Acessibilidade / Reportar erro

Desenvolvimento Econômico como um Processo Social de Múltiplas Escalas Espaço-Temporais

Resumo

O artigo procura, em primeiro lugar, demonstrar como o conceito de desenvolvimento foi usado de diversas formas ao longo da história. Os autores clássicos do desenvolvimento compreendiam o fenômeno como um processo complexo, que envolvia mudanças estruturais, transformações econômicas setoriais, projetos políticos de mudança social, atuação e planejamento por parte de diversos atores econômicos e políticos. Suas ideias influenciaram processos sofisticados de transformação social ocorridos especialmente durante a “era de ouro” do capitalismo. Da década de 1980 em diante, têm ganhado força teorias reducionistas sobre o desenvolvimento, as quais procuram explicá-lo como resultado, por exemplo, da especialização produtiva, da ação empreendedora ou de arranjos econômicos locais. O artigo também tem por objetivo estabelecer parâmetros metodológicos, tanto para a rejeição de abordagens reducionistas sobre o desenvolvimento quanto para a defesa de teorias abrangentes, que o compreendem como um fenômeno social complexo que ocorre em múltiplas escalas espaço-temporais.

desenvolvimento econômico; metodologia; reducionismo; teorias do desenvolvimento

Abstract

The article seeks, first, to demonstrate how the concept of development has been used in different ways throughout history. The classical developmentalist authors understood the phenomenon as a complex process, which involved structural changes, sectoral economic transformations, political projects of social change and action and planning by various economic and political actors. Developmentalist ideas influenced sophisticated processes of social transformation that took place especially during the “golden age” of capitalism. From the 1980s onwards, reductionist theories about development have gained momentum. They seek to explain development as the result, for example, of productive specialization, entrepreneurial action or local economic arrangements. The article also aims to establish methodological parameters for the rejection of reductionist approaches to development and for the defence of comprehensive theories, which understand it as a complex social phenomenon that occurs in multiple space-time scales.

economic development; methodology; reductionism; development theories

Introdução

A modernidade é caracterizada por um conjunto de relações sociais que tiveram origem na Europa, ao final da Idade Média, e se espalharam, de modo geral por meio da violência, para o resto do mundo nos séculos seguintes. Algumas das relações sociais fundamentais que definem a modernidade são os Estados nacionais, as economias capitalistas e distintas visões de mundo, que incluem o cientificismo, o antropocentrismo e o individualismo ( Berman, 2007Berman, M. (2007). Tudo que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade. São Paulo, SP: Companhia de Bolso. ; Domingues, 2005Domingues, J. (2005). Sociologia e modernidade: para entender a sociedade contemporânea (3a ed.). Rio de Janeiro, RJ: Civilização Brasileira. ; Fiori, 2004Fiori, J. (Org.). (2004). O poder americano. Petrópolis, RJ: Vozes. ; Giddens, 1991Giddens, A. (1991). As consequências da modernidade. São Paulo, SP: Editora Unesp. ). Como consequência dessas relações sociais, dinâmicas contraditórias se instauraram nas sociedades modernas, provocando crescimento econômico, industrialização, urbanização, destruição ambiental, desigualdade, alienação, reificação de pessoas e espécies animais, permanente transformação e mercantilização das práticas, das tradições e das relações humanas ( Bauman, 2001Bauman, Z. (2001). Modernidade líquida. Rio de Janeiro, RJ: Zahar. ; Berman, 2007Berman, M. (2007). Tudo que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade. São Paulo, SP: Companhia de Bolso. ; Latour, 1994Latour, B. (1994). Jamais fomos modernos: ensaio de antropologia simétrica. Rio de Janeiro, RJ: Editora 34. ; Marx, 1867/2013; Postone, 2014Postone, M. (2014). Tempo, trabalho e dominação social. São Paulo, SP: Boitempo. ; Rosa, 2019Rosa, H. (2019). Aceleração: a transformação das estruturas temporais na modernidade. São Paulo, SP: Editora UNESP. ). A modernidade (re)estrutura as relações sociais, assim como as escalas espaço-temporais de organização da vida social. Embora a sociedade moderna constantemente se reconfigure de diversas formas nos distintos lugares e épocas, isso não implica na impossibilidade da existência de teorias amplas, ou de “grandes narrativas” sobre a modernidade – que, no entanto, não serão tratadas de forma aprofundada neste artigo ( Berman, 2007Berman, M. (2007). Tudo que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade. São Paulo, SP: Companhia de Bolso. ; Domingues, 2005Domingues, J. (2005). Sociologia e modernidade: para entender a sociedade contemporânea (3a ed.). Rio de Janeiro, RJ: Civilização Brasileira. ; Fiori, 2004Fiori, J. (Org.). (2004). O poder americano. Petrópolis, RJ: Vozes. ; Giddens, 1991Giddens, A. (1991). As consequências da modernidade. São Paulo, SP: Editora Unesp. ; Marx, 1867/2013).

Uma característica notável da modernidade, de acordo com Koselleck (1979/2006, p. 282), são as elaborações, ou reinterpretações, de diversas expressões indicadoras da “acelerada mudança da experiência histórica e da rapidez de sua elaboração pela consciência”, entre as quais estão “revolução, progresso, desenvolvimento, crise, espírito do tempo”. A expressão “desenvolvimento”, uma das palavras mais usadas por políticos, empresários e movimentos sociais desde pelo menos o final do século XIX, teve origem nos idiomas indo-europeus com o sentido de “desenrolar” ou “desdobrar algo”. Com esse significado, seu uso foi registrado na França do século XII na forma de “ desveloper ” ( Koponen, 2020Koponen, J. (2020). Development: History and Power of the Concept. Forum for Development Studies, 47(1), 1-21. doi:10.1080/08039410.2019.1654542
https://doi.org/10.1080/08039410.2019.16...
, p. 6). O termo foi utilizado no âmbito da biologia e, posteriormente, das ciências sociais, com o sentido de formação de algo que exista em forma embrionária.

Ao longo da história, o conceito foi usado, em um primeiro momento, para justificar processos colonizadores de extração de recursos e de modernização de sociedades nativas, submetidas à dominação de potências europeias ( Esteva, 2010Esteva, G. (2010). Development. In W. Sachs (Ed.), The Development Dictionary: A Guide to Knowledge as Power (pp. 1-23). London: Zed Books. ; Koponen, 2020Koponen, J. (2020). Development: History and Power of the Concept. Forum for Development Studies, 47(1), 1-21. doi:10.1080/08039410.2019.1654542
https://doi.org/10.1080/08039410.2019.16...
; Satrústegui, 2013Satrústegui, K. U. (2013). Desenvolvimento, subdesenvolvimento, mau-desenvolvimento e pós-desenvolvimento: um olhar transdisciplinar sobre o debate e suas implicações. Revista Perspectivas Do Desenvolvimento, 1(1), 34-69. Recuperado de https://periodicos.unb.br/index.php/perspectivasdodesenvolvimento/article/view/14373
https://periodicos.unb.br/index.php/pers...
). A partir do início do século XX, a dominação colonial passou a ser vista como um empecilho ao desenvolvimento, e a expressão foi apropriada por movimentos nacionalistas de independência, além de ser usada também por distintos movimentos políticos e organizações internacionais, entre as quais, a Liga das Nações e a Organização das Nações Unidas ( Esteva, 2010Esteva, G. (2010). Development. In W. Sachs (Ed.), The Development Dictionary: A Guide to Knowledge as Power (pp. 1-23). London: Zed Books. ; Koponen, 2020Koponen, J. (2020). Development: History and Power of the Concept. Forum for Development Studies, 47(1), 1-21. doi:10.1080/08039410.2019.1654542
https://doi.org/10.1080/08039410.2019.16...
; Satrústegui, 2013Satrústegui, K. U. (2013). Desenvolvimento, subdesenvolvimento, mau-desenvolvimento e pós-desenvolvimento: um olhar transdisciplinar sobre o debate e suas implicações. Revista Perspectivas Do Desenvolvimento, 1(1), 34-69. Recuperado de https://periodicos.unb.br/index.php/perspectivasdodesenvolvimento/article/view/14373
https://periodicos.unb.br/index.php/pers...
). Depois da Segunda Guerra Mundial, no contexto histórico de descolonização da África e da Ásia, de ascensão do nacionalismo e de reconstrução dos países devastados pela guerra, o desenvolvimento econômico e social passou a ser teorizado e promovido com maior rigor conceitual.

Os autores clássicos do desenvolvimento, mencionados na próxima seção, o compreendiam como um processo complexo, que envolvia mudanças estruturais, transformações econômicas setoriais, projetos políticos de transformação social, atuação e planejamento por parte de diversos atores econômicos e políticos. Suas ideias influenciaram processos sofisticados de transformação social ocorridos especialmente durante a “era de ouro” do capitalismo. Posteriormente, devido à globalização comercial e financeira, as ideias clássicas sobre o desenvolvimento foram colocadas em segundo plano e o conceito foi vítima de grande reducionismo – analisado na terceira parte deste artigo –, ao ser confundido, por exemplo, com o empreendedorismo, o localismo ou a especialização produtiva. A última parte do artigo tem por objetivo estabelecer parâmetros metodológicos, tanto para a rejeição de abordagens reducionistas sobre o desenvolvimento quanto para a defesa de teorias abrangentes sobre ele, as quais o compreendem como um processo social complexo de aprimoramento das condições socioeconômicas de vida, que ocorre em vários níveis espaciais e em múltiplas temporalidades, envolvendo diversos projetos possíveis de sociedade moderna1 1 . Não é objetivo do texto construir uma teoria do desenvolvimento, mas estabelecer diretrizes para a rejeição de abordagens reducionistas. .

Elementos metodológicos das teorias clássicas do desenvolvimento

Depois da Segunda Guerra Mundial ocorreu um grande aumento no número de contribuições voltadas ao entendimento e à promoção do desenvolvimento econômico. Mas, antes disso, diversas mudanças históricas contribuíram para o florescimento de políticas voltadas à promoção da estabilização econômica, do crescimento e do planejamento. A primeira grande mudança histórica foi o fim da era liberal comandada pela Inglaterra, que implodiu após a Primeira Guerra Mundial e a Grande Depressão da década de 1930. Nesse contexto histórico, foram desenvolvidas diversas experiências de intervenção estatal, com variados matizes político-ideológicos, desde o planejamento central soviético até o militarismo nazifascista, passando pela socialdemocracia escandinava, pelo New Deal estadunidense e pela era Vargas brasileira ( Bastos & Britto, 2010Bastos, C., Britto, G. (2010). Introdução. In A. Agarwala, & S. Singh (Orgs.), A economia do subdesenvolvimento (pp. 7-41). Rio de Janeiro, RJ: Contraponto. ).

Nas duas décadas posteriores à Segunda Guerra Mundial, a reconstrução das economias atingidas pelo conflito, a disputa geopolítica caracterizada pela Guerra Fria e à descolonização de territórios anteriormente em posse de potências europeias estimularam a construção de diversas teorias voltadas ao desenvolvimento. Na “era de ouro” do capitalismo, as práticas desenvolvimentistas, assim como o keynesianismo e as políticas de bem-estar social, ajudaram a promover a época de maior crescimento econômico mundial. As contribuições de Prebisch, Furtado, Hirschman e Myrdal, entre diversos outros autores, se enquadram nesse contexto histórico. Esta seção procura apresentar alguns elementos metodológicos presentes nas obras desses quatro autores, com o intuito de explicitar como autores clássicos do desenvolvimento entendiam o fenômeno de forma complexa, irredutível a apenas uma escala de análise, a apenas um horizonte temporal e a aspectos meramente materiais.

Prebisch, Furtado, Hirschman e Myrdal questionavam diversas posições do pensamento econômico convencional. Rejeitavam a aplicação de ideias abstratas e únicas para a explicação da dinâmica econômica de todos os países e regiões. Criticavam a concepção etapista e equilibrada do desenvolvimento econômico, assim como a hipótese da tendência de convergência dos níveis de renda e de tecnologia no plano internacional, princípios presentes em diversas abordagens neoclássicas. Ademais, rejeitavam a teoria das vantagens comparativas, elaborada a partir da obra de David Ricardo.

Prebisch e Furtado, dois dos principais expoentes do pensamento estruturalista cepalino, procuravam compreender a realidade do subdesenvolvimento latino-americano a partir de um ponto de vista histórico e estrutural, que rejeita a universalidade das teorias econômicas e as posiciona geográfica e historicamente ( Bielschowsky, 2000Bielschowsky, R. (2000). Cinquenta anos de pensamento na CEPAL: uma resenha. In R. Bielschowsky (Org.), Cinquenta anos de pensamento na CEPAL (pp. 13-68). Rio de Janeiro, RJ: Record. ). Fenômenos complexos, como o subdesenvolvimento, não podem ser entendidos sem uma análise que combine investigações históricas, políticas e culturais. Nesse sentido, Furtado (1973Furtado, C. (1973). Adventures of a Brazilian economist. International social science journal, XXV(1/2), 28-38. /2013) afirma: “[n]unca pude compreender a existência de um problema estritamente econômico” (p. 39).

Prebisch (1949/2000) considerava que o subdesenvolvimento era derivado de diferenças históricas e político-institucionais entre os países centrais e periféricos, além das próprias características setoriais distintas e em termos de elasticidade-renda da demanda, o que faria aumentar e propagar a produtividade de maneira distinta pelo planeta. Enquanto os países centrais, com economias industrializadas, diversificadas, menos concorrenciais e com sindicatos fortes, tenderiam a obter ganhos de produtividade que não eram convertidos em menores preços, os países periféricos, especializados na produção de bens primários, que por sua vez são comercializados em mercados concorrenciais e possuem baixa elasticidade-renda da demanda, tenderiam a obter ganhos de produtividade que seriam convertidos em menores preços. Com isso, ocorreria a famosa tendência à deterioração dos termos de troca dos bens primários.

No que se refere ao desenvolvimento, Prebisch (1949/2000) considerava-o como uma mudança na divisão internacional do trabalho (que passaria fundamentalmente pela ampliação relativa do setor industrial e diminuição da importância do setor agrícola), associada ao aumento da produtividade da economia, à reforma na legislação social, ao aumento salarial e à elevação do padrão de vida das massas. Esse processo teria tido início, na América Latina, com a Grande Depressão, que reduziu as possibilidades de crescimento voltados “para fora” e induziu ao crescimento voltado “para dentro”. O desenvolvimento deveria ser continuado de maneira consciente e planejada pelos governos dos países periféricos, que deveriam induzir uma “enorme acumulação de capital”, especialmente nos setores industriais. A acelerada acumulação de capital dependeria, por sua vez, do aumento da poupança, que só seria possível com a redução do consumo de bens supérfluos, desejados por setores da sociedade graças ao “propósito de assimilar às pressas certos estilos de vida que os países de técnica mais avançada foram alcançando progressivamente, graças ao aumento de sua produtividade” (pp. 76-77).

O conceito de subdesenvolvimento em Celso Furtado está relacionado à forma espacialmente desigual de difusão da modernidade e do progresso técnico dela advinda. Enquanto nos países centrais a acumulação de capital havia levado à escassez de força de trabalho, que nesse caso teria possibilitado a canalização de pressões sociais na direção da elevação dos salários reais, da redução da desigualdade e da criação de políticas de proteção social, provocando a geração de mercados internos diversificados e pujantes, nas regiões periféricas a acumulação de capital e a introdução das técnicas originadas dos países centrais gerou subutilização da força de trabalho, baixos salários, dependência tecnológica, especialização produtiva, concentração de renda e mercados internos reduzidos (Furtado, 2001). Em outras palavras, a forma como o progresso técnico é absorvido pela sociedade depende de fatores históricos e político-institucionais que se diferenciaram no centro e na periferia da economia moderna.

Furtado (1984)Furtado, C. (1984). Cultura e desenvolvimento em época de crise. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra. entende o desenvolvimento como processo de “satisfação crescente das necessidades básicas da população e redução das disparidades sociais” (p. 11), associado não só ao aprimoramento técnico e instrumental, mas também à expansão da “capacidade criativa do homem” e às transformações culturais e no conjunto de “valores que se difundem na coletividade” (Furtado, 2001, p. 47). O subdesenvolvimento, e não o desenvolvimento, é visto como a forma típica de modernização das sociedades periféricas. Para que o desenvolvimento fosse alcançado algumas condições deveriam ser cumpridas: internalização da acumulação, evitando a drenagem de recursos para o exterior; modificação dos padrões de consumo que mimetizam o consumo dos países ricos; nível alto de “investimento no fator humano, abrindo caminho à homogeneização social”; adoção de um “sistema de incentivos capaz de assegurar o uso do potencial produtivo”; e estruturas sociais que estimulem a criatividade e a criação cultural. Entretanto, para que tais transformações fossem possíveis, seria necessária uma “forte vontade política apoiada em amplo consenso social” (Furtado, 2001, pp. 54-60)2 2 . Além da formação de centros e de periferias no âmbito internacional, Furtado (1984) argumentou que a dinâmica capitalista também é concentradora no nível regional, devido às economias de escala, às economias de aglomeração, à concentração dos recursos públicos e a formação de mercados consumidores bastante desiguais. O autor identificou que diversos países adotaram políticas para promover o desenvolvimento regional, estimulando a descentralização das atividades industriais e desse modo prevenindo a “desertificação cultural e humana de áreas economicamente frágeis”. A promoção do desenvolvimento das regiões substitui a “racionalidade econômica” e o “horizonte de tempo relativamente estreito” ligados aos mercados e à concentração espacial por uma ação política fundada em uma “visão mais ampla do processo social”. No caso específico do Nordeste do Brasil, as políticas de desenvolvimento defendidas por Furtado englobariam diversas iniciativas, passando pela repactuação do federalismo, pelo aprimoramento da educação básica e superior, pela promoção da industrialização, pela reforma agrária e pela ampliação da produtividade e da renda na agricultura. .

Por seu turno, Hirschman (1961) considerava que o crescimento econômico não ocorre de forma espacialmente homogênea e equilibrada: “no sentido geográfico, o crescimento é, necessariamente, desequilibrado” (p. 36). O autor toma como ponto de partida a análise da concentração e desconcentração econômica em distintas regiões e, posteriormente, adiciona elementos na sua análise, para aplicá-la ao âmbito internacional. Do ponto de vista regional, as relações econômicas e políticas entre os territórios progressistas e os atrasados poderiam alimentar tanto efeitos positivos, ou de transbordamento, quanto efeitos negativos, de polarização. Por um lado, temos, entre os efeitos positivos da região avançada sobre a atrasada, o aumento de compras e de investimentos e demanda por trabalho. Por outro, os efeitos desfavoráveis incluem a baixa competitividade das atividades manufatureiras da região atrasada, que podem ser reduzidas ou transplantadas para a região mais dinâmica, e o deslocamento de trabalhadores mais qualificados na direção do polo de maior crescimento. Hirschman acreditava que os efeitos de fluência superariam os de polarização, a menos que as economias possuíssem baixa complementariedade. Nesse caso, as forças de mercado não diminuiriam as discrepâncias de renda e de produtividade e apenas a ação planejada do Estado poderia reduzir a polarização.

Hirschman (1961) define o desenvolvimento como um processo planejado de “mobilizar, com propósito desenvolvimentista, os recursos e as aptidões, que se acham ocultos, dispersos ou mal empregados” (p. 19). O processo passa por mudanças estruturais que envolvem a ampliação de capacidades e habilidades latentes presentes, tanto na agricultura quanto na indústria3 3 . Hirschman (1961), assim como a maioria dos teóricos do desenvolvimento da época considerava que havia um trade-off entre consumo e investimento: “para obter maiores rendimentos per capita, o consumo geral precisa ser reduzido” (p. 26). Os críticos consideram essa hipótese equivocada e argumentam que a restrição externa, e não a de poupança, é fundamental para o entendimento dos entraves macroeconômicos ao desenvolvimento ( Bastos & Britto, 2010 ). . O desenvolvimento é inerentemente desequilibrado, já que as mudanças estruturais levam à não-proporcionalidade entre setores e subsetores, à concentração e reconcentração espacial de atividades econômicas e a mudanças de preços relativos. Caberia aos governantes tanto gerar quanto administrar, ou mesmo minimizar, tais desequilíbrios ( Hirschman, 1983Hirschman, A. (1983). Confissões de um dissidente: a estratégia de desenvolvimento reconsiderada. Pesquisa e Planejamento Econômico, 13(1), 1-38. Recuperado de http://repositorio.ipea.gov.br/handle/11058/6281
http://repositorio.ipea.gov.br/handle/11...
). Niederle, Cardona e Freitas (2016) argumentam, sobre Hirschman, que “[t]rata-se de um autor avesso à ideia de caminho único e melhor, bem como às prescrições abstratas, aos princípios gerais e à crença de que existem soluções últimas, integrais e definitivas” (p. 38).

O último autor pioneiro das teorias de desenvolvimento que será comentado neste artigo, Myrdal, afirmava que a teoria econômica convencional não apresentaria boas explicações para a questão, devido a algumas premissas irrealistas. Uma dessas premissas seria a do equilíbrio, a ideia, com características teleológicas, de que perturbações no sistema econômico levariam a reações em sentido oposto, em um “mesmo e único espaço-tempo”, na direção de um novo estado de repouso. O segundo pressuposto criticado pelo autor é a noção de que existem fatores estritamente econômicos, completamente separáveis e distintos de fatores “não econômicos” (Myrdal, 1957/1960, pp. 23-25). Para superar as dificuldades da análise social reducionista e teleológica, o autor propõe a elaboração do princípio da causação circular e cumulativa (processo cuja manifestação mais corriqueira seria ou o “círculo vicioso”, ou o “círculo virtuoso”), um mecanismo complexo de múltiplas causalidades, temporalidades e determinações, no qual um fator é “simultaneamente, causa e efeito de outros fatores”. A ideia de causação circular e cumulativa consistiria em um “método mais objetivo de análise da mudança social, portanto uma visão da teoria geral do desenvolvimento e do subdesenvolvimento pela qual todos estamos esperando” (pp. 26-28). O princípio foi formulado por Myrdal (1944)Myrdal, G. (1944). American Dilemma: The Negro Problem and Modern Democracy. New York: Harper & Row. pela primeira vez no apêndice 3 do livro4 4 . O princípio da causação circular e cumulativa também foi formulado por Karl William Kapp, contemporâneo de Myrdal. A ideia de “causação cumulativa”, menos sistematizada que o princípio desenvolvido por Myrdal e Kapp, estava presente na obra de Veblen (1898) desde o final do século XIX ( Berger, 2008) . American Dilemma: The Negro Problem and Modern Democracy , para demonstrar que o racismo, a pobreza e as instituições mutuamente se reforçavam para reproduzir a situação da população negra nos Estados Unidos. Myrdal foi um pioneiro na análise da relação entre o racismo e outras questões socioeconômicas, uma lacuna significativa em boa parte da literatura sobre o desenvolvimento tratada neste artigo. Portanto, o princípio da causação circular e cumulativa é um paradigma de explicação social que destaca a complexidade e a interdependência das causas e consequências das questões sociais e deve ser usado como uma alternativa interdisciplinar ao determinismo e às explicações monocausais ( Berger, 2008Berger, S. (2008). Circular Cumulative Causation (CCC) a la Myrdal and Kapp: Political Institutionalism for Minimizing Social Costs. Journal of Economic Issues, 42(2), 357-365. doi:10.1080/00213624.2008.11507144
https://doi.org/10.1080/00213624.2008.11...
).

Assim como Hirschman e Furtado, Myrdal encontra semelhanças entre os processos regionais e internacionais de desenvolvimento e subdesenvolvimento. Identifica o subdesenvolvimento de países e regiões como resultado da interação circular e cumulativa de uma grande diversidade de fatores. Regiões e países mais pobres tendem a ter populações menos saudáveis e produtivas, sistemas educacionais inferiores, crenças e valores menos “progressistas e ambiciosos” que os prevalecentes nas sociedades desenvolvidas (Myrdal, 1957/1960, pp. 47-60). Ademais, os espaços subdesenvolvidos tendem a ter a predominância de atividades de baixa renda, Estados com menores recursos e capacidade técnica e predominância de sistemas políticos pouco democráticos e igualitários. Myrdal considerava que “o jogo das forças do mercado tende, em geral, a aumentar e não a diminuir as desigualdades regionais” (p. 43).

O autor elabora uma concepção ampla de desenvolvimento, irredutível a aspectos meramente materiais. Argumenta que “[p]or desenvolvimento quero indicar o movimento ascendente de todo o sistema social” ( Myrdal, 1974Myrdal, G. (1974). What is Development? Journal of Economic Issues, 8(4), 729-736. doi:10.1080/00213624.1974.11503225
https://doi.org/10.1080/00213624.1974.11...
, pp. 729-736), o que incluiria a transformação de instituições e o aprimoramento de aspectos econômicos e não econômicos, entre os quais padrões de consumo, níveis educacionais e de saúde, disponibilidade de bens públicos, desconcentração da propriedade fundiária, mecanismos de bem-estar social, disponibilidade de crédito, redução da corrupção e distribuição de poder político e econômico na sociedade. O planejamento do desenvolvimento passaria pela implementação de políticas deliberadas voltadas à promoção de mudanças em diversas características socioeconômicas, com efeitos distintos ao longo do tempo, de modo a possibilitar a ocorrência ascendente da causação circular e cumulativa: “[é] improvável, todavia, que uma política racional se realize pela mudança de um fator apenas. Se, de um lado, essa teoria sugere a impossibilidade prática de panaceias, por outro, encoraja o reformador” (Myrdal, 1957/1960, p. 36).

As teorias do desenvolvimento elaboradas por Prebisch, Furtado, Hirschman e Myrdal consideram que o desenvolvimento não deve ser reduzido a um acontecimento estritamente econômico e não deve ser entendido como um processo que ocorre em uma única escala espacial e um único horizonte de tempo. Tais abordagens ganharam força nas décadas de 1950 e 1960, entretanto, da década de 1970 em diante têm ficado em segundo plano. As transformações do capitalismo estimularam o surgimento de reflexões distintas sobre o desenvolvimento, comentadas na próxima seção, que enfatizam muito mais o papel dos agentes econômicos, das firmas e das localidades nos procedimentos de inovação5 5 . Absell (2015) , estudando a frequência de utilização de léxicos relacionados ao desenvolvimento econômico presentes em livros digitalizados publicados em inglês, observou que a expressão “desenvolvimento econômico” se popularizou na primeira metade do século XX. No pós-guerra, ocorre uma explosão do uso do termo e de outros léxicos associados, como “países subdesenvolvidos”, até meados da década de 1970. Posteriormente, a expressão “desenvolvimento econômico” foi sendo paulatinamente menos utilizada. Por outro lado, outros termos, mais eufemísticos e mais vagos, passam a ser usados com grande frequência, entre os quais “países em desenvolvimento”, “economias emergentes”, “Sul global”, “desenvolvimento sustentável” e “desenvolvimento humano” ( Absell, 2015) . .

Reducionismo do problema do desenvolvimento: especialização, empreendedorismo e localismo

Vários autores chamam o período que vai do fim da década de 1940 até o início da década de 1970 de fordismo ou de “era de ouro do capitalismo” ( Aglietta, 1979Aglietta, M. (1979). Regulation y crisis del capitalismo. Madrid: Siglo Veintiuno Editores. ; Lipietz, 1988Lipietz, A. (1988). Miragens e milagres: problemas da industrialização no Terceiro Mundo. São Paulo, SP: Nobel. ; Piore & Sabel, 1984Piore, M., Sabel, C. (1984). The Second Industrial Divide. New York: Basic Books. ). Nas economias centrais nesse período, predominavam, nos principais setores (produtores de automóveis, eletrodomésticos, combustíveis e alimentos), grandes firmas, verticalmente integradas, realizando ganhos de escala advindos da produção em massa de bens padronizados. Ao longo desse mesmo período, surgiram instituições notadamente nacionais para regular os efeitos econômicos e sociais desse tipo de produção. Entre as principais instituições, destacam-se trabalhadores com barganha salarial coletiva e grande especialização de tarefas, e um Estado adotando medidas de proteção social e de estímulo à economia.

De acordo com autores analisados a seguir, desde meados da década de 1960 o capitalismo estaria se reestruturando. Esses autores ( Aydalot, 1986Aydalot, P. (1986). Trajectoires technologiques et milieux innovateurs. Neuchâtel: GREMI. ; Aydalot & Keeble, 1988Aydalot, P., Keeble, D. (1988). High-Technology Tndustry and Innovative Environment in Europe: An Overview. In P. Aydalot, & D. Keeble (Eds.), High-Technology Industry and Innovative Environment: The European Experience (pp. 1-21). London: Routledge. ; Carree & Thurik, 2010Carree, M., Thurik, R. (2010). The Impact of Entrepreneurship on Economic Growth. In Z. Acs, & D. Audretsch (Eds.), Handbook of Entrepreneurship Research. New York: Springer. ; Gordon, 1992Gordon, R. (1992). PME, réseau d'innovation et milieu technopolitain: la Silicon Valley. In D. Maillat, & J.-C. Perrin (Eds.), Entreprises innovatrices et développement territorial (pp. 195-220). Neuchâtel: GREMI. ; Klein, 2009Klein, J.-L. (2009). The Canadian Journal of Regional Science special issue on territorial development and social innovation. Canadian Journal of Regional Science, 32(1), 3-12. ; Kowalski & Cepeda, 2011Kowalski, P., Cepeda, R. (2011). Production, Consumption and Trade Developments in the Era of Globalisation. In OECD, Globalisation, Comparative Cdvantage and the Changing Dynamics of Trade (pp. 41-80). Paris: Autor. ; Kowalski & Stone, 2011Kowalski, P., Stone, F. (2011). Breaking Through on Trade: How a Changing World Dynamic Affects Policy. In OECD, Globalisation, Comparative Cdvantage and the Changing Dynamics of Trade (pp. 9-24). Paris: Autor. ; Piore & Sabel, 1984Piore, M., Sabel, C. (1984). The Second Industrial Divide. New York: Basic Books. ; Sanyang & Huang, 2010Sanyang, S., & Huang, W.-C. (2010). Entrepreneurship and Economic Development: The EMPRETEC Showcase. International Entrepreneurship Management Journal, 6(3), 317-329. doi:10.1007/s11365-008-0106-z
https://doi.org/10.1007/s11365-008-0106-...
; Scott, 2006Scott, A. (2006). Entrepreneurship, Innovation and Industrial Development: Geography and the Creative Field Revisited. Small Business Economics, 26, 1-24. doi:10.1007/s11187-004-6493-9
https://doi.org/10.1007/s11187-004-6493-...
; Storper & Scott, 1992)Storper, M., Scott, A. (1992). Industrialization and Regional Development. In M. Storper, A. Scott, Pathways to Industrialization and Regional Development (pp. 3-18). New York: Routledge. enfatizam o surgimento, a partir da década de 1970, de novas tecnologias e formas organizacionais, baseadas em métodos mais flexíveis e fragmentados de produção, intensivos em conhecimento: as “tecnologias de informação e conhecimento” (TIC). As TIC, associadas aos avanços tecnológicos no setor de transporte e à redução das barreiras comerciais internacionais, vêm impulsionando a globalização. Os novos processos produtivos e as mudanças institucionais configurariam um novo tipo de economia, que recebe diversos rótulos: “globalização”, “economia intensiva em ciência”, “acumulação flexível”, “glocalização”, “economia empreendedora”, “economia schumpeteriana” e “nova economia”. O Estado nacional teria perdido importância devido à internacionalização da produção e à integração dos fluxos comerciais e financeiros.

Como consequência dessas transformações tecnológico-organizacionais, algumas estratégias principais deveriam ser perseguidas para a elevação do nível de renda, da produtividade, do desenvolvimento tecnológico e dos indicadores sociais. Três estratégias principais serão analisadas a seguir. Em primeiro lugar, as teorias e políticas econômicas inspiradas no princípio das vantagens comparativas, que advogam a especialização produtiva dos países, derivada do livre comércio, e que se tornaram praticamente consensuais entre os economistas ortodoxos ( Anderson, 2008Anderson, J. (2008). International Trade Theory. In S. Durlauf, & L. Blume (Eds.), The New Palgrave Dictionary of Economics (2a ed., pp. 6902-6913). New York : Palgrave MacMillan. doi:10.1057/9780230226203.0839
https://doi.org/10.1057/9780230226203.08...
; Deardorff, 2011Deardorff, A. (2011). Comparative Advantage: The Theory Behind Measurement. In OECD, Globalisation, Comparative Advantage and the Changing Dynamics of Trade (pp. 27-39). Paris: Autor. ; Findlay, 2008Findlay, R. (2008). Comparative Advantage. In S. Durlauf, L. Blume, The New Palgrave Dictionary of Economics (2a ed., pp. 2032-2043). New York: Palgrave Macmillan. doi:10.1057/9780230226203.0274.
https://doi.org/10.1057/9780230226203.02...
; Kowalski & Cepeda, 2011Kowalski, P., Cepeda, R. (2011). Production, Consumption and Trade Developments in the Era of Globalisation. In OECD, Globalisation, Comparative Cdvantage and the Changing Dynamics of Trade (pp. 41-80). Paris: Autor. ; Kowalski & Stone, 2011Kowalski, P., Stone, F. (2011). Breaking Through on Trade: How a Changing World Dynamic Affects Policy. In OECD, Globalisation, Comparative Cdvantage and the Changing Dynamics of Trade (pp. 9-24). Paris: Autor. ; Ricardo, 1817/1982). Em segundo lugar, emerge uma literatura, parcialmente inspirada no trabalho de Schumpeter, que destaca o papel dos indivíduos inovadores, ou empreendedores ( Baumol & Schilling, 2008Baumol, W., Schilling, M. (2008). Entrepreneurship. In S. Durlauf, L. Blume, The new Palgrave Dictionary of Economics (2a ed., pp. 3848-3857). New York: Palgrave Macmillan. doi:10.1057/9780230226203.0484
https://doi.org/10.1057/9780230226203.04...
; Carree & Thurik, 2010Carree, M., Thurik, R. (2010). The Impact of Entrepreneurship on Economic Growth. In Z. Acs, & D. Audretsch (Eds.), Handbook of Entrepreneurship Research. New York: Springer. ; Sanyang & Huang, 2010Sanyang, S., & Huang, W.-C. (2010). Entrepreneurship and Economic Development: The EMPRETEC Showcase. International Entrepreneurship Management Journal, 6(3), 317-329. doi:10.1007/s11365-008-0106-z
https://doi.org/10.1007/s11365-008-0106-...
; Schmitz, 1989)Schmitz, J. (1989). Imitation, Entrepreneurship, and Long-run Growth. Journal of Political Economy, 97(3), 721-39. doi:10.1086/261624
https://doi.org/10.1086/261624...
. Por fim, um conjunto de autores destaca que as políticas de desenvolvimento devem ser centradas nas localidades, construindo infraestrutura, qualificando a força de trabalho e buscando construir formas institucionais que favoreçam a conexão entre as diferentes firmas ( Aydalot, 1986Aydalot, P. (1986). Trajectoires technologiques et milieux innovateurs. Neuchâtel: GREMI. ; Klein, 2009Klein, J.-L. (2009). The Canadian Journal of Regional Science special issue on territorial development and social innovation. Canadian Journal of Regional Science, 32(1), 3-12. ; Piore, 1992Piore, M. (1992). Technological Trajectories and the Classical Revival in Economics. In M. Storper, A. Scott, Pathways to Industrialization and Regional Development (pp. 140-151). New York: Routledge. ; Piore & Sabel, 1984Piore, M., Sabel, C. (1984). The Second Industrial Divide. New York: Basic Books. ; Scott, 1988, 2006Scott, A. (1988). Flexible Production Systems and Regional Development: The Rise of New Industrial Spaces in North America and Western Europe. International Journal of Urban and Regional Research, 12(2), 171-186. doi:10.1111/j.1468-2427.1988.tb00448.x
https://doi.org/10.1111/j.1468-2427.1988...
, 2006Scott, A. (2006). Entrepreneurship, Innovation and Industrial Development: Geography and the Creative Field Revisited. Small Business Economics, 26, 1-24. doi:10.1007/s11187-004-6493-9
https://doi.org/10.1007/s11187-004-6493-...
; Storper, 2011Storper, M. (2011). Why do Regions Develop and Change? The Challenge for Geography and Economics. Journal of Economic Geography, 11(2), 333-346. doi:10.1093/jeg/lbq033
https://doi.org/10.1093/jeg/lbq033...
; Storper & Scott, 1992)Storper, M., Scott, A. (1992). Industrialization and Regional Development. In M. Storper, A. Scott, Pathways to Industrialization and Regional Development (pp. 3-18). New York: Routledge. . Os três conjuntos de autores, analisados a seguir, não exaurem as mudanças conceituais reducionistas sobre o desenvolvimento, mas são representativas de diversas transformações teóricas contemporâneas.

As vantagens comparativas e a especialização no comércio internacional

No imediato pós-guerra, a capacidade produtiva em recuperação em diversas regiões do planeta e a escassez de divisas internacionais favoreceram a multiplicação de experiências protecionistas e de processos de industrialização por substituição de importações. No final dos anos 1960 e início dos 1970, entretanto, o cenário já havia se transformado. Os países europeus e o Japão se reindustrializaram e recuperaram competitividade, os Estados Unidos começaram a ter sistemáticos déficits comerciais, que passaram a ampliar a liquidez internacional. Nos anos 1980, após os choques do petróleo e a crise da dívida do terceiro mundo, a globalização comercial e financeira se consolidou, as políticas econômicas neoliberais ganharam terreno e, associadas a essas, as teorias e ideologias favoráveis ao livre comércio internacional se tornam dominantes. Entre tais teorias, as mais célebres foram desenvolvidas a partir do princípio das vantagens comparativas, elaborado por David Ricardo no início do século XIX.

De acordo com o argumento de Ricardo (1817/1982, pp. 97-98), um país com economia fechada produz diversos bens, alguns utilizando maior quantidade de trabalho, outros utilizando proporcionalmente menos trabalho. Se esse mesmo país abre sua economia, pode se especializar na produção do bem que produz com relativamente menos trabalho em comparação com outro bem, produzido em um segundo país. Assim, no caso do comércio entre dois países, ambos poderiam tanto produzir quanto trocar e consumir maiores quantidades dos dois bens. Tal situação seria vantajosa6 6 . “Em Portugal, a produção de vinho pode requerer somente o trabalho de 80 homens por ano, enquanto a fabricação de tecido necessita do emprego de 90 homens durante o mesmo tempo. Será, portanto, vantajoso para Portugal exportar vinho em troca de tecidos. Essa troca poderia ocorrer mesmo que a mercadoria importada pelos portugueses fosse produzida em seu país com menor quantidade de trabalho que na Inglaterra. Embora Portugal pudesse fabricar tecidos com o trabalho de 90 homens, deveria ainda assim importá-los de um país onde fosse necessário o emprego de 100 homens, porque lhe seria mais vantajoso aplicar seu capital na produção de vinho, pelo qual poderia obter mais tecido da Inglaterra do que se desviasse parte de seu capital do cultivo da uva para a manufatura daquele produto” (Ricardo, 1817/1982, p. 98). para os “consumidores de ambos os países”.

Ainda segundo Ricardo (1817/1982), em um “sistema comercial perfeitamente livre, cada país naturalmente dedica seu capital e seu trabalho à atividade que lhe seja mais benéfica” (p. 97). Esse seria o princípio que determinaria que “o vinho seja produzido na França e em Portugal, que o trigo seja cultivado na América e na Polônia, e que as ferramentas e outros bens sejam manufaturados na Inglaterra” (p. 97).

Em resumo, a teoria das vantagens comparativas argumenta que “os países prosperam, em primeiro lugar, se aproveitando de seus ativos de modo a se concentrar naquilo que produzem melhor e, em segundo lugar, trocando esses produtos por produtos que outros países produzem melhor” ( World Trade Organization, 2022World Trade Organization. (2022). The case for open trade. Retrieved from https://www.wto.org/english/thewto_e/whatis_e/tif_e/fact3_e.htm
https://www.wto.org/english/thewto_e/wha...
).

Ao longo do século XX, o princípio ricardiano das vantagens comparativas foi desenvolvido por autores neoclássicos – entre os quais Heckscher, Ohlin, Viner e Samuelson ( Anderson, 2008Anderson, J. (2008). International Trade Theory. In S. Durlauf, & L. Blume (Eds.), The New Palgrave Dictionary of Economics (2a ed., pp. 6902-6913). New York : Palgrave MacMillan. doi:10.1057/9780230226203.0839
https://doi.org/10.1057/9780230226203.08...
; Deardorff, 2011Deardorff, A. (2011). Comparative Advantage: The Theory Behind Measurement. In OECD, Globalisation, Comparative Advantage and the Changing Dynamics of Trade (pp. 27-39). Paris: Autor. ; Findlay, 2008Findlay, R. (2008). Comparative Advantage. In S. Durlauf, L. Blume, The New Palgrave Dictionary of Economics (2a ed., pp. 2032-2043). New York: Palgrave Macmillan. doi:10.1057/9780230226203.0274.
https://doi.org/10.1057/9780230226203.02...
; Schumacher, 2013Schumacher, R. (2013). Deconstructing the Theory of Comparative Advantage. World Economic Review, 2, 83-105. Recuperado de https://www.researchgate.net/publication/301477000_Deconstructing_the_Theory_of_Comparative_Advantage
https://www.researchgate.net/publication...
) –, que substituíram o raciocínio em termos de valor-trabalho pelo argumento em termos de custos de oportunidade e realizaram diversos refinamentos e extensões do modelo original de Ricardo, mas sem substituir o princípio básico das vantagens comparativas e sem questionar as recomendações fundamentais de política econômica: o livre-comércio internacional e a especialização produtiva.

O princípio das vantagens comparativas é uma das ideias mais difundidas, aceitas e advogadas por economistas ortodoxos e por organismos internacionais ( Findlay, 2008Findlay, R. (2008). Comparative Advantage. In S. Durlauf, L. Blume, The New Palgrave Dictionary of Economics (2a ed., pp. 2032-2043). New York: Palgrave Macmillan. doi:10.1057/9780230226203.0274.
https://doi.org/10.1057/9780230226203.02...
; Kowalski & Cepeda, 2011Kowalski, P., Cepeda, R. (2011). Production, Consumption and Trade Developments in the Era of Globalisation. In OECD, Globalisation, Comparative Cdvantage and the Changing Dynamics of Trade (pp. 41-80). Paris: Autor. ; Kowalski & Stone, 2011Kowalski, P., Stone, F. (2011). Breaking Through on Trade: How a Changing World Dynamic Affects Policy. In OECD, Globalisation, Comparative Cdvantage and the Changing Dynamics of Trade (pp. 9-24). Paris: Autor. ; Schumacher, 2013)Schumacher, R. (2013). Deconstructing the Theory of Comparative Advantage. World Economic Review, 2, 83-105. Recuperado de https://www.researchgate.net/publication/301477000_Deconstructing_the_Theory_of_Comparative_Advantage
https://www.researchgate.net/publication...
. A Organização Mundial do Comércio (OMC), por exemplo, argumenta que o princípio é “sem dúvidas a ideia mais poderosa da economia”; Samuelson considera que teoria é a única proposição da ciência social que é “logicamente verdadeira” e “não trivial” ( World Trade Organization, 2022)World Trade Organization. (2022). The case for open trade. Retrieved from https://www.wto.org/english/thewto_e/whatis_e/tif_e/fact3_e.htm
https://www.wto.org/english/thewto_e/wha...
; Findlay (2008)Findlay, R. (2008). Comparative Advantage. In S. Durlauf, L. Blume, The New Palgrave Dictionary of Economics (2a ed., pp. 2032-2043). New York: Palgrave Macmillan. doi:10.1057/9780230226203.0274.
https://doi.org/10.1057/9780230226203.02...
afirmou que esse é o “resultado mais profundo e mais bonito de toda a economia” (p. 2032).

É importante destacar que, desde meados do século XIX, críticos já desenvolviam argumentos contrários ao princípio das vantagens comparativas. Um dos mais célebres defensores do protecionismo, e da ideia posteriormente nomeada de “proteção à indústria nascente”, List (1841/1989), argumentou que, “inicialmente, as tarifas protecionistas aumentam o preço dos bens manufaturados”, mas, com o passar do tempo e depois de industrializado, o país possuiria uma maior “força de produção” que possibilitaria a obtenção de uma quantidade “infinitamente maior de bens materiais” (p. 117). Ainda de acordo com List, depois de industrializado, o país deveria reduzir suas barreiras tarifárias.

De modo geral, os críticos da teoria das vantagens comparativas ( Chang, 2004Chang, H.-J. (2004). Chutando a escada: a estratégia do desenvolvimento econômico em perspectiva histórica. São Paulo, SP: Editora UNESP. ; Furtado, 2001; List, 1841/1989; Prebisch, 1948/2000; Schumacher, 2013Schumacher, R. (2013). Deconstructing the Theory of Comparative Advantage. World Economic Review, 2, 83-105. Recuperado de https://www.researchgate.net/publication/301477000_Deconstructing_the_Theory_of_Comparative_Advantage
https://www.researchgate.net/publication...
) argumentam que a teoria adota hipóteses irrealistas – entre as quais concorrência perfeita, equilíbrio na balança comercial e pleno emprego – e metodologia estática, em vez de dinâmica e histórica. Além disso, esses mesmos adversários afirmam que as vantagens de curto prazo decorrentes do consumo de bens mais baratos não compensam as perdas de longo prazo decorrentes da baixa complexidade produtiva, de possíveis desequilíbrios nas contas externas, da reduzida demanda de força de trabalho qualificada, da restrita sofisticação tecnológica e da produtividade menor para países que se especializam na produção de bens pouco sofisticados. Por fim, os críticos afirmam que as vantagens competitivas dos países não são “naturais”, mas, sim, historicamente construídas, e que os países ricos não se desenvolveram aderindo abertamente ao livre-comércio e optando pela especialização produtiva, mas praticando protecionismo em algum momento da história, se industrializando e diversificando suas economias.

O empreendedorismo enquanto chave para o desenvolvimento

O segundo grupo de autores que reduzem a questão do desenvolvimento é a dos que enfatizam o empreendedorismo. De acordo com esses autores, a importância das pequenas e médias empresas7 7 . Carree e Thurik (2010) identificam diversos motivos para a reemergência da importância das pequenas empresas, do emprego autônomo e do empreendedorismo: (a) a transição tecnológica em direção a novos setores, como os de software e biotecnologia, seria favorável a firmas menores e mais inovadoras; (b) as novas tecnologias em desenvolvimento reduziriam a importância das economias de escala; (c) as ondas de desregulamentação e de privatização aumentariam a competitividade de vários setores, propiciando o surgimento de pequenas firmas nos setores mais desregulados; (d) as grandes firmas estariam se redimensionando e reestruturando, se concentrando no núcleo de suas atividades (tendências de downsizing, or rightsizing); (e) O aumento nos níveis de renda levaria a mudanças culturais nas preferências dos consumidores, que passariam a demandar a variedade dos produtos; (f) o trabalho autônomo (self-employment) estaria mais valorizado, demandado e desejado enquanto carreira; (g) o crescimento do setor de serviços, que teria, em geral, menor tamanho (exceto por algumas atividades, como transporte aéreo e naval e serviços financeiros). Segundo os autores, algumas dessas tendências podem ser temporárias. seria central no capitalismo contemporâneo, caracterizado como uma “economia empreendedora”; em outras palavras, uma economia na qual prevaleceriam os “regimes tecnológicos schumpeterianos”, identificados na “Teoria do Desenvolvimento Econômico” (Schumpeter, 1911/1983). Isto é, regimes nos quais crescimento econômico, aumento da produtividade e inovação são potencializados pela ação disruptiva de agentes econômicos empresariais ( Carree & Thurik, 2010Carree, M., Thurik, R. (2010). The Impact of Entrepreneurship on Economic Growth. In Z. Acs, & D. Audretsch (Eds.), Handbook of Entrepreneurship Research. New York: Springer. ; Sanyang & Huang, 2010)Sanyang, S., & Huang, W.-C. (2010). Entrepreneurship and Economic Development: The EMPRETEC Showcase. International Entrepreneurship Management Journal, 6(3), 317-329. doi:10.1007/s11365-008-0106-z
https://doi.org/10.1007/s11365-008-0106-...
.

O desenvolvimento é entendido como um resultado de ações disruptivas de firmas e empresários. Do ponto de vista do Schumpeter (1942/1984), a inovação é originada primordialmente a partir da ação individual, de empresários em busca de sobrelucros: “Chamamos ‘empreendimento’ à realização de combinações novas; chamamos ‘empresários’ aos indivíduos cuja função é realizá-las” (p. 76). O empresário schumpeteriano é o agente promotor da inovação, caracterizada como “destruição criativa”, que “incessantemente revoluciona a estrutura econômica a partir de dentro, incessantemente destruindo a velha, incessantemente criando uma nova” (p. 112).

De acordo com Schumpeter (1942/1984, p. 76), as inovações, ou “novas combinações”, podem ser de cinco tipos diferentes: (a) “Introdução de um novo bem”; (b) Introdução de um “novo método de produção”; (c) “Abertura de um novo mercado”; (d) Descoberta de “uma nova fonte de oferta de matérias-primas ou de bens semimanufaturados”; (e) Estabelecimento de um novo padrão concorrencial em um setor.

Devido ao fato de o empresário inovador agir em condições de incerteza e gerar situações de desequilíbrio8 8 . Do ponto de vista de Schumpeter (1942/1984), a própria existência de inovações rompe com o equilíbrio e leva o sistema econômico a trajetórias que o afastam do equilíbrio inicial: “o que estamos prestes a considerar é o tipo de mudança que emerge de dentro do sistema que desloca de tal modo o seu ponto de equilíbrio que o novo não pode ser alcançado a partir do antigo mediante passos infinitesimais. Adicione sucessivamente quantas diligências quiser, com isso nunca terá uma estrada de ferro” (p. 75). , a literatura econômica de inspiração neoclássica tem dificuldade em trabalhar o tema. Entretanto, a partir da década de 1970, diversos trabalhos emergiram procurando incorporar o tema do empreendedor no pensamento econômico convencional ( Baumol & Schilling, 2008Baumol, W., Schilling, M. (2008). Entrepreneurship. In S. Durlauf, L. Blume, The new Palgrave Dictionary of Economics (2a ed., pp. 3848-3857). New York: Palgrave Macmillan. doi:10.1057/9780230226203.0484
https://doi.org/10.1057/9780230226203.04...
; Parker, 2009)Parker, S. (2009). The Economics of Entrepreneurship. Cambridge: Cambridge University Press. . Segundo Baumol e Schilling (2008)Baumol, W., Schilling, M. (2008). Entrepreneurship. In S. Durlauf, L. Blume, The new Palgrave Dictionary of Economics (2a ed., pp. 3848-3857). New York: Palgrave Macmillan. doi:10.1057/9780230226203.0484
https://doi.org/10.1057/9780230226203.04...
, um empreendedor é visto como “um indivíduo que organiza, opera e assume o risco de criar novos negócios”. Schmitz (1989)Schmitz, J. (1989). Imitation, Entrepreneurship, and Long-run Growth. Journal of Political Economy, 97(3), 721-39. doi:10.1086/261624
https://doi.org/10.1086/261624...
argumenta que a atividade empreendedora é um “fator chave no desenvolvimento econômico” e que as economias “com uma grande proporção de empreendedores irão crescer persistentemente mais rápido que as economias com uma proporção menor” (pp. 721-722).

Um survey da literatura sobre empreendedorismo, elaborado por Carree e Thurik (2010)Carree, M., Thurik, R. (2010). The Impact of Entrepreneurship on Economic Growth. In Z. Acs, & D. Audretsch (Eds.), Handbook of Entrepreneurship Research. New York: Springer. , indica que o aumento das atividades empreendedoras9 9 . Empreendedorismo é visto como um comportamento de indivíduos e não um estado estático ou uma profissão ( Carree & Thurik, 2010) . , tanto as voltadas para a imitação quanto as voltadas para a inovação, estaria associado ao maior crescimento de regiões, setores e países. Porém, os trabalhos que procuram mensurar o impacto do empreendedorismo apresentam grande dificuldade metodológica relacionada à identificação e à quantificação do fenômeno, já que as estatísticas de diversos países sobre ocupação dos trabalhadores dificilmente diferenciam o empreendedor do trabalhador autônomo informal de baixa renda.

A literatura que fundamenta a explicação para a prosperidade econômica na ação empreendedora argumenta que “grande parte do debate sobre políticas para geração de emprego e crescimento tem se baseado em um arcabouço macroeconômico e focado em instrumentos macroeconômicos tradicionais” ( Carree & Thurik, 2010Carree, M., Thurik, R. (2010). The Impact of Entrepreneurship on Economic Growth. In Z. Acs, & D. Audretsch (Eds.), Handbook of Entrepreneurship Research. New York: Springer. , p. 587), enquanto as políticas menos tradicionais, de reforma institucional promotora da economia de mercado, de geração e de promoção do empreendedorismo seriam chaves para a promoção de crescimento e desenvolvimento econômicos ( Baumol & Schilling, 2008Baumol, W., Schilling, M. (2008). Entrepreneurship. In S. Durlauf, L. Blume, The new Palgrave Dictionary of Economics (2a ed., pp. 3848-3857). New York: Palgrave Macmillan. doi:10.1057/9780230226203.0484
https://doi.org/10.1057/9780230226203.04...
; Carree & Thurik, 2010Carree, M., Thurik, R. (2010). The Impact of Entrepreneurship on Economic Growth. In Z. Acs, & D. Audretsch (Eds.), Handbook of Entrepreneurship Research. New York: Springer. ; Organization for Economic Co-operation and Development, 1998Organization for Economic Co-operation and Development. (1998). Fostering Entrepreneurship. Paris: Autor. ; Sanyang & Huang, 2010Sanyang, S., & Huang, W.-C. (2010). Entrepreneurship and Economic Development: The EMPRETEC Showcase. International Entrepreneurship Management Journal, 6(3), 317-329. doi:10.1007/s11365-008-0106-z
https://doi.org/10.1007/s11365-008-0106-...
; Schmitz, 1989)Schmitz, J. (1989). Imitation, Entrepreneurship, and Long-run Growth. Journal of Political Economy, 97(3), 721-39. doi:10.1086/261624
https://doi.org/10.1086/261624...
.

A obra de Parker (2009)Parker, S. (2009). The Economics of Entrepreneurship. Cambridge: Cambridge University Press. e documentos da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) ( Organization for Economic Co-operation and Development, 1998Organization for Economic Co-operation and Development. (1998). Fostering Entrepreneurship. Paris: Autor. ) estabelecem algumas diretrizes para a promoção do empreendedorismo, que passam por mudanças institucionais e pela promoção de uma cultura empreendedora, incluindo nisso: estabilidade macroeconômica, desregulamentação de setores monopolistas, promoção da competitividade no setor público, proteção da propriedade intelectual, desenvolvimento de mercados de capitais e de empréstimos, oferta de financiamento ou se subsídio à inovação, flexibilização das contratações e demissões no mercado de trabalho, estímulo da atividade empreendedora na população desempregada, reduzidos níveis de burocracia, simplificação tributária para empresas, custos reduzidos de abertura e de fechamento de firmas e construção de programas nacionais, regionais e locais de fomento e assistência ao empreendedorismo.

A literatura que procura explicar o desenvolvimento econômico a partir do empreendedorismo reduz fenômenos complexos, como a inovação e o desenvolvimento, à ação de firmas e indivíduos. Essa literatura idealiza as ações dos empresários, ignora as diferenças históricas e estruturais entre as atividades empresariais realizadas nos países mais ricos e as realizadas na periferia do capitalismo global, onde boa parte dos empresários são forçados, pela pressão competitiva, a oferecerem empregos com baixa renda, baixa sofisticação produtiva e tecnológica e mesmo a exercem atividades que provocam impactos destrutivos no meio ambiente. Ademais, os autores que enfatizam o empreendedorismo desconsideram as condições macroeconômicas, notadamente as relacionadas à demanda agregada e ao fornecimento de infraestrutura e bens públicos. Outras insuficiências desse tipo de abordagem serão elencadas no final da próxima subseção.

Em grande parte da literatura sobre empreendedorismo, assim como na grande mídia, notadamente na especializada em negócios, os empreendedores são glorificados como heróis, criativos desbravadores, responsáveis tanto pelas suas histórias de sucesso individual quanto pela construção e pela prosperidade dos países. O discurso da grande imprensa naturaliza as condições do capitalismo global contemporâneo e dilui os interesses distintos de empresários e trabalhadores, frequentemente rotulados como empreendedores (Costa, Barros, & Martins, 2012). Ademais, a imprensa de negócios defende os interesses dos empresários como universais e harmônicos ao resto da sociedade, estigmatiza a atuação do poder público nas atividades econômicas (o Estado é sempre sinônimo de ineficiência e corrupção) e deposita sobre os indivíduos a responsabilidade sobre seu sucesso ou fracasso material.

Nível local de análise do desenvolvimento

Outro conjunto relevante de autores, cujo trabalho pioneiro deve-se a Piore e Sabel (1984)Piore, M., Sabel, C. (1984). The Second Industrial Divide. New York: Basic Books. , são os que desenvolvem o conceito de especialização flexível, modelo produtivo que substituiria o fordismo10 10 . Um levantamento não exaustivo realizado por Brandão (2012) identificou diversas abordagens que enfatizam o âmbito local como o espaço privilegiado do desenvolvimento econômico, como da acumulação flexível, dos distritos industriais italianos, dos milieux innovateurs, dos arranjos produtivos locais, da sociedade em rede, da escola californiana, da nova geografia econômica, da teoria do capital social, da nova economia institucional e da economia popular e solidária. . Para esses autores, a crise do fordismo marcaria, além das mudanças tecnológicas, a decadência dos âmbitos nacionais de regulação, que seriam substituídos por níveis locais e supranacionais. O sistema produtivo, então, se encontraria, novamente, em um dilema, que já teria sido enfrentado ao longo do século XIX e do início do século XX: a escolha do modelo produtivo. As opções seriam, novamente, um modelo mais artesanal, baseado em pequenas firmas produtoras de pequenos lotes de bens diferenciados, ou um modelo de produção em massa de bens homogêneos realizada pelas grandes firmas. De acordo com Piore e Sabel, na “primeira divisão industrial”, o segundo sistema prevaleceu, não por razões de eficiência e lógica, mas por motivos sociais e políticos. Já na “segunda divisão industrial”, o modelo artesanal poderia se tornar o padrão em vários setores.

Portanto, as mudanças no mundo da produção nas últimas décadas indicariam que poderia haver uma mudança do paradigma tecnológico (do paradigma da produção em massa para o da produção artesanal) e do sistema de regulação da economia, dependendo de como as instituições e a tecnologia fossem transformadas pelos homens. Em face disso, vale dizer que a acumulação flexível, com pequenas firmas altamente inovadoras, apoiadas na produção artesanal de produtos diferenciados, com menores ciclos de vida, poderia prevalecer em vários países. Aliás, diferentes cenários podem predominar nesse sistema em construção ( Piore & Sabel, 1984Piore, M., Sabel, C. (1984). The Second Industrial Divide. New York: Basic Books. ): conglomerados regionais de firmas pequenas envoltas em uma rede de cooperação e competição; sistemas federados, análogos aos zaibatsus japoneses, com empresas possuindo ativos e diretores umas das outras; “sistemas solares” e oficinas, nos quais é formada uma rede de fornecedores subcontratados, tratados como “colaboradores” das grandes firmas; sistema híbrido, no qual as fábricas fordistas migram para o terceiro mundo e as fábricas flexíveis predominam no primeiro mundo; reconstrução do keynesianismo com produção em massa.

O conceito de acumulação flexível, criado por Piore e Sabel, vem sendo adotado também por dois geógrafos americanos, professores da University of California Los Angeles (UCLA), Allen Scott e Michael Storper. Esses autores identificam que o capitalismo é um sistema voltado para a produção de bens com base em meios de produção e em trabalho. Mas esse sistema varia de lugar para lugar e de um período para o outro, com base em sistemas tecnológico-institucionais, que englobam organização industrial, relações de trabalho, base tecnológica, instituições regulatórias, entre outros aspectos. No caso do sistema tecnológico-institucional de produção flexível, a geografia econômica seria caracterizada pela desintegração vertical da produção, com numerosas firmas de diferentes tamanhos, integradas em rede. Tais firmas tenderiam a se localizar próximas umas das outras, para aproveitar economias externas derivadas da troca de bens e informações, do compartilhamento do mercado de trabalho e da infraestrutura11 11 . Alfred Marshall (1890/1996) foi um dos primeiros economistas que procuraram descrever e teorizar a formação de “distritos industriais”, ou a “concentração de indústrias especializadas em certas localidades”. Além da existência de economias internas de escala, o autor observou a existência de economias externas às firmas, redução de custos unitários decorrentes da aglomeração de firmas semelhantes em um “distrito industrial”. Nessas localidades, as informações, os “segredos da profissão”, circulam com facilidade, as inovações e as mudanças técnicas nos processos produtivos são facilmente copiadas e generalizadas; é formado um mercado local de mão-de-obra especializada, surgem empresas fornecedoras de insumos e equipamentos e diferentes empresas podem se associar para adquirirem máquinas que nenhuma delas conseguiria comprar individualmente (pp. 320-321). ( Scott, 2006Scott, A. (2006). Entrepreneurship, Innovation and Industrial Development: Geography and the Creative Field Revisited. Small Business Economics, 26, 1-24. doi:10.1007/s11187-004-6493-9
https://doi.org/10.1007/s11187-004-6493-...
; Storper & Scott, 1992Storper, M., Scott, A. (1992). Industrialization and Regional Development. In M. Storper, A. Scott, Pathways to Industrialization and Regional Development (pp. 3-18). New York: Routledge. ).

De acordo com os teóricos da acumulação flexível, a economia global é mais bem descrita como um “mosaico global de economias regionais”. Entretanto, nos países periféricos podem prevalecer aglomerações com baixa qualificação e superexploração do trabalho. Como consequência disso, as políticas de desenvolvimento devem passar pela promoção de instituições, qualificação, educação formal, com vistas a melhorias tecnológicas e produtivas locais ( Scott, 1988Scott, A. (1988). Flexible Production Systems and Regional Development: The Rise of New Industrial Spaces in North America and Western Europe. International Journal of Urban and Regional Research, 12(2), 171-186. doi:10.1111/j.1468-2427.1988.tb00448.x
https://doi.org/10.1111/j.1468-2427.1988...
, 2006Scott, A. (2006). Entrepreneurship, Innovation and Industrial Development: Geography and the Creative Field Revisited. Small Business Economics, 26, 1-24. doi:10.1007/s11187-004-6493-9
https://doi.org/10.1007/s11187-004-6493-...
; Storper & Scott, 1992Storper, M., Scott, A. (1992). Industrialization and Regional Development. In M. Storper, A. Scott, Pathways to Industrialization and Regional Development (pp. 3-18). New York: Routledge. ).

Além dos já citados trabalhos, ligados à acumulação flexível, destacam-se os trabalhos europeus – franceses, belgas e italianos – do Groupe de Recherche Européen sur les Milieux Innovateurs (GREMI), fundado em 1984, que visa estudar a geração e difusão de tecnologias a partir do desenvolvimento local. Várias regiões da Europa e da América do Norte são os principais objetos de estudos de caso do grupo12 12 . Algumas das regiões estudadas pelos membros do GREMI são as regiões metropolitanas de Paris, Milão e Madrid, a Catalunha, o Vale do Silício, as regiões de Marselha, Bergamo e Newcastle. , a partir dos quais são elaboradas tipologias para a compreensão dos tipos de firma, de rede, de interação entre os agentes e de inovação predominantes nos diferentes meios. O GREMI destaca as condições exteriores à empresa para que ela adote ou desenvolva novas tecnologias.

De acordo com o fundador da abordagem, Philippe Aydalot (1986)Aydalot, P. (1986). Trajectoires technologiques et milieux innovateurs. Neuchâtel: GREMI. , as empresas inovadoras não são anteriores aos meios locais, mas são “secretadas” por eles. Ainda de acordo com Aydalot, o passado de um território, sua organização, seus comportamentos coletivos e consensos, seu acesso ao conhecimento tecnológico, a presença de savoir-faire (saber fazer, ou know-how ) e a composição do mercado de trabalho, entre outros fatores, são determinantes da capacidade inovativa da região. “O meio é definitivamente um 'mix' de pequenas e médias empresas, de segmentos de grandes empresas e de atores mais institucionalizados, mais ou menos ligados entre si por meio de redes e de uma cultura local” ( Tabariés, 2005Tabariés, M. (2005). Les Apports du GREMI à l’analyse territoriale de l’innovation ou 20 ans de recherche sur les milieux innovateurs. Cahiers de la MSE. Recuperado de https://shs.hal.science/halshs-00193845/document
https://shs.hal.science/halshs-00193845/...
, p. 5). O meio não se confunde com o local (dimensão geográfica) nem com o território (dimensão econômica ou política), pois abarca tanto o elemento territorial quanto a articulação das relações econômicas, sociais, políticas e culturais.

Mais recentemente, pesquisadores associados ao GREMI têm procurado compreender a articulação entre as diferentes escalas de estudo e a multiplicidade das localidades na economia global. Essa articulação é sintetizada em dois eixos principais: os modelos territoriais de inovação (que incluem clusters, sistemas regionais de inovação, meios inovadores etc.) e as redes globais de produção (Peyrache-Gadeau, Crevoisier, Kebir, & Costa, 2010)13 13 . Outro novo ramo de análise relaciona o meio com o desenvolvimento sustentável ( Peyrache-Gadeau et al., 2010) . . Os conceitos síntese “desenvolvimento territorial globalizado” e “desenvolvimento global territorializado” refletiriam tanto as economias de aglomeração quanto as pressões competitivas ligadas à busca de territórios mais baratos para a produção.

Partindo do ponto de vista do GREMI, o desenvolvimento deve ser pensado localmente, a partir da construção e da potencialização de “conexões”, de “comportamentos coletivos”, da “interação atores-território”. Potencialização de diversos setores, não só o industrial, mas especialmente o de serviços, central para a economia contemporânea, assim como de atividades “ecoindustriais”, “verdes” e ligadas ao “desenvolvimento sustentável”, além, da construção de dinâmicas de concorrência e de cooperação que levem à geração de inovações ( Peyrache-Gadeau et al., 2010Peyrache-Gadeau, V., Crevoisier, O., Kebir, L., Costa, P. (2010). Ancrage et durabilité: pierres angulaires de l’analyse des dynamiques territoriales. Paris: Recherche menée pour le PUCA-Ministère de l’Ecologie, de l’Energie, du Développement Durable et de la Mer. ; Tabaries, 2005Tabariés, M. (2005). Les Apports du GREMI à l’analyse territoriale de l’innovation ou 20 ans de recherche sur les milieux innovateurs. Cahiers de la MSE. Recuperado de https://shs.hal.science/halshs-00193845/document
https://shs.hal.science/halshs-00193845/...
).

Organizações econômicas internacionais adotam pontos de vista similares aos investigados nessa subseção. Segundo o Banco Mundial ( World Bank, 2010World Bank. (2010). Innovation Policy: A Guide for Developing Countries. Washington: The World Bank. ), o governo é visto como um “jardineiro”, que “rega”, “remove obstáculos”, “fertiliza e prepara o solo” para os sistemas de inovação, arranjos entre instituições governamentais e privadas que serviriam de base para a origem das inovações. Nesse sentido, os diversos papéis que os governos poderiam desempenhar para promover o desenvolvimento incluiriam o apoio por meio de incentivos, a remoção de obstáculos, entre os quais práticas anticompetitivas e monopolistas e a burocracia excessiva. Incluiriam também a melhora das leis e regulamentações, a coordenação e articulação entre diferentes níveis de governo, a promoção de educação, treinamento, infraestrutura e de agências ágeis e flexíveis, além da atração do investimento direto estrangeiro. Por fim, o governo poderia contribuir com a construção de clusters de inovação, entre os quais centros tecnológicos, zonas industriais, parques científicos, zonas de exportação e mesmo novas cidades ( World Bank, 2010World Bank. (2010). Innovation Policy: A Guide for Developing Countries. Washington: The World Bank. ).

As abordagens que procuram explicar o desenvolvimento econômico a partir do empreendedorismo ou do desenvolvimento local apresentam diversas insuficiências, decorrentes da tentativa de redução do complexo fenômeno à ação de indivíduos, de empresas, ou de um arranjo de empresas e atores locais. Entre as principais insuficiências dessas abordagens se encontram: ênfase unilateral no lado da oferta e nas políticas favoráveis às empresas, e não à população como um todo; busca acrítica pela competitividade, que pode ser alcançada às custas da deterioração das condições de vida dos trabalhadores; indicação de que inúmeros países podem simultaneamente ser plataformas de exportação; desconsideração por aspectos estratégicos e geopolíticos fundamentais para o desenvolvimento tecnológicos de diversos países; não mencionam protecionismo, transferência de tecnologia, estímulo à imitação; não diferenciam entre inovações pontuais em setores de baixa produtividade dos países pobres e grandes inovações nos setores mais dinâmicos e sofisticados presentes nas economias centrais14 14 . Diniz, Santos e Crocco (2006) identificam alguns limites para as estratégias de desenvolvimento local na periferia da economia mundial: “1 - As capacitações ‘inovativas’ são, via de regra, inferiores às dos países desenvolvidos; 2 - O ambiente organizacional é aberto e passivo, isto é, as funções estratégicas primordiais são realizadas externamente ao sistema, prevalecendo, localmente, uma mentalidade quase exclusivamente produtiva; 3 - O ambiente institucional e macroeconômico é mais volátil e permeado por constrangimentos estruturais, e; 4 - O entorno desses sistemas é basicamente de subsistência, a densidade urbana é limitada, o nível de renda per capita é baixo, os níveis educacionais são baixos, a complementaridade produtiva e de serviços com o polo urbano é limitada e a inserção social é frágil” (p. 105). .

Brandão (2012)Brandão, C. (2012). Território e desenvolvimento: as múltiplas escalas entre o local e o global. Campinas, SP: Editora Unicamp. considera que os autores que defendem a localidade como a escala adequada para as políticas de desenvolvimento econômico elaboram uma falsa dicotomia entre, de um lado, uma economia empreendedora, pós-fordista, associativa e formada por pequenas e médias empresas, “um mundo clean , pouco conflituoso, de indivíduos talentosos, convivendo proximamente etc.” e, de outro, uma economia hierarquizada, fordista, autoritária, formada por grandes empresas, “um mundo dark , pouco solidário, massificado, rígido, politizado, de classes sociais antagônicas, etc.” (p. 43)15 15 . Ademais, a literatura sobre aglomerações produtivas idealiza a formação e o funcionamento do principal cluster tecnológico do mundo, o Vale do Silício, na Califórnia, onde mais de vinte mil firmas ligadas à tecnologia empregam mais de 500 mil pessoas, como resultado da interação entre universidades (Stanford University) e firmas pequenas e médias, principalmente ( Scott, 1988, 2006 , 2006 ; Piore & Sabel, 1984 ; Aydalot, 1986) . Algumas pesquisas recentes sublinham o papel que subsidiárias de grandes firmas multilocacionais tiveram na conformação da região ( Adams, 2011) e destacam a influência das encomendas do complexo industrial militar americano, cujos contratos garantiriam cerca de 30% das receitas industriais da região ( Heinrich, 2002) . .

As teorias e ideologias que argumentam que o empreendedorismo, o localismo e a especialização produtiva são as melhores estratégias para o desenvolvimento ganharam força com a globalização comercial e financeira e o neoliberalismo, que substituíram as práticas e ideologias keynesianas e desenvolvimentistas que predominavam durante a “era de ouro do capitalismo”. Na próxima seção serão delineados princípios metodológicos para a rejeição das teorias reducionistas do desenvolvimento, entre as quais as localistas, as que defendem a especialização produtiva e as que procuram entender o fenômeno a partir da ação de indivíduos.

O desenvolvimento econômico em múltiplos níveis

Na seção anterior foram indicadas as principais características e limitações das abordagens que procuram compreender o desenvolvimento econômico como resultado da especialização produtiva, de ações empreendedoras ou como resultado de iniciativas adotadas no âmbito local. As principais insuficiências das abordagens são decorrentes do reducionismo, que Midgley (2014) caracteriza da forma a seguir:

O reducionismo ocorre em duas fases. Primeiro, trata-se da proposição monista, através da qual explicamos um grande espectro de coisas como apenas aspectos de uma única coisa. Assim, Tales de Mileto diz que todos os quatro elementos são, na verdade, apenas água, e Nietzsche diz que todas as motivações são apenas formas da vontade de potência. Segundo, algumas vezes, segue-se a proposição do século XVII, em que explicamos essa própria coisa básica como, de fato, apenas uma montagem de partículas irredutíveis. Então, as totalidades que se formam dessas partículas são secundárias e relativamente irreais. (p. 75)

As abordagens reducionistas investigadas neste artigo adotam duas estratégias metodológicas que não se sustentam. As teorias sobre o empreendedorismo e sobre as vantagens comparativas adotam o princípio do individualismo metodológico, que procura explicar fenômenos sociais como se fossem resultado apenas da ação de indivíduos. Por sua vez, as teorias sobre o desenvolvimento local adotam o princípio do localismo metodológico, ao tentarem explicar a dinâmica econômica a partir do ponto de vista eminentemente local. De acordo com o individualismo metodológico e o localismo metodológico, as camadas mais amplas da realidade e as durações distintas dos horizontes temporais dos projetos de indivíduos, de empresas ou de arranjos de empresas são fenômenos secundários, ou mesmo completamente irrelevantes.

Neste artigo, é adotado um ponto de vista diverso, que privilegia a complexidade e os múltiplos níveis da realidade. Tanto a natureza quanto a sociedade são estratificadas, ou seja, compostas por várias camadas com propriedades emergentes, não redutíveis às de outras camadas (Bhaskar, 1975/2008; Gorski, 2019Gorski, P. (2019). Mecanismos sociais e sociologia histórica-comparativa: uma proposta realista crítica. Revista Teoria e Cultura, 14(2), 15-48. doi:10.34019/2318-101X.2019.v14.27893
https://doi.org/10.34019/2318-101X.2019....
; Hodgson, 2004Hodgson, G. (2004). The Evolution of Institutional Economics: Agency, Structure and Darwinism in American Institutionalism. New York: Routledge. ; Vandenberghe, 2010Vandenberghe, F. (2010). Teoria social realista: um diálogo franco-britânico. Belo Horizonte, MG: Editora UFMG. ). Alguns exemplos podem ser usados para esclarecer essa característica da realidade. É possível pensar na estratificação entre elementos físicos, químicos, biológicos, individuais, históricos e sociais para explicar as propriedades da ação humana. Mas seria um equívoco conceber explicações para as instituições humanas reduzindo-as a seus aspectos físicos ou biológicos, por exemplo. Do mesmo modo, é possível pensar em uma multiplicidade de escalas para o entendimento de um fato social, que incluem o individual, o local, o regional, o nacional e o global, porém não é possível a redução de um acontecimento social amplo, como o desenvolvimento, a apenas uma dessas escalas. O argumento desenvolvido nesta seção procura fornecer elementos metodológicos para a expansão da concepção sobre o desenvolvimento em três eixos: socioambiental, espacial e temporal.

O desenvolvimento como um fenômeno social total

Em primeiro lugar, o desenvolvimento não deve ser entendido como um processo unicamente econômico, mas como um “fenômeno social total”, que abarca diversas dimensões da vida social, como a política, a economia, a cultura e a relação entre as pessoas e o restante da vida no planeta.

Os autores clássicos do desenvolvimento discutidos na primeira seção do texto (Prebisch, Furtado, Hirschman e Myrdal) entendiam o desenvolvimento como um processo complexo de mudança política, econômica e cultural, irredutível à mera lógica material. É possível fazer um paralelo entre essa visão do desenvolvimento econômico e o que o sociólogo e antropólogo francês Marcel Mauss chamou, em contexto distinto, de “fenômenos sociais totais”. Mauss identificou em diversas sociedades de caçadores-coletores, em outras culturas anteriores à modernidade, e mesmo na sociedade contemporânea, a circulação de objetos, pessoas, festas e ritos seguindo lógicas e princípios que não se reduzem à racionalidade econômica.

Nesses fenômenos sociais “totais”, como nos propomos chamá-los, exprimem-se, de uma só vez, as mais diversas instituições: religiosas, jurídicas e morais – estas sendo políticas e familiares ao mesmo tempo –; econômicas – estas supondo formas particulares da produção e do consumo, ou melhor, do fornecimento e da distribuição –; sem contar os fenômenos estéticos em que resultam esses fatos e os fenômenos morfológicos que essas instituições manifestam. (Mauss, 1923-1924/2003, p. 193)

É nesse sentido da abrangência dos fenômenos sociais que deve ser compreendida a afirmação de Furtado (1973Furtado, C. (1973). Adventures of a Brazilian economist. International social science journal, XXV(1/2), 28-38. /2013) de que “[n]unca pude compreender a existência de um problema estritamente econômico” (p. 39) e a concepção de Myrdal de que não existem fatores estritamente econômicos, completamente separáveis e distintos de fatores não econômicos.

Na realidade, não há, como é natural, distinção entre fatos que corresponda à divisão escolástica tradicional das ciências sociais em disciplinas separadas. A análise realista de problemas nunca se pode deter nessas linhas demarcatórias. A distinção entre fatores “econômicos” e “não econômicos” é, de fato, um artifício inútil e absurdo do ponto de vista da lógica e deve ser substituído pela distinção entre fatores “relevantes” e “irrelevantes” ou “mais relevantes” e “menos relevantes”. (Myrdal, 1957/1960, p. 25)

Devido ao fato de rejeitarem as fronteiras tradicionais entre as disciplinas, as obras de Prebisch, Furtado, Myrdal e Hirschman sobre o desenvolvimento são transdisciplinares. Essa postura metodológica não decorre de opções individuais dos autores, mas, sim, da própria natureza do objeto investigado.

Todo processo de desenvolvimento traz, implícita ou explicitamente, uma visão de mundo, uma cosmovisão, um projeto de transformação das relações entre as pessoas e entre essas e o restante da natureza. Cada projeto de desenvolvimento pode ser mais ou menos inclusivo, igualitário, violento, sustentável, ambientalmente correto ou devastador. Cabe aos movimentos sociais e aos agentes políticos e econômicos conscientização, mobilização e luta em prol de projetos adequados de desenvolvimento e, claro, para barrar projetos exploradores e devastadores, ou mesmo qualquer projeto de desenvolvimento, notadamente no caso de sociedades tradicionais que assim desejarem.

A ideia de desenvolvimento econômico foi usada e, muitas vezes continua sendo usada, como pretexto para diversos processos socialmente e ambientalmente negativos, entre os quais a colonização, o imperialismo, a expulsão de comunidades tradicionais de suas terras, a eliminação de formas tradicionais de sociabilidade e de cultura e a devastação ambiental. Todas essas consequências nefastas das ideologias do desenvolvimento levaram alguns autores a combater completamente qualquer projeto ou ideia de desenvolvimento socioeconômico ( Absell, 2015Absell, C. (2015). The Lexicon of Development: A Quantitative History of the Language of Development Studies. Revista Iberoamericana de Estudios de Desarrollo, 4(1), 4-35. ISSN:2254-2035 ; Esteva, 2010Esteva, G. (2010). Development. In W. Sachs (Ed.), The Development Dictionary: A Guide to Knowledge as Power (pp. 1-23). London: Zed Books. ; Latouche, 2004Latouche, S. (2004). Survivre au développement: de la décolonisation de l’imaginaire économique à la construction d’une societé alternative. Paris: Éditions Mille et une Nuits. ; Sachs, 2010Sachs, W. (2010). Introduction. In W. Sachs (Ed.), The Development Dictionary: A Guide to Knowledge as Power (pp. xv-xx). London: Zed Books. ).

De acordo com Esteva (2010)Esteva, G. (2010). Development. In W. Sachs (Ed.), The Development Dictionary: A Guide to Knowledge as Power (pp. 1-23). London: Zed Books. , a ideologia do desenvolvimento indica uma “mudança favorável, um passo do simples para o complexo, do inferior para o superior, do pior para o melhor”, ao mesmo tempo em que rotula dois-terços da população do planeta em uma “condição indesejável, indigna” (pp. 6-15). Ainda segundo o autor, a aceitação do progresso, das modernas relações econômicas, implica na “desvalorização de todas as outras formas de existência social”. Por sua vez, Sachs (2010)Sachs, W. (2010). Introduction. In W. Sachs (Ed.), The Development Dictionary: A Guide to Knowledge as Power (pp. xv-xx). London: Zed Books. procura contribuir para a escrita de um “obituário” da ideia “obsoleta” de desenvolvimento econômico, cuja história estaria repleta de “desapontamentos, fracassos e crimes” (pp. 15-18). De acordo com o autor, a promessa de progresso não faz mais sentido, visto que nossa sociedade consome em apenas “um ano o que leva à Terra milhões de anos para armazenar”, e que, se todos os países tivessem o padrão de consumo dos países mais ricos, seria necessário “cinco ou seis planetas” para fornecer recursos e receber rejeitos (pp. 15-18).

Diversas críticas dos autores que combatem a ideia de desenvolvimento são corretas e devem ser incorporadas às visões mais sofisticadas sobre a questão. De fato, não é possível a reprodução dos padrões de consumo dos países mais ricos pela população de todo o planeta, fato já observado por Furtado (1974)Furtado, C. (1974). O mito do desenvolvimento econômico. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra. . Certamente, a noção de progresso tem sido usada para subjugar povos tradicionais e eliminar a diversidade sociocultural, conforme denunciaram Furtado (2001) e Myrdal (1957/1960). A maior parte dos países adotou projetos de desenvolvimento ao longo de sua história, mas apenas um pequeno número desses países conseguiu de fato realizar saltos em termos de indicadores qualitativos e quantitativos de renda, saúde, educação e cultura.

Entretanto, só faz sentido abandonar completamente a ideia de desenvolvimento em duas situações: em primeiro lugar, caso o povo em questão não esteja completamente inserido nas relações sociais características da modernidade; em segundo lugar, caso existam projetos alternativos de modernização que superem completamente a ideia de desenvolvimento. Para parcela significativa das pessoas na periferia do sistema econômico global, essas duas situações não são realidades. Devido a séculos de colonização, imperialismo e destruição de modos tradicionais de vida, bilhões de pessoas vivem em grandes cidades e possuem péssimas condições de vida e de trabalho. Não é mais possível a essas pessoas o retorno a modos tradicionais de vida e não está no horizonte histórico a superação das economias capitalistas. Nesse contexto, abandonar qualquer projeto de desenvolvimento significa se conformar com condições de vida precárias e com uma posição subalterna e oprimida na sociedade moderna, tanto em relação a agentes internacionais quanto em relação às elites locais favorecidas pela condição do subdesenvolvimento. Diversos países, especialmente na Ásia, têm conseguido, nas últimas décadas, realizar processos de desenvolvimento socioeconômico bem-sucedidos, enquanto países que renunciaram a estratégias adequadas de desenvolvimento têm apresentado deterioração de indicadores sociais e, muitas vezes, estão sujeitos à maior destruição ambiental e da diversidade cultural.

Nesse sentido, os projetos de desenvolvimento devem ser reapropriados pelas comunidades e grupos sociais subalternos, que precisam se conscientizar das contradições sociais, culturais, ambientais e geopolíticas desses processos. Caso esses grupos não assumam protagonismo nos projetos de desenvolvimento, eles continuarão sendo comandados por elites políticas e econômicas que os direcionam em sentidos menos humanistas e ambientalmente corretos. Por sua vez, as parcelas da sociedade não interessadas na sua completa inserção nas instituições modernas devem ter suas culturas e modos de vida protegidos, não sendo alvo de projetos de modernização.

O desenvolvimento como um fenômeno multiescalar

Ao longo da construção e da transformação das sociedades modernas, diversos processos de formação e de (re)estruturação da geografia histórica vêm ocorrendo. A formação dos Estados nacionais, do sistema interestatal, a colonização, o imperialismo, as divisões regional e internacional do trabalho, a formação de centros e periferias, o separatismo, a independência das colônias, a globalização, a industrialização, a urbanização, a suburbanização, a constituição de megalópoles, a relocalização industrial, a desindustrialização, o surgimento de cidades fantasma, o desenvolvimento regional, o enriquecimento e o empobrecimento de países, regiões, cidades. Nenhum desses processos é natural, espontâneo, definitivo ou ocorre em apenas um nível espacial. Todos são resultado de dinâmicas socioeconômicas contraditórias no espaço, planejadas e coordenadas, ou não, as quais estabelecem parcelas das sociedades beneficiadas e parcelas prejudicadas.

As dinâmicas de reestruturação socioespacial não se reduzem a uma única direção escalar. Portanto, não é possível compreender as tendências à globalização, ao regionalismo, ao nacionalismo, por exemplo, como as tendências únicas e definitivas. Tampouco é possível pensar essas tendências como naturais, inevitáveis ou política ou socialmente neutras. A reestruturação socioespacial ocorre em múltiplas direções e não leva nem ao desaparecimento completo de um nível espacial, nem ao achatamento total da sociedade em uma única escala16 16 . De acordo com Brenner et al. (2018) é preciso evitar tanto o “unidimensionalismo” que funde uma parte da realidade socioespacial com o todo, quanto a imprecisão teórica e conceitual relacionada ao uso de neologismos que procuram fundir duas ou mais dimensões espaciais e ignorar as demais. Entre os exemplos desses neologismos estão “glocalização”, “glurbanização”, “neomedievalismo”, “redes territoriais”, “cidades globais” (pp. 137-143). . A estrutura e a dinâmica de um determinado nível espacial só podem ser compreendidas a partir dos “vínculos para cima, para baixo e transversais com outras escalas geográficas situadas no interior de uma configuração interescalar mais abrangente na qual a escala em questão se encontra inserida” ( Brenner, 2018Brenner, N. (2018). Espaços da urbanização: o urbano a partir da teoria crítica. Rio de Janeiro, RJ: Letra Capital. , p. 124).

Os fenômenos sociais criam, reproduzem e recriam as escalas (camadas ou níveis distintos) nas quais ocorrem. Os processos sociais não são redutíveis a um único âmbito espacial de análise, são multiescalares. Portanto, os diferentes níveis em que ocorrem os processos não podem ser compreendidos como unidades analíticas isoladas. Desse modo, não é possível analisar um âmbito – como o local, o nacional, ou o global, por exemplo – como um todo fechado em si mesmo ( Brenner, 2018Brenner, N. (2018). Espaços da urbanização: o urbano a partir da teoria crítica. Rio de Janeiro, RJ: Letra Capital. ).

A geografia crítica e o materialismo histórico-geográfico partem do princípio de que os humanos, e outros seres vivos, precisam metabolizar a natureza para sobreviverem. Nesse processo, tanto os humanos quanto a natureza são transformados. O metabolismo da natureza é sempre um fenômeno histórico, social e cultural, envolto em relações de poder e produtor de escalas geográficas17 17 . Na época em que Swyngedouw (2004) estava publicando o texto “Scaled geographies: nature, place, and the politics of scale” diversos fatos ocorreram que ilustraram a interconexão entre o “metabolismo ambiental com as relações socioculturais e político-econômicas”: a criação da ovelha clonada Dolly, a epidemia da doença da “vaca louca”, o acúmulo de dióxido de carbono na atmosfera e a ameaça à camada de ozônio (p. 129). Ainda de acordo com Swyngedouw (2004) , esses fatos sugerem “como natureza e sociedade são constituídas como redes de processos interligados que são humanos e naturais, reais e fictícios, mecânicos e orgânicos” e mostram que os agentes e processos “operam em uma variedade de escalas geográficas interligadas e aninhadas [nested]” (p. 129). ( Swyngedouw, 2004Swyngedouw, E. (2004). Scaled Geographies: Nature, Place, and the Politics of Scale. In E. Sheppard, & R. Mcmaster (Eds.), Scale and Geographic Inquiry: Nature, Society, and Method (pp. 129-153). Oxford: Blackwell Publishing. ).

As escalas não são reificadas, mas resultados temporariamente estabilizados de diversos ordenamentos socioespaciais ( Brenner, 2018Brenner, N. (2018). Espaços da urbanização: o urbano a partir da teoria crítica. Rio de Janeiro, RJ: Letra Capital. ; Swyngedouw, 1997Swyngedouw, E. (1997). Neither Global nor Local: “Glocalization” and the Politics of Scale. In K. Cox (Ed.), Spaces of Globalization: Reasserting the Power of the Local (pp. 137-166). New York: Longman. ; Vainer, 2006Vainer, C. (2006). Lugar, região, nação, mundo: explorações históricas do debate acerca das escalas da ação política. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, 8(2), 9-29. doi:10.22296/2317-1529.2006v8n2p9
https://doi.org/10.22296/2317-1529.2006v...
). Isso não significa que a realidade socioespacial seja totalmente fragmentada e indeterminada, como indicam os pós-modernos, mas, sim, que ela é complexa, multiescalar e multideterminada, não devendo ser reduzida a uma única dimensão. Mesmo as teorias e propostas de ação política que procuram se abster de considerações sobre as escalas trazem, de maneira implícita ou explícita, uma concepção escalar do mundo social, que deve ser destacada pelos atores envolvidos nos debates teóricos e políticos ( Swyngedouw, 1997Swyngedouw, E. (1997). Neither Global nor Local: “Glocalization” and the Politics of Scale. In K. Cox (Ed.), Spaces of Globalization: Reasserting the Power of the Local (pp. 137-166). New York: Longman. ; Vainer, 2006Vainer, C. (2006). Lugar, região, nação, mundo: explorações históricas do debate acerca das escalas da ação política. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, 8(2), 9-29. doi:10.22296/2317-1529.2006v8n2p9
https://doi.org/10.22296/2317-1529.2006v...
).

Não existe uma “perspectiva superior e neutra sobre a dinâmica social” (Brenner, Jessop, & Jones, 2018, p. 146). É preciso analisar o mundo social de modo multiescalar, ressaltando a articulação de diversas dimensões. Por sua vez, a análise multiescalar “requer um movimento em espiral que consiste em passar de um para outro momento da espacialidade das relações sociais, colocando-os sucessivamente em relevo” (Brenner et al., 2018, p. 146). A definição do número de escalas mobilizadas na investigação do decurso do desenvolvimento depende dos objetivos específicos da pesquisa.

O desenvolvimento econômico se desdobra em diversas escalas espaciais. O desenvolvimento local se relaciona tanto com as estruturas socioeconômicas do plano nacional quanto com as estruturas do sistema econômico internacional, para destacar apenas dois planos distintos de organização socioespacial18 18 . O desenvolvimento mais notável das últimas décadas, o chinês, inclui ações em diversos níveis, desde o local até o global, como, por exemplo, as políticas macroeconômicas expansionistas; políticas de reestruturação dos setores agrícola, de transporte e de energia; a criação de Zonas Econômicas Especiais; políticas industriais e de transferência tecnológica; investimentos em centros de pesquisa e universidades; política cambial favorável às exportações; reestruturação do setor financeiro e fomento ao crédito; fortalecimento de empresas estatais; e investimentos globais em transporte e infraestrutura. . As escalas também são resultado de disputas de poder. Deixar de lado as escalas nacional e global de desenvolvimento implica em aceitar a distribuição socioeconômicoespacial do poder nesses âmbitos. Daí a importância de mobilização dessas escalas nas lutas, favoráveis ou contrárias, aos diversos tipos de desenvolvimento.

O desenvolvimento como um fenômeno de múltiplas durações

Como todas as ciências, as ciências humanas se ocupam de investigar as estruturas e as propriedades do mundo real. O tecido social é formado por uma multiplicidade de relações sociais e por agentes (que ocupam posições sociais). Seguindo a contribuição de Braudel (1992), é importante distinguir e analisar, de maneira articulada, os efeitos das estruturas de diferente “duração social, esses tempos múltiplos e contraditórios da vida dos homens, que não são apenas a substância do passado, mas também o estofo da vida social atual” (p. 43)

É importante destacar que não são apenas as ciências humanas que reconhecem a existência de diferentes escalas de tempo19 19 . Mesmo relógios localizados em diferentes pontos do universo andam em velocidades distintas, como explicado pela teoria da relatividade de Einstein, que postula não a existência de um único tempo newtoniano, mas de tempos distintos, que podem ser descritos uns em relação aos outros ( Rovelli, 2018) . . Prigogine (1996)Prigogine, I. (1996). O fim das certezas: tempo, caos e as leis da natureza. São Paulo, SP: Editora Unesp. centra sua análise na irreversibilidade, a “flecha do tempo”, na física. Além disso, reconhece a existência de diferentes escalas de tempo na geologia, na biologia, na química, na física e nas ciências humanas. Wallerstein (1998)Wallerstein, I. (1998). Time and Duration: The Unexcluded Middle, or Reflections on Braudel and Prigogine. Thesis Eleven, 54(1), 79–87. doi:10.1177/0725513698054000007
https://doi.org/10.1177/0725513698054000...
argumenta que Prigogine e Braudel desenvolveram, respectivamente, os conceitos de flecha do tempo e de longa duração com o objetivo de descrever a realidade (natural e social) como um caminho intermediário entre o determinismo absoluto e a ausência de ordem e explicação. Por isso é importante destacar que a existência de múltiplas durações não implica em uma indeterminação absoluta, fragmentada, pós-moderna ( Gorski, 2019Gorski, P. (2019). Mecanismos sociais e sociologia histórica-comparativa: uma proposta realista crítica. Revista Teoria e Cultura, 14(2), 15-48. doi:10.34019/2318-101X.2019.v14.27893
https://doi.org/10.34019/2318-101X.2019....
). A realidade social é complexa e estratificada, mas isso não significa que não esteja submetida a padrões regulares, estruturados e sistemáticos. É desejável que se identifique as durações específicas das estruturas sociais que se busca investigar, em vez de a teoria achatar a realidade social em apenas um ritmo, uma velocidade.

A obra de Fernand Braudel (1992) procurou distinguir e analisar várias estruturas com diferentes temporalidades e que implicam em tendências históricas diversas: “Assim chegamos a uma decomposição da história em planos escalonados. Ou, se quisermos, à distinção, no tempo da história, de um tempo geográfico, de um tempo social, de um tempo individual” (p. 15). Outro historiador que refletiu sobre a multiplicidade dos tempos, Koselleck (2014), cunhou a expressão “estratos do tempo”, fazendo um paralelo com “formações geológicas que remontam a tempos e profundidades diferentes, que se transformaram e se diferenciaram umas das outras em velocidades distintas no decurso da chamada história geológica” (p. 19). Os diferentes estratos do tempo20 20 . Rovelli argumenta que as distintas estruturas temporais estão associadas tanto ao ritmo da mudança dos fenômenos quanto da percepção social que deles se tem: “Em grande parte, o cérebro é um mecanismo que coleta memória do passado para usá-la continuamente para prever o futuro. Isso acontece num amplo espectro de escalas temporais, a partir de escalas muito curtas — se alguém arremessa um objeto em nossa direção, nossa mão se move com destreza para onde o objeto chegará em poucos segundos, a fim de agarrá-lo: o cérebro, usando as impressões passadas, calcula rápido a posição futura do objeto que está vindo até nós — até escalas muito longas, como quando plantamos o trigo para que a espiga cresça. Ou quando investimos em pesquisa científica, para que amanhã tenhamos tecnologia e conhecimento” (Rovelli, 2018, p. 113). da história humana separam analiticamente os “diversos planos temporais em que as pessoas se movimentam, os acontecimentos se desenrolam e os pressupostos de duração mais longa são investigados” (p. 19).

O autor identifica estratos temporais com três durações diferentes: curto, médio e longo prazo. Uma duração de curto prazo seria pontual, singular, ligada a experiências irreversíveis, entre as quais uma vitória militar, uma invenção, a morte de um personagem histórico de destaque, uma revolução. Uma duração média é ligada a “estruturas de repetição que não se esgotam nas singularidades”, eventos recorrentes, ligados à aplicação rotineira de leis, costumes, rotinas, idiomas. A existência dessas recorrências é necessária para a vida social e a própria existência dos acontecimentos singulares, relacionados à temporalidade curta. Embora relativamente duradouras, as estruturas ligadas à temporalidade de médio prazo também se alteram, mas em processos com duração maior que a de eventos singulares. Além dessas duas durações, “existem tempos históricos que transcendem a experiência de indivíduos e de gerações”. A existência de religiões, teorias científicas, Estados nacionais e diversas outras estruturas que ultrapassam o tempo de vida de algumas gerações caracterizaria um tempo histórico de longo prazo, cuja velocidade de mudança é bastante lenta (Koselleck, 2014, pp. 20-25).

Os autores clássicos do desenvolvimento reconhecem a importância da construção de teorias e de políticas com distintos ritmos de duração. Furtado (1984Furtado, C. (1984). Cultura e desenvolvimento em época de crise. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra. , p. 50), por exemplo, defende que políticas de desenvolvimento regional substituam a “racionalidade econômica” e o “horizonte de tempo relativamente estreito”, ligados aos mercados e à concentração espacial por uma ação política fundada em uma “visão mais ampla do processo social”. Myrdal (1957/1960), no entanto, critica abordagens baseadas no equilíbrio e argumenta que mudanças sociais não devem ser compreendidas em um “mesmo e único espaço-tempo” (pp. 23-25). O autor afirma que

O elemento tempo é de importância capital, uma vez que os efeitos de um choque nas diversas variáveis do sistema se projetam diversamente ao longo do eixo do tempo. O aumento no volume do emprego, por exemplo, provocará mudança quase imediata em alguns níveis de vida; já as mudanças nos níveis de educação ou de saúde se realizam mais lentamente, com retardamento dos seus efeitos sobre outros fatores, ocorrendo assim um atraso no processo de acumulação total. (pp. 34-35)

Assim como não se reduz a um único âmbito espacial de ocorrência, o desenvolvimento econômico não acontece apenas em uma escala temporal. Autores e políticas econômicas, de modo geral, enfatizam, seja de maneira implícita, seja de modo explícito, apenas uma21 21 . A teoria das vantagens comparativas se fixa na temporalidade da produção de curto prazo, na lógica dos consumidores, que se beneficiariam da aquisição de bens mais baratos. As abordagens sobre o empreendedorismo destacam a temporalidade curta da lógica empresarial, enquanto as abordagens localistas adotam um horizonte temporal médio, ligado à construção de associações e redes de empresas. das dimensões temporais. Entretanto, o desenvolvimento deve ser compreendido e construído a partir da estratificação de processos de distintas durações.

Teorias e políticas de curto prazo, cujos efeitos são sentidos em pouco meses, incluem as políticas keynesianas de estímulo ao crescimento econômico. Práticas e conceitos voltados a uma temporalidade média incluem políticas de valorização cambial e de substituição de importações, assim como práticas de redução de custos e ampliação momentânea da competitividade. Políticas econômicas e teorias voltadas a uma temporalidade mais longa, normalmente vinculada a distintas gerações de agentes econômicos, incluem a construção de sistemas de inovação, o investimento na educação e na qualificação da população, a construção de arranjos institucionais capazes de permitir elevado crescimento econômico, um processo completo de substituição de importações e de exportações.

Conclusões

Ao longo da história, o conceito de desenvolvimento foi usado de diversas maneiras. Foi usado, por exemplo, para justificar processos colonizadores de extração de recursos, para promover a construção de economias nacionais e Estados nacionais em países recém-independentes, estimulando, para isso, acriticamente o consumismo, a devastação ambiental e a destruição de modos de vida tradicionais. A partir desses sacrifícios que as condições socioeconômicas de diversos países melhoraram. No pós-guerra, os autores clássicos do desenvolvimento compreendiam o fenômeno como um processo complexo, contraditório, de aprimoramento dos indicadores socioeconômicos, que envolvia diversas mudanças estruturais, ocorridas em distintas escalas espaço-temporais. Os autores clássicos do desenvolvimento contribuíram com a elevação dos níveis de renda e de diversos indicadores sociais de países que adotaram com sucesso políticas desenvolvimentistas, mas suas contribuições apresentam limites típicos da sociedade da época, como preocupações reduzidas com relação ao meio ambiente, às condições de vida de minorias inseridas de forma subalterna nos processos de desenvolvimento e aos grupos culturais que não desejam se inserir na modernidade capitalista. Porém, da década de 1980 em diante, o desenvolvimento vem sendo analisado de forma reducionista, ao ser confundido, por exemplo, com o empreendedorismo, o localismo ou a especialização produtiva.

Sendo assim, este texto teve por objetivo estabelecer parâmetros metodológicos tanto para a rejeição de abordagens reducionistas sobre o desenvolvimento quanto para a defesa de teorias abrangentes sobre ele, as quais o compreendem como um processo social complexo, que ocorre em múltiplas escalas espaço-temporais. As experiências do desenvolvimento ocorridas nos séculos XX indicam que os projetos de desenvolvimento não devem ser impostos de cima para baixo, ou pensados de forma acrítica, mas, sim, devem ser reapropriados pelas classes e comunidades subalternas e pelas minorias, que precisam se conscientizar das contradições sociais, culturais, ambientais e geopolíticas desses processos, que dificilmente poderão ser realizados dentro dos marcos predominantes do neoliberalismo e da globalização comercial e financeira. Por fim, reitera-se, aqui, que comunidades não desejosas em serem inseridas na sociedade moderna devem ter suas culturas e modos de vida protegidos, não se tornando alvos de projetos de modernização.

References

  • Absell, C. (2015). The Lexicon of Development: A Quantitative History of the Language of Development Studies. Revista Iberoamericana de Estudios de Desarrollo, 4(1), 4-35. ISSN:2254-2035
  • Adams, S. (2011). Growing where You are Planted: Exogenous Firms and the Seeding of Silicon Valley. Research Policy, 40(3), 368-379. doi:10.1016/j.respol.2010.12.002
    » https://doi.org/10.1016/j.respol.2010.12.002
  • Aglietta, M. (1979). Regulation y crisis del capitalismo. Madrid: Siglo Veintiuno Editores.
  • Anderson, J. (2008). International Trade Theory. In S. Durlauf, & L. Blume (Eds.), The New Palgrave Dictionary of Economics (2a ed., pp. 6902-6913). New York : Palgrave MacMillan. doi:10.1057/9780230226203.0839
    » https://doi.org/10.1057/9780230226203.0839
  • Aydalot, P. (1986). Trajectoires technologiques et milieux innovateurs. Neuchâtel: GREMI.
  • Aydalot, P., Keeble, D. (1988). High-Technology Tndustry and Innovative Environment in Europe: An Overview. In P. Aydalot, & D. Keeble (Eds.), High-Technology Industry and Innovative Environment: The European Experience (pp. 1-21). London: Routledge.
  • Bastos, C., Britto, G. (2010). Introdução. In A. Agarwala, & S. Singh (Orgs.), A economia do subdesenvolvimento (pp. 7-41). Rio de Janeiro, RJ: Contraponto.
  • Bauman, Z. (2001). Modernidade líquida. Rio de Janeiro, RJ: Zahar.
  • Baumol, W., Schilling, M. (2008). Entrepreneurship. In S. Durlauf, L. Blume, The new Palgrave Dictionary of Economics (2a ed., pp. 3848-3857). New York: Palgrave Macmillan. doi:10.1057/9780230226203.0484
    » https://doi.org/10.1057/9780230226203.0484
  • Berger, S. (2008). Circular Cumulative Causation (CCC) a la Myrdal and Kapp: Political Institutionalism for Minimizing Social Costs. Journal of Economic Issues, 42(2), 357-365. doi:10.1080/00213624.2008.11507144
    » https://doi.org/10.1080/00213624.2008.11507144
  • Berman, M. (2007). Tudo que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade. São Paulo, SP: Companhia de Bolso.
  • Bhaskar, R. (1975/2008). A Realist Theory of Science. London: Verso.
  • Bielschowsky, R. (2000). Cinquenta anos de pensamento na CEPAL: uma resenha. In R. Bielschowsky (Org.), Cinquenta anos de pensamento na CEPAL (pp. 13-68). Rio de Janeiro, RJ: Record.
  • Brandão, C. (2012). Território e desenvolvimento: as múltiplas escalas entre o local e o global. Campinas, SP: Editora Unicamp.
  • Braudel, F. (1982). On history. Chicago: The University of Chicago Press.
  • Brenner, N. (2018). Espaços da urbanização: o urbano a partir da teoria crítica. Rio de Janeiro, RJ: Letra Capital.
  • Brenner, N., Jessop, B., Jones, M. (2008). Theorizing sociospatial relations. Environment and Planning D: Society and Space, 26, 389-401doi:10.1068/d9107..
    » https://doi.org/10.1068/d9107.
  • Carree, M., Thurik, R. (2010). The Impact of Entrepreneurship on Economic Growth. In Z. Acs, & D. Audretsch (Eds.), Handbook of Entrepreneurship Research. New York: Springer.
  • Chang, H.-J. (2004). Chutando a escada: a estratégia do desenvolvimento econômico em perspectiva histórica. São Paulo, SP: Editora UNESP.
  • Costa, A., Barros, D., Martins, P. (2012). A alavanca que move o mundo: o discurso da mídia de negócios sobre o capitalismo empreendedor. Cadernos EBAPE.BR, 10(2), 357-375. doi:10.1590/S1679-39512012000200007
    » https://doi.org/10.1590/S1679-39512012000200007
  • Deardorff, A. (2011). Comparative Advantage: The Theory Behind Measurement. In OECD, Globalisation, Comparative Advantage and the Changing Dynamics of Trade (pp. 27-39). Paris: Autor.
  • Diniz, C., Santos, F., Crocco, M. (2006). Conhecimento, inovação e desenvolvimento local/regional. In C. Diniz, M. Crocco, Economia regional e urbana, contribuições teóricas recentes (pp. 87-122). Belo Horizonte, MG: Editora UFMG.
  • Domingues, J. (2005). Sociologia e modernidade: para entender a sociedade contemporânea (3a ed.). Rio de Janeiro, RJ: Civilização Brasileira.
  • Esteva, G. (2010). Development. In W. Sachs (Ed.), The Development Dictionary: A Guide to Knowledge as Power (pp. 1-23). London: Zed Books.
  • Findlay, R. (2008). Comparative Advantage. In S. Durlauf, L. Blume, The New Palgrave Dictionary of Economics (2a ed., pp. 2032-2043). New York: Palgrave Macmillan. doi:10.1057/9780230226203.0274.
    » https://doi.org/10.1057/9780230226203.0274
  • Fiori, J. (Org.). (2004). O poder americano. Petrópolis, RJ: Vozes.
  • Furtado, C. (1973). Adventures of a Brazilian economist. International social science journal, XXV(1/2), 28-38.
  • Furtado, C. (1974). O mito do desenvolvimento econômico. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra.
  • Furtado, C. (1984). Cultura e desenvolvimento em época de crise. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra.
  • Furtado, C. (1999). Global capitalism. Mexico City: Fondo de Cultura Economica.
  • Giddens, A. (1991). As consequências da modernidade. São Paulo, SP: Editora Unesp.
  • Gordon, R. (1992). PME, réseau d'innovation et milieu technopolitain: la Silicon Valley. In D. Maillat, & J.-C. Perrin (Eds.), Entreprises innovatrices et développement territorial (pp. 195-220). Neuchâtel: GREMI.
  • Gorski, P. (2019). Mecanismos sociais e sociologia histórica-comparativa: uma proposta realista crítica. Revista Teoria e Cultura, 14(2), 15-48. doi:10.34019/2318-101X.2019.v14.27893
    » https://doi.org/10.34019/2318-101X.2019.v14.27893
  • Heinrich, T. (2002). Cold War Armory: Military Contracting in Silicon Valley. Enterprise & Society, 3(02), 247-284. doi:10.1017/S1467222700011666
    » https://doi.org/10.1017/S1467222700011666
  • Hirschman, A. (1958). The strategy of economic development. New York: Yale University Press.
  • Hirschman, A. (1983). Confissões de um dissidente: a estratégia de desenvolvimento reconsiderada. Pesquisa e Planejamento Econômico, 13(1), 1-38. Recuperado de http://repositorio.ipea.gov.br/handle/11058/6281
    » http://repositorio.ipea.gov.br/handle/11058/6281
  • Hodgson, G. (2004). The Evolution of Institutional Economics: Agency, Structure and Darwinism in American Institutionalism. New York: Routledge.
  • Klein, J.-L. (2009). The Canadian Journal of Regional Science special issue on territorial development and social innovation. Canadian Journal of Regional Science, 32(1), 3-12.
  • Koponen, J. (2020). Development: History and Power of the Concept. Forum for Development Studies, 47(1), 1-21. doi:10.1080/08039410.2019.1654542
    » https://doi.org/10.1080/08039410.2019.1654542
  • Koselleck, R. (1979/2004). Futures past: on the semantics of historical time. New York: Columbia University Press.
  • Koselleck, R. (2018). Sediments of time: on possible histories. Stanford: Stanford University Press.
  • Kowalski, P., Cepeda, R. (2011). Production, Consumption and Trade Developments in the Era of Globalisation. In OECD, Globalisation, Comparative Cdvantage and the Changing Dynamics of Trade (pp. 41-80). Paris: Autor.
  • Kowalski, P., Stone, F. (2011). Breaking Through on Trade: How a Changing World Dynamic Affects Policy. In OECD, Globalisation, Comparative Cdvantage and the Changing Dynamics of Trade (pp. 9-24). Paris: Autor.
  • Latouche, S. (2004). Survivre au développement: de la décolonisation de l’imaginaire économique à la construction d’une societé alternative. Paris: Éditions Mille et une Nuits.
  • Latour, B. (1994). Jamais fomos modernos: ensaio de antropologia simétrica. Rio de Janeiro, RJ: Editora 34.
  • Lipietz, A. (1988). Miragens e milagres: problemas da industrialização no Terceiro Mundo. São Paulo, SP: Nobel.
  • List, F. (1841/1909). The National System of Political Economy. London: Longmans, Green, and Company.
  • Marshall, A. (1890/1996). Princípios de economia: tratado introdutório. São Paulo, SP: Nova Cultural.
  • Marx, K. (1867/2013). O capital: crítica da economia política. Livro I. São Paulo, SP: Boitempo.
  • Mauss, M. (1923-1924/2003). The gift: the form and reason for exchange in archaic societies. London: Routledge.
  • Midgley, M. (2003). The myths we live by. London: Routledge.
  • Myrdal, G. (1944). American Dilemma: The Negro Problem and Modern Democracy. New York: Harper & Row.
  • Myrdal, G. (1957/1963). Economic theory and underdeveloped regions. London: Methuen.
  • Myrdal, G. (1974). What is Development? Journal of Economic Issues, 8(4), 729-736. doi:10.1080/00213624.1974.11503225
    » https://doi.org/10.1080/00213624.1974.11503225
  • Niederle, P., Cardona, J., Freitas, T. (2016). Hirschman e a economia do desenvolvimento. In P. Niederle, & G. Radomsky (Orgs.), Introdução às teorias do desenvolvimento (pp. 39-50). Porto Alegre, RS: Editora UFRGS.
  • Organization for Economic Co-operation and Development. (1998). Fostering Entrepreneurship. Paris: Autor.
  • Parker, S. (2009). The Economics of Entrepreneurship. Cambridge: Cambridge University Press.
  • Peyrache-Gadeau, V., Crevoisier, O., Kebir, L., Costa, P. (2010). Ancrage et durabilité: pierres angulaires de l’analyse des dynamiques territoriales. Paris: Recherche menée pour le PUCA-Ministère de l’Ecologie, de l’Energie, du Développement Durable et de la Mer.
  • Piore, M. (1992). Technological Trajectories and the Classical Revival in Economics. In M. Storper, A. Scott, Pathways to Industrialization and Regional Development (pp. 140-151). New York: Routledge.
  • Piore, M., Sabel, C. (1984). The Second Industrial Divide. New York: Basic Books.
  • Postone, M. (2014). Tempo, trabalho e dominação social. São Paulo, SP: Boitempo.
  • Prebisch, R. (1948/2000). O desenvolvimento econômico da América Latina e alguns de seus problemas principais. In R. Bielschowsky (Org.), Cinquenta anos de pensamento na CEPAL (pp. 69-136). Rio de Janeiro, RJ: Record.
  • Prigogine, I. (1996). O fim das certezas: tempo, caos e as leis da natureza. São Paulo, SP: Editora Unesp.
  • Ricardo, D. (1817/1982). Princípios de economia política e tributação. São Paulo, SP: Nova Cultural.
  • Rosa, H. (2019). Aceleração: a transformação das estruturas temporais na modernidade. São Paulo, SP: Editora UNESP.
  • Rovelli, C. (2018). The order of time. New York: Riverhead Books.
  • Sachs, W. (2010). Introduction. In W. Sachs (Ed.), The Development Dictionary: A Guide to Knowledge as Power (pp. xv-xx). London: Zed Books.
  • Sanyang, S., & Huang, W.-C. (2010). Entrepreneurship and Economic Development: The EMPRETEC Showcase. International Entrepreneurship Management Journal, 6(3), 317-329. doi:10.1007/s11365-008-0106-z
    » https://doi.org/10.1007/s11365-008-0106-z
  • Satrústegui, K. U. (2013). Desenvolvimento, subdesenvolvimento, mau-desenvolvimento e pós-desenvolvimento: um olhar transdisciplinar sobre o debate e suas implicações. Revista Perspectivas Do Desenvolvimento, 1(1), 34-69. Recuperado de https://periodicos.unb.br/index.php/perspectivasdodesenvolvimento/article/view/14373
    » https://periodicos.unb.br/index.php/perspectivasdodesenvolvimento/article/view/14373
  • Schmitz, J. (1989). Imitation, Entrepreneurship, and Long-run Growth. Journal of Political Economy, 97(3), 721-39. doi:10.1086/261624
    » https://doi.org/10.1086/261624
  • Schumacher, R. (2013). Deconstructing the Theory of Comparative Advantage. World Economic Review, 2, 83-105. Recuperado de https://www.researchgate.net/publication/301477000_Deconstructing_the_Theory_of_Comparative_Advantage
    » https://www.researchgate.net/publication/301477000_Deconstructing_the_Theory_of_Comparative_Advantage
  • Schumpeter, J. (1911/1983). Theory of economic development: na inquiry into profits, capital, credid, interest and the business cycle. New Brunswick: Transaction Publishers.
  • Schumpeter, J. (1942/2003). Capitalism, socialism and democracy. London: Routledge.
  • Scott, A. (1988). Flexible Production Systems and Regional Development: The Rise of New Industrial Spaces in North America and Western Europe. International Journal of Urban and Regional Research, 12(2), 171-186. doi:10.1111/j.1468-2427.1988.tb00448.x
    » https://doi.org/10.1111/j.1468-2427.1988.tb00448.x
  • Scott, A. (2006). Entrepreneurship, Innovation and Industrial Development: Geography and the Creative Field Revisited. Small Business Economics, 26, 1-24. doi:10.1007/s11187-004-6493-9
    » https://doi.org/10.1007/s11187-004-6493-9
  • Storper, M. (2011). Why do Regions Develop and Change? The Challenge for Geography and Economics. Journal of Economic Geography, 11(2), 333-346. doi:10.1093/jeg/lbq033
    » https://doi.org/10.1093/jeg/lbq033
  • Storper, M., Scott, A. (1992). Industrialization and Regional Development. In M. Storper, A. Scott, Pathways to Industrialization and Regional Development (pp. 3-18). New York: Routledge.
  • Swyngedouw, E. (1997). Neither Global nor Local: “Glocalization” and the Politics of Scale. In K. Cox (Ed.), Spaces of Globalization: Reasserting the Power of the Local (pp. 137-166). New York: Longman.
  • Swyngedouw, E. (2004). Scaled Geographies: Nature, Place, and the Politics of Scale. In E. Sheppard, & R. Mcmaster (Eds.), Scale and Geographic Inquiry: Nature, Society, and Method (pp. 129-153). Oxford: Blackwell Publishing.
  • Tabariés, M. (2005). Les Apports du GREMI à l’analyse territoriale de l’innovation ou 20 ans de recherche sur les milieux innovateurs. Cahiers de la MSE. Recuperado de https://shs.hal.science/halshs-00193845/document
    » https://shs.hal.science/halshs-00193845/document
  • Vainer, C. (2006). Lugar, região, nação, mundo: explorações históricas do debate acerca das escalas da ação política. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, 8(2), 9-29. doi:10.22296/2317-1529.2006v8n2p9
    » https://doi.org/10.22296/2317-1529.2006v8n2p9
  • Vandenberghe, F. (2010). Teoria social realista: um diálogo franco-britânico. Belo Horizonte, MG: Editora UFMG.
  • Veblen, T. (1898). Why is Economics not an Evolutionary Science? The Quarterly Journal of Economics, 12(4), 373-397. doi:10.2307/1882952
    » https://doi.org/10.2307/1882952
  • Wallerstein, I. (1998). Time and Duration: The Unexcluded Middle, or Reflections on Braudel and Prigogine. Thesis Eleven, 54(1), 79–87. doi:10.1177/0725513698054000007
    » https://doi.org/10.1177/0725513698054000007
  • World Bank. (2010). Innovation Policy: A Guide for Developing Countries. Washington: The World Bank.
  • World Trade Organization. (2022). The case for open trade. Retrieved from https://www.wto.org/english/thewto_e/whatis_e/tif_e/fact3_e.htm
    » https://www.wto.org/english/thewto_e/whatis_e/tif_e/fact3_e.htm

Notas

  • 1
    . Não é objetivo do texto construir uma teoria do desenvolvimento, mas estabelecer diretrizes para a rejeição de abordagens reducionistas.
  • 2
    . Além da formação de centros e de periferias no âmbito internacional, Furtado (1984)Furtado, C. (1984). Cultura e desenvolvimento em época de crise. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra. argumentou que a dinâmica capitalista também é concentradora no nível regional, devido às economias de escala, às economias de aglomeração, à concentração dos recursos públicos e a formação de mercados consumidores bastante desiguais. O autor identificou que diversos países adotaram políticas para promover o desenvolvimento regional, estimulando a descentralização das atividades industriais e desse modo prevenindo a “desertificação cultural e humana de áreas economicamente frágeis”. A promoção do desenvolvimento das regiões substitui a “racionalidade econômica” e o “horizonte de tempo relativamente estreito” ligados aos mercados e à concentração espacial por uma ação política fundada em uma “visão mais ampla do processo social”. No caso específico do Nordeste do Brasil, as políticas de desenvolvimento defendidas por Furtado englobariam diversas iniciativas, passando pela repactuação do federalismo, pelo aprimoramento da educação básica e superior, pela promoção da industrialização, pela reforma agrária e pela ampliação da produtividade e da renda na agricultura.
  • 3
    . Hirschman (1961), assim como a maioria dos teóricos do desenvolvimento da época considerava que havia um trade-off entre consumo e investimento: “para obter maiores rendimentos per capita, o consumo geral precisa ser reduzido” (p. 26). Os críticos consideram essa hipótese equivocada e argumentam que a restrição externa, e não a de poupança, é fundamental para o entendimento dos entraves macroeconômicos ao desenvolvimento ( Bastos & Britto, 2010Bastos, C., Britto, G. (2010). Introdução. In A. Agarwala, & S. Singh (Orgs.), A economia do subdesenvolvimento (pp. 7-41). Rio de Janeiro, RJ: Contraponto. ).
  • 4
    . O princípio da causação circular e cumulativa também foi formulado por Karl William Kapp, contemporâneo de Myrdal. A ideia de “causação cumulativa”, menos sistematizada que o princípio desenvolvido por Myrdal e Kapp, estava presente na obra de Veblen (1898)Veblen, T. (1898). Why is Economics not an Evolutionary Science? The Quarterly Journal of Economics, 12(4), 373-397. doi:10.2307/1882952
    https://doi.org/10.2307/1882952...
    desde o final do século XIX ( Berger, 2008)Berger, S. (2008). Circular Cumulative Causation (CCC) a la Myrdal and Kapp: Political Institutionalism for Minimizing Social Costs. Journal of Economic Issues, 42(2), 357-365. doi:10.1080/00213624.2008.11507144
    https://doi.org/10.1080/00213624.2008.11...
    .
  • 5
    . Absell (2015)Absell, C. (2015). The Lexicon of Development: A Quantitative History of the Language of Development Studies. Revista Iberoamericana de Estudios de Desarrollo, 4(1), 4-35. ISSN:2254-2035 , estudando a frequência de utilização de léxicos relacionados ao desenvolvimento econômico presentes em livros digitalizados publicados em inglês, observou que a expressão “desenvolvimento econômico” se popularizou na primeira metade do século XX. No pós-guerra, ocorre uma explosão do uso do termo e de outros léxicos associados, como “países subdesenvolvidos”, até meados da década de 1970. Posteriormente, a expressão “desenvolvimento econômico” foi sendo paulatinamente menos utilizada. Por outro lado, outros termos, mais eufemísticos e mais vagos, passam a ser usados com grande frequência, entre os quais “países em desenvolvimento”, “economias emergentes”, “Sul global”, “desenvolvimento sustentável” e “desenvolvimento humano” ( Absell, 2015)Absell, C. (2015). The Lexicon of Development: A Quantitative History of the Language of Development Studies. Revista Iberoamericana de Estudios de Desarrollo, 4(1), 4-35. ISSN:2254-2035 .
  • 6
    . “Em Portugal, a produção de vinho pode requerer somente o trabalho de 80 homens por ano, enquanto a fabricação de tecido necessita do emprego de 90 homens durante o mesmo tempo. Será, portanto, vantajoso para Portugal exportar vinho em troca de tecidos. Essa troca poderia ocorrer mesmo que a mercadoria importada pelos portugueses fosse produzida em seu país com menor quantidade de trabalho que na Inglaterra. Embora Portugal pudesse fabricar tecidos com o trabalho de 90 homens, deveria ainda assim importá-los de um país onde fosse necessário o emprego de 100 homens, porque lhe seria mais vantajoso aplicar seu capital na produção de vinho, pelo qual poderia obter mais tecido da Inglaterra do que se desviasse parte de seu capital do cultivo da uva para a manufatura daquele produto” (Ricardo, 1817/1982, p. 98).
  • 7
    . Carree e Thurik (2010)Carree, M., Thurik, R. (2010). The Impact of Entrepreneurship on Economic Growth. In Z. Acs, & D. Audretsch (Eds.), Handbook of Entrepreneurship Research. New York: Springer. identificam diversos motivos para a reemergência da importância das pequenas empresas, do emprego autônomo e do empreendedorismo: (a) a transição tecnológica em direção a novos setores, como os de software e biotecnologia, seria favorável a firmas menores e mais inovadoras; (b) as novas tecnologias em desenvolvimento reduziriam a importância das economias de escala; (c) as ondas de desregulamentação e de privatização aumentariam a competitividade de vários setores, propiciando o surgimento de pequenas firmas nos setores mais desregulados; (d) as grandes firmas estariam se redimensionando e reestruturando, se concentrando no núcleo de suas atividades (tendências de downsizing, or rightsizing); (e) O aumento nos níveis de renda levaria a mudanças culturais nas preferências dos consumidores, que passariam a demandar a variedade dos produtos; (f) o trabalho autônomo (self-employment) estaria mais valorizado, demandado e desejado enquanto carreira; (g) o crescimento do setor de serviços, que teria, em geral, menor tamanho (exceto por algumas atividades, como transporte aéreo e naval e serviços financeiros). Segundo os autores, algumas dessas tendências podem ser temporárias.
  • 8
    . Do ponto de vista de Schumpeter (1942/1984), a própria existência de inovações rompe com o equilíbrio e leva o sistema econômico a trajetórias que o afastam do equilíbrio inicial: “o que estamos prestes a considerar é o tipo de mudança que emerge de dentro do sistema que desloca de tal modo o seu ponto de equilíbrio que o novo não pode ser alcançado a partir do antigo mediante passos infinitesimais. Adicione sucessivamente quantas diligências quiser, com isso nunca terá uma estrada de ferro” (p. 75).
  • 9
    . Empreendedorismo é visto como um comportamento de indivíduos e não um estado estático ou uma profissão ( Carree & Thurik, 2010)Carree, M., Thurik, R. (2010). The Impact of Entrepreneurship on Economic Growth. In Z. Acs, & D. Audretsch (Eds.), Handbook of Entrepreneurship Research. New York: Springer. .
  • 10
    . Um levantamento não exaustivo realizado por Brandão (2012)Brandão, C. (2012). Território e desenvolvimento: as múltiplas escalas entre o local e o global. Campinas, SP: Editora Unicamp. identificou diversas abordagens que enfatizam o âmbito local como o espaço privilegiado do desenvolvimento econômico, como da acumulação flexível, dos distritos industriais italianos, dos milieux innovateurs, dos arranjos produtivos locais, da sociedade em rede, da escola californiana, da nova geografia econômica, da teoria do capital social, da nova economia institucional e da economia popular e solidária.
  • 11
    . Alfred Marshall (1890/1996) foi um dos primeiros economistas que procuraram descrever e teorizar a formação de “distritos industriais”, ou a “concentração de indústrias especializadas em certas localidades”. Além da existência de economias internas de escala, o autor observou a existência de economias externas às firmas, redução de custos unitários decorrentes da aglomeração de firmas semelhantes em um “distrito industrial”. Nessas localidades, as informações, os “segredos da profissão”, circulam com facilidade, as inovações e as mudanças técnicas nos processos produtivos são facilmente copiadas e generalizadas; é formado um mercado local de mão-de-obra especializada, surgem empresas fornecedoras de insumos e equipamentos e diferentes empresas podem se associar para adquirirem máquinas que nenhuma delas conseguiria comprar individualmente (pp. 320-321).
  • 12
    . Algumas das regiões estudadas pelos membros do GREMI são as regiões metropolitanas de Paris, Milão e Madrid, a Catalunha, o Vale do Silício, as regiões de Marselha, Bergamo e Newcastle.
  • 13
    . Outro novo ramo de análise relaciona o meio com o desenvolvimento sustentável ( Peyrache-Gadeau et al., 2010)Peyrache-Gadeau, V., Crevoisier, O., Kebir, L., Costa, P. (2010). Ancrage et durabilité: pierres angulaires de l’analyse des dynamiques territoriales. Paris: Recherche menée pour le PUCA-Ministère de l’Ecologie, de l’Energie, du Développement Durable et de la Mer. .
  • 14
    . Diniz, Santos e Crocco (2006) identificam alguns limites para as estratégias de desenvolvimento local na periferia da economia mundial: “1 - As capacitações ‘inovativas’ são, via de regra, inferiores às dos países desenvolvidos; 2 - O ambiente organizacional é aberto e passivo, isto é, as funções estratégicas primordiais são realizadas externamente ao sistema, prevalecendo, localmente, uma mentalidade quase exclusivamente produtiva; 3 - O ambiente institucional e macroeconômico é mais volátil e permeado por constrangimentos estruturais, e; 4 - O entorno desses sistemas é basicamente de subsistência, a densidade urbana é limitada, o nível de renda per capita é baixo, os níveis educacionais são baixos, a complementaridade produtiva e de serviços com o polo urbano é limitada e a inserção social é frágil” (p. 105).
  • 15
    . Ademais, a literatura sobre aglomerações produtivas idealiza a formação e o funcionamento do principal cluster tecnológico do mundo, o Vale do Silício, na Califórnia, onde mais de vinte mil firmas ligadas à tecnologia empregam mais de 500 mil pessoas, como resultado da interação entre universidades (Stanford University) e firmas pequenas e médias, principalmente ( Scott, 1988, 2006Scott, A. (1988). Flexible Production Systems and Regional Development: The Rise of New Industrial Spaces in North America and Western Europe. International Journal of Urban and Regional Research, 12(2), 171-186. doi:10.1111/j.1468-2427.1988.tb00448.x
    https://doi.org/10.1111/j.1468-2427.1988...
    , 2006Scott, A. (2006). Entrepreneurship, Innovation and Industrial Development: Geography and the Creative Field Revisited. Small Business Economics, 26, 1-24. doi:10.1007/s11187-004-6493-9
    https://doi.org/10.1007/s11187-004-6493-...
    ; Piore & Sabel, 1984Piore, M., Sabel, C. (1984). The Second Industrial Divide. New York: Basic Books. ; Aydalot, 1986)Aydalot, P. (1986). Trajectoires technologiques et milieux innovateurs. Neuchâtel: GREMI. . Algumas pesquisas recentes sublinham o papel que subsidiárias de grandes firmas multilocacionais tiveram na conformação da região ( Adams, 2011)Adams, S. (2011). Growing where You are Planted: Exogenous Firms and the Seeding of Silicon Valley. Research Policy, 40(3), 368-379. doi:10.1016/j.respol.2010.12.002
    https://doi.org/10.1016/j.respol.2010.12...
    e destacam a influência das encomendas do complexo industrial militar americano, cujos contratos garantiriam cerca de 30% das receitas industriais da região ( Heinrich, 2002)Heinrich, T. (2002). Cold War Armory: Military Contracting in Silicon Valley. Enterprise & Society, 3(02), 247-284. doi:10.1017/S1467222700011666
    https://doi.org/10.1017/S146722270001166...
    .
  • 16
    . De acordo com Brenner et al. (2018) é preciso evitar tanto o “unidimensionalismo” que funde uma parte da realidade socioespacial com o todo, quanto a imprecisão teórica e conceitual relacionada ao uso de neologismos que procuram fundir duas ou mais dimensões espaciais e ignorar as demais. Entre os exemplos desses neologismos estão “glocalização”, “glurbanização”, “neomedievalismo”, “redes territoriais”, “cidades globais” (pp. 137-143).
  • 17
    . Na época em que Swyngedouw (2004)Swyngedouw, E. (2004). Scaled Geographies: Nature, Place, and the Politics of Scale. In E. Sheppard, & R. Mcmaster (Eds.), Scale and Geographic Inquiry: Nature, Society, and Method (pp. 129-153). Oxford: Blackwell Publishing. estava publicando o texto “Scaled geographies: nature, place, and the politics of scale” diversos fatos ocorreram que ilustraram a interconexão entre o “metabolismo ambiental com as relações socioculturais e político-econômicas”: a criação da ovelha clonada Dolly, a epidemia da doença da “vaca louca”, o acúmulo de dióxido de carbono na atmosfera e a ameaça à camada de ozônio (p. 129). Ainda de acordo com Swyngedouw (2004)Swyngedouw, E. (2004). Scaled Geographies: Nature, Place, and the Politics of Scale. In E. Sheppard, & R. Mcmaster (Eds.), Scale and Geographic Inquiry: Nature, Society, and Method (pp. 129-153). Oxford: Blackwell Publishing. , esses fatos sugerem “como natureza e sociedade são constituídas como redes de processos interligados que são humanos e naturais, reais e fictícios, mecânicos e orgânicos” e mostram que os agentes e processos “operam em uma variedade de escalas geográficas interligadas e aninhadas [nested]” (p. 129).
  • 18
    . O desenvolvimento mais notável das últimas décadas, o chinês, inclui ações em diversos níveis, desde o local até o global, como, por exemplo, as políticas macroeconômicas expansionistas; políticas de reestruturação dos setores agrícola, de transporte e de energia; a criação de Zonas Econômicas Especiais; políticas industriais e de transferência tecnológica; investimentos em centros de pesquisa e universidades; política cambial favorável às exportações; reestruturação do setor financeiro e fomento ao crédito; fortalecimento de empresas estatais; e investimentos globais em transporte e infraestrutura.
  • 19
    . Mesmo relógios localizados em diferentes pontos do universo andam em velocidades distintas, como explicado pela teoria da relatividade de Einstein, que postula não a existência de um único tempo newtoniano, mas de tempos distintos, que podem ser descritos uns em relação aos outros ( Rovelli, 2018)Rovelli, C. (2018). The order of time. New York: Riverhead Books. .
  • 20
    . Rovelli argumenta que as distintas estruturas temporais estão associadas tanto ao ritmo da mudança dos fenômenos quanto da percepção social que deles se tem: “Em grande parte, o cérebro é um mecanismo que coleta memória do passado para usá-la continuamente para prever o futuro. Isso acontece num amplo espectro de escalas temporais, a partir de escalas muito curtas — se alguém arremessa um objeto em nossa direção, nossa mão se move com destreza para onde o objeto chegará em poucos segundos, a fim de agarrá-lo: o cérebro, usando as impressões passadas, calcula rápido a posição futura do objeto que está vindo até nós — até escalas muito longas, como quando plantamos o trigo para que a espiga cresça. Ou quando investimos em pesquisa científica, para que amanhã tenhamos tecnologia e conhecimento” (Rovelli, 2018, p. 113).
  • 21
    . A teoria das vantagens comparativas se fixa na temporalidade da produção de curto prazo, na lógica dos consumidores, que se beneficiariam da aquisição de bens mais baratos. As abordagens sobre o empreendedorismo destacam a temporalidade curta da lógica empresarial, enquanto as abordagens localistas adotam um horizonte temporal médio, ligado à construção de associações e redes de empresas.
  • Verificação de plágio
    A O&S submete todos os documentos aprovados para a publicação à verificação de plágio, mediante o uso de ferramenta específica.
  • Disponibilidade de dados

    A O&S incentiva o compartilhamento de dados. Entretanto, por respeito a ditames éticos, não requer a divulgação de qualquer meio de identificação dos participantes de pesquisa, preservando plenamente sua privacidade. A prática do open data busca assegurar a transparência dos resultados da pesquisa, sem que seja revelada a identidade dos participantes da pesquisa.
  • Financiamento: O autor não recebeu apoio financeiro para a pesquisa, autoria ou publicação deste artigo.

Disponibilidade de dados

A O&S incentiva o compartilhamento de dados. Entretanto, por respeito a ditames éticos, não requer a divulgação de qualquer meio de identificação dos participantes de pesquisa, preservando plenamente sua privacidade. A prática do open data busca assegurar a transparência dos resultados da pesquisa, sem que seja revelada a identidade dos participantes da pesquisa.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Ago 2023
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2023

Histórico

  • Recebido
    04 Set 2022
  • Aceito
    10 Jun 2022
Escola de Administração da Universidade Federal da Bahia Av. Reitor Miguel Calmon, s/n 3o. sala 29, 41110-903 Salvador-BA Brasil, Tel.: (55 71) 3283-7344, Fax.:(55 71) 3283-7667 - Salvador - BA - Brazil
E-mail: revistaoes@ufba.br