, parecem dizer que enquanto, isoladamente, a experiência no trabalho não se mostrava suficiente, por outro lado, a aprendizagem formal adquiria novo sentido quando os gerentes já possuíam experiências práticas.

Com vistas a resumir as principais conclusões, retoma-se o objetivo que norteou esta pesquisa. Para identificar e descrever as competências desenvolvidas e utilizadas na prática da gestão, constatou-se que as capacidades desenvolvidas pelos gestores das três profissões são encontradas na tipologia de Cheetham e Chivers (2005), demonstrando que o modelo originalmente concebido para o exame de competências profissionais se mostrou, também, promissor para se refletir a respeito das competências gerenciais.

Ao corroborar a concepção de Cheetham e Chivers (2005), as informações obtidas entre os gestores possibilitaram compreender que o desenvolvimento de certas capacidades exerceu influência sobre o desenvolvimento de outras. Com base nas situações relatadas pelos sujeitos, entendeu-se que a mobilização de capacidades é processo dinâmico de mútua alimentação: a aplicação de conhecimentos gerenciais não se efetivaria sem o domínio das habilidades compreendidas entre as capacidades funcionais, e estas, por sua vez, requereram conhecimentos permanentemente atualizados. De forma semelhante, o fortalecimento de capacidades de interação com equipes e outros stakeholders contribuiu para o desenvolvimento de capacidades funcionais. Características pessoais e metacompetências determinaram a forma de buscar conhecimentos e desenvolver capacidades funcionais em um todo interligado.

Quanto ao atendimento do objetivo no que se refere à análise comparativa dos aspectos comuns e peculiares na construção e utilização das competências dos gestores com base em sua formação profissional, verificou- se a existência de semelhança em relação aos seguintes aspectos: (a) valorização do domínio de conhecimento técnico da unidade gerenciada; (b) ampliação da visão do negócio adquirida na carreira pro-fissional, passando à visão estratégica; (c) orientação da gestão ao cliente interno e externo e aos resultados; (d) consciência da importância e, ao mesmo tempo, da complexidade da gestão de pessoas; (e) ética e valores pessoais e organizacionais como direcionadores das condutas nas relações com stakeholders; (f) reflexão, embora não sistemática e não evidenciada por todos, atuando como facilitadora do desenvolvimento de outras capacidades dos gerentes dos três grupos; e (g) a capacidade de "aprender a aprender" demonstrou a consciência dos gestores quanto ao valor do autodesenvolvimento e da responsabilidade em relação à própria carreira.

Por outro lado, no desenvolvimento das capacidades dos gestores participantes desta investigação, verificaram-se as seguintes peculiaridades, segundo sua origem profissional: (a) engenheiros desenvolveram a visão sistêmica após tornarem-se gerentes, possivelmente em consequência das características das atividades profissionais, as quais passaram a exigir contato intenso e constante com outras unidades; (b) a ênfase da ação gerencial dos sujeitos administradores está na gestão de processos; (c) os gerentes engenheiros fundamentam sua atuação nos conhecimentos específicos da área de engenharia; (d) a gestão de resultados é uma capacidade na qual os gerentes com formação em Psicologia se empenham diferenciadamente das demais, demonstrando o reflexo das exigências que assolam as organizações em todos os seus processos; (e) psicólogos, no exercício da capacidade de gestão de pessoas, empregam notadamente sua "especialização profissional", adquirida nas áreas de seleção, treinamento ou avaliação de pessoas; (f) o autoconhecimento foi manifestado apenas entre gerentes com formação em Psicologia; e (g) a habilidade de comunicação não foi mencionada pelos gerentes com formação em Engenharia.

De maneira geral, independentemente de sua formação profissional, os eixos do desempenho gerencial dos sujeitos estão na combinação de capacidades interacionais, notadamente a gestão de pessoas, os conhecimentos técnicos e a gestão de resultados, apoiados em sistemas de valores. Isso faz depreender que a competência gerencial inclui diversas capacidades, classificadas em diferentes abordagens, tal como pontuaram Cheetham e Chivers (2005) na proposição de seu modelo.

O fator de diferenciação entre os três grupos é a ênfase com que essas capacidades são empregadas no gerenciamento. Competências profissionais foram utilizadas como "abre-alas" para o desenvolvimento das competências gerenciais e marcaram a construção da identidade de sua gestão. A formação proporcionada pela graduação forneceu o "pano de fundo" em cujas malhas foram tecidas as capacidades dos indivíduos. Em outras palavras, a formação é a base e as experiências profissionais correspondem a colunas que sustentam o desenvolvimento das capacidades gerenciais. Portanto, pode-se arriscar a afirmação de que há relação indireta entre a aprendizagem das capacidades gerenciais e a formação profissional, enquanto um processo contínuo de transformação das experiências.

Este estudo oferece, assim, uma visão do conjunto de capacidades típicas de um grupo de gestores, cuja aprendizagem ocorreu pela sua articulação e mobilização em circunstâncias específicas da prática gerencial, em uma empresa do setor de saneamento. Sobretudo, descreve capacidades aprendidas inter-relacionadamente, como fruto de esforços de autodesenvolvimento e de estímulos da organização onde trabalham, evidenciando o papel da visão integrada da aprendizagem formal e informal.

Contribui, dessa forma, para o aprofundamento da compreensão da aprendizagem de competências gerenciais como processo contínuo no exercício das atividades. Pode vir a se tornar um referencial aos planejadores de RH no estabelecimento de direcionadores de desenvolvimento gerencial no setor de saneamento. Concorre, ainda, para subsidiar gerentes ou futuros líderes no encaminhamento de suas iniciativas de aprendizagem continuada, primordial nos tempos atuais, e, principalmente, para que, como seres humanos, tenham como meta não só gerenciar técnica / operacionalmente empreendimentos e serviços, mas, também, possam responder aos desafios da sustentabilidade e da responsabilidade social, característica fundamental da gestão contemporânea.

Do ponto de vista acadêmico, acredita-se que estudos focados em gerentes de outras formações profissionais e/ou de diferentes segmentos, além de comparações baseadas em idade, gênero e tipos de carreira, poderiam ajudar a elucidar a forma como as competências gerenciais são adquiridas e se manifestam de forma diversa e específica, considerando determinados contextos sociais, organizacionais e profissionais.

Artigo recebido em 04/10/2010.

Última versão recebida em 11/11/2012.

Artigo aprovado em 21/11/2012.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Jan 2013
  • Data do Fascículo
    Dez 2012

Histórico

  • Recebido
    04 Out 2010
  • Aceito
    21 Nov 2012
  • Revisado
    11 Nov 2012
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