Acessibilidade / Reportar erro

Subespécies de Capital Simbólico no Contexto da Gestão Ordinária

Resumo

O objetivo deste ensaio teórico é defender o reconhecimento de subespécies de capital simbólico, diante do contexto das práticas cotidianas de trabalho, da gestão ordinária. O tema da gestão ordinária é relevante e escasso na área de administração. Trata-se de uma perspectiva que se distancia do mainstream da administração e fomenta o olhar para compreender outras formas de gestão relacionadas ao cotidiano do Homem ordinário. Portanto, refletimos sobre a necessidade de reconhecer recursos e capitais peculiares a essa maneira comum de realizar gestão, na qual o capital econômico e cultural são precários aos seus agentes e os capitais precisam ser reconhecidos a partir dos efeitos do simbólico. Assim, discutimos essa proposta a partir das abordagens teórico-epistêmicas de Michel de Certeau sobre a arte de fazer o cotidiano e a perspectiva de capital simbólico no contexto teórico da prática de Pierre Bourdieu. Assumimos a pluralidade do conceito de capital, mas, sobretudo, buscamos aproximar a compreensão de capital à realidade de uma gestão ordinária. Portanto, propomos uma inversão da comum perspectiva de capital relacionada ao “distinto” e ao “glamour” , fomentada em uma concepção dominante da administração. Sugerimos reconhecer subespécies de capital simbólico, que habitam o popular, o “vulgar”, logo, o não “distinto”. Este estudo contribui para os estudos organizacionais ao abrir espaço para que se reconheçam os recursos que configuram a prática da gestão de pequenos empreendimentos de sobrevivência, que expressam a realidade cotidiana de empreendimentos no contexto de países emergentes.

subespécies de capital simbólico; cotidiano; Certeau e Bourdieu; empreendimentos de sobrevivência; estudos organizacionais

Abstract

The objective of this paper is to propose the acknowledgement of subspecies of symbolic capital in the context of everyday work practices within the framework of Ordinary Management, a perspective which is relevant and scarcely discussed in Administration. It consists of a perspective which is distant from the mainstream of Administration and fosters observation as a way to comprehend other forms of management related to the everyday life of the ordinary man. As a result, we reflect upon the necessity of acknowledging resources and capitals which are particular to this manner of performing management, in which economic and cultural capitals are lacking, and capitals must be observed based on their symbolic effects. We base the discussion of this proposal on the theoretical-epistemic approaches of Michel de Certeau, about the art of creating everyday life, and of Pierre Bourdieu, about the perspectives of symbolic capital within the context of the theory of practices. We assume the plurality of the concept of capitals but, moreover, we try to bring the understanding of capital closer to the reality of an Ordinary Management. Therefore, we propose an inversion of the common perspectives on capital, related to “distinction” and “glamour” and fostered by the dominant mindset in Administration. We suggest acknowledging subspecies of symbolic capital which inhabit the popular, the “vulgar” and, consequently, not “distinctive”. This paper contributes to organizational studies by opening up space for the recognition of the resources which configure the practices of management of small subsistence entrepreneurship, which express the everyday reality of businesses in the context of emerging countries.

subspecies of symbolic capital; everyday work; Certeau and Bourdieu; subsistence entrepreneurship; organizational studies

Introdução

Neste trabalho, defendemos o reconhecimento de subespécies de capital simbólico, diante do contexto das práticas cotidianas de trabalho, da gestão ordinária. Para tanto, nos aproximamos de três elos teóricos: a perspectiva de Michel de Certeau sobre as práticas do cotidiano; as contribuições de Pierre Bourdieu para repensarmos o capital além da perspectiva predominantemente econômica; e a reflexão de pesquisadores brasileiros, que têm direcionado seu olhar para gestão que ocorre no cotidiano ( Barros & Carrieri, 2015Barros , A. , Carrieri , A. D. P. ( 2015 ). O cotidiano e a história: construindo novos olhares na administração . Revista de Administração de Empresas , 55 ( 2 ), 151 - 161 . doi: 10.1590/S0034-759020150205 ; Carrieri, Perdigão, & Aguiar, 2014Carrieri , A. P. , Perdigão , D. A. , Aguiar , A. R. C. ( 2014 ). A gestão ordinária dos pequenos negócios: outro olhar sobre a gestão em estudos organizacionais . Revista de Administração , 49 ( 4 ), 698 - 713 . doi: 10.5700/rausp1178 ; Carrieri, Saraiva, Lima, & Maranhão, 2008Carrieri , A. P. , Saraiva , L. A. S. , Lima , G. C. O. , Maranhão , C. M. S. A. ( 2008 ). Estratégias subversivas de sobrevivência na “feira hippie” de Belo Horizonte . Revista Eletrônica de Gestão Organizacional , 6 ( 2 ), 174 - 192 . Recuperado de https://bit.ly/3yF47tr
https://bit.ly/3yF47tr...
; López Cabana & Ichikawa, 2017López Cabana , R. P. , & Ichikawa , E. Y. ( 2017 ). As identidades fragmentadas no cotidiano da Feira do Produtor de Maringá . Organizações & Sociedade , 24 ( 81 ), 285 - 304 . doi: 10.1590/1984-9230815
https://doi.org/10.1590/1984-9230815...
; Murta, Souza, & Carrieri, 2010Murta , I. B. D. , Souza , M. M. P. , Carrieri , A. P. ( 2010 ). Práticas discursivas na construção de uma gastronomia polifônica . Revista de Administração Mackenzie , 11 ( 1 ), 38 - 64 . doi: 10.1590/S1678-69712010000100003 ; Rodrigues & Ichikawa, 2015)Rodrigues , F. S. , Ichikawa , E. Y. ( 2015 ). O cotidiano de um catador de material reciclável: a cidade sob o olhar do homem ordinário . Revista de Gestão Social e Ambiental , 9 ( 1 ), 97 - 112 . doi: 10.24857/rgsa.v9i1.999 . Esse novo olhar sobre a gestão estaria relacionado ao que Carrieri (2012)Carrieri , A. P. ( 2012 ). A gestão ordinária ( Tese para concurso de professor titular ). Universidade Federal de Minas Gerais , Belo Horizonte, MG . entende como o conceito de gestão ordinária.

A gestão ordinária se relaciona à realidade de gestão que acontece distante do mainstream da administração, mas comum ao dia a dia de pequenos empreendimentos. Esse distanciamento das empresas tradicionais é também defendido por Sá, Lorêto, Sousa e Souza (2020)Sá , M. , Lorêto , M. S. S. , Sousa , J. R. F. , Souza , D. C. ( 2020 , outubro ). O artesanato como negócio periférico: esboço de instrumento teórico-epistêmico e análise multidimensional no caso do Alto do Moura-PE . Artigo apresentado no XLIV Encontro da Anpad – EnAnpad 2020 , Evento on-line . ao proporem a noção de negócios periféricos. Muitos desses pequenos empreendimentos têm por moção apenas sua sobrevivência diária, e são comumente praticados por um “Homem ordinário”. Para Certeau (2012)Certeau , M. ( 2012 ). A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer ( 18a ed.). Petrópolis, RJ : Vozes . , “Homem ordinário” é um homem comum, não possui algo notável, por momentos, é reconhecido em sua precariedade. Na prática de suas ações, realiza táticas a partir de um saber-fazer. Entendemos que em suas “maneiras de fazer”, essas pessoas quase em nada seguem as comuns funções administrativas de planejamento, organização, direção e controle, ou, se o fazem, as traçam por caminhos peculiares de sua experiência de vida.

No contexto socioeconômico, muitos desses homens e mulheres ordinários relacionam-se ao trabalho informal. O trabalho informal tem crescido ( Biles, 2009Biles , J. J. ( 2009 ). Informal work in Latin America: competing perspectives and recent debates . Geography Compass , 3 ( 1 ), 214 - 236 . doi: 10.1111/j.1749-8198.2008.00188.x
https://doi.org/10.1111/j.1749-8198.2008...
; International Labour Organization [ILO], 2018International Labour Organization . ( 2018 ). More than 60 per cent of the world’s employed population are in the informal economy . ILO . Recuperado de https://bit.ly/3wF7myu
https://bit.ly/3wF7myu...
; Quinlan, Mayhew, & Bohle, 2001Quinlan , M. , Mayhew , C. , Bohle , P. ( 2001 ). The global expansion of precarious employment, work disorganization, and consequences for occupational health: placing the debate in a comparative historical context . International Journal of Health Services , 31 ( 3 ), 507 - 536 . doi: 10.2190/22BK-9XC0-AK7L-M6QH ), mas é ainda minimamente discutido na área de gestão ( Lima & Costa, 2016)Lima , T. B. , Costa , M. S. ( 2016 ). Trabalho informal: uma revisão sistemática da literatura brasileira na área de Administração entre 2004 e 2013 . Cadernos EBAPE.BR , 14 ( 2 ), 310 - 324 . doi: 10.1590/1679-395135137
https://doi.org/10.1590/1679-395135137...
. O setor informal, também conhecido como economia subterrânea, representa atualmente no Brasil mais de 17% do produto interno bruto (PIB) do país ( Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial [ETCO], 2020Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial . ( 2020 ). Pandemia afeta atividade informal no Brasil e derruba indicador . ETCO . Recuperado de https://bit.ly/3sGSPB0
https://bit.ly/3sGSPB0...
). A Organização Internacional do Trabalho (ILO, 2018) revela que 93% do emprego informal do mundo está em países considerados emergentes e em desenvolvimento. No Brasil, 41,4% da população ocupada se encontra na informalidade ( Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE], 2019Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística . ( 2019 ). Desemprego cai para 11,8% com informalidade atingindo maior nível da série histórica . Agência IBGE Notícias . Recuperado de https://bit.ly/37Tm6Bn
https://bit.ly/37Tm6Bn...
).

São características desses trabalhadores a baixa escolaridade, baixa qualificação, baixo rendimento, além das precárias condições de trabalho e cidadania. As atividades são caracterizadas pelo baixo nível de organização e pouca produtividade. Pode haver ainda piores cenários naqueles grupos com sobrepeso de marginalidade, como imigrantes, mulheres, trabalhadores rurais ( Hirata, 2011Hirata , H . ( 2011 ). Tendências recentes da precarização social e do trabalho: Brasil, França, Japão . Caderno CRH , 24 ( spe1 ), 15 - 22 . doi: 10.1590/S0103-4979201100040000 2
https://doi.org/10.1590/S0103-4979201100...
; ILO, 2018International Labour Organization . ( 2018 ). More than 60 per cent of the world’s employed population are in the informal economy . ILO . Recuperado de https://bit.ly/3wF7myu
https://bit.ly/3wF7myu...
; Jensen, Cornwell, & Findeis, 1995Jensen , L. , Cornwell , G. T. , Findeis , J. L. ( 1995 ). Informal work in nonmetropolitan Pennsylvania . Rural Sociology , 60 ( 1 ), 91 - 107 . doi: 10.1111/j.1549-0831.1995.tb00564.x ). Além disso, Souza (2018)Souza , J. ( 2018 ). Subcidadania brasileira: para entender o país além do jeitinho brasileiro . Lisboa : Leya . comenta um habitus precário característico de países periféricos, que desqualificam os indivíduos tidos como uma “ralé”, constituídos por subcidadãos.

Consideramos, ainda, que a realidade do fenômeno social praticado na gestão do cotidiano é ausente de percepções teóricas peculiares a sua prática. Vale notar que mesmo as tradicionais teorias sobre o empreendedorismo voltado aos menores empreendimentos ainda se distanciam da realidade de gestão que acontece no cotidiano de muitos negócios. Alguns pesquisadores ( Anderson, Harbi, & Brahem, 2013Anderson , A. , Harbi , S. E. , Brahem , M. ( 2013 ). Enacting entrepreneurship in ‘informal’ businesses . The International Journal of Entrepreneurship and Innovation , 14 ( 3 ), 137 - 149 . doi: 10.5367/ijei.2013.0118 ; Anderson & Ronteau, 2017Anderson , A. , Ronteau , S. ( 2017 ). Towards an entrepreneurial theory of practice; emerging ideas for emerging economies . Journal of Entrepreneurship in Emerging Economies , 9 ( 2 ), 110 - 120 . doi: 10.1108/JEEE-12-2016-0054 ; Antonacopoulou & Fuller, 2020Antonacopoulou , E. P. , Fuller , T. ( 2020 ). Practising entrepreneuring as emplacement: The impact of sensation and anticipation in entrepreneurial action . Entrepreneurship & Regional Development , 32 ( 3-4 ), 257 - 280 . doi: 10.1080/08985626.2019.164197 4
https://doi.org/10.1080/08985626.2019.16...
; Ramírez-Pasillas, Lundberg, & Nordqvist, 2020; Rehn & Taalas, 2004Rehn , A. , Taalas , S. ( 2004 ). ‘Znakomstva I Svyazi’ (Acquaintances and connections) – Blat, the Soviet Union, and mundane entrepreneurship . Entrepreneurship & Regional Development , 16 ( 3 ), 235 - 250 . doi: 10.1080/0898562042000197108
https://doi.org/10.1080/0898562042000197...
; Sabella & El-Far, 2019)Sabella , A. R. , El-Far , M. T. ( 2019 ). Entrepreneuring as an everyday form of resistance . International Journal of Entrepreneurial Behavior & Research , 25 ( 6 ), 1212 - 1235 . doi: 10.1108/IJEBR-03-2018-0174
https://doi.org/10.1108/IJEBR-03-2018-01...
têm questionado as relações de poder no campo teórico sobre a temática, sobretudo quando notada a realidade dos empreendimentos em países emergentes ( Champenois, Lefebvre, & Ronteau, 2019Champenois , C. , Lefebvre , V. , Ronteau , S. ( 2020 ). Entrepreneurship as practice: systematic literature review of a nascent field . Entrepreneurship & Regional Development , 32 ( 3-4 ), 281 - 312 . doi: 10.1080/08985626.2019.1641975
https://doi.org/10.1080/08985626.2019.16...
; Puente, González Espitia, & Cervilla, 2019Puente , R. , González Espitia , C. G. , & Cervilla , M. A. ( 2019 ). Necessity entrepreneurship in Latin America: it´ s not that simple . Entrepreneurship & Regional Development , 31 ( 9-10 ), 953 - 983 . doi: 10.1080/08985626.2019.1650294
https://doi.org/10.1080/08985626.2019.16...
). Como exemplo, Lundberg e Ramírez-Pasillas (2020)Lundberg , H. , Ramírez-Pasillas , M. ( 2020 ). The other within as entrepreneurial agency for subsistence entrepreneurs . In V. Ratten ( Ed .) , Entrepreneurship and the community: contributions to management science (pp. 7 - 27 ). Cham : Springer . apresentam as “táticas” de Michel de Certeau como uma forma específica de agência empreendedora para empreendimentos de subsistência.

Tomando por base esse contexto, muitas questões emergem, relacionadas ao campo da gestão. Por exemplo: como poderíamos compreender as práticas de gestão que são comuns e cotidianas (de modo geral, praticadas sem qualquer conhecimento legitimado sobre administração)? Como podem ser compreendidos os capitais utilizados pelo Homem ordinário, além de uma perspectiva econômica? Como poderíamos compreender esses espaços organizacionais em que é praticada a gestão ordinária?

Em meio a essas e tantas outras questões, a próxima nos pareceu a mais inquietante. Se, como indica Bourdieu (1989)Bourdieu , P. ( 1989 ). O poder simbólico . Rio de Janeiro, RJ : Bertrand Brasil . , capital simbólico é “geralmente chamado prestígio, reputação, fama, etc. que é a forma percebida e reconhecida como legítima das diferentes espécies de capital” (pp. 134-135), como pode ser compreendido o capital simbólico utilizado pelo Homem ordinário, tendo em vista sua relação antagônica a isso, sua ausência de prestígio, reputação ou fama?

Em complemento, notamos que o conceito de capital de Bourdieu temsido amplamente articulado aos estudos organizacionais ( Adler & Kwon, 2002Adler , P. S. , Kwon , S. W. ( 2002 ). Social capital: Prospects for a new concept . Academy of Management Review , 27 ( 1 ), 17 - 40 . doi: 10.2307/4134367 ; Clercq & Voronov, 2009Clercq , D. , Voronov , M. ( 2009 ). Toward a practice perspective of entrepreneurship: Entrepreneurial legitimacy as habitus . International Small Business Journal , 27 ( 4 ), 395 - 419 . doi: 10.1177/0266242609334971 ; Fuller & Tian, 2006Fuller , T. , Tian , Y. ( 2006 ). Social and symbolic capital and responsible entrepreneurship: an empirical investigation of SME narratives . Journal of business ethics , 67 ( 3 ), 287 - 304 . doi: 10.1007/s10551-006-9185-3 ; Harvey, Yang, Mueller, & Maclean, 2020Harvey , C. , Yang , R. , Mueller , F. , Maclean , M. ( 2020 ). Bourdieu, strategy and the field of power . Critical Perspectives on Accounting , 73 , doi: 10.1016/j.cpa.2020.102199 ; Ihlen, 2018Ihlen , Ø. ( 2018 ). Symbolic capital . In R. L. Heath , & W. Johanesen ( Eds .) , The international encyclopedia of strategic communication . Malden : Wiley-Blackwell . ; McAdam, Harrison, & Leitch, 2019McAdam , M. , Harrison , R. T. , Leitch , C. M. ( 2019 ). Stories from the field: women’s networking as gender capital in entrepreneurial ecosystems . Small Business Economics , 53 ( 2 ), 459 - 474 . doi: 10.1007/s11187-018-9995-6 ; Ocasio, Pozner, & Milner, 2020Ocasio , W. , Pozner , J. E. , Milner , D. ( 2020 ). Varieties of political capital and power in organizations: a review and integrative framework . Academy of Management Annals , 14 ( 1 ), 303 - 338 . doi: 10.5465/annals.2018.0062 ; Pret, Shaw, & Drakopoulou Dodd, 2016Pret , T. , Shaw , E. , & Drakopoulou Dodd , S. ( 2016 ). Painting the full picture: the conversion of economic, cultural, social and symbolic capital . International Small Business Journal , 34 ( 8 ), 1004 - 1027 . doi: 10.1177/0266242615595450 ; Ross-Smith & Huppatz, 2010)Ross‐Smith , A. , Huppatz , K. ( 2010 ). Management, women and gender capital . Gender, Work & Organization , 17 ( 5 ), 547 - 566 . doi: 10.1111/j.1468-0432.2010.00523.x
https://doi.org/10.1111/j.1468-0432.2010...
, ainda que com críticas ( Wacquant & Akçaoğlu, 2017)Wacquant , L. , Akçaoğlu , A. ( 2017 ). Practice and symbolic power in Bourdieu: The view from Berkeley . Journal of Classical Sociology , 17 ( 1 ), 55 - 69 . doi: 10.1177/1468795X16682145 . Alguns estudos, a partir do capital simbólico, propõem uma pluralidade de capitais, como capital de mobilidade ( Freitas, 2009Freitas , M. E. D. ( 2009 ). A mobilidade como novo capital simbólico nas organizações ou sejamos nômades? Organizações & Sociedade , 16 ( 49 ), 247 - 264 . doi: 10.1590/S1984-92302009000200003
https://doi.org/10.1590/S1984-9230200900...
; Oliveira & Kulaitis, 2017)Oliveira , M. , Kulaitis , F. ( 2017 ). Habitus imigrante e capital de mobilidade: a teoria de Pierre Bourdieu aplicada aos estudos migratórios . Mediações – Revista de Ciências Sociais , 22 ( 1 ), 15 - 47 . doi: 10.5433/2176-6665.2017v22n1p15 , capital de carreira ( Yao, 2013)Yao , C . ( 2013 ). The perceived value of Chinese expatriates’ career capital: a symbolic capital perspective . Journal of Global Mobility , 1 ( 2 ), 187 - 218 . doi: 10.1108/JGM-09-2012-0001
https://doi.org/10.1108/JGM-09-2012-0001...
, capital turístico ( Taveira, 2016)Taveira , M. S. ( 2016 ). Capital turístico e as teorias sociais de Marx, Bourdieu e Putnam . Revista Turismo em Análise , 27 ( 1 ), 4 - 21 . doi: 10.11606/issn.1984-4867.v27i1p4-2 1
https://doi.org/10.11606/issn.1984-4867....
. Contudo, percebemos uma tendência em identificar o capital em seu “ glamour”, sobretudo na área da administração. Esses conceitos são reconhecidos como “aquilo que é positivo”, que é distinto, percebido como “vantagem competitiva”. Logo, esse sentido de capital parece distante da realidade de gestão ordinária e ausente ao Homem ordinário.

Enfrentamos, assim, o seguinte problema de pesquisa: poderíamos, na gestão ordinária, identificar capitais simbólicos decorrentes de um específico sistema de disposições, transmitidos, incorporados e gerados no contexto do cotidiano de trabalho do Homem ordinário? Portanto, neste ensaio, propomos um caminho de complementaridade das abordagens teórico-epistêmicas de Pierre Bourdieu e Michel de Certeau, para o reconhecimento de subespécies de capitais simbólicos “geridos” na gestão ordinária.

Para construir essa discussão contemplamos, além desta introdução, quatro tópicos. A seguir, aprofundamos a compreensão sobre o capital simbólico. Na sequência, apresentamos o conceito de gestão ordinária e as “maneiras de fazer” de Michel de Certeau. Por conseguinte, discutimos a complementaridade que habita entre as perspectivas de Bourdieu e Certeau e a proposta do reconhecimento de subespécies de capital simbólico. Por fim, tecemos considerações ilustrativas finais.

Os capitais em Pierre Bourdieu

De modo introdutório, lembramos que a compressão de capital está relacionada (mas não encapsulada ou limitada) às interações essenciais da tríade de Bourdieu: capital, campo e habitus . Como apresenta Bourdieu (2007Bourdieu , P. ( 2007 ). A distinção . São Paulo, SP : Edusp . , p. 97) na seguinte equação:

[ ( habitus ) ( capital ) ] + campo = prática

Para Bourdieu (1983Bourdieu , P. ( 1983 ). Sociologia . São Paulo, SP : Ática . , 2013Bourdieu , P. ( 2013 ). O senso prático . Petrópolis, RJ : Vozes . ), o habitus é o produto da posição e da trajetória social dos indivíduos, trata-se da história de vida incorporada ou, ainda, da internalização ou incorporação da estrutura social. Uma lei imanente, depositada em cada agente pela educação, no início familiar e, posteriormente, pelas instituições (escolares, religiosas etc.) ao longo da vida. Essas recombinações, evolutivas, enfocam nossos modos de agir, gestos, pensar, “rotinas corporais e mentais inconscientes” ( Thiry-Cherques, 2008Thiry-Cherques , H. R. ( 2008 ). Métodos estruturalistas: pesquisa em ciências da gestão . São Paulo, SP : Atlas . , p. 169), que se caracterizam na forma como suscitamos essas histórias para o nosso cotidiano presente ( Lizardo, 2004Lizardo , O . ( 2004 ). The cognitive origins of Bourdieu’s habitus . Journal for the Theory of Social Behaviour , 34 ( 4 ), 375 - 401 . doi: 10.1111/j.1468-5914.2004.00255.x
https://doi.org/10.1111/j.1468-5914.2004...
; Maton, 2018Maton , K. ( 2018 ). Habitus . In M. Grenfell ( Org .) , Pierre Bourdieu: conceitos fundamentais (pp. 92 - 120 ). Petrópolis, RJ : Vozes . ).

Como indica Maton (2018)Maton , K. ( 2018 ). Habitus . In M. Grenfell ( Org .) , Pierre Bourdieu: conceitos fundamentais (pp. 92 - 120 ). Petrópolis, RJ : Vozes . , o habitus é o elo de mediação, “junta a existência das regularidades sociais à experiência da ação” (p. 103). Essa perspectiva analítica é fundamental, pois o habitus se revela um conceito relacional, que oferece um meio para manter esses dualismos (individualização ou socialização; interno ou externo; estruturante ou estruturado), mas em uma relação com enfoque simultâneo ( Maton, 2018Maton , K. ( 2018 ). Habitus . In M. Grenfell ( Org .) , Pierre Bourdieu: conceitos fundamentais (pp. 92 - 120 ). Petrópolis, RJ : Vozes . ; Wacquant, 2017Wacquant , L. ( 2017 ). Esclarecer o habitus . Sociologia: Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto , 14 , 35 - 41 . Recuperado de https://bit.ly/37TYLPT
https://bit.ly/37TYLPT...
). Além disso, Maton ressalta que “empiricamente, nós não ‘vemos’ um habitus , e sim os efeitos de um habitus nas práticas e crenças que ele gera. A estrutura do habitus precisa ser capturada através da escavação das práticas” (p. 115).

O campo é entendido como um campo de forças e de lutas. As disposições dos indivíduos dentro dos campos são reguladas pelas relações de poder, de modo relacional ao habitus e capital que detêm os indivíduos ( Bourdieu, 1983Bourdieu , P. ( 1983 ). Sociologia . São Paulo, SP : Ática . ; Thomson, 2018Thomson , P. ( 2018 ). Campo . In M. Grenfell ( Org .) , Pierre Bourdieu: conceitos fundamentais (pp. 121 - 148 ). Petrópolis, RJ : Vozes . ). Contudo, os diversos campos estudados por Bourdieu são derivados do espaço social enquanto categoria principal ( Wacquant & Akçaoğlu, 2017Wacquant , L. , Akçaoğlu , A. ( 2017 ). Practice and symbolic power in Bourdieu: The view from Berkeley . Journal of Classical Sociology , 17 ( 1 ), 55 - 69 . doi: 10.1177/1468795X16682145 ; Wacquant, 2018Wacquant , L . ( 2018 ). Bourdieu comes to town: pertinence, principles, applications . International Journal of Urban and Regional Research , 42 ( 1 ), 90 - 105 . doi: 10.1111/1468-2427.12535
https://doi.org/10.1111/1468-2427.12535...
; Wacquant, 2018aWacquant , L . ( 2018a ). Four transversal principles for putting Bourdieu to work . Anthropological Theory , 18 ( 1 ), 3 - 17 . doi: 10.1177/1463499617746254
https://doi.org/10.1177/1463499617746254...
). Conforme Wacquant e Akçaoğlu (2017)Wacquant , L. , Akçaoğlu , A. ( 2017 ). Practice and symbolic power in Bourdieu: The view from Berkeley . Journal of Classical Sociology , 17 ( 1 ), 55 - 69 . doi: 10.1177/1468795X16682145 , os campos são raros e existem apenas em certos domínios de atividade “quando um domínio de ação e autoridade se torna suficientemente demarcado, autonomizado e monopolizado” (p. 44). Portanto, Wacquant e Akçaoğlu indicam que “espaço social (e não o campo) é a construção geral que “enfrenta” os conceitos de habitus e de capital para gerar prática” (p. 44). Assim, ponderamos, a partir dessas considerações, que a equação poderia ser atualizada para:

[ ( habitus ) ( capital ) ] + espaço social = prática

Portanto, nos guiamos por uma compreensão atualizada das potencializadas ferramentas sociológicas de Bourdieu para análise das relações de poder nos estudos organizacionais. Isso em interação ao que Wacquant (2019)Wacquant , L. ( 2019 ). Bourdieu’s dyad: on the primacy of social space and symbolic Power . In J. Blasius , B. Le Roux , F. Lebaron , & A. Schmitz ( Eds .) , Empirical investigations of social space (pp. 15 - 21 ). Cham : Springer . tem defendido e argumentado em seus trabalhos recentes ( Wacquant & Akçaoğlu, 2017Wacquant , L. , Akçaoğlu , A. ( 2017 ). Practice and symbolic power in Bourdieu: The view from Berkeley . Journal of Classical Sociology , 17 ( 1 ), 55 - 69 . doi: 10.1177/1468795X16682145 ; Wacquant, 2018Wacquant , L . ( 2018 ). Bourdieu comes to town: pertinence, principles, applications . International Journal of Urban and Regional Research , 42 ( 1 ), 90 - 105 . doi: 10.1111/1468-2427.12535
https://doi.org/10.1111/1468-2427.12535...
; Wacquant, 2018aWacquant , L . ( 2018a ). Four transversal principles for putting Bourdieu to work . Anthropological Theory , 18 ( 1 ), 3 - 17 . doi: 10.1177/1463499617746254
https://doi.org/10.1177/1463499617746254...
; Wacquant, 2019)Wacquant , L. ( 2019 ). Bourdieu’s dyad: on the primacy of social space and symbolic Power . In J. Blasius , B. Le Roux , F. Lebaron , & A. Schmitz ( Eds .) , Empirical investigations of social space (pp. 15 - 21 ). Cham : Springer . sobre o equívoco de aprisionar o potencial das ferramentas sociológicas de Bourdieu à análise da tríade habitus, capital e campo.

A tríade é redundante, incompleta, e enganadora. Obscurece a primazia analítica de espaço social sobre o conceito de campo e as limitações correlativas do termo “campo” para um subconjunto específico (e empiricamente raro) de universos sociais . . . Além disso, turva a especificidade do conceito de campo como um cosmos monopolista, levando assim à multiplicação descontrolada de campos, esvaziando a noção de qualquer significado rigoroso. Finalmente, esta abordagem destaca o conceito mais original e potente de Bourdieu, o do poder simbólico. Em contraste, eu irei argumentar que o espaço social e o poder simbólico da díade capturam os dois pilares na fundação da sua sociologia. ( Wacquant, 2019Wacquant , L. ( 2019 ). Bourdieu’s dyad: on the primacy of social space and symbolic Power . In J. Blasius , B. Le Roux , F. Lebaron , & A. Schmitz ( Eds .) , Empirical investigations of social space (pp. 15 - 21 ). Cham : Springer . , pp. 15-16)

Como recomendam Wacquant (2019)Wacquant , L. ( 2019 ). Bourdieu’s dyad: on the primacy of social space and symbolic Power . In J. Blasius , B. Le Roux , F. Lebaron , & A. Schmitz ( Eds .) , Empirical investigations of social space (pp. 15 - 21 ). Cham : Springer . e Wacquant e Akçaoğlu (2017)Wacquant , L. , Akçaoğlu , A. ( 2017 ). Practice and symbolic power in Bourdieu: The view from Berkeley . Journal of Classical Sociology , 17 ( 1 ), 55 - 69 . doi: 10.1177/1468795X16682145 , lançamos luz sobre a lógica de Bourdieu, especialmente pelo “dueto de ‘espaço social e poder simbólico’” (p. 43), dada a relevância epicentral do poder simbólico ( Wacquant & Akçaoğlu, 2017Wacquant , L. , Akçaoğlu , A. ( 2017 ). Practice and symbolic power in Bourdieu: The view from Berkeley . Journal of Classical Sociology , 17 ( 1 ), 55 - 69 . doi: 10.1177/1468795X16682145 ; Wacquant, 2018aWacquant , L . ( 2018a ). Four transversal principles for putting Bourdieu to work . Anthropological Theory , 18 ( 1 ), 3 - 17 . doi: 10.1177/1463499617746254
https://doi.org/10.1177/1463499617746254...
) que dá sentido a um campo de poder, “um meta-campo como um tipo de espaço social com várias camadas” ( Wacquant, 2019, pWacquant , L. ( 2019 ). Bourdieu’s dyad: on the primacy of social space and symbolic Power . In J. Blasius , B. Le Roux , F. Lebaron , & A. Schmitz ( Eds .) , Empirical investigations of social space (pp. 15 - 21 ). Cham : Springer . , p. 18). Todavia, neste ensaio, utilizamos de modo mais específico a configuração do capital simbólico, para reflexo das relações de poder simbólico. Além disso, assumimos a possibilidade de nominata de subespécies de capitais simbólicos por considerarmos três aspectos: a perspectiva de pluralidade dos capitais; a possibilidade de evidenciar recursos (capitais) por momentos invisíveis (enquanto algo de valor, por reflexo das estruturas sociais dominantes) e, sobretudo, por propô-los, a partir de um alinhamento conceitual, que busca reconhecer o “avesso” em que habita o lado fraco do capital em disputa ao lado forte nas significações de menor ou maior apropriação de capitais. Portanto, os recursos (subespécies de capital simbólico) defendidos ao contexto da gestão ordinária neste trabalho não são encapsulados a um campo, pois devem ser considerados e discutidos a partir da análise empírica do espaço social em suas relações de poder simbólico.

Capital simbólico

Bourdieu (1986)Bourdieu , P. ( 1986 ). The forms of capital . In J. G. Richardson ( Org .) , Handbook of theory and research for the sociology of education (pp. 241 - 258 ). New York : Greenwood Press . discute três capitais fundamentais: o social, o cultural e o econômico. Nossa escolha pelo capital simbólico fundamenta-se em duas características: seu traço de transmutação e, como indica Martin (2017)Martin , M. D. S. ( 2017 ). Capital simbólico . In A. M. Catani , M. A. Nogueira , A. P. Hey , & C. C. C. Medeiros ( Orgs .) , Vocabulário Bourdieu (pp. 109 - 112 ). Belo Horizonte, MG : Autêntica . , por ser um dos conceitos mais heurísticos do autor. O conceito de capital simbólico está presente ao longo de toda a obra de Bourdieu e, como indica Martin (2017)Martin , M. D. S. ( 2017 ). Capital simbólico . In A. M. Catani , M. A. Nogueira , A. P. Hey , & C. C. C. Medeiros ( Orgs .) , Vocabulário Bourdieu (pp. 109 - 112 ). Belo Horizonte, MG : Autêntica . , foi progressivamente forjado. Embora sem uma definição, o conceito é aprofundado em capítulos completos em várias obras.

Destacamos entre as características do capital simbólico quatro dimensões reflexivas: (a) a mediação de relações de troca e interação de redes; (b) o reconhecimento do outro; (c) a transmutação; e (d) a perspectiva de pesquisa.

Bourdieu (2013)Bourdieu , P. ( 2013 ). O senso prático . Petrópolis, RJ : Vozes . evidencia as relações de troca que se distanciam da perspectiva economicista. O autor demonstra práticas de trocas de favores, doações, retribuições, empréstimos, que ocorrem sem que haja a mediação do capital econômico, ao ponto que o gesto oferecer uma retribuição monetária possa configurar-se como algo ofensivo. Essas são entendidas por Bourdieu (2013)Bourdieu , P. ( 2013 ). O senso prático . Petrópolis, RJ : Vozes . como uma “ficção sincera de uma troca desinteressada”.

Além disso, Bourdieu (2013)Bourdieu , P. ( 2013 ). O senso prático . Petrópolis, RJ : Vozes . percebe o capital simbólico enquanto uma “arma na negociação” (p. 198), imbricado das redes de aliados e das relações que se mantêm. A exibição de força material e simbólica de uma rede de aliados com prestígio pode trazer ganhos para si. Do mesmo modo que a ostentação de alguns gestos e bens, embora pareçam “economicamente aberrante[s]” (por não condizerem com a realidade econômica/cultural do indivíduo), só é compreendida quando interpretados os benefícios que essas práticas podem oferecer dentro das interações sociais ( Bourdieu, 2013Bourdieu , P. ( 2013 ). O senso prático . Petrópolis, RJ : Vozes . ).

A segunda característica se refere ao capital simbólico ser um capital alienado ou, como explica Bourdieu (2007b)Bourdieu , P. ( 2007b ). La noblesse: capital social et capital symbolique . In D. Lancien , & M. Saint-Martin ( Eds .) , Anciennes et nouvelles aristocraties: de 1880 à nos jours . Paris : Maison des Sciences de l’Homme . , “capital que necessariamente vem de outros, dos olhos e das palavras dos outros” (pp. 385-397). Essa característica está intimamente ligada à crença e ao reconhecimento dos outros. O capital simbólico “é o capital cognitivo, que é baseado no conhecimento (conhecimento que não é conhecimento intelectual, mas domínio prático, significado prático)” ( Bourdieu, 2007bBourdieu , P. ( 2007b ). La noblesse: capital social et capital symbolique . In D. Lancien , & M. Saint-Martin ( Eds .) , Anciennes et nouvelles aristocraties: de 1880 à nos jours . Paris : Maison des Sciences de l’Homme . , pp. 385-387). Segundo o autor, diversas diferenças podem tornar-se capital simbólico, basta que essa diferença faça sentido para um grupo de pessoas.

Bourdieu (1989)Bourdieu , P. ( 1989 ). O poder simbólico . Rio de Janeiro, RJ : Bertrand Brasil . explica que o poder simbólico pode ser constituído pelo poder de enunciação “de fazer ver, e fazer crer, . . . poder quase mágico que permite obter o equivalente daquilo que é obtido pela força (física ou econômica), . . . só se exerce se for reconhecido” (p. 14). Nesse sentido, o poder simbólico existe dentro de uma relação que se estabelece “entre os que exercem o poder e os que lhes estão sujeitos, . . . , na própria estrutura do campo em que se produz e se reproduz a crença” ( Bourdieu, 1989Bourdieu , P. ( 1989 ). O poder simbólico . Rio de Janeiro, RJ : Bertrand Brasil . , pp. 14-15).

Bourdieu (2001)Bourdieu , P. ( 2001 ). Meditações pascalinas . Rio de Janeiro, RJ : Bertrand Brasil . também expõe que alguns grupos marginalizados, além de não deterem determinados capitais estruturantes, carregam consigo um “capital simbólico negativo”, relacionado a estigmas sociais ( Barker, 2013Barker , J. D. ( 2013 ). Negative cultural capital and homeless young people . Journal of Youth Studies , 16 ( 3 ), 358 - 374 . doi: 10.1080/13676261.2012.718434
https://doi.org/10.1080/13676261.2012.71...
; Bokek-Cohen & Ben-Asher, 2018Bokek-Cohen , Y. , Ben-Asher , S. ( 2018 ). How does it feel to be an anti-martyr’s widow? The interplay of religious capital and negative symbolic capital of war widows . Social Compass , 65 ( 3 ), 395 - 412 . doi: 10.1177/0037768618772967 ; Miller, 2014)Miller , D. L. ( 2014 ). Symbolic capital and gender: evidence from two cultural fields . Cultural Sociology , 8 ( 4 ), 462 - 482 . doi: 10.1177/1749975514539800
https://doi.org/10.1177/1749975514539800...
. O capital simbólico manifestado no reconhecimento social torna “conhecido o ser social, visível, célebre, admirado, citado, convidado, amado etc . . .” ( Bourdieu, 2001, pBourdieu , P. ( 2001 ). Meditações pascalinas . Rio de Janeiro, RJ : Bertrand Brasil . , p. 294). No entanto, nessa distribuição de capital negativo/positivo, há o reflexo cruel dessa distribuição, em que se mostram o dominante e o dominado, o incluído e o excluído, o aceito e o rejeitado. Isso revela a importância social de uns e a resistência de outros. Esse aspecto se relaciona ainda ao imbricamento quanto ao habitus dos agentes, que possibilita ou não a capitalização de capitais. Essa capitalização, incorporada, é constituinte e constituída, na constante microrreconfiguração do habitus percebida no corpo dos agentes como evidencia Bourdieu (2006)Bourdieu , P . ( 2006 ). O camponês e seu corpo . Revista de Sociologia e Política , 26 , 83 - 92 . doi: 10.1590/S0104-44782006000100007
https://doi.org/10.1590/S0104-4478200600...
ao estudar o corpo e os movimentos praticados e não praticados pelo camponês. Ou seja, isso remete às diferentes experiências de vida incorporadas.

Outro aspecto levantado por Bourdieu (1989)Bourdieu , P. ( 1989 ). O poder simbólico . Rio de Janeiro, RJ : Bertrand Brasil . quanto ao capital simbólico se refere a um processo de transmutação, isto é, “. . . a transmutação das diferentes espécies de capital em capital simbólico” (p. 15). Como todo capital, se relaciona a um poder, logo, o poder simbólico também se refere a uma “forma transformada, quer dizer, irreconhecível, transfigurada e legitimada, das outras formas de poder” ( Bourdieu, 1989Bourdieu , P. ( 1989 ). O poder simbólico . Rio de Janeiro, RJ : Bertrand Brasil . , p. 15). O capital simbólico pode ser pensado como um “metacapital”, como indica Swartz (2013)Swartz , D. L. ( 2013 ). Symbolic power, politics, and intellectuals: the political sociology of Pierre Bourdieu . Chicago : University of Chicago Press . , portanto, não deve ser entendido como um outro tipo de capital na abordagem de Bourdieu.

Bourdieu (2001)Bourdieu , P. ( 2001 ). Meditações pascalinas . Rio de Janeiro, RJ : Bertrand Brasil . menciona que “todo tipo de capital (econômico, cultural, social) tende (em graus diferentes) a funcionar como capital simbólico (de modo que talvez valesse mais a pena falar, a rigor, em efeitos simbólicos do capital), quando alcança um reconhecimento explícito ou prático” (pp. 295-296).

A despeito disso, Moore (2018)Moore , R. ( 2018 ). Capital . In M. Grenfell ( Org .) , Pierre Bourdieu: conceitos fundamentais (pp. 136 - 154 ). Petrópolis, RJ : Vozes . afirma que o capital simbólico se refere à inclusão de subtipos de capital, como: capital cultural, capital linguístico, capital científico, literário, entre outros, conforme o campo em que estiverem localizados. Moore indica a diferença fundamental entre o capital econômico e o simbólico. Segundo o autor, capital econômico se relaciona a uma natureza instrumental e egoísta, sem que haja valor intrínseco, sendo sempre um meio para o fim, as trocas ocorrem de um modo transparente (lucros, juros, salário etc.).

Moore (2018)Moore , R. ( 2018 ). Capital . In M. Grenfell ( Org .) , Pierre Bourdieu: conceitos fundamentais (pp. 136 - 154 ). Petrópolis, RJ : Vozes . apresenta algumas características, nas quais as formas de capital simbólico podem ser percebidas, refletindo-se: (a) objetificados ou incorporados; (b) adquiridos ao longo do tempo; (c) adquiridos por meio de um processo sistemático de inculco; (d) expressam o habitus (externo) do agente de inculco e do seu campo; (e) trazem valor ao agente dependendo do grau de “boa formação” de seu habitus pessoal (interno) em relação ao do campo de incluso; e (f) diferem em termos de sua capacidade de transferência entre os campos. No mais, Bourdieu deixa em aberto as ressignificações conforme momento histórico e cultural ( Hardy, 2018Hardy , C. ( 2018 ). Histerese . In M. Grenfell ( Org .) , Pierre Bourdieu: conceitos fundamentais . Petrópolis, RJ : Vozes . ).

Em paralelo, o capital simbólico é ainda defendido por Bourdieu (2007b)Bourdieu , P. ( 2007b ). La noblesse: capital social et capital symbolique . In D. Lancien , & M. Saint-Martin ( Eds .) , Anciennes et nouvelles aristocraties: de 1880 à nos jours . Paris : Maison des Sciences de l’Homme . como uma perspectiva de pesquisa. O autor menciona:

O que chamo de capital simbólico . . . configura caminhos de pesquisa, leva à observação de coisas que passam despercebidas . . . É uma teoria . . . voltada para a experiência, uma teoria cuja função é orientar o olhar do pesquisador . . . e permitir que ele sistematize suas observações. (pp. 385-397)

Em suma, Martin (2017)Martin , M. D. S. ( 2017 ). Capital simbólico . In A. M. Catani , M. A. Nogueira , A. P. Hey , & C. C. C. Medeiros ( Orgs .) , Vocabulário Bourdieu (pp. 109 - 112 ). Belo Horizonte, MG : Autêntica . alerta que o conceito pode prestar-se a equívocos “até mesmo a confusões” (p. 112). Essas inconclusões poderiam depreciar a utilização desse conceito. Contudo, Martin complementa: “apesar disso, ele encontra-se entre os conceitos mais heurísticos propostos por Bourdieu” (p. 112). Portanto, assumimos as incertezas do conceito, valorizando nessas indefinições as possibilidades heurísticas para descobertas de fatos, em seu viés teórico de contribuições à pesquisa.

Diante desse contexto, consideramos que muitos são os usuários dispostos à margem por não possuírem o capital necessário para ocupar “bons lugares” dentro do campo, tampouco condições de conversão de capitais. Contudo, eles encontram formas de resistência para sobreviverem em diversos meios aos quais estão inseridos. Propomos, assim, buscar compreender que outros possíveis capitais ou subespécies de capital são inventados e geridos por esses usuários, homens ordinários, durante suas práticas cotidianas de trabalho. A seguir, refletimos sobre as artes de fazer gestão do Homem ordinário.

Resgatando estratégias e táticas em Michel de Certeau para compreensão da gestão ordinária

Neste tópico, trazemos reflexões sobre o conceito de gestão ordinária ( Carrieri, 2012Carrieri , A. P. ( 2012 ). A gestão ordinária ( Tese para concurso de professor titular ). Universidade Federal de Minas Gerais , Belo Horizonte, MG . ) praticada por um Homem ordinário, a partir da perspectiva de táticas e estratégias de Michel de Certeau (2012)Certeau , M. ( 2012 ). A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer ( 18a ed.). Petrópolis, RJ : Vozes . . O conceito de gestão ordinária, concebido por Carrieri, refere-se à perspectiva de olhar a gestão efetuada pelo Homem ordinário, pessoas comuns, que realiza um modo de gestão no cotidiano de suas práticas de trabalho. Essas práticas não contemplam os modelos propostos pelos modelos gerenciais da administração, mas por práticas intuitivas, saberes de sua experiência de vida, que não se encaixam em normas ou diretrizes.

Carrieri, Perdigão, Martins e Aguiar (2018), ao comentarem sobre os “sujeitos” envolvidos na gestão ordinária, deixam clara a perspectiva de um indivíduo comum, desestigmatizando. Nas palavras dos autores, essas pessoas têm o papel de “super decisores”, comumente atribuído aos indivíduos que gerem um negócio. Ou, ainda, características atribuídas aos empreendedores de indivíduos excepcionais ( Rehn & Taalas, 2004Rehn , A. , Taalas , S. ( 2004 ). ‘Znakomstva I Svyazi’ (Acquaintances and connections) – Blat, the Soviet Union, and mundane entrepreneurship . Entrepreneurship & Regional Development , 16 ( 3 ), 235 - 250 . doi: 10.1080/0898562042000197108
https://doi.org/10.1080/0898562042000197...
).

Carrieri (2012)Carrieri , A. P. ( 2012 ). A gestão ordinária ( Tese para concurso de professor titular ). Universidade Federal de Minas Gerais , Belo Horizonte, MG . explica que “a realidade mostra que não há uma Gestão ordinária (universal), esta é somente uma alegoria para se referir às diversas formas de gerir cotidianamente negócios comuns, negócios de uma grande maioria de produções/comércios” (p. 423).

Para Carrieri (2012)Carrieri , A. P. ( 2012 ). A gestão ordinária ( Tese para concurso de professor titular ). Universidade Federal de Minas Gerais , Belo Horizonte, MG . , a gestão ordinária (comum) “pode ser entendida como aquela que não está pautada e não internaliza (ou internaliza em parte) os princípios de desempenho e disciplina, a racionalidade instrumental, a universalização efetiva de atuar como produtor/empreendedor útil para sociedade, a separação do trabalho/negócio/família” (p. 422). Segundo o autor, a gestão ordinária permite estudar as relações de embate entre a “não incorporação do valor humano nas práticas sociais” e o “predomínio do mercado” ao qual incidem regimes de verdades, discursos escolhidos com interesse econômico e político, por um grupo social “que desqualificam os indivíduos e grupos sociais precarizando-os como subgestores, subprodutores e até subcidadãos . . .” ( Carrieri, 2012Carrieri , A. P. ( 2012 ). A gestão ordinária ( Tese para concurso de professor titular ). Universidade Federal de Minas Gerais , Belo Horizonte, MG . , p. 422).

Nessa perspectiva, o capital acadêmico, a formação e o conhecimento legitimado academicamente pouco contribuem para explicar a arte e o modo de fazer gestão neste contexto das práticas de trabalho do cotidiano de pequenos negócios. Negócios comuns, que não configuram grandes organizações, embora inseridos nelas implicitamente, constituídos sem expressivos investimentos de capital econômico e que por táticas de sua gestão, por momentos, realizam microdribles no próprio sistema estruturado em que estão inseridos.

Muitos desses negócios têm moção de sobrevivência e resistência e se configuram com elementos da informalidade. Essa “maneira de fazer” gestão é praticada por diferentes agentes, como vendedores(as) ambulantes, artistas de rua, entre outros. Assim, podem representar ainda a prática de negócios que configuram resistências em sistemas estruturados (semi)rígidos de leis e instituições de uma realidade local ( Lundberg & Ramírez-Pasillas, 2020Lundberg , H. , Ramírez-Pasillas , M. ( 2020 ). The other within as entrepreneurial agency for subsistence entrepreneurs . In V. Ratten ( Ed .) , Entrepreneurship and the community: contributions to management science (pp. 7 - 27 ). Cham : Springer . ; Rehn & Taalas, 2004Rehn , A. , Taalas , S. ( 2004 ). ‘Znakomstva I Svyazi’ (Acquaintances and connections) – Blat, the Soviet Union, and mundane entrepreneurship . Entrepreneurship & Regional Development , 16 ( 3 ), 235 - 250 . doi: 10.1080/0898562042000197108
https://doi.org/10.1080/0898562042000197...
; Sabella & El-Far, 2019)Sabella , A. R. , El-Far , M. T. ( 2019 ). Entrepreneuring as an everyday form of resistance . International Journal of Entrepreneurial Behavior & Research , 25 ( 6 ), 1212 - 1235 . doi: 10.1108/IJEBR-03-2018-0174
https://doi.org/10.1108/IJEBR-03-2018-01...
.

Nesse sentido, as “maneiras de fazer”, táticas e estratégias, apresentadas por Certeau (2012)Certeau , M. ( 2012 ). A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer ( 18a ed.). Petrópolis, RJ : Vozes . , criam um jogo e um espaço de jogo. Esse jogo é praticado entre o forte e o fraco, mas, sobretudo, em relação às “ações” que o fraco pode empreender. Como menciona Füssel (2018)Füssel , M. ( 2018 ). Zur Aktualität Von Michel de Certeau . Wiesbaden : Springer Fachmedien Wiesbaden . “as estratégias e tácticas são relacionais, denotam relações de poder e podem, portanto, ser observadas em todas as sociedades” (p. 104).

Essas ações podem ser compreendidas como microrresistências utilizadas como táticas de sobrevivência. As táticas em Certeau (2012)Certeau , M. ( 2012 ). A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer ( 18a ed.). Petrópolis, RJ : Vozes . são reconhecidas a partir de uma inteligência astuciosa ( métis ). São retratadas no saber e conhecimento prático que se relacionam a um momento ou ocasião para serem colocadas em ação. São improvisações, não estabelecem projetos globais, são operadas golpe por golpe no sistema. As táticas não possuem um lugar “próprio” que permitiria gerir suas ações com planejamento, elas só possuem o lugar do outro, por isso se utilizam das ocasiões.

Ramírez-Pasillas et al. (2020) comentam que os indivíduos utilizam as táticas (enquanto práticas disfarçadas) para transformar o que é imposto para os seus próprios interesses. Como explica Certeau (2012)Certeau , M. ( 2012 ). A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer ( 18a ed.). Petrópolis, RJ : Vozes . , as táticas são como o termo francês “linhas de erre”. Como aquilo que passaria despercebido se estivéssemos atentos apenas aos padrões de linguagem e de interação já conhecidos, desconsiderando, por exemplo, expressões de linguagem não verbais, não coerentes a uma determinada organização. Entretanto, não devem ser compreendidas como um erro.

Ainda sobre as táticas, Certeau (2012)Certeau , M. ( 2012 ). A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer ( 18a ed.). Petrópolis, RJ : Vozes . menciona que trajetos são criados em meio à selva da racionalidade funcionalista. Desenhadas, de modo astucioso, a prática das táticas demonstra interesses e desejos diferentes aos preestabelecidos por uma ordem. Essas “trilhas” ainda possuem outra característica, o constante movimento, que não são uniformes ou fixos.

Quanto à estratégia, Certeau (2012)Certeau , M. ( 2012 ). A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer ( 18a ed.). Petrópolis, RJ : Vozes . esclarece: “Chamo de estratégia o cálculo (ou a manipulação) das relações de forças que se torna possível a partir do momento em que um sujeito de querer e poder (uma empresa, um exército, uma cidade, uma instituição científica) pode ser isolado” (p. 93).

É possível notar três particularidades que constituem a estratégia. Uma é o caráter calculista; a outra é um sujeito de querer e poder; e a última, a possibilidade de isolamento em um “lugar”. Em meio às relações de força, as estratégias possuem o domínio de um poder. Esse poder é reconhecido, é visível e, logo, capaz de ser calculado, balizado, manipulado. Como indica Certeau (2012)Certeau , M. ( 2012 ). A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer ( 18a ed.). Petrópolis, RJ : Vozes . , há um sujeito de querer e poder por trás das estratégias, um sujeito também concreto, visível, que por seu poder consegue ser isolado.

Certeau (2012)Certeau , M. ( 2012 ). A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer ( 18a ed.). Petrópolis, RJ : Vozes . nos conduz a refletir que esse sujeito se isola em um “lugar” próprio, uma base, onde consegue gerir, manipular suas relações com a exterioridade de alvos ou ameaças. Esse local é estruturado onde, com seu poder, ele “dá as cartas”, determina as ordens dominantes, as regras de seu sistema, pela imposição de uma lógica (Ramírez-Pasillas et al., 2020).

Na estratégia, “o ‘próprio’ é uma vitória do lugar sobre o tempo” ( Certeau, 2012Certeau , M. ( 2012 ). A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer ( 18a ed.). Petrópolis, RJ : Vozes . , p. 94). Portanto, a constituição localizada de um “próprio” (maior força) permite o domínio do tempo, ao passo que dá vantagem para o planejamento em longo prazo, diferentemente da tática, que aparentemente terá o tempo como seu aliado de imediato, pela ocasião.

Resgatar a compreensão das táticas e estratégias se torna chave de leitura para compreender a perspectiva da gestão ordinária e, por conseguinte, a proposta de reconhecer as subespécies de capital simbólico. A seguir, discutiremos tal proposta.

Reflexões sobre o reconhecimento de subespécies de capital simbólico

Neste tópico, discutimos o reconhecimento de subespécies de capital simbólico. Para isso, primeiramente, tratamos um ponto de tensão quanto às abordagens de Michel de Certeau e Pierre Bourdieu. Na sequência, defendemos a contribuição de complementaridade que essas abordagens teórico-epistêmicas podem oferecer à proposta de reconhecimento de recursos/capitais simbólicos geridos na prática da gestão ordinária – tema ainda não discutido no campo de administração.

Tensões em Michel de Certeau e Pierre Bourdieu

Primeiramente, percebemos um ponto de tensão entre as perspectivas dos autores quanto ao sentido de consciência (para Certeau) e inconsciência (para Bourdieu) presente nas práticas ( Burke, 2002Burke , P . ( 2002 ). The art of re-interpretation: Michel de Certeau . Theoria , 49 ( 100 ), 27 - 37 . Recuperado de https://bit.ly/3wlB24q
https://bit.ly/3wlB24q...
; Certeau, 2012Certeau , M. ( 2012 ). A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer ( 18a ed.). Petrópolis, RJ : Vozes . ; Vaara & Whittington, 2012Vaara , E. , Whittington , R. ( 2012 ). Strategy-as-practice: taking social practices seriously . Academy of Management Annals , 6 ( 1 ), 1 - 52 . doi: 10.1080/19416520.2012.672039 ). Notamos a apreciação e angústia de Certeau sobre os textos de Bourdieu. Para Certeau (2012), “esses textos de Bourdieu fascinam por suas análises e agridem por sua teoria . . . Eles os reduzem, enfim, a uma realidade mística, o habitus , destinada a colocá-los sob a lei da reprodução” (p. 120).

A crítica de Certeau à Bourdieu refere-se a sua compreensão sobre a perspectiva de Bourdieu em prender-se ao feitiço do habitus e não reconhecer as táticas, embora tenha a descrição sutil de algumas dessas. Para Certeau (2012)Certeau , M. ( 2012 ). A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer ( 18a ed.). Petrópolis, RJ : Vozes . , Bourdieu “irá então encerrar essas astúcias por trás das grades da inconsciência e negar, pelo feitiço do habitus . . . afirmará, com o habitus , o contrário do que sabe – tática popular tradicional” (p. 121). Para Certeau (2012)Certeau , M. ( 2012 ). A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer ( 18a ed.). Petrópolis, RJ : Vozes . , isso custou a Bourdieu a possibilidade científica de analisar as táticas em lugares demarcados como os campos em que estudou.

Certeau (2012)Certeau , M. ( 2012 ). A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer ( 18a ed.). Petrópolis, RJ : Vozes . não desvaloriza o valor heurístico do conceito de habitus , mas lamenta o lugar totalizante que esse assume como dogma na afirmação de um “real”. Para o autor, “o habitus se torna um lugar dogmático” (p. 120). Nesse sentido, Certeau inquieta-se com o fato de Bourdieu escolher pelo dogmatismo mesmo quando ele demonstra conhecer a astúcia dessas táticas.

Para Certeau (2012)Certeau , M. ( 2012 ). A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer ( 18a ed.). Petrópolis, RJ : Vozes . , isso é uma “estranha combinação de um ‘sei perfeitamente bem’ (essa proliferação astuciosa e transgressora) e de um ‘mas apesar de tudo’ (deve existir um sentido totalizante)” (p. 120). Ao optar pelo ‘mas apesar de tudo’ em Certeau (2012)Certeau , M. ( 2012 ). A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer ( 18a ed.). Petrópolis, RJ : Vozes . , Bourdieu elimina as táticas, declarando-as como meras ações inconscientes, incorporadas pelos indivíduos em seu habitus .

Em suma, identificamos que Certeau (2012)Certeau , M. ( 2012 ). A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer ( 18a ed.). Petrópolis, RJ : Vozes . reconhece o implícito do habitus nas práticas dos indivíduos como os comportamentos, maneiras de falar ou caminhar. Contudo, rejeita a total inconsciência dessas ações a que Bourdieu (1983)Bourdieu , P. ( 1983 ). Sociologia . São Paulo, SP : Ática . as condiciona. Nesse sentido, mesmo Certeau reconhecendo que esse saber não está diretamente relacionado a uma reflexão pelos sujeitos, sendo um “saber não sabido”, o autor credita significado e sentido aos efeitos desse “saber não sabido”, às astúcias e às táticas que se caracterizam como uma arte.

Esse ponto de tensão pode, contudo, ser propulsor para a compreensão de que as perspectivas, embora divergentes, se tornam complementares. Nesse sentido, Wacquant (2013)Wacquant , L . ( 2013 ). Poder simbólico e fabricação de grupos: como Bourdieu reformula a questão das classes . Novos Estudos CEBRAP , ( 96 ), 87 - 103 . doi: 10.1590/S0101-3300201300020000 7
https://doi.org/10.1590/S0101-3300201300...
auxilia a compreender que a noção de habitus não deve ser reduzida à reprodução mecânica das estruturas sociais, mas compreendida a partir da reconstrução sociológica que Bourdieu dá a esse conceito, transformando-o em uma ferramenta na condução de pesquisas sociais, permitindo reconhecer os mecanismos operantes. Logo, possibilita iluminar as diferentes lógicas da ação social.

Complementaridade de Michel de Certeau e Pierre Bourdieu para o reconhecimento de subespécies de capitais simbólicos na gestão ordinária

Buscamos articular a teoria da prática de Pierre Bourdieu e Michel de Certeau para o reconhecimento de subespécies de recursos/capitais simbólicos na gestão ordinária, voltada a empreendimentos em subsistência e resistência. Dessa forma, Certeau nos direciona mais próximos às ações dos indivíduos, enquanto Bourdieu nos indica as estruturas e as origens dessas ações, de modo peculiar, à noção de capital simbólico.

A Figura 1 ilustra tal perspectiva. Sua construção é reflexo da interpretação do enredo conceitual discutido neste ensaio teórico. Logo, sua interpretação deve atentar-se, além das (in)definições conceituais, às posições de proximidade, distanciamento e hierarquização das relações de poder.

Figura 1
Ferramentas teóricas

A partir da categoria de mediação das relações de poder na vida organizada – de modo específico, tratadas neste estudo pelo contexto do cotidiano de trabalho da gestão ordinária – buscamos aproximar a interação da visão de poder de Bourdieu e de Certeau. Ponderamos que, para Bourdieu, o poder está diretamente relacionado ao capital, de modo que as relações de poder são transpassadas pela concentração de capital que os indivíduos adquirem ao longo de sua vida e criam um jogo de disputa entre os dominantes e não dominantes, regido pelo aspecto relacional de maior ou menor poder/capital nos diferentes campos que constituem o espaço social, o que gera uma perspectiva macro e estrutural ao mundo social (Bourdieu, 1986).

Por sua vez, Certeau trata intensamente o poder em sua dimensão relacional, aparente nas práticas e em seus efeitos, quando evidencia a resistência das microações populares que astutamente “burlam” o ordenamento instituído por um lugar de estratégia (Certeau, 2012) que manifesta poder. Trata-se de reconhecer como as relações de poder são constituídas, alicerçadas, legalizadas no ordenamento e ditam uma construção e visão do mundo social pelo seu poder simbólico. E, dessa forma, reconhecer como essas relações de poder são golpeadas, corrompidas e invadidas em uma luta pela sobrevivência dos que não possuem um lugar “próprio” que lhes condicionem maior exercício de poder, mas que lutam e manifestam sua ausência de poder estrutural com micropráticas.

A partir da perspectiva de Certeau (2012)Certeau , M. ( 2012 ). A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer ( 18a ed.). Petrópolis, RJ : Vozes . , em nível micro, pretendemos observar como o Homem ordinário trilha “linhas de erre” diante das condições de seu espaço. Esse espaço que se configura nas incertezas e, predominantemente, sem a estabilidade de um “próprio”. Em complemento, Bourdieu nos permite observar a posição que este agente ocupa no “espaço social”, a partir dos tipos de capital que possui em maior ou menor volume.

Sugerimos que a investigação e compreensão das táticas e estratégias percebidas dentro do espaço do seu cotidiano são ferramentas chaves para reconhecer as subespécies de capital. Assim como a compreensão de capital de Bourdieu por meio das ferramentas de sua teoria da prática.

Sugerimos também a possibilidade de que as subespécies de capital, adquiridas, praticadas e utilizadas pelo Homem ordinário possam ser relacionadas ao que Certeau (2012)Certeau , M. ( 2012 ). A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer ( 18a ed.). Petrópolis, RJ : Vozes . trata de “um saber não sabido” (p. 134). É um saber sobre os quais os sujeitos não refletem. Esse Homem ordinário dá testemunho desse saber sem poder se apropriar dele. São como locatários de seu próprio saber-fazer.

Em algum lugar eles o sabem. ‘Em algum lugar’, mas onde? São as suas práticas que o sabem – gestos, comportamentos, maneiras de falar ou caminhar etc. Temos aí um saber, mas de quem? É um saber tão rigoroso e preciso que todos os valores de cientificidade parecem ter-se transportados com armas e bagagens para o lado desse inconsciente, de sorte que só restam à consciência fragmentos e efeitos desse saber, astúcias e táticas análogas àquelas que antigamente caracterizavam “a arte”. Mediante essa inversão, o que tem razão é aquilo que não se reflete e que não se diz, o não sabido. ( Certeau, 2012Certeau , M. ( 2012 ). A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer ( 18a ed.). Petrópolis, RJ : Vozes . , pp. 134-135)

Certeau (2012)Certeau , M. ( 2012 ). A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer ( 18a ed.). Petrópolis, RJ : Vozes . demonstra que o saber-fazer não deve ser reduzido a um princípio do saber. Esse “saber” se relaciona a uma vida cotidiana, longe da racionalidade produtivista, são artes do dia a dia, assim como reconhecemos a possibilidade de também ser encontrado na gestão ordinária de empreendimentos em moção de sobreviver e resistir. Certeau (2012)Certeau , M. ( 2012 ). A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer ( 18a ed.). Petrópolis, RJ : Vozes . defende que essas práticas não são colonizadas por um olhar tecnológico, mas ficam à margem das condutas científicas ou culturais.

Em partes, o que a partir de Certeau pode ser visto como “saber não sabido”, a partir de Bourdieu (2006)Bourdieu , P . ( 2006 ). O camponês e seu corpo . Revista de Sociologia e Política , 26 , 83 - 92 . doi: 10.1590/S0104-44782006000100007
https://doi.org/10.1590/S0104-4478200600...
pode ser visto como “consciência incorporada”. Táticas e estratégias se manifestam como um “sentido do jogo” incorporado pelos agentes. Contudo, as diferentes posições dos agentes e, consequentemente, suas diferentes apropriações de capitais dão ao mesmo jogo praticado “pluralidade de sentido”. O mesmo jogo e uma multiplicidade de configurações, capitalização e, logo, diferentes saberes sobre o “sentido do jogo”. A estratégia assume um lugar de maior proximidade a “consciência incorporada”, enquanto a tática revela melhor o “saber não sabido” incorporado.

Consideramos que o saber não sabido não deve ser compreendido como ações ligadas ao inconsciente. As táticas do homem ordinário que refletem, em parte, a prática deste “saber não sabido” nos revela que embora compreendam o sentido daquele jogo, não conhecem em condição e poder suas estruturas e, portanto, agem em posição de micropoder. Assemelha-se à analogia da arte praticada por um músico, que sem conhecer a estrutura das partituras, ainda assim, na incorporação de seu corpo o sabe e o pratica, produzindo efeitos. Em disputa, outros jogadores praticam o jogo com maior apropriação do jogo, de sua estrutura, espaço e prática de poder.

Esse saber praticado nas táticas é mais bem compreendido ao refletirmos a indicação de Certeau (2012)Certeau , M. ( 2012 ). A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer ( 18a ed.). Petrópolis, RJ : Vozes . sobre a “metis ”, essa inteligência astuciosa que o autor afirma ter muita afinidade com as táticas cotidianas. Desse modo, ao pensarmos na prática de empreendimentos com moção predominante de sobrevivência e resistência, nos remetemos às práticas de saber, narradas e praticadas pela sagacidade, flexibilidade de espírito, esperteza, atenção vigilante, senso de oportunidade, assim como uma experiência longamente adquirida, mas, sobretudo, por “seus gestos manuais, suas habilidades e seus estratagemas, e pela enorme gama das condutas que abrange desde o saber-fazer até a astúcia” ( Certeau, 2012Certeau , M. ( 2012 ). A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer ( 18a ed.). Petrópolis, RJ : Vozes . , p. 145).

Para Certeau (2012)Certeau , M. ( 2012 ). A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer ( 18a ed.). Petrópolis, RJ : Vozes . , essa relação de forças na qual a metis intervém esboça uma relação econômica, uma operação de ponto de partida (menos força) até seu termo (mais efeito). Isso ocorre pela mediação de um saber que é, em parte, memória. Como explica Certeau (2012)Certeau , M. ( 2012 ). A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer ( 18a ed.). Petrópolis, RJ : Vozes . , “este saber se faz de muitos momentos e de muitas coisas heterogêneas. Não tem enunciado geral e abstrato, nem lugar próprio. É uma memória” (p. 145). A Figura 2 ilustra tal relação.

Figura 2
Menos força, mais efeito

Certeau (2012)Certeau , M. ( 2012 ). A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer ( 18a ed.). Petrópolis, RJ : Vozes . explica que essas relações econômicas se configuram por uma lógica inversamente proporcional. Quanto menos força, mais se precisa de saber-memória. Quanto mais há “saber-memória”, menos se precisa de tempo (é a ocasião). Quanto menos tempo (mais táticas de ocasião) há, aumentam os efeitos.

A complementaridade habita em considerarmos que o lugar de menor força representa a ausência de capitais dominantes. “A memória mediatiza transformações espaciais. Segundo o modo do momento oportuno ( kairós ), ela produz uma ruptura instauradora. Sua estranheza torna possível uma transgressão da lei do lugar . . . um ‘golpe’ modifica a ordem local” explica Certeau (2012Certeau , M. ( 2012 ). A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer ( 18a ed.). Petrópolis, RJ : Vozes . , p. 149). Logo, esse é o momento de mediação, em que o habitus (enquanto capital incorporado) e a prática de um “saber não sabido” transmutam, incorporam e transformam capitais simbólicos. Eles são praticados a partir das “maneiras de fazer”, estratégias e táticas nas ocasiões do contexto da gestão ordinária, para então serem reconhecidos pelos efeitos desse saber-fazer, como ilustramos na Figura 3 . Notamos, assim, resistência nesse efeito originário de uma lógica inversa que golpeia a lógica ordenada.

Figura 3
Proposição de reconhecimento de subespécies de capital simbólico

Nossas proposições são:

  1. desprovidos significativamente de capitais estruturantes (econômico e cultural), estão em um ponto inicial no espaço social (Bourdieu) e praticado (Certeau) com menor força;

  2. o habitus capitaliza saber-memória (embora não sabido);

  3. o saber-memória incorpora e transforma subespécies de capitais simbólicos;

  4. em tempos de ocasião, o saber-memória na ação/fazer das táticas realiza uma gestão ordinária desses recursos/capitais simbólicos, produzindo efeitos;

  5. a interpretação sobre os efeitos permite reconhecer as subespécies de capitais simbólicos;

  6. a perpetuação da prática e seus efeitos podem transformar táticas em estratégias no cotidiano do campo da gestão ordinária;

  7. a perpetuação da prática e seus efeitos, a partir do habitus que capitalizar o tempo em saber-memória, transforma tática em tática-estratégica no cotidiano da gestão ordinária.

Em complemento, podemos destacar a convergência de Bourdieu e Certeau ao mencionarem a relevância de refletir sobre os efeitos das práticas e não apenas sobre as práticas em si. Certeau (2012) reflete sobre os efeitos das significações do “saber não sabido” que se configuram nessas astúcias e táticas. Embora não seja sempre possível “acessar” o saber, ele produz efeitos e eles podem ser percebidos. De modo similar, Bourdieu (2001)Bourdieu , P. ( 2001 ). Meditações pascalinas . Rio de Janeiro, RJ : Bertrand Brasil . , ao tratar o capital simbólico, menciona a relevância de focar nos efeitos simbólicos do capital ( Martin, 2017Martin , M. D. S. ( 2017 ). Capital simbólico . In A. M. Catani , M. A. Nogueira , A. P. Hey , & C. C. C. Medeiros ( Orgs .) , Vocabulário Bourdieu (pp. 109 - 112 ). Belo Horizonte, MG : Autêntica . ). Esses efeitos não devem ser entendidos em uma abordagem quantitativa, mas interpretativa, como pela interpretação de aproximação às características dos capitais simbólicos, como de reconhecimento pelos outros e relações de troca nas interações de redes.

Além disso, propomos que entre as táticas e a estratégia haja uma “maneira de fazer” intermediária, uma tática-estratégica. A tática-estratégica não tem só as características da tática, mas também não é estratégia, logo, não produz em completude os efeitos de vantagem da estratégia (próprio, prática panóptica e poder do saber). Isso ocorre porque seus agentes e suas práticas não detêm o lugar necessário para tal, mas na ausência desse lugar passam a habitar as fissuras em perpetuação de momentos no dia a dia. Configuram-se enquanto cálculo de ação (tática) e de querer (estratégia), ela não age e desaparece, é uma prática que age e permanece, um sujeito preponderante de querer, mas não de poder predominante.

De tal forma, propomos que o reconhecimento das subespécies de capital do Homem ordinário seja notado, a partir da compreensão das “maneiras de fazer” desse homem, em seus efeitos de resistência e sobrevivência, sendo isso percebido, a partir da realidade de seu contexto de trabalho na gestão ordinária.

Enfim: submergindo na realidade social

Para encerrar este artigo, mas não o debate, e na intenção de apresentar como o Homem ordinário e suas práticas poderiam ser objetivados no dia a dia, vamos ao último tópico deste texto. Como sinaliza Bourdieu, convém pensarmos em contextos práticos ( Grenfell, 2018Grenfell , M. ( 2018 ). Metodologia . In M. Grenfell ( Org .) , Pierre Bourdieu: conceitos fundamentais (pp. 353 - 380 ). Petrópolis, RJ : Vozes . ). Para isso, consideramos expor (com auxílio da imaginação dos leitores deste artigo) um bricoleur de cenas. Elas configuram práticas cotidianas de trabalho, cujos periféricos praticam fissuras em diferentes realidades e regionalidades brasileiras, contextos particulares, que, como trata Sá (2020)Sá , M . ( 2020 ). Experiências agrestinas: pistas para a pesquisa sobre gente e negócios em contexto periférico . Revista de Administração de Empresas , 60 ( 2 ), 120 - 130 . doi: 10.1590/S0034-759020200205
https://doi.org/10.1590/S0034-7590202002...
, merecem ser compreendidos a partir da peculiaridade de seus traços, mas ainda assim sem perder a potencialidade de comparação ou, como preferimos, de confronto com outros contextos.

Imaginem, pois, uma rua movimentada, uma loja de calçados com uma vitrine repleta de amostras de pares “encantadores”. Ao lado dessa vitrine, na calçada, está um homem, de meia idade, com cabelos soltos pelos ombros. Ele toca e canta músicas, algumas de cunho religioso, com um violão faltando cordas. A afinação, quase nenhuma. À sua frente, algumas caixas de papelão estão empilhadas estampadas com a marca “X” (de calçados). A caixa superior está aberta para receber “gorjetas” (compensatórias por sua prestação de serviço). Em uma outra calçada, em uma outra cidade, podemos considerar, a partir do trabalho de Santos (2017)Santos , M. A. E. ( 2017 , maio ). “Profissão pedinte”: (re)conhecendo a gestão ordinária da representação social de uma “pedinte” na cidade de Cascavel-PR . Artigo apresentado no 6º Encontro de Gestão de Pessoas e Relações de Trabalho , Curitiba, PR . , nos depararmos com uma pedinte na rua sem qualquer “prestígio”, há anos se posicionando cotidianamente no mesmo local da calçada, com uma aparência fragilizada pela idade e pelo possível abandono. Esses aspectos também não significam nada em si, mas pelas pessoas acreditarem nessa condição permitem que essa mulher tire seu sustento desse “capital simbólico de fracasso” e, assim, sobreviva no local inserido.

Ao transitar de carro por avenidas em grandes metrópoles ou cidades menores, é comum a prática de trabalhadores informais territorializarem alguns dos semáforos com suas práticas de trabalho, como demonstra o estudo de Silva e Ichikawa (2019)Silva , D. A. S , & Ichikawa , E. Y ( 2019 ). Práticas cotidianas e processos de territorialização: enxergando o invisível trabalhador informal nos semáforos da cidade de Maringá . Artigo apresentado no XLIII Encontro da Anpad – EnAnpad 2019 , São Paulo, SP . . Esses pontos de comércio periférico são utilizados para a venda de inúmeros produtos, como água. Ao considerarmos a visualização de um vendedor de água no semáforo, é comum imaginarmos esse agente com trajes de verão, munido de uma caixa térmica com gelo. Contudo, deparar-se com uma pessoa vestida com sapato e calça social, camisa e gravata, vendendo água no semáforo, com uma bandeja, como se estivesse trabalhando de garçom em um ambiente de gala, causa estranhamento, como é evidenciado em Santos (2021)Santos , M. A. E. ( 2021 ). As artes da gestão ordinária: subespécies de capital simbólico no cotidiano de trabalho de vendedores ambulantes em Maringá-PR ( Tese de doutorado ). Universidade Estadual de Maringá , Maringá, PR . . Torna-se uma prática que chama a atenção pelo seu impróprio, pelo desacordo estrutural que causa, embora em outros lugares um garçom ocupe um lugar de invisibilidade social, como tratam Diniz, Carrieri e Barros (2013)Diniz , A. P. R. , Carrieri , A. P. , Barros , A. N. D. ( 2013 ). Invisibilidade social e trabalho noturno: reflexões a partir de representações sociais de garçons . Gestão & Planejamento , 14 ( 1 ), 18 - 38 . Recuperado de https://bit.ly/3a08nsZ
https://bit.ly/3a08nsZ...
, ali, aquela representação social encontra fissura. Em um primeiro momento, não é o homem e seu produto que causam estranhamento, mas o que “provoca” é a vestimenta, são as roupas que trazem a representação social estruturante de um espaço de poder que confronta aquela realizada em um ambiente de trabalho precário, como o dos pontos de semáforos. É como se a roupa estivesse ocupando um lugar que não é dela e é na tática que se desconstrói o ordenamento e permite que o “glamour” seja corporificado em “vulgar” e popular, logo, um golpe de luta, locus de tensão e espaço para a pesquisa das subespécies de capital simbólico. Isso nos leva a considerar que o produto (água) é pano de fundo para o que de fato pode estar sendo comercializado, a corporificação na vulgaridade capaz de concomitantemente despertar estranhamento e encantamento aos possíveis clientes.

Agora, distante do urbano, como seria o comércio ambulante quando os espaços de passagem característicos desses pequenos negócios, como ilustram Carrieri et al. (2014)Carrieri , A. P. , Perdigão , D. A. , Aguiar , A. R. C. ( 2014 ). A gestão ordinária dos pequenos negócios: outro olhar sobre a gestão em estudos organizacionais . Revista de Administração , 49 ( 4 ), 698 - 713 . doi: 10.5700/rausp1178 , ocorrem em alto-mar ou em meio ao rio Amazonas? Considere uma embarcação navegando com turistas que apreciam as belezas naturais do Brasil. Em meio ao passeio, alguns turistas percebem uma movimentação inusitada. Um outro barco menor, tripulado por dois homens, “para” ao lado da embarcação. As pessoas estranham a movimentação sem compreenderem o que de fato está ocorrendo. Então, um dos homens adentra a embarcação maior com turistas e oferece alguns espetinhos como opção de alimentação. Algumas pessoas aderem à oferta e em poucos instantes o homem se retira do barco maior. Na sequência, o passeio segue normalmente. Toda a prática acontece em lances de ocasiões, repleta de implícitos, que surpreendem os turistas pela ousadia da ação e pela agilidade com que tudo ocorre.

Pois bem, esses indivíduos supostamente aparentam não deter um capital artístico, cultural, tampouco aparentam deter capital econômico. Eles, contudo, utilizam do “ponto” na calçada, e/ou da ocasião do ambiente ordenado, para ali, a partir de uma tática astuciosa, agir. Logo, conseguem ressignificar o sentido original de materiais e da ocupação desses lugares por suas práticas.

O reconhecimento das subespécies de capital exige examinar o espaço social e suas relações de poder simbólico. Submergir à realidade social nas práticas dos agentes e perceber como o Homem ordinário se utiliza do próprio sistema ordenado para realizar suas práticas astuciosas e, a partir delas, reconhecer a gestão de seus recursos/capitais simbólicos em sua precariedade.

A proposta de subespécies de capital simbólico deste ensaio afasta-se do que é comumente condicionado a capital em sua “positividade”, sobretudo na área de gestão, quanto às qualidades, no que é reconhecido “de valor” dentro das estruturas. Como aponta Bourdieu (2007Bourdieu , P. ( 2007 ). A distinção . São Paulo, SP : Edusp . ; 2007aBourdieu , P. ( 2007a ). A economia das trocas simbólicas . São Paulo, SP : Perspectiva . ), a definição dominante da “distinção” chama “distintos” aos comportamentos que se distinguem do comum, do vulgar.

Neste ensaio propomos, no entanto, o inverso, ao lembrar que conheçamos o que não é distinto diante do olhar dominante sobre as práticas de gestão do Homem ordinário. As subespécies de capital utilizadas pelo Homem ordinário não possuem o “ glamour” ao qual estamos acostumados a relacionar o capital circunscrito à administração e aos estudos organizacionais. Precisamos nos distanciar do “geralmente chamado prestígio”, comumente relacionado ao conceito de capital, e exercer o que se poderia dizer um olhar “avesso”.

O foco no reconhecimento das subespécies de capital está no “brega”, no vulgar, no popular e comum. De modo particular, está no que gera estranhamento e tensão quanto às práticas de gestão na perspectiva mainstream de administração. Em suma, nosso olhar estará voltado particularmente para onde se localiza o não distinto (com embate ao distinto dominante), entre as práticas dos não dominantes. Vale ainda mencionar que o “brega” pode também ser um elemento distintivo, porém “para baixo”, quando percebido sobre uma perspectiva analítica relacional em diferentes espaços de poder.

Assim, a nomeação de subespécies de capitais simbólicos é uma representação simbólica de titulação que dá sentido à identidade de recursos e aos capitais simbólicos geridos no contexto da gestão ordinária. O não ser está no avesso do ser, assim como o tecido só é tecido porque há um avesso, não sendo outro, mas complementando-o, os capitais simbólicos possuem um avesso, o seu lado fraco, que tratamos neste estudo, enquanto subespécies de capitais simbólicos.

O olhar para o reconhecimento desse avesso de tecido ou capital abre espaço para que os estudos organizacionais aprofundem o conhecimento sobre a “identidade” das significações dos capitais geridos em meio à gestão ordinária ao indicar qual significação de recurso se distancia desse tipo de gestão e qual se aproxima. Isso porque quando indicamos o que não é, também é uma forma de indicar uma maneira de ser ainda pouco discutida na área de gestão.

Gostaríamos ainda de (in)concluir três considerações:

  1. A discussão proposta abre espaço para reflexividade no avanço da compreensão de empreendimentos em moção de subsistência e resistência frente à tendência de generalização no mainstream da administração.

  2. Na perspectiva da gestão ordinária, há carência no avanço pelo reconhecimento dos recursos/capitais “geridos” na arte dessa gestão.

  3. Acreditamos que a discussão teórica aqui gerada abre espaço para que estudos empíricos avancem na discussão proposta pelo reconhecimento de subespécies de capital simbólico, no contexto do cotidiano de trabalho de empreendimentos de subsistência.

Em suma, este estudo é a tentativa de olhar para o inverso, para o ilegítimo, percebendo a possibilidade de reconhecer capitais dentro de uma “maneira de fazer” gestão no cotidiano. Portanto, a partir dessas discussões teóricas e ilustrações, refletimos sobre como essas pessoas exercem uma gestão ordinária por meio de um saber-não-sabido ( Certeau, 2012Certeau , M. ( 2012 ). A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer ( 18a ed.). Petrópolis, RJ : Vozes . ) praticado em táticas e estratégias em seu trabalho, precárias de capital econômico e cultural ( Bourdieu, 1989Bourdieu , P. ( 1989 ). O poder simbólico . Rio de Janeiro, RJ : Bertrand Brasil . ), ou ainda, precárias de recursos físicos, humanos e organizacionais, tradicionais ao estudo da administração. Logo, defendemos que essas pessoas sobrevivem de sua gestão ordinária a partir do uso de subespécies de capital simbólico, resistindo cotidianamente ao meio em que estão inseridas.

Por fim, vale lembrar que as cenas narradas (em uma ótica de distanciamento) têm como exclusiva intenção despertar faíscas para a potencialidade do reconhecimento das subespécies de capital simbólico. Estimamos que esse reconhecimento ocorra em proximidade, na vivência do cotidiano, em elo e interação aos agentes, de modo a conhecer as teias invisíveis que interagem nas relações de poder constituintes desses contextos. São as minúcias do que está nas entrelinhas e nos detalhes das maneiras de fazer e não fazer, do dito e do não dito, do visto e do omitido, nas relações do dia a dia que permitem interpretar os efeitos.

References

  • Adler , P. S. , Kwon , S. W. ( 2002 ). Social capital: Prospects for a new concept . Academy of Management Review , 27 ( 1 ), 17 - 40 . doi: 10.2307/4134367
  • Anderson , A. , Harbi , S. E. , Brahem , M. ( 2013 ). Enacting entrepreneurship in ‘informal’ businesses . The International Journal of Entrepreneurship and Innovation , 14 ( 3 ), 137 - 149 . doi: 10.5367/ijei.2013.0118
  • Anderson , A. , Ronteau , S. ( 2017 ). Towards an entrepreneurial theory of practice; emerging ideas for emerging economies . Journal of Entrepreneurship in Emerging Economies , 9 ( 2 ), 110 - 120 . doi: 10.1108/JEEE-12-2016-0054
  • Antonacopoulou , E. P. , Fuller , T. ( 2020 ). Practising entrepreneuring as emplacement: The impact of sensation and anticipation in entrepreneurial action . Entrepreneurship & Regional Development , 32 ( 3-4 ), 257 - 280 . doi: 10.1080/08985626.2019.164197 4
    » https://doi.org/10.1080/08985626.2019.164197
  • Barker , J. D. ( 2013 ). Negative cultural capital and homeless young people . Journal of Youth Studies , 16 ( 3 ), 358 - 374 . doi: 10.1080/13676261.2012.718434
    » https://doi.org/10.1080/13676261.2012.718434
  • Barros , A. , Carrieri , A. D. P. ( 2015 ). O cotidiano e a história: construindo novos olhares na administração . Revista de Administração de Empresas , 55 ( 2 ), 151 - 161 . doi: 10.1590/S0034-759020150205
  • Biles , J. J. ( 2009 ). Informal work in Latin America: competing perspectives and recent debates . Geography Compass , 3 ( 1 ), 214 - 236 . doi: 10.1111/j.1749-8198.2008.00188.x
    » https://doi.org/10.1111/j.1749-8198.2008.00188.x
  • Bokek-Cohen , Y. , Ben-Asher , S. ( 2018 ). How does it feel to be an anti-martyr’s widow? The interplay of religious capital and negative symbolic capital of war widows . Social Compass , 65 ( 3 ), 395 - 412 . doi: 10.1177/0037768618772967
  • Bourdieu , P. ( 1983 ). Sociologia . São Paulo, SP : Ática .
  • Bourdieu , P. ( 1986 ). The forms of capital . In J. G. Richardson ( Org .) , Handbook of theory and research for the sociology of education (pp. 241 - 258 ). New York : Greenwood Press .
  • Bourdieu , P. ( 1989 ). O poder simbólico . Rio de Janeiro, RJ : Bertrand Brasil .
  • Bourdieu , P. ( 2001 ). Meditações pascalinas . Rio de Janeiro, RJ : Bertrand Brasil .
  • Bourdieu , P . ( 2006 ). O camponês e seu corpo . Revista de Sociologia e Política , 26 , 83 - 92 . doi: 10.1590/S0104-44782006000100007
    » https://doi.org/10.1590/S0104-44782006000100007
  • Bourdieu , P. ( 2007 ). A distinção . São Paulo, SP : Edusp .
  • Bourdieu , P. ( 2007a ). A economia das trocas simbólicas . São Paulo, SP : Perspectiva .
  • Bourdieu , P. ( 2007b ). La noblesse: capital social et capital symbolique . In D. Lancien , & M. Saint-Martin ( Eds .) , Anciennes et nouvelles aristocraties: de 1880 à nos jours . Paris : Maison des Sciences de l’Homme .
  • Bourdieu , P. ( 2013 ). O senso prático . Petrópolis, RJ : Vozes .
  • Burke , P . ( 2002 ). The art of re-interpretation: Michel de Certeau . Theoria , 49 ( 100 ), 27 - 37 . Recuperado de https://bit.ly/3wlB24q
    » https://bit.ly/3wlB24q
  • Carrieri , A. P. , Saraiva , L. A. S. , Lima , G. C. O. , Maranhão , C. M. S. A. ( 2008 ). Estratégias subversivas de sobrevivência na “feira hippie” de Belo Horizonte . Revista Eletrônica de Gestão Organizacional , 6 ( 2 ), 174 - 192 . Recuperado de https://bit.ly/3yF47tr
    » https://bit.ly/3yF47tr
  • Carrieri , A. P. ( 2012 ). A gestão ordinária ( Tese para concurso de professor titular ). Universidade Federal de Minas Gerais , Belo Horizonte, MG .
  • Carrieri , A. P. , Perdigão , D. A. , Aguiar , A. R. C. ( 2014 ). A gestão ordinária dos pequenos negócios: outro olhar sobre a gestão em estudos organizacionais . Revista de Administração , 49 ( 4 ), 698 - 713 . doi: 10.5700/rausp1178
  • Carrieri , A. P. , Perdigão , D. A. , Martins , P. G. , Aguiar , A. R. C. ( 2018 ). A gestão ordinária e suas práticas: o caso da cafeteria Will Coffee . Revista de Contabilidade e Organizações , 12 , 1 - 13 . doi: 10.11606/issn.1982-6486.rco.2018.141359
  • Certeau , M. ( 2012 ). A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer ( 18a ed.). Petrópolis, RJ : Vozes .
  • Champenois , C. , Lefebvre , V. , Ronteau , S. ( 2020 ). Entrepreneurship as practice: systematic literature review of a nascent field . Entrepreneurship & Regional Development , 32 ( 3-4 ), 281 - 312 . doi: 10.1080/08985626.2019.1641975
    » https://doi.org/10.1080/08985626.2019.1641975
  • Clercq , D. , Voronov , M. ( 2009 ). Toward a practice perspective of entrepreneurship: Entrepreneurial legitimacy as habitus . International Small Business Journal , 27 ( 4 ), 395 - 419 . doi: 10.1177/0266242609334971
  • Diniz , A. P. R. , Carrieri , A. P. , Barros , A. N. D. ( 2013 ). Invisibilidade social e trabalho noturno: reflexões a partir de representações sociais de garçons . Gestão & Planejamento , 14 ( 1 ), 18 - 38 . Recuperado de https://bit.ly/3a08nsZ
    » https://bit.ly/3a08nsZ
  • Freitas , M. E. D. ( 2009 ). A mobilidade como novo capital simbólico nas organizações ou sejamos nômades? Organizações & Sociedade , 16 ( 49 ), 247 - 264 . doi: 10.1590/S1984-92302009000200003
    » https://doi.org/10.1590/S1984-92302009000200003
  • Fuller , T. , Tian , Y. ( 2006 ). Social and symbolic capital and responsible entrepreneurship: an empirical investigation of SME narratives . Journal of business ethics , 67 ( 3 ), 287 - 304 . doi: 10.1007/s10551-006-9185-3
  • Füssel , M. ( 2018 ). Zur Aktualität Von Michel de Certeau . Wiesbaden : Springer Fachmedien Wiesbaden .
  • Grenfell , M. ( 2018 ). Metodologia . In M. Grenfell ( Org .) , Pierre Bourdieu: conceitos fundamentais (pp. 353 - 380 ). Petrópolis, RJ : Vozes .
  • Hardy , C. ( 2018 ). Histerese . In M. Grenfell ( Org .) , Pierre Bourdieu: conceitos fundamentais . Petrópolis, RJ : Vozes .
  • Harvey , C. , Yang , R. , Mueller , F. , Maclean , M. ( 2020 ). Bourdieu, strategy and the field of power . Critical Perspectives on Accounting , 73 , doi: 10.1016/j.cpa.2020.102199
  • Hirata , H . ( 2011 ). Tendências recentes da precarização social e do trabalho: Brasil, França, Japão . Caderno CRH , 24 ( spe1 ), 15 - 22 . doi: 10.1590/S0103-4979201100040000 2
    » https://doi.org/10.1590/S0103-4979201100040000
  • Ihlen , Ø. ( 2018 ). Symbolic capital . In R. L. Heath , & W. Johanesen ( Eds .) , The international encyclopedia of strategic communication . Malden : Wiley-Blackwell .
  • Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial . ( 2020 ). Pandemia afeta atividade informal no Brasil e derruba indicador . ETCO . Recuperado de https://bit.ly/3sGSPB0
    » https://bit.ly/3sGSPB0
  • Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística . ( 2019 ). Desemprego cai para 11,8% com informalidade atingindo maior nível da série histórica . Agência IBGE Notícias . Recuperado de https://bit.ly/37Tm6Bn
    » https://bit.ly/37Tm6Bn
  • International Labour Organization . ( 2018 ). More than 60 per cent of the world’s employed population are in the informal economy . ILO . Recuperado de https://bit.ly/3wF7myu
    » https://bit.ly/3wF7myu
  • Jensen , L. , Cornwell , G. T. , Findeis , J. L. ( 1995 ). Informal work in nonmetropolitan Pennsylvania . Rural Sociology , 60 ( 1 ), 91 - 107 . doi: 10.1111/j.1549-0831.1995.tb00564.x
  • Lima , T. B. , Costa , M. S. ( 2016 ). Trabalho informal: uma revisão sistemática da literatura brasileira na área de Administração entre 2004 e 2013 . Cadernos EBAPE.BR , 14 ( 2 ), 310 - 324 . doi: 10.1590/1679-395135137
    » https://doi.org/10.1590/1679-395135137
  • Lizardo , O . ( 2004 ). The cognitive origins of Bourdieu’s habitus . Journal for the Theory of Social Behaviour , 34 ( 4 ), 375 - 401 . doi: 10.1111/j.1468-5914.2004.00255.x
    » https://doi.org/10.1111/j.1468-5914.2004.00255.x
  • López Cabana , R. P. , & Ichikawa , E. Y. ( 2017 ). As identidades fragmentadas no cotidiano da Feira do Produtor de Maringá . Organizações & Sociedade , 24 ( 81 ), 285 - 304 . doi: 10.1590/1984-9230815
    » https://doi.org/10.1590/1984-9230815
  • Lundberg , H. , Ramírez-Pasillas , M. ( 2020 ). The other within as entrepreneurial agency for subsistence entrepreneurs . In V. Ratten ( Ed .) , Entrepreneurship and the community: contributions to management science (pp. 7 - 27 ). Cham : Springer .
  • Martin , M. D. S. ( 2017 ). Capital simbólico . In A. M. Catani , M. A. Nogueira , A. P. Hey , & C. C. C. Medeiros ( Orgs .) , Vocabulário Bourdieu (pp. 109 - 112 ). Belo Horizonte, MG : Autêntica .
  • Maton , K. ( 2018 ). Habitus . In M. Grenfell ( Org .) , Pierre Bourdieu: conceitos fundamentais (pp. 92 - 120 ). Petrópolis, RJ : Vozes .
  • McAdam , M. , Harrison , R. T. , Leitch , C. M. ( 2019 ). Stories from the field: women’s networking as gender capital in entrepreneurial ecosystems . Small Business Economics , 53 ( 2 ), 459 - 474 . doi: 10.1007/s11187-018-9995-6
  • Miller , D. L. ( 2014 ). Symbolic capital and gender: evidence from two cultural fields . Cultural Sociology , 8 ( 4 ), 462 - 482 . doi: 10.1177/1749975514539800
    » https://doi.org/10.1177/1749975514539800
  • Moore , R. ( 2018 ). Capital . In M. Grenfell ( Org .) , Pierre Bourdieu: conceitos fundamentais (pp. 136 - 154 ). Petrópolis, RJ : Vozes .
  • Murta , I. B. D. , Souza , M. M. P. , Carrieri , A. P. ( 2010 ). Práticas discursivas na construção de uma gastronomia polifônica . Revista de Administração Mackenzie , 11 ( 1 ), 38 - 64 . doi: 10.1590/S1678-69712010000100003
  • Ocasio , W. , Pozner , J. E. , Milner , D. ( 2020 ). Varieties of political capital and power in organizations: a review and integrative framework . Academy of Management Annals , 14 ( 1 ), 303 - 338 . doi: 10.5465/annals.2018.0062
  • Oliveira , M. , Kulaitis , F. ( 2017 ). Habitus imigrante e capital de mobilidade: a teoria de Pierre Bourdieu aplicada aos estudos migratórios . Mediações – Revista de Ciências Sociais , 22 ( 1 ), 15 - 47 . doi: 10.5433/2176-6665.2017v22n1p15
  • Pret , T. , Shaw , E. , & Drakopoulou Dodd , S. ( 2016 ). Painting the full picture: the conversion of economic, cultural, social and symbolic capital . International Small Business Journal , 34 ( 8 ), 1004 - 1027 . doi: 10.1177/0266242615595450
  • Puente , R. , González Espitia , C. G. , & Cervilla , M. A. ( 2019 ). Necessity entrepreneurship in Latin America: it´ s not that simple . Entrepreneurship & Regional Development , 31 ( 9-10 ), 953 - 983 . doi: 10.1080/08985626.2019.1650294
    » https://doi.org/10.1080/08985626.2019.1650294
  • Quinlan , M. , Mayhew , C. , Bohle , P. ( 2001 ). The global expansion of precarious employment, work disorganization, and consequences for occupational health: placing the debate in a comparative historical context . International Journal of Health Services , 31 ( 3 ), 507 - 536 . doi: 10.2190/22BK-9XC0-AK7L-M6QH
  • Ramírez‐Pasillas , M. , Lundberg , H. , Nordqvist , M. ( 2020 ). Next generation external venturing practices in family owned businesses . Journal of Management Studies , 58 ( 1 ), 63 - 103 . doi: 10.1111/joms.12566
  • Rehn , A. , Taalas , S. ( 2004 ). ‘Znakomstva I Svyazi’ (Acquaintances and connections) – Blat, the Soviet Union, and mundane entrepreneurship . Entrepreneurship & Regional Development , 16 ( 3 ), 235 - 250 . doi: 10.1080/0898562042000197108
    » https://doi.org/10.1080/0898562042000197108
  • Rodrigues , F. S. , Ichikawa , E. Y. ( 2015 ). O cotidiano de um catador de material reciclável: a cidade sob o olhar do homem ordinário . Revista de Gestão Social e Ambiental , 9 ( 1 ), 97 - 112 . doi: 10.24857/rgsa.v9i1.999
  • Ross‐Smith , A. , Huppatz , K. ( 2010 ). Management, women and gender capital . Gender, Work & Organization , 17 ( 5 ), 547 - 566 . doi: 10.1111/j.1468-0432.2010.00523.x
    » https://doi.org/10.1111/j.1468-0432.2010.00523.x
  • Sabella , A. R. , El-Far , M. T. ( 2019 ). Entrepreneuring as an everyday form of resistance . International Journal of Entrepreneurial Behavior & Research , 25 ( 6 ), 1212 - 1235 . doi: 10.1108/IJEBR-03-2018-0174
    » https://doi.org/10.1108/IJEBR-03-2018-0174
  • Sá , M . ( 2020 ). Experiências agrestinas: pistas para a pesquisa sobre gente e negócios em contexto periférico . Revista de Administração de Empresas , 60 ( 2 ), 120 - 130 . doi: 10.1590/S0034-759020200205
    » https://doi.org/10.1590/S0034-759020200205
  • Sá , M. , Lorêto , M. S. S. , Sousa , J. R. F. , Souza , D. C. ( 2020 , outubro ). O artesanato como negócio periférico: esboço de instrumento teórico-epistêmico e análise multidimensional no caso do Alto do Moura-PE . Artigo apresentado no XLIV Encontro da Anpad – EnAnpad 2020 , Evento on-line .
  • Santos , M. A. E. ( 2017 , maio ). “Profissão pedinte”: (re)conhecendo a gestão ordinária da representação social de uma “pedinte” na cidade de Cascavel-PR . Artigo apresentado no 6º Encontro de Gestão de Pessoas e Relações de Trabalho , Curitiba, PR .
  • Santos , M. A. E. ( 2021 ). As artes da gestão ordinária: subespécies de capital simbólico no cotidiano de trabalho de vendedores ambulantes em Maringá-PR ( Tese de doutorado ). Universidade Estadual de Maringá , Maringá, PR .
  • Silva , D. A. S , & Ichikawa , E. Y ( 2019 ). Práticas cotidianas e processos de territorialização: enxergando o invisível trabalhador informal nos semáforos da cidade de Maringá . Artigo apresentado no XLIII Encontro da Anpad – EnAnpad 2019 , São Paulo, SP .
  • Souza , J. ( 2018 ). Subcidadania brasileira: para entender o país além do jeitinho brasileiro . Lisboa : Leya .
  • Swartz , D. L. ( 2013 ). Symbolic power, politics, and intellectuals: the political sociology of Pierre Bourdieu . Chicago : University of Chicago Press .
  • Taveira , M. S. ( 2016 ). Capital turístico e as teorias sociais de Marx, Bourdieu e Putnam . Revista Turismo em Análise , 27 ( 1 ), 4 - 21 . doi: 10.11606/issn.1984-4867.v27i1p4-2 1
    » https://doi.org/10.11606/issn.1984-4867.v27i1p4-2
  • Thiry-Cherques , H. R. ( 2008 ). Métodos estruturalistas: pesquisa em ciências da gestão . São Paulo, SP : Atlas .
  • Thomson , P. ( 2018 ). Campo . In M. Grenfell ( Org .) , Pierre Bourdieu: conceitos fundamentais (pp. 121 - 148 ). Petrópolis, RJ : Vozes .
  • Vaara , E. , Whittington , R. ( 2012 ). Strategy-as-practice: taking social practices seriously . Academy of Management Annals , 6 ( 1 ), 1 - 52 . doi: 10.1080/19416520.2012.672039
  • Wacquant , L . ( 2013 ). Poder simbólico e fabricação de grupos: como Bourdieu reformula a questão das classes . Novos Estudos CEBRAP , ( 96 ), 87 - 103 . doi: 10.1590/S0101-3300201300020000 7
    » https://doi.org/10.1590/S0101-3300201300020000
  • Wacquant , L. ( 2017 ). Esclarecer o habitus . Sociologia: Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto , 14 , 35 - 41 . Recuperado de https://bit.ly/37TYLPT
    » https://bit.ly/37TYLPT
  • Wacquant , L . ( 2018 ). Bourdieu comes to town: pertinence, principles, applications . International Journal of Urban and Regional Research , 42 ( 1 ), 90 - 105 . doi: 10.1111/1468-2427.12535
    » https://doi.org/10.1111/1468-2427.12535
  • Wacquant , L . ( 2018a ). Four transversal principles for putting Bourdieu to work . Anthropological Theory , 18 ( 1 ), 3 - 17 . doi: 10.1177/1463499617746254
    » https://doi.org/10.1177/1463499617746254
  • Wacquant , L. ( 2019 ). Bourdieu’s dyad: on the primacy of social space and symbolic Power . In J. Blasius , B. Le Roux , F. Lebaron , & A. Schmitz ( Eds .) , Empirical investigations of social space (pp. 15 - 21 ). Cham : Springer .
  • Wacquant , L. , Akçaoğlu , A. ( 2017 ). Practice and symbolic power in Bourdieu: The view from Berkeley . Journal of Classical Sociology , 17 ( 1 ), 55 - 69 . doi: 10.1177/1468795X16682145
  • Yao , C . ( 2013 ). The perceived value of Chinese expatriates’ career capital: a symbolic capital perspective . Journal of Global Mobility , 1 ( 2 ), 187 - 218 . doi: 10.1108/JGM-09-2012-0001
    » https://doi.org/10.1108/JGM-09-2012-0001
  • Verificação de plágio
    A O&S submete todos os documentos aprovados para a publicação à verificação de plágio, mediante o uso de ferramenta específica.
  • Disponibilidade de dados
    A O&S incentiva o compartilhamento de dados. Entretanto, por respeito a ditames éticos, não requer a divulgação de qualquer meio de identificação dos participantes de pesquisa, preservando plenamente sua privacidade. A prática do open data busca assegurar a transparência dos resultados da pesquisa, sem que seja revelada a identidade dos participantes da pesquisa.
  • Financiamento: Os autores agradecem o apoio financeiro da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e da Fundação Araucária.
Editora Associada: Letícia Dias Fantinel

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2022

Histórico

  • Recebido
    29 Jan 2021
  • Aceito
    04 Abr 2022
Escola de Administração da Universidade Federal da Bahia Av. Reitor Miguel Calmon, s/n 3o. sala 29, 41110-903 Salvador-BA Brasil, Tel.: (55 71) 3283-7344, Fax.:(55 71) 3283-7667 - Salvador - BA - Brazil
E-mail: revistaoes@ufba.br