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Implicações do BSC nas práticas cotidianas que envolvem a gestão de pessoas: estudo de caso em uma instituição de educação profissional

BSC’s implications in daily practices involving people management: a case study in a professional education institute

Resumo

Uma lacuna ainda presente na literatura diz respeito à forma como as pessoas reagem às pressões para o alcance das metas estabelecidas pelo Balanced Scorecard (BSC) nas organizações. O presente artigo avalia e discute a repercussão da ênfase das questões objetivas na relação da empresa com seus colaboradores, a partir da análise do processo no qual o BSC gera implicações nas práticas cotidianas que envolvem a gestão de pessoas. A discussão teórica se faz com base nas representações sociais das práticas de gestão de pessoas, enquanto a avaliação das implicações segue a abordagem preconizada por Pagès et al. (1987) sobre o exercício do poder nas organizações. A legitimação teórica é feita por meio do estudo de caso de uma instituição de educação profissional com recente experiência na implantação do BSC, tendo os dados sido tratados com base em proposições teóricas, resultado da revisão bibliográfica e de interpretações da pesquisa.

Palavras-chave
Representação social; Gestão de pessoas; Instituição de educação; Práticas cotidianas; Balanced Scorecard

Abstract

Still a gap in the literature with regard to how people react to pressures to achieve the goals established by the Balanced Scorecard (BSC) in organizations. This paper evaluates and discusses the impact of the emphasis of objective questions on the company’s relationship with its employees, from the analysis of the process in which the BSC has implications in everyday practices involving the management of people. The theoretical discussion is made on the basis of the social representations of the management practices of people while assessing the implications follows the approach advocated by Pagès et al. (1987) on the exercise of power in organizations. The theoretical legitimization is done through the case study of an institution of professional education with recent experience in the implementation of the BSC, and the data were treated based on theoretical propositions, the result of the literature review and interpretation of research.

Keywords
Social representation; People management; Educational institution; Daily practices; Balanced Scorecard

Introdução

As empresas convivem com uma série de contradições na relação com o funcionário, como no caso do conflito entre projetos pessoais e propósitos organizacionais (DAVEL; VERGARA, 2009aDAVEL, E.; VERGARA, S. C. Gestão com pessoas, subjetividade e objetividade nas organizações. In: DAVEL, E; VERGARA, S. C. Gestão com pessoas e subjetividade. São Paulo: Atlas, 2009a.). Para lidar com essas contradições, conforme revelam Pagès et al. (1987, p. 27)PAGÈS, M. et al. O poder das organizações. São Paulo: Atlas, 1987. p. 97-141., a organização utiliza-se de “termos mediadores” e “toda espécie de satisfação de ordem econômica, política, ideológica, psicológica”, com o desafio de proporcionar ao funcionário “momentos de prazer e ao mesmo tempo garantir o controle”. É nesse contexto que se desenvolveram as ferramentas gerenciais de controle, com o intuito de alinhar os interesses individuais aos organizacionais (WOOD JUNIOR, 2008WOOD JUNIOR, T. Mudança organizacional. São Paulo: Atlas, 2008.).

Tais contradições se verificam no cotidiano, a partir das relações e conflitos entre as pessoas no processo de socialização do indivíduo na organização, situação na qual esse indivíduo confronta sua história de vida e valores próprios com os padrões definidos pelo grupo ao qual se agregou na instituição (MOTTA; VASCONCELOS; WOOD JUNIOR, 2008MOTTA, F. C. P.; VASCONCELOS, I. F. F. G. de; WOOD JUNIOR, T. O novo sentido da liderança: controle social nas organizações. In: WOOD JUNIOR, T. Mudança organizacional. São Paulo: Atlas, 2008.). Diante disso, o objetivo deste artigo é avaliar e discutir as consequências da ênfase das questões objetivas na relação da empresa com os funcionários, por meio da análise do processo no qual o BSC gera implicações nas práticas cotidianas que envolvem a gestão de pessoas nas organizações.

A discussão sobre os conflitos no cotidiano organizacional tem recebido especial atenção na literatura. Pagès et al. (1987)PAGÈS, M. et al. O poder das organizações. São Paulo: Atlas, 1987. p. 97-141. explicam que o aumento desses conflitos se relaciona ao desenvolvimento de técnicas de administração a distância pelas organizações multinacionais, com o intuito de permitir aos dirigentes controlar de maneira eficaz as unidades organizacionais localizadas nos diferentes países. Essa disseminação de técnicas e ferramentas gerenciais de controle é definida por Paula e Wood Junior (2008, p. 129)PAULA, A. P. P. de; WOOD JUNIOR, T. Pop-management. In: WOOD JUNIOR, T. Mudança organizacional. São Paulo: Atlas, 2008. como “homogeneização de conceitos e práticas”, resultado da crença de que “o mundo é controlável e todos os problemas do mundo podem ser resolvidos pela administração”.

Enriquez (2009)ENRIQUEZ, E. Interioridade e organizações. In: DAVEL, E.; VERGARA, S. C. Gestão com pessoas e subjetividade. São Paulo: Atlas, 2009., por sua vez, afirma que o objetivo da instituição, ao utilizar essas ferramentas, é integrar a subjetividade do indivíduo aos objetivos estratégicos da empresa. No presente contexto, escolheu-se a Teoria das Representações Sociais (TRS), que demonstra como as idiossincrasias individuais se relacionam com as práticas cotidianas por meio do processo de familiarização (MOSCOVICI, 1997MOSCOVICI, S. Social representations theory and social constructionism. Social representations mailing list 1. Mensagens postadas entre 28 de abril e 27 de maio, 1997. Disponível em: <http://psyberlink.flogiston.ru/internet/bits/mosc1.htm>. Acesso em: 12 abr. 2016.
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; 2003MOSCOVICI, S. Representações sociais: investigações em psicologia social. Petrópolis: Vozes, 2003.). A proposta é estudar como o indivíduo lida com as diferenças entre o prescrito pela instituição, por meio das práticas de gestão de pessoas, e o vivido em suas práticas cotidianas.

O presente estudo se enquadra na abordagem interpretativa, na medida em que busca entender as diferentes representações sociais sobre as práticas de gestão de pessoas, com base na visão dos funcionários de três níveis hierárquicos de uma instituição de educação profissional. A escolha se justifica por ser um grupo que passou por inúmeras transformações, o que permitiu contemplar na discussão diversas questões relacionadas aos processos de mudanças. A forma utilizada para registro e tratamento dos dados foi o “tema” que, segundo Bardin (1977)BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977., refere-se à parte de um texto que expressa determinados significados em recortes obtidos a partir de critérios relacionados com o referencial teórico que orienta a análise.

No desenvolvimento do artigo, primeiramente são discutidas as práticas de gestão de pessoas, impactos do BSC na gestão de pessoas e a Teoria das Representações Sociais. Em seguida, apresenta-se o estudo de caso para confrontar as proposições teóricas com as evidências empíricas. Por fim, são feitas as considerações finais do estudo.

Práticas de gestão de pessoas

As práticas de gestão de pessoas têm sido marcadas pela ênfase nas questões objetivas, apoiadas em ferramentas gerenciais que buscam o alinhamento dos interesses individuais aos organizacionais, entendendo a diversidade de opiniões e comportamentos como problemas a serem resolvidos e controlados (SILVA et al., 2008SILVA, A. R. L. et al. Políticas de RH: instrumentos de consenso e ambiguidade. RAC, Curitiba, v. 12, n. 1, p. 11-34, jan./mar. 2008.). Entretanto, a questão da subjetividade dos atores organizacionais vem se apresentando como uma perspectiva e um desafio para a gestão de pessoas (DAVEL; VERGARA, 2009aDAVEL, E.; VERGARA, S. C. Gestão com pessoas, subjetividade e objetividade nas organizações. In: DAVEL, E; VERGARA, S. C. Gestão com pessoas e subjetividade. São Paulo: Atlas, 2009a.).

Segundo Davel e Vergara (2009a)DAVEL, E.; VERGARA, S. C. Gestão com pessoas, subjetividade e objetividade nas organizações. In: DAVEL, E; VERGARA, S. C. Gestão com pessoas e subjetividade. São Paulo: Atlas, 2009a., a Administração de Recursos Humanos (ARH) pode ser explicada por três abordagens principais: funcionalista, estratégica e política. De acordo com a abordagem funcionalista, a ARH serve aos objetivos definidos pela direção da empresa, por meio da aplicação instrumental de técnicas, ferramentas e procedimentos. A abordagem estratégica da ARH, por sua vez, busca o alinhamento dos interesses individuais aos organizacionais. Sua forma de atuação “vai, então, alinhando suas funções tradicionais aos objetivos estratégicos da empresa [...] diante das imposições do mercado, com a finalidade de favorecer a adaptabilidade das pessoas às mudanças organizacionais e ambientais” (DAVEL; VERGARA, 2009aDAVEL, E.; VERGARA, S. C. Gestão com pessoas, subjetividade e objetividade nas organizações. In: DAVEL, E; VERGARA, S. C. Gestão com pessoas e subjetividade. São Paulo: Atlas, 2009a., p. 36). No caso da abordagem política, consideram-se as congruências e os conflitos dos indivíduos no que tange às dimensões políticas na relação com a organização e na diversidade de interesses na relação entre os empregados.

Wood Junior (2008, p. 280)WOOD JUNIOR, T. Mudança organizacional. São Paulo: Atlas, 2008., no entanto, compreende a Função dos Recursos Humanos (FRH) a partir de duas perspectivas: uma função mais “tradicional, herdeira da Escola das Relações Humanas,” com foco em “seleção, treinamento e desenvolvimento de pessoas”; e outra ligada a “áreas de qualidade, ou a programas corporativos de mudança organizacional”, com foco em “gestão de processos de mudança”.

Esses dois modelos são utilizados por Wood Junior (2008, p. 269)WOOD JUNIOR, T. Mudança organizacional. São Paulo: Atlas, 2008. para verificar qual paradigma prevalece nas práticas de gestão de pessoas: o funcionalista, fundamentado no racionalismo e nas relações de causalidade simples; ou o fenomenológico, baseado na interpretação dos sistemas de significados dos atores organizacionais. O autor conclui que, apesar de a FRH mais próxima da área da qualidade se aproximar de alguns elementos de cultura, afastando-se do paradigma funcionalista, seu interesse em buscar “uma relação causal entre uma GRH correta e a performance organizacional, revela uma crença taylorista numa melhor prática” (WOOD JUNIOR, 2008WOOD JUNIOR, T. Mudança organizacional. São Paulo: Atlas, 2008., p. 281).

O que se verifica, portanto, é que esse modelo de gestão utiliza alguns elementos da cultura para alcançar o seu objetivo: manter o que é convergente aos interesses organizacionais e alinhar os possíveis conflitos e ambiguidades à estratégia e interesses da corporação. Assim como Davel e Vergara (2009a)DAVEL, E.; VERGARA, S. C. Gestão com pessoas, subjetividade e objetividade nas organizações. In: DAVEL, E; VERGARA, S. C. Gestão com pessoas e subjetividade. São Paulo: Atlas, 2009a., Wood Junior (2008)WOOD JUNIOR, T. Mudança organizacional. São Paulo: Atlas, 2008. conclui que há uma predominância do paradigma funcionalista nas práticas de gestão de pessoas, nas quais a aplicação instrumental de técnicas, ferramentas e a busca das melhores práticas são as principais características.

Ao analisar as práticas de gestão de pessoas a partir das concepções e perspectivas discutidas por Davel e Vergara (2009a)DAVEL, E.; VERGARA, S. C. Gestão com pessoas, subjetividade e objetividade nas organizações. In: DAVEL, E; VERGARA, S. C. Gestão com pessoas e subjetividade. São Paulo: Atlas, 2009a. e Wood Junior (2008)WOOD JUNIOR, T. Mudança organizacional. São Paulo: Atlas, 2008., verifica-se que as questões subjetivas tradicionalmente não são consideradas na gestão de pessoas. Entretanto, tais questões contribuem com a mudança do olhar sobre as pessoas na organização, na medida em que se reconhece a sua complexidade e diversidade de opiniões e comportamentos, ou seja, “[...] a gestão deve ser aprimorada com base na riqueza e complexidade das pessoas que dinamizam a vida organizacional” (DAVEL; VERGARA, 2009bDAVEL, E.; VERGARA, S. C. Subjetividade, sensibilidades e estratégias de ação. In: DAVEL, E.; VERGARA, S. C. Gestão com pessoas e subjetividade. São Paulo: Atlas, 2009b., p. 305).

Desse modo, assume-se aqui o conceito de “teia” ou “rede de relações” definido por Davel e Vergara (2009b, p. 307)DAVEL, E.; VERGARA, S. C. Subjetividade, sensibilidades e estratégias de ação. In: DAVEL, E.; VERGARA, S. C. Gestão com pessoas e subjetividade. São Paulo: Atlas, 2009b., que consiste em compreender a organização como um espaço de “múltiplas relações” que estão “intensamente interconectadas”. Para lidar com essa realidade complexa, os autores propõem que a ARH deve se dedicar a compreender quais relações são estabelecidas pelos indivíduos na instituição, como ocorrem as mudanças nessa rede e “como os administradores agem para estabelecer, manter e mudar relacionamentos”. Justifica-se e ressalta-se, desse modo, a relevância de se compreender as diferenças entre as práticas de gestão de pessoas (prescritas pela instituição) e as práticas cotidianas, vividas pelo indivíduo na organização.

Impactos do BSC na gestão de pessoas

As organizações multinacionais desenvolveram técnicas de administração a distância, com o intuito de permitir aos dirigentes controlar de maneira eficaz as unidades organizacionais localizadas nos diferentes países (PAGÈS et al., 1987PAGÈS, M. et al. O poder das organizações. São Paulo: Atlas, 1987. p. 97-141.). Tais técnicas se aliam a práticas de gestão de pessoas que buscam a sedução e a fidelidade do trabalhador às regras das empresas (ENRIQUEZ, 2009ENRIQUEZ, E. Interioridade e organizações. In: DAVEL, E.; VERGARA, S. C. Gestão com pessoas e subjetividade. São Paulo: Atlas, 2009.), o que contribui para que os gerentes controlem as unidades organizacionais sem a necessidade de sua presença constante.

Motta, Vasconcelos e Wood Junior (2008, p. 89)MOTTA, F. C. P.; VASCONCELOS, I. F. F. G. de; WOOD JUNIOR, T. O novo sentido da liderança: controle social nas organizações. In: WOOD JUNIOR, T. Mudança organizacional. São Paulo: Atlas, 2008. chegam a afirmar que as organizações são “instâncias de produção de bens, de conhecimentos etc., bem como instâncias de controle, a serviço de sistemas sociais maiores”. Nesse contexto é que ganham importância as ferramentas gerenciais que auxiliam esse controle, como, por exemplo, o BSC, o Gerenciamento da Qualidade Total (TQM), entre outros sistemas de regras. A disseminação de ferramentas gerenciais de controle faz parte do que Paula e Wood Junior (2008, p. 129)PAULA, A. P. P. de; WOOD JUNIOR, T. Pop-management. In: WOOD JUNIOR, T. Mudança organizacional. São Paulo: Atlas, 2008. definiram como “homogeneização de conceitos e práticas”, na qual “o mundo é controlável e todos os problemas do mundo podem ser resolvidos pela administração”.

A adesão a essa lógica faz emergir outros desafios para a gestão de pessoas, principalmente com relação à concepção, aplicação e controle desse sistema de regras (PAGÈS et al.,1987PAGÈS, M. et al. O poder das organizações. São Paulo: Atlas, 1987. p. 97-141.). No que tange à concepção, busca-se um sistema que integre a dinâmica econômica ao cotidiano da organização em suas diversas dimensões, para isso é importante que a aplicação das regras leve em consideração as singularidades, conflitos e paradoxos organizacionais enfrentados pelos executivos da empresa (PAGÈS et al.,1987PAGÈS, M. et al. O poder das organizações. São Paulo: Atlas, 1987. p. 97-141.).

Para manter a conformidade da ação do indivíduo às regras financeiras e não financeiras da organização, utilizam-se as práticas de gestão de pessoas para a sedução do trabalhador. Lima (1995, p. 131)LIMA, M. E. A. Os equívocos da excelência: as novas formas de sedução na empresa. Petrópolis: Vozes, 1995. denomina essas práticas como “estratégias de sedução da empresa”. Dutta e Reichelstein (2003)DUTTA, S.; REICHELSTEIN, S. Leading indicator variables, performance measurement, and long-term versus short-term contracts. Journal of Accounting Research, v. 41, n. 5, p. 837-866, dez. 2003. afirmam que a tendência é ampliar as medidas de avaliação de desempenho com variáveis não financeiras, que são avaliadas subjetivamente. Enriquez (2009)ENRIQUEZ, E. Interioridade e organizações. In: DAVEL, E.; VERGARA, S. C. Gestão com pessoas e subjetividade. São Paulo: Atlas, 2009., por sua vez, assume uma posição crítica com relação a essa proposta de instrumentalizar a subjetividade por meio de ferramentas. O autor afirma que a intenção da instituição ao utilizar tais práticas é controlar e submeter a vida psíquica do trabalhador ao projeto organizacional, ou seja, integrar a subjetividade do indivíduo aos objetivos estratégicos da empresa.

Diante de tais mudanças, com relação ao exercício do poder nas organizações e o uso de sistemas de regras para o alcance desse objetivo, vale destacar a lacuna existente na literatura contemporânea com relação a estudos que avaliam o impacto das ferramentas gerenciais sobre as práticas cotidianas que envolvem a gestão de pessoas. O que vai ao encontro da afirmação de Davel e Vergara (2009a)DAVEL, E.; VERGARA, S. C. Gestão com pessoas, subjetividade e objetividade nas organizações. In: DAVEL, E; VERGARA, S. C. Gestão com pessoas e subjetividade. São Paulo: Atlas, 2009a. e Wood Junior (2008)WOOD JUNIOR, T. Mudança organizacional. São Paulo: Atlas, 2008., de que há predominância de estudos que priorizam a análise das questões objetivas na gestão de pessoas e não consideram as questões subjetivas.

Ao reconhecer que o BSC busca alinhar as práticas de gestão de pessoas ao planejamento estratégico da empresa, assume-se que seu enfoque com relação ao olhar sobre as pessoas se concentra no aspecto funcionalista (WOOD JUNIOR, 2008WOOD JUNIOR, T. Mudança organizacional. São Paulo: Atlas, 2008.), na medida em que o importante é alinhar o comportamento e os objetivos individuais aos interesses organizacionais. No entanto, faz-se importante compreender como as pessoas reagem às pressões para o alcance das metas estabelecidas pelo BSC, oferecendo uma perspectiva pouco explorada na literatura. A proposta é estudar as diferenças entre o prescrito pela instituição por meio das práticas de gestão de pessoas e o vivido pelos indivíduos em suas práticas cotidianas. Nessa linha de pensamento, compreende-se o conflito, a diversidade de opiniões e a subjetividade como algo próprio e presente nas relações humanas (DAVEL; VERGARA, 2009aDAVEL, E.; VERGARA, S. C. Gestão com pessoas, subjetividade e objetividade nas organizações. In: DAVEL, E; VERGARA, S. C. Gestão com pessoas e subjetividade. São Paulo: Atlas, 2009a.).

Pode-se afirmar que o BSC se constitui em ferramenta gerencial que leva à criação de um modelo para compreender o mundo, uma ideologia organizacional (EDENIUS; HASSELBLADH, 2002EDENIUS, M.; HASSELBLADH, H. The balanced scorecard as an intellectual technology. Organization, v. 9, n. 2, p. 249-274, 2002.). Tal visão do BSC, como ideologia, fica nítida quando seus criadores (KAPLAN; NORTON, 2000KAPLAN, R. S.; NORTON, D. P. Organização orientada para a estratégia: como as empresas que adotam o balanced scorecard prosperam no novo ambiente de negócios. 6. ed. Rio de Janeiro: Campus, 2000., p. 261) afirmam que os funcionários devem estar alinhados à estratégia da organização, ao ponto de envolverem suas famílias no monitoramento e realização dos indicadores. Paula e Silva (2005)PAULA, A. P. P. de; SILVA, R. S. Balanced scorecard: o discurso da estratégia e o controle social nas organizações. In: ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM ADMINISTRAÇÃO. Anais... Anpad, 2005. chegam a afirmar que o BSC se caracteriza como uma ferramenta que viabiliza o controle social dentro das organizações, já que, por meio do discurso da eficácia na realização da estratégia da corporação, impõem-se indicadores definidos pela alta direção e vincula-se o desempenho individual ao projeto organizacional, ignorando as contradições percebidas entre o prescrito e o vivido, o estabelecido nas regras e o construído nas relações entre as pessoas (MOTTA; VASCONCELOS; WOOD JUNIOR, 2008MOTTA, F. C. P.; VASCONCELOS, I. F. F. G. de; WOOD JUNIOR, T. O novo sentido da liderança: controle social nas organizações. In: WOOD JUNIOR, T. Mudança organizacional. São Paulo: Atlas, 2008.).

O foco deste estudo no impacto do BSC nas práticas de gestão de pessoas justifica-se por se entender que essa ferramenta gerencial representa a aplicação do paradigma funcionalista, o qual acredita que tudo deve ser mensurado e controlado na organização (PAULA; WOOD JUNIOR, 2008PAULA, A. P. P. de; WOOD JUNIOR, T. Pop-management. In: WOOD JUNIOR, T. Mudança organizacional. São Paulo: Atlas, 2008.). Sob esse enfoque, as políticas de recursos humanos se colocam como práticas de poder no cotidiano organizacional, ao estabelecerem e imporem às pessoas modelos de comportamento em diversos níveis, sejam eles econômicos, políticos, ideológicos ou psicológicos (PAGÈS et al., 1987PAGÈS, M. et al. O poder das organizações. São Paulo: Atlas, 1987. p. 97-141.; GAULEJAC, 2007GAULEJAC, V. de. Gestão como doença social – ideologia, poder gerencialista e fragmentação social. São Paulo: Brasil, 2007.). Ao assumir tal condição, a compreensão da relação entre a ferramenta gerencial BSC e as práticas cotidianas que envolvem a gestão de pessoas implantadas na Empresa B pressupõe a compreensão das representações sociais que o indivíduo constrói no cotidiano da instituição (LAROCHE, 1995LAROCHE, H. From decision to action in organizations: decision-making as a social representation. Organization Science, v. 6, n. 1, p. 62-75, jan./feb. 1995. Focused Issue: European Perspective on Organization Theory.; CAVEDON; FERRAZ, 2005CAVEDON, N. R.; FERRAZ, D. L. S. Representações sociais e estratégias em pequenos comércios. RAE – eletrônica, v. 4, n. 1, art. 14, jan./jun. 2005.).

A Teoria das Representações Sociais (TRS)

A TRS demonstra como as idiossincrasias individuais se relacionam com as práticas cotidianas. A origem da TRS remete à discussão de que as representações sociais são um fenômeno do nosso cotidiano (MOSCOVICI, 1997MOSCOVICI, S. Social representations theory and social constructionism. Social representations mailing list 1. Mensagens postadas entre 28 de abril e 27 de maio, 1997. Disponível em: <http://psyberlink.flogiston.ru/internet/bits/mosc1.htm>. Acesso em: 12 abr. 2016.
http://psyberlink.flogiston.ru/internet/...
; 2003). O autor entende que os sujeitos são resultados da realidade social e, ao mesmo tempo, influenciam o grupo ou o espaço em que estão inseridos, gerando dificuldades para a identificação dos limites entre o individual e o social (FARR, 1995FARR, R. M. Representações sociais: a teoria e sua história. In: GUARESHI, P. A.; JOVCHELOVITCH, S. Textos em representações sociais. 8. ed. Petrópolis: Vozes, 1995.).

Almeida (2005, p. 127) apresenta três abordagens para pesquisar as representações sociais: culturalista, social e estrutural. Apesar de cada abordagem possuir característica própria, de uma maneira geral, elas buscam identificar o processo de formação e transformação das representações sociais, os elementos que constituem a representação social de um objeto e como as representações sociais “orientam os comportamentos e as práticas” (ALMEIDA, 2005ALMEIDA, L. M. A pesquisa em representações sociais: proposições teórico--metodológicas. In: SANTOS, M. F. S.; ALMEIDA, L. M. Diálogos com a teoria das representações sociais. Recife: Ed. Universitária da UFPE, 2005., p. 123). Este estudo optou por essa linha de investigação, que pesquisa como as representações sociais orientam os comportamentos e as práticas, como um meio de compreender quais as implicações do BSC nas práticas cotidianas que envolvem a gestão de pessoas. As práticas cotidianas estão relacionadas à “conduta efetiva dos indivíduos” e à “frequência dessa realização” (ROUQUETTE, 2000ROUQUETTE, M. L. Representações e práticas sociais: alguns elementos teóricos. In: MOREIRA, A. S. P.; OLIVEIRA, D. C. Estudos interdisciplinares de representação social. 2. ed. Goiânia: AB, 2000., p. 44).

Desse modo, o indivíduo se relaciona com as práticas cotidianas por meio do processo de familiarização que envolve as representações sociais. Esse processo ocorre por meio da ancoragem e da objetivação. A ancoragem classifica, nomeia e rotula o que não é familiar e a objetivação torna material algo que é abstrato, proporcionando ao indivíduo a capacidade de representar esse algo que foi nomeado (CAVEDON, 1999CAVEDON, N. R. As representações sociais dos universitários sobre o trabalho. In: ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM ADMINISTRAÇÃO – ENANPAD, 23., 1999, Foz do Iguaçu. Anais... Anpad, 1999.).

Cavedon e Ferraz (2005)CAVEDON, N. R.; FERRAZ, D. L. S. Representações sociais e estratégias em pequenos comércios. RAE – eletrônica, v. 4, n. 1, art. 14, jan./jun. 2005. vão ao encontro dessa perspectiva de valorizar as práticas cotidianas, na medida em que discutem que o saber institucionalizado está “desvinculado” do cotidiano “naquilo que diz respeito às re-significações atribuídas a este conhecimento”, ou seja, os atores sociais produzem esse “saber” do cotidiano, permeando o saber institucionalizado de significados construídos de acordo com o contexto. Dessa forma, as práticas cotidianas vividas pelos atores organizacionais diferenciam-se das práticas de gestão de pessoas (prescritas pela instituição). Diante disso, deve-se ficar atento ao processo de desenvolvimento de representações sociais dos indivíduos em função da realidade social que estão inseridos. Doise (2002)DOISE, W. Da psicologia social a psicologia societal. Psicologia: teoria e pesquisa, Brasília, v. 18, n. 1, jan./abr. 2002. propõe três hipóteses como forma de organizar as relações entre indivíduos e grupos.

A primeira hipótese assume que um grupo possui certas crenças comuns em uma dada “relação social”. As representações sociais se constroem nas relações de comunicação estabelecidas. A segunda hipótese concentra-se em explicar porque os sujeitos mantêm relações diferentes na relação com certas representações. Por fim, na terceira hipótese, reflete-se sobre a ancoragem das tomadas de decisão, ao considerar “as hierarquias de valores, as percepções que os indivíduos constroem entre grupos e categorias e as experiências sociais que eles partilham com o outro” (DOISE, 2002DOISE, W. Da psicologia social a psicologia societal. Psicologia: teoria e pesquisa, Brasília, v. 18, n. 1, jan./abr. 2002., p. 7).

Laroche (1995)LAROCHE, H. From decision to action in organizations: decision-making as a social representation. Organization Science, v. 6, n. 1, p. 62-75, jan./feb. 1995. Focused Issue: European Perspective on Organization Theory. é convergente com esse pensamento e demonstra como é importante entender a decisão e a tomada de decisão dos indivíduos nas corporações como representações sociais, já que elas influenciam os processos, facilitam a ação e dão significado ao que acontece nas organizações.

Essa discussão é corroborada por Rouquette (2000, p. 43)ROUQUETTE, M. L. Representações e práticas sociais: alguns elementos teóricos. In: MOREIRA, A. S. P.; OLIVEIRA, D. C. Estudos interdisciplinares de representação social. 2. ed. Goiânia: AB, 2000., ao afirmar que há uma correlação entre práticas e representações sociais, e não uma dependência causal, sendo “as representações como uma condição das práticas, e as práticas como um agente de transformação das representações”. Reconhece-se, portanto, que as representações sociais são processos desenvolvidos socialmente, cuja origem é possível localizar. No entanto, essa origem “é sempre inacabada” e influenciada pelo contexto, já que os indivíduos agem a partir de suas “representações da realidade” e constantemente as renovam.

Método de pesquisa

Na busca das questões particulares das pessoas envolvidas no processo de implantação e monitoramento do BSC (MINAYO, 2007MINAYO, M. C. S. (Org.). Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 26. ed. Petrópolis: Vozes, 2007.) foi realizada uma pesquisa de análise qualitativa. Participaram da amostra tanto os gestores de recursos humanos, que participam na definição dos elementos do BSC, quanto os funcionários de outros níveis hierárquicos envolvidos na repercussão das metas, ações e diretrizes dessa ferramenta gerencial.

Optou-se pelo estudo do caso de uma unidade operacional de um grupo do setor de educação profissional como lócus da pesquisa, doravante denominada Unidade UOP3. A escolha se justifica por ser um grupo que passou por processos de mudanças, como a integração na gestão de entidades e a implantação de diversas práticas de gestão de pessoas. Tal fato permitiu incluir na discussão empírica questões relacionadas a esses processos, como a postura da alta direção com a implantação de normas corporativas que não correspondem à realidade cotidiana dos funcionários das unidades.

A definição das unidades amostrais teve como critérios básicos: 1) envolvimento na definição de práticas de gestão de pessoas e na implantação e monitoramento do BSC, no período de 2004 a 2009; 2) acessibilidade, com restrição ao estudo da unidade organizacional “UOP 3”, que possui a maior produtividade e número de funcionários da empresa. A coleta de dados envolveu múltiplas fontes de evidências (TRIVIÑOS, 1987TRIVIÑOS, A. N. S. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 1987.; MINAYO, 2007MINAYO, M. C. S. (Org.). Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 26. ed. Petrópolis: Vozes, 2007.; YIN, 2001YIN, R. K. Estudo de caso: planejamento e métodos. 2. ed. Porto Alegre: Bookman, 2001.), ampliando a abrangência da pesquisa pela entrevista semiestruturada e análise dos documentos e registros em arquivos. Para a análise de dados, utilizou-se a análise do conteúdo.

O tratamento de dados baseou-se nas seguintes “proposições teóricas” (YIN, 2001YIN, R. K. Estudo de caso: planejamento e métodos. 2. ed. Porto Alegre: Bookman, 2001.), resultados da revisão bibliográfica e de interpretações da pesquisa:

  1. Assume-se que os atores organizacionais e a instituição inserem-se em uma realidade social. Esse é o lugar em que o “sujeito psíquico” assume o papel de recriar e interpretar a “rede de significados já constituídos”. Ou seja, “a realidade social – representada por outros – desempenha um papel constitutivo na gênese das representações” (JOVCHELOVICTH, 1995JOVCHELOVICTH, S. Vivendo a vida com os outros: intersubjetividade, espaço público e representações sociais. In: GUARESHI, P. A.; JOVCHELOVITCH, S. Textos em representações sociais. 8. ed. Petrópolis: Vozes, 1995., p. 78-79; MOSCOVICI, 1993MOSCOVICI, S. Social representations theory and social constructionism. Social representations mailing list 1. Mensagens postadas entre 28 de abril e 27 de maio, 1997. Disponível em: <http://psyberlink.flogiston.ru/internet/bits/mosc1.htm>. Acesso em: 12 abr. 2016.
    http://psyberlink.flogiston.ru/internet/...
    ).

  2. No contexto institucional, por sua vez, verifica-se a implantação de ferramentas gerenciais como o BSC, com o intuito de instrumentalizar a subjetividade dos indivíduos a favor dos interesses institucionais (ENRIQUEZ, 2009ENRIQUEZ, E. Interioridade e organizações. In: DAVEL, E.; VERGARA, S. C. Gestão com pessoas e subjetividade. São Paulo: Atlas, 2009.). Tais ferramentas se relacionam e geram impactos nas práticas cotidianas (ROUQUETTE, 2000ROUQUETTE, M. L. Representações e práticas sociais: alguns elementos teóricos. In: MOREIRA, A. S. P.; OLIVEIRA, D. C. Estudos interdisciplinares de representação social. 2. ed. Goiânia: AB, 2000.) que envolvem a gestão de pessoas.

  3. O indivíduo, nesse cenário, constrói suas representações sociais confrontando seus conhecimentos, valores e metas pessoais com o “saber institucionalizado”, os modelos de comportamento e os objetivos estabelecidos pela instituição (CAVEDON; FERRAZ, 2005CAVEDON, N. R.; FERRAZ, D. L. S. Representações sociais e estratégias em pequenos comércios. RAE – eletrônica, v. 4, n. 1, art. 14, jan./jun. 2005.).

A unidade de registro adotada, por sua vez, foi o “tema”, que, segundo Bardin (1977)BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977., refere-se à parte de um texto que expressa certos significados em fragmentos obtidos a partir de critérios relacionados com o referencial teórico que orienta a análise.

A empresa pesquisada, doravante denominada Empresa B, constitui-se de órgãos normativos, conselho nacional e conselhos regionais, com a função de delinear as diretrizes e aprovar os resultados operacionais, além de órgãos executivos, compostos pelo departamento nacional e por representantes dos 27 departamentos regionais. O departamento nacional coordena a execução de políticas definidas pelo conselho nacional e de projetos, em parceria com os departamentos regionais, que executam os projetos e programas.

A Empresa B é um departamento regional integrante do Grupo A, com outras quatro instituições. Destaca-se, porém, que determinadas áreas da Empresa B são administradas de maneira compartilhada pelo Grupo A. O Gerente 1 (responsável pela gestão estratégica da Empresa B) afirma que, alinhada à tendência nacional, a Empresa B implantou o BSC em 2004, com o intuito de monitorar o seu desempenho estratégico. Destaca-se que foram entrevistados, além do Gerente 1, mais três gerentes da Empresa B. Do Grupo A foram entrevistados o Diretor, o Assessor do Diretor e o Assessor do RH. Na unidade organizacional “UOP 3”, por sua vez, entrevistou-se o Gerente Geral, dois coordenadores e seis subordinados.

Análise dos dados

A seguir, são analisadas as entrevistas dos atores organizacionais dos diferentes níveis da empresa, com o intuito de identificar as implicações do BSC nas representações sociais sobre as práticas de gestão de pessoas. As entrevistas foram realizadas no período entre 2004 e 2009. A análise está subdividida em três categorias, que subsidiarão as conclusões: desenvolvimento das práticas de gestão de pessoas no cotidiano da empresa; relação entre práticas de gestão de pessoas e práticas cotidianas; implicações do BSC nas práticas cotidianas que envolvem a gestão de pessoas. Destaca-se que os trechos das entrevistas foram transcritos de maneira direta, preservando os discursos dos atores e substituindo o nome real das instituições pelos nomes fictícios Empresa B e Grupo A.

Desenvolvimento das práticas de gestão de pessoas no cotidiano da empresa

Sobre o desenvolvimento das práticas de gestão de pessoas, os dados revelaram que o Grupo A passou por mudanças que acabaram influenciando a operacionalização das políticas e práticas na empresa. Destaca-se a eleição de novo presidente em 2004, que assumiu com uma concepção de integração do grupo, o que afetou o setor de RH, já que antes “cada instituição tinha o seu departamento pessoal” (Assessora de RH) que desenvolvia suas políticas e práticas de gestão de pessoas. Conforme o Gerente 1 confirma:

“Por muitos anos o RH ficou sendo mais um departamento pessoal... Práticas de gestão praticamente não existiam... Era praticamente ponto, folha de pagamento, e pequenos benefícios. Gestão de RH praticamente não era feita... Com esta nova diretoria foi realizada uma reforma no setor de recursos humanos a fim de construírem ferramentas de RH.” (Gerente 1).

Verifica-se que a nova diretoria não se limita a compreender a ARH conforme a abordagem funcionalista, como um setor que deve se restringir à aplicação de técnicas, ferramentas e procedimentos (DAVEL; VERGARA, 2009aDAVEL, E.; VERGARA, S. C. Gestão com pessoas, subjetividade e objetividade nas organizações. In: DAVEL, E; VERGARA, S. C. Gestão com pessoas e subjetividade. São Paulo: Atlas, 2009a., p. 34). O setor de RH passou a ser visto como uma área responsável pela integração de valores (SCHEIN, 1985SCHEIN, E. Organization cultures and leadership: a dynamic view. San Francisco: Jossey-Bass, 1985. p. 1-26; 70-96.) e desenvolvimento de políticas de recursos humanos. Tais políticas, segundo Pagès et al. (1987)PAGÈS, M. et al. O poder das organizações. São Paulo: Atlas, 1987. p. 97-141., “são práticas de poder” que “formalizam as intenções da alta administração” (DAVEL; VERGARA, 2009aDAVEL, E.; VERGARA, S. C. Gestão com pessoas, subjetividade e objetividade nas organizações. In: DAVEL, E; VERGARA, S. C. Gestão com pessoas e subjetividade. São Paulo: Atlas, 2009a., p. 47).

Essa influência do presidente e da nova diretoria no setor de RH é confirmada pela Gerente de RH, que afirma que ficou surpresa com “as demandas do presidente” com relação à integração do grupo e desenvolvimento das práticas de gestão de pessoas. Conforme informação da Assessora de RH, o BSC também influenciou o RH, já que um dos programas que possui mais investimento do setor se originou a partir de um dos objetivos estratégicos do BSC: “aumentar a escolaridade dos funcionários”. Tal programa foi citado por outros funcionários, conforme fragmentos a seguir:

“A gente trabalha aqui 8 horas por dia e eu ter a oportunidade de estar estudando ao mesmo tempo pra mim é bom. E ter quem cobra isso, o meu serviço, me cobrando este estudo pra mim é bom.” (Coordenador 1).

“Hoje nós temos também o programa que a gente chama Programa X, [...], ele consegue ajudar os funcionários que querem levar à frente o ensino regular pagando um percentual dos seus estudos.” (Subordinado 6).

Ao analisar a maneira como as práticas de gestão de pessoas são implantadas, por sua vez, verifica-se que alguns aspectos se destacam: a falta de participação dos funcionários nas decisões e de conhecimento sobre as práticas de gestão de pessoas, conforme os fragmentos a seguir:

“Nós sentimos dificuldade aqui na unidade quando no início do ano anterior surgiu a ideia de integrar o grupo, e aí nós tínhamos duas opções: integra ou integra! E aí você sabe que a gente integra fisicamente, burocraticamente, mas no pessoal eu não me sinto muito integrada, não eu pessoa, mas eu funcionária.” (Subordinado 1).

“É o seguinte: o termo gestão eu entendo como você administra pessoas. Olha, eu vejo que a prática aqui dentro, ela deixa um pouco a desejar, porque pelo período que eu to aqui tiveram três trocas de gestão e isto gera impacto porque se inicia o trabalho depois para.” (Subordinado 2).

Esses fragmentos demonstram os efeitos das práticas de gestão de pessoas no cotidiano dos funcionários. O Subordinado 1 destaca a falta de diálogo, no que tange ao tema da integração das instituições do sistema. O Subordinado 2 afirma que a troca de gestão gera impacto no desenvolvimento da equipe, pois a cada gestão se interrompem os projetos e se iniciam novos. O diretor da empresa confirma essa informação e relata o caso do plano de cargos e salários:

“Então, tava pronto esse plano de cargos e salários, ai entrou na gestão do novo presidente do Grupo A em 2004, que foi, vamos acabar com o plano da Empresa. Tinha 3 meses que nós estávamos implantando o plano.” (Diretor).

Tais afirmações vão ao encontro de Davel e Vergara (2009a)DAVEL, E.; VERGARA, S. C. Gestão com pessoas, subjetividade e objetividade nas organizações. In: DAVEL, E; VERGARA, S. C. Gestão com pessoas e subjetividade. São Paulo: Atlas, 2009a., de que se priorizam as questões objetivas na relação com as pessoas e não se consideram as questões subjetivas nesse processo. Verifica-se, portanto, discordâncias com relação à forma com que as práticas de gestão de pessoas são desenvolvidas. Outro ponto a se considerar é o confronto entre o vivido no cotidiano e o prescrito pela instituição (ROULEAU, 2009ROULEAU, L. Emoção e repertórios de gênero nas organizações. In: DAVEL, E.; VERGARA, S. C. Gestão com pessoas e subjetividade. São Paulo: Atlas, 2009.), assunto a ser discutido no próximo tópico.

Relação entre práticas de gestão de pessoas e práticas cotidianas

As discordâncias na forma com que as práticas de gestão de pessoas são desenvolvidas na empresa acabam influenciando a relação com as práticas cotidianas. Os fragmentos seguintes revelam que há um conflito entre normas e regras corporativas e o cotidiano dos funcionários.

“Nós aqui sempre perguntamos se tem alguma norma corporativa. Nós sabemos que tem muitas normas, discordamos pela dificuldade que é, nós sabemos que foi imposta pelo departamento que talvez não conheçam exatamente a realidade das unidades, então a gente tenta ser flexível quanto a isso, indo diretamente ao centro, se eu posso ligar para o edifício do Grupo A e tentar manipular isso ‘aê’ pra conseguir o que eu preciso a gente faz.” (Coordenador 1).

“Eu percebo que eles buscam cumprir as normas, mas ainda têm muita dificuldade de entender todas as normas. Até porque são muitas. Nós temos muitas normas corporativas [...].” (Gerente Unidade UOP 3).

Verifica-se que o Coordenador 1 afirma que a dificuldade em lidar, no dia a dia, com as normas impostas pelo departamento é tão evidente, que se faz necessário manipulá-las para alcançar os objetivos da própria instituição. O Gerente da Unidade UOP 3 reconhece a existência de muitas normas e a dificuldade de compreendê-las. Outro ponto a ser discutido é o conflito entre os objetivos individuais e os objetivos organizacionais, principalmente com relação à influência política que a organização recebe, conforme observado nos trechos a seguir:

“O que a gente observa aqui dentro da nossa empresa, por ser uma empresa muito política com interferências muito fortes, sazonalmente falando, é que muitas vezes você tem um plano de trabalho, um plano de ação, fruto de um planejamento estratégico que foi feito, e na execução deste plano naturalmente, a Empresa vai alterando a forma de executar.” (Gerente 2).

“A gente tem objetivos estratégicos e indicadores para medir este desempenho, a gente mede o desempenho e cobra o desempenho em cima de indicadores, então a forma de alinhar é fazer com que as pessoas saibam quais são os indicadores que elas vão ser medidas, o desempenho delas, e fazer esta medição e cobrar esta medição por estes resultados.” (Gerente 1).

Na opinião do Gerente 1, a maneira de lidar com o conflito de objetivos é a medição do desempenho por meio de indicadores, de modo a atender aos objetivos estratégicos da instituição, entretanto, o Gerente 2 revela que ocorrem situações em que o planejamento estratégico não é considerado e prevalecem interesses individuais em virtude da interferência política no processo.

No que se refere à cobrança de metas, verifica-se que os funcionários destacam dois aspectos que interferem no cotidiano do trabalho: a implantação do BSC e o início da nova gestão em 2004. Como se verifica nos trechos a seguir, o Subordinado 2 e o Subordinado 3 afirmam que não se cobrava metas antes de 2004. Os dois, inclusive, questionam as práticas adotadas depois de 2004, com ênfase em números e metas, o que na opinião desses funcionários acabou gerando queda na qualidade do serviço oferecido aos alunos.

“Era light. De lá pra cá a coisa foi apertando. De 2008 pra cá apertou mais... a gente trabalha com educação, com educação profissional que é um pouco diferente, então eu não sei até que ponto isto certo, cria números, números e números e a gente vendo alguns problemas, [...] você alcança os números, agora a qualidade destes números ... (?).” (Subordinado 3).

“Em 2004 iniciou a gestão do nosso atual presidente, antes disso, eu desde 1999, não se cobrava tanto. Poderia ser feito muito mais, mas não se cobrava, depois de 2004 começou esta questão de meta, metas a atingir, mas não se adequou a estrutura. Se tivesse feito uma adequação desta estrutura com certeza teria sido bem melhor, por exemplo, os laboratórios, a escola ela foi projetada pra trabalhar com uma quantidade de alunos, e hoje trabalhando com 20, 30.” (Subordinado 2).

O Assessor de Diretor confirma essas informações dos Subordinados 2 e 3, ao afirmar que a partir de 2004 “passou a se ter um sistema de trabalho mais profissionalizado no sentido de se buscar resultado, com o menor custeio possível e com maior rendimento do trabalho”. O Assessor RH, por sua vez, diz que é complicado trabalhar com metas e indicadores por causa da postura da alta direção, que exige integração de outros setores, mas aparentemente não senta para dialogar e definir a metodologia de trabalho.

“A dificuldade que a gente tem prá área corporativa, é que o sistema não é integrado. Nós somos integrados, prá atender a todos, mas eles estão separados, eles agem como se tivesse que ter um método, um jeito pra fazer prá cada um. É difícil, prá nós trabalharmos em cima de metas, indicadores. É difícil, é complicado porque a gente tem que se adaptar ao jeito deles [...] e o pior eu acho que eles não sentam prá discutir, então fica a sensação que a gente mandando os relatórios, mas eles não são utilizados.” (Assessor RH).

O Gerente 4 e o Gerente 1, no entanto, afirmam que o BSC trouxe benefícios para a instituição, principalmente com relação ao gerenciamento das atividades. Destaca-se que o Gerente 1 concorda com o Subordinado 2 com relação à inexistência de metas antes de 2004, o que na opinião do Gerente 1 mudou com a implantação do BSC.

“Em 2004 quando foi implantado o BSC duas coisas ficaram marcantes, primeiro foi a definição de indicadores e indicação de metas, estas metas propiciam você ter um horizonte, você ter um foco, você ter um objetivo a cumprir dentro da sua função, isto facilitou o gerenciamento das suas atividades, e também uma focalização das atividades que agregam valor ao se atingir a meta.” (Gerente 4).

“Antes do BSC nós não fazíamos medição de desempenho com cobrança, pra ter resultados, sempre tinha alguns indicadores dispersos, mas com a implantação do BSC nós pudemos ter uma medição focada no resultado, no objetivo principal, na missão da instituição [...] Antes você fazia uma previsão do que ia alcançar hoje você determina uma meta pra alcançar... Sem dúvida o BSC trouxe uma visão de medição de desempenho.” (Gerente 1).

Os depoimentos revelam o conflito entre práticas de gestão de pessoas e práticas cotidianas. O indivíduo, no confronto diário com modelos de comportamento (metas, indicadores, normas corporativas e BSC), permeia esse saber institucionalizado de significados construídos de acordo com o contexto (CAVEDON; FERRAZ, 2005CAVEDON, N. R.; FERRAZ, D. L. S. Representações sociais e estratégias em pequenos comércios. RAE – eletrônica, v. 4, n. 1, art. 14, jan./jun. 2005.), com o intuito de “defini-las como conformes, ou divergentes” da realidade cotidiana vivida por ele (MOSCOVICI, 2003MOSCOVICI, S. Representações sociais: investigações em psicologia social. Petrópolis: Vozes, 2003., p. 65).

O que se verifica nos depoimentos é que certas atitudes colaboram para o conflito entre o prescrito e o vivido na instituição (ROULEAU, 2009ROULEAU, L. Emoção e repertórios de gênero nas organizações. In: DAVEL, E.; VERGARA, S. C. Gestão com pessoas e subjetividade. São Paulo: Atlas, 2009.) e geram implicações para as práticas cotidianas que envolvem a gestão de pessoas, como, por exemplo: a postura da alta gestão, que não consegue enxergar a realidade do funcionário (Coordenador 2) ao definir normas corporativas que não correspondem à “realidade das unidades” (Coordenador 1); a pressão política externa, que faz com que o “planejamento estratégico” (Gerente 3) prescrito não seja respeitado e prevaleçam os interesses de alguns sindicatos (vivido); e a ênfase em números, metas e indicadores (prescrito), que prejudica a relação com os alunos (vivido) e a qualidade dos serviços oferecidos, já que, em um espaço que tem capacidade para poucos estudantes, “hoje trabalhando com vinte a trinta” (Subordinado 2).

Percebe-se que são várias as situações que geram implicações nas práticas cotidianas dos funcionários. No próximo tópico, serão discutidas mais especificamente as implicações do BSC no cotidiano da instituição.

Implicações do BSC nas práticas cotidianas que envolvem a gestão de pessoas

O indivíduo se relaciona com as práticas cotidianas por meio do processo de familiarização que envolve as representações sociais. Esse processo ocorre por meio da ancoragem e da objetivação, de modo a possibilitar ao sujeito a capacidade de nomear o não familiar e representar o que foi nomeado (CAVEDON, 1999CAVEDON, N. R. As representações sociais dos universitários sobre o trabalho. In: ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM ADMINISTRAÇÃO – ENANPAD, 23., 1999, Foz do Iguaçu. Anais... Anpad, 1999.). No presente caso, o não familiar é o BSC. Verifica-se nos trechos a seguir que, no processo de implantação do BSC, o envolvimento dos funcionários se restringiu à alta direção, nível gerencial e alguns representantes de processos considerados importantes para a instituição.

“As unidades foram envolvidas, tinham representantes, alguns momentos traziam todo mundo pra cá, gerentes, prá discutir.” (Assessor RH).

“A participação era feita basicamente com equipes de líderes. Eram as pessoas que tinham conhecimento de processos importantes da instituição que eram líderes, eram gerentes nas unidades. Teve o envolvimento da direção regional, todos os gerentes das unidades e pessoas representativas dos processos importantes da instituição.” (Gerente 1).

Os dados revelam que tal postura gerou resistência e insatisfação de alguns setores, principalmente em razão de três causas: desconhecimento da ferramenta; dificuldade de adaptação das pessoas ao uso de metas e indicadores; mudança no ritmo de trabalho dos funcionários para alcançar as metas definidas. Os Subordinados 5 e 6 reforçam a informação de que a falta de conhecimento sobre a ferramenta BSC é um dos motivos para a resistência e a dificuldade em sua implantação. O Subordinado 5, inclusive, destaca que os docentes são o nível hierárquico com menos informação sobre o BSC.

“Eu acho que a maioria aqui não conhece. Pode ser os superiores os coordenadores, gerente, acredito que todos eles conhecem, mas eu acho que a parte de docência, que é a maior parte dos funcionários, não tem conhecimento não.” (Subordinado 5).

“Não é um programa que aqui na unidade esteja funcionando, que as pessoas tenham conhecimento, que saiba como funciona. Assim todo o processo, o mapa, nós tivemos reuniões não sei se foram todas as necessárias para implantação.” (Subordinado 6).

Os Subordinados 1 e 6, por sua vez, destacam que o BSC aumentou a cobrança de metas e afetou o cotidiano dos funcionários, gerando mudança no ritmo de trabalho para alcançar as metas estabelecidas.

“A empresa vem de uma história, como se fosse um órgão público sem a gente ter muita cobrança, sem ter que apresentar muitas informações como uma empresa privada tem que dar resultado. Foi quando começou o BSC em 2004. Desde então que sendo cobrado da gente aluno-hora, [...] Metas bem desafiadoras, cada vez metas mais desafiadoras, cada ano mais desafiadoras.” (Subordinado 6).

“A cada ano existe mais pressão, mais cobrança, muito mais. Tudo o que você faz ainda é pouco, você cumpriu sua meta ótimo, ano que vem você dobra ela, eu que já entrei no processo, quem é da velha guarda trocando parafuso de lugar, era muito sereno e agora muito acalorado...” (Subordinado 1).

Verifica-se, por meio da análise dos diferentes trechos dos entrevistados, que cada nível hierárquico sofreu implicações do BSC de uma maneira diferente em suas práticas cotidianas (DOISE, 2002DOISE, W. Da psicologia social a psicologia societal. Psicologia: teoria e pesquisa, Brasília, v. 18, n. 1, jan./abr. 2002.). Os gerentes do nível da alta direção compreendem o BSC como uma ferramenta que transformou a instituição no que se refere ao estabelecimento de metas, indicadores e acompanhamento de projetos. O Gerente 3, entretanto, reconhece a necessidade de uma boa comunicação do gestor com os membros de sua equipe para evitar resistências e críticas à implantação da ferramenta.

“[...] eu acho que foi um sistema que veio transformar a cultura da instituição, acompanhamento dos processos, acompanhamento das ações, dos projetos. Com certeza mudou muito a cabeça das pessoas, principalmente dos gerentes das unidades ? Dos coordenadores das pessoas, o corpo gerencial, de cada unidade.” (Assessor do Diretor).

“O BSC é uma ferramenta que é usada em grandes corporações, que pra mim é eficaz, você recebe indicadores essenciais, estabelecido dentro do sistema, qual é o grande gargalo, como que o gestor pega aquela planilha, decodifica aquilo e principalmente, ele passa aquilo pra o time?” (Gerente 3).

O Coordenador 2 destaca que a relação com o BSC se limita à alimentação de informações e à elaboração de relatórios. Ele compreende o BSC como uma ferramenta de controle de prazos, um painel de bordo, um sistema que deve ser alimentado com informações:

“Prazo, porque a gente tem metas, porque a gente tem que ficar alimentando o sistema com informação e o BSC, ele te dá o caminho prá onde você quer chegar, seria como uma ferramenta de controle, um painel de bordo né, as pessoas tem que se monitorando, cada pessoa é uma peça que faz parte de um todo, várias analogias são colocadas aí.” (Coordenador 2).

Tal afirmação revela que o BSC foi utilizado na empresa como um instrumento de poder, uma maneira de impor a vontade da alta direção sobre os outros níveis hierárquicos, justificada pelos argumentos de eficácia e eficiência, a fim de não assumir a relação dessas ações com o lucro e o poder (PAGÈS et al., 1987PAGÈS, M. et al. O poder das organizações. São Paulo: Atlas, 1987. p. 97-141.). Os subordinados, por sua vez, destacam que apesar de não conhecerem todo o BSC, acreditam que a ferramenta tem sido utilizada para determinar e monitorar as metas, e isso gera impacto no cotidiano do trabalho com a busca pelo alcance da meta a qualquer custo, conforme afirmação dos Subordinados 4 e 8 e exemplo citado pelo Subordinado 5:

“Eles não pensam em você, eles querem é começar o curso, eles pensam nas metas.” (Subordinado 4).

“Talvez eu esteja executando sem eu perceber, [...] o BSC tem as ferramentas de estatística também ? Talvez eles estejam se baseando nelas pra fazer essas metas assim, essa cobrança de metas.” (Subordinado 8).

“Um exemplo é quando chega um curso em cima da hora e você não tem tempo de fazer um plano de aula, segunda-feira vai começar um curso, na sexta e na segunda vai começar um curso, e o plano de aula não pronto, depois que eu terminei o curso, que eu percebi se eu começasse ele de uma maneira, o final seria mais proveitoso pras pessoas.” (Subordinado 5).

Tais afirmações demonstram que o BSC gerou implicações nas representações sociais das práticas de gestão de pessoas, de diferentes maneiras e nos vários níveis hierárquicos da empresa.

Considerações finais

Como proposto na discussão teórica, este estudo de caso avalia e discute o processo no qual o BSC gera implicações nas práticas cotidianas que envolvem a gestão de pessoas. Esta análise se fez com base nas representações sociais (MOSCOVICI, 2003MOSCOVICI, S. Representações sociais: investigações em psicologia social. Petrópolis: Vozes, 2003.) que “orientam os comportamentos e as práticas” dos sujeitos (ALMEIDA, 2005ALMEIDA, L. M. A pesquisa em representações sociais: proposições teórico--metodológicas. In: SANTOS, M. F. S.; ALMEIDA, L. M. Diálogos com a teoria das representações sociais. Recife: Ed. Universitária da UFPE, 2005., p. 123). Desse modo, o indivíduo se relaciona com as práticas cotidianas por meio do processo de familiarização que envolve as representações sociais. O objetivo foi compreender a repercussão da ênfase nas questões objetivas, na relação da empresa com os colaboradores dos diferentes níveis hierárquicos.

No processo de análise de dados, destacou-se a eleição do novo presidente com a filosofia de integração das instituições do Grupo A e a implantação do BSC, como mudanças que influenciaram as práticas de gestão de pessoas. A tendência de implantar ferramentas gerenciais de controle na área de recursos humanos e de integrar a gestão e o controle das instituições faz parte do que Paula e Wood Junior (2008, p. 129) definiram como “homogeneização de conceitos e práticas”, na qual “o mundo é controlável e todos os problemas do mundo podem ser resolvidos pela administração”.

Tais mudanças confirmam o que dizem Davel e Vergara (2009a)DAVEL, E.; VERGARA, S. C. Gestão com pessoas, subjetividade e objetividade nas organizações. In: DAVEL, E; VERGARA, S. C. Gestão com pessoas e subjetividade. São Paulo: Atlas, 2009a. sobre a priorização das questões objetivas na relação com as pessoas e a não consideração das questões subjetivas nesse processo. Observou-se, nos dados analisados, o conflito entre o prescrito pelas práticas de gestão de pessoas e o vivido nas práticas cotidianas (ROULEAU, 2009ROULEAU, L. Emoção e repertórios de gênero nas organizações. In: DAVEL, E.; VERGARA, S. C. Gestão com pessoas e subjetividade. São Paulo: Atlas, 2009.), como, por exemplo: a postura da alta direção, que não conhece a realidade dos funcionários e desenvolve normas corporativas que não correspondem à realidade cotidiana dos atores organizacionais. No entanto, por causa da delimitação da pesquisa, o estudo se dedicou mais especificamente à análise das implicações do BSC nas representações sociais sobre as práticas de gestão de pessoas.

Na análise das categorizações, verificou-se que a alta direção utilizou o BSC para impor seus interesses aos outros níveis hierárquicos, por meio da utilização de metas, indicadores e relatórios, gerando implicações nas práticas cotidianas que envolvem a gestão de pessoas de maneiras diferentes nos níveis hierárquicos da empresa. Os gerentes do nível da alta direção, portanto, compreendem o BSC como uma ferramenta que transformou a instituição, tornando-a mais profissional no que se refere ao estabelecimento de metas, indicadores e acompanhamento de projetos. Os coordenadores e o assessor de RH entendem o BSC como uma ferramenta de controle de prazos, um painel de bordo, um sistema que tem que ser alimentado constantemente com informação.

Os subordinados, por sua vez, acreditam que a ferramenta tem sido utilizada para determinar e monitorar as metas, o que impactou o seu cotidiano com a mudança no ritmo de trabalho para alcançá-las. Além disso, eles afirmam que o BSC gerou implicações na qualidade do serviço oferecido aos alunos, pois a ênfase na cobrança de resultados não foi acompanhada de investimentos na infraestrutura, como, por exemplo, a capacidade dos laboratórios. Os servidores também revelam que ocorreu uma mudança na exigência da empresa no que se refere ao nível de escolaridade, com a implantação do Programa “X”, resultado de um dos objetivos estratégicos definidos no BSC. Esse programa obrigou os funcionários a utilizarem o seu tempo livre para frequentar cursos, com o intuito de aumentarem o seu grau de escolaridade, reduzindo o tempo dedicado à convivência familiar, por exemplo. Outra implicação revelada pelos servidores foi a medição do desempenho, que leva em consideração apenas os objetivos da empresa, sem considerar os objetivos individuais do funcionário, o que vai ao encontro da afirmação de Enriquez (2009)ENRIQUEZ, E. Interioridade e organizações. In: DAVEL, E.; VERGARA, S. C. Gestão com pessoas e subjetividade. São Paulo: Atlas, 2009., de que a organização busca integrar a subjetividade do indivíduo aos objetivos estratégicos da empresa, por meio da utilização de ferramentas de gestão.

Essas implicações nas práticas cotidianas, entretanto, não foram capazes de modificar as representações sociais sobre as práticas de gestão de pessoas existentes antes da implantação do BSC. O BSC trouxe novas metodologias para integrar os objetivos individuais dos subordinados aos objetivos da alta direção, gerando implicações e mudanças nas práticas cotidianas, entretanto, a representação social das práticas de gestão de pessoas como instrumento de poder da alta direção não foi modificada. Tal constatação vai ao encontro do que afirma Rouquette (2000, p. 43)ROUQUETTE, M. L. Representações e práticas sociais: alguns elementos teóricos. In: MOREIRA, A. S. P.; OLIVEIRA, D. C. Estudos interdisciplinares de representação social. 2. ed. Goiânia: AB, 2000., de que há uma correlação entre práticas e representações sociais e não uma dependência causal, sendo “as representações como uma condição das práticas, e as práticas como um agente de transformação das representações”, ou seja, as mudanças e implicações ocorridas nas práticas cotidianas (vividas pelo indivíduo) não resultaram na transformação das representações sociais sobre as práticas de gestão de pessoas (impostas pela alta direção).

Na atualidade, este estudo oferece informações sobre como os indivíduos lidam com os conflitos entre o prescrito e o vivido na instituição (ROULEAU, 2009ROULEAU, L. Emoção e repertórios de gênero nas organizações. In: DAVEL, E.; VERGARA, S. C. Gestão com pessoas e subjetividade. São Paulo: Atlas, 2009.). Verifica-se que cada nível hierárquico reage às pressões para o alcance das metas previstas no BSC de uma maneira diferente. Os gerentes da alta direção compreendem a ferramenta como um instrumento para impor sua vontade aos outros níveis hierárquicos, os coordenadores e o assessor de RH acreditam que o BSC é utilizado para o controle de prazos. Os subordinados, por sua vez, são os que mais sofrem os impactos do BSC em suas práticas cotidianas, pois são afetados diretamente com a medição de desempenho que só leva em consideração os objetivos organizacionais, ignorando os objetivos individuais. O conhecimento sobre a relação entre BSC, práticas de gestão de pessoas e práticas cotidianas contribui para os gestores lidarem com a diversidade de opiniões, objetivos e comportamentos dos atores organizacionais (SILVA et al., 2006SILVA, A. R. L. et al. Contradições gerenciais na disseminação da cultura corporativa: o caso de uma estatal brasileira. Revista Brasileira de Administração Pública, v. 40, p. 357-384, 2006.).

Como limitações do trabalho, pode-se discutir a generalização das conclusões, já que este estudo busca “generalizar teorias (generalização analítica) e não enumerar frequências (generalização estatística)” (YIN, 2001YIN, R. K. Estudo de caso: planejamento e métodos. 2. ed. Porto Alegre: Bookman, 2001., p. 29). Além disso, ao utilizar a estratégia de entrevistas, os sujeitos da pesquisa podem revelar informações que não correspondem “à prática do grupo pesquisado”. Para superar esse limite, buscou-se estabelecer uma relação de confiança entre pesquisador e entrevistado, na qual ele mesmo indica outros sujeitos que podem corroborar as opiniões reveladas na entrevista (SÁ, 1998SÁ, C. P. A construção do objeto de pesquisa em representações sociais. Rio de Janeiro: EdUERJ, 1998., p. 51).

Como contribuição para trabalhos futuros, a intenção é que este estudo colabore para a discussão das subjetividades na gestão de pessoas e que os seus resultados possam facilitar a compreensão das questões que envolvem as práticas de gestão de pessoas e a relação com as práticas cotidianas. Sugere-se como oportunidade de pesquisa o aprofundamento da discussão sobre as implicações da pressão política externa no conflito entre o prescrito e o vivido nas instituições (ROULEAU, 2009ROULEAU, L. Emoção e repertórios de gênero nas organizações. In: DAVEL, E.; VERGARA, S. C. Gestão com pessoas e subjetividade. São Paulo: Atlas, 2009.), fator identificado neste estudo como causa de dificuldades na relação da organização com os funcionários.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2016

Histórico

  • Recebido
    19 Dez 2014
  • Aceito
    09 Out 2015
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