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A confiança nas relações interorganizacionais

Resumo

A dinâmica ambiental contemporânea tem influenciado a adoção de níveis de análise mais abrangentes para a compreensão de fenômenos organizacionais. Temas como formação de redes, alianças integração entre público e privado e outros desenhos organizacionais mais complexos exigem estudos que vão além do escopo interno das organizações. Dentre as questões de interesse desse campo de investigação, a confiança tem recebido grande atenção de pesquisadores no mundo inteiro, dada a sua importância para a adoção de mecanismos de governança mais flexíveis e adaptativos. o presente trabalho objetiva apresentar algumas definições de confiança e quatro das principais correntes teóricas que se propõem a compreendê-la enquanto fenômeno social - escolha racional, custos transacionais, neo-institucionalismo e a teoria do sistema social - destacando seus pressupostos centrais e as contribuições almejadas, orientadas pela dinâmica das relações interorganizacionais.

Abstract

The environmental contemporary dynamics has influenced over the adoption of more comprehensive levels of analysis so that organizational phenomena can be understood. Subjects. as network formation, strategic alliances, integration between private and public affairs and other more complex organizational structures demand studies that reach beyond the internal scope of the organizations. Among the issues of interest in this inquiry field, trust has received great attention from researchers all over the world, given its importance for the adoption of more flexible and easily adaptable governing mechanisms. The present essay aims at presenting some definitions of "trust", as well as four of the main theoretical trends that try to understanding it as a social phenomenon - rational choice, transactional costs, neo-institutionalism, and the social system theory - highlighting their core presuppositions and the contributions aimed at, guided by the dynamics of the inter organizational relationships.

INTRODUÇÃO

O aumento da turbulência ambiental percebida nas últimas décadas tem levado os estudiosos a considerar o ambiente como fator crítico para o sucesso organizacional (ALDRICH, 1979ALDRICH, Howard. Organizations & environments. Englewood Cliffs: Prentice Hall, 1979.). No entanto, a quebra do padrão convencional da adoção do nível de análise organizacional e suborganizacional não é tarefa das mais simples, principalmente no Brasil, onde os níveis supra organizacionais de análise não dispõem de grande tradição histórica (SELEME; ORSSATTO, 1991)SELEME, A.; ORSSATTO, R. J. A construção social da realidade organizacional: tradição macro-analítica dos estudos organizacionais. XIV ENCONTRO DA AÇAO NACIONAL DOS PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇAO EM ADMINISTRAÇAO, 1990, Belo Horizonte. Anais... Belo Horizonte: ANPAD, 1990..

Segundo Scott (1995SCOTT, Richard W. Institutions and organizations. Thousand Oaks, CA: Sage, 1995.), os níveis identificados para análise variam muito em função do foco do pesquisador, tendo em vista sua abordagem do fenômeno. A dimensão-chave subjacente é o âmbito do fenômeno abordado, que pode ser medido em termos de espaço, tempo, ou número de pessoas afetadas.

Os níveis de análise constituem-se um dos pólos de entendimento da história dos estudos organizacionais, isto porque são focos a partir dos quais são feitas as reflexões sobre o fenômeno organizacional. Tornam-se assim, perspectivas de análise úteis para se observar certas tendências da teoria organizacional ao longo da história (SELEME; ORSSATTO, 1991SELEME, A.; ORSSATTO, R. J. A construção social da realidade organizacional: tradição macro-analítica dos estudos organizacionais. XIV ENCONTRO DA AÇAO NACIONAL DOS PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇAO EM ADMINISTRAÇAO, 1990, Belo Horizonte. Anais... Belo Horizonte: ANPAD, 1990., p. 112).

A mudança do nível de análise para uma abordagem externa à organização tem mostrado ser pertinente para a compreensão da complexidade organizacional e do ambiente. Nesse sentido, o entendimento das relações interorganizacionais é um passo importante, principalmente no momento atual, em que os efeitos das mudanças ambientais têm sido notados no dia-a-dia das organizações, forçando as a novas configurações estruturais ou estratégicas (DIMAGGIO; POWELL, 1983DIMAGGIO, P. J.; POWELL, W. W. The iron cage revisited: institutional isomorphism and collective rationality in organizational fields. American Sociological Review, v. 48, p. 31-41, 1983.). Dentre os temas abordados na compreensão das relações interorganizacionais, a confiança vem recebendo atenção crescente no meio acadêmico internacional (OLIVER, C.,1990OLIVER, C. Determinants of interorganizational relationships: integration and future directions. Academy of Management Review. v. 15. n. 2, p. 241-265, 1990.; OLIVER, A.,1998OLIVER, A. L. Networking network studies: an analysis of conceptual configurations in the study of inter-organizational relationships. Organization Studies, Fall, 1998.).

Confiança é vista comumente como o resultado de um processo no qual um relacionamento se desenvolve gradualmente, sendo propriedade de uma coletividade mais do que de um indivíduo isolado. Isso sugere que o relacionamento, e não o indivíduo, deve ser a unidade de análise na pesquisa da confiança. Nesse sentido, o objetivo do presente ensaio é apresentar algumas correntes teóricas que se propõem a estudar a confiança no contexto das relações interorganizacionais, visando a incentivar o desenvolvimento desse campo também aqui no Brasil, que ainda não possui grande tradição nesse nível de análise, e tampouco no estudo da confiança como fenômeno social.

RELAÇÕES INTERORGANIZACIONAIS

Dentre os diferentes níveis de análise, as relações interorganizacionais vêm crescentemente aumentando em importância. Periódicos internacionais vêm de dicando números especiais a esse tipo de pesquisa como a Organizational Science, American Management Journal entre outros, evidenciando as diversas abordagens adotadas na compreensão do tema.

As relações interorganizacionais são comumente definidas como todos os diferentes tipos de contatos entre organizações. Essas interações podem estender-se da forma concorrencial e antagônica para aquelas de natureza cooperativa. A existência de contatos inter-relacionais implica que as organizações envolvi das desenvolvam processo de escolha do grupo de interação com aqueles que são relevantes no conjunto de organizações (RING; VAN DE VEN, 1994RlNG, P.S.; VAN de VEN, A. H. Developmental process of cooperative interorganizational relationships. Academy of Management Review, v. 19, p. 90-118, 1994.). No entanto, tais relacionamentos, como todos os outros, podem trazer benefícios e custos. Zuckerman, Kalunzny e Ricketts (1999ZUCKERMAN, H. S.; KALUNZNY, A.; RICKETTS, T. Alliances in health care: What we know, what we think we know, and what we should know. Health Care Manage Review. v. 20, n. 01, p. 54-64, 1999.) salientam os principais:

Benefícios

  • Desenvolvimento de oportunidades para aprender e se adaptar a novas competências.

  • Obtenção de recursos.

  • Divisão de riscos.

  • Divisão de custos de produção e desenvolvimento de tecnologia.

  • Obtenção de influência sobre seu domínio.

  • Acesso a novos mercados.

  • Aumento da habilidade para gerenciar incertezas e resolução de problemas complexos.

  • Suporte mútuo e obtenção de sinergia em grupo.

  • Resposta rápida à demanda de mercado e oportunidade tecnológica.

  • Ganho de aceitação de governantes de outros países.

  • Fortalecimento da posição competitiva.

Custos

  • Perda da superioridade técnica.

  • Perdas de recursos.

  • Compartilhamento dos custos dos fracassos.

  • Perda de autonomia e controle.

  • Conflito de experiências sobre domínio, métodos e objetivos.

  • Retardamento de soluções devido a problemas de coordenação.

  • Regulamentação e intromissão do Governo.

Segundo Aldrich (1979ALDRICH, Howard. Organizations & environments. Englewood Cliffs: Prentice Hall, 1979.), a incapacidade das organizações de se auto-sustentarem força-as a buscarem no ambiente os recursos necessários, independentemente dos custos que possam surgir. Para ele, a obtenção de instalações, materiais, produtos ou receitas que asseguram a sobrevivência organizacional tem sido a razão principal para o estabelecimento de relações interorganizacionais. As organizações também se esforçam para serem autônomas. Por opção, elas prefeririam não estabelecer relações interorganizacionais, na medida em que essas relações tendem a limitar suas ações subseqüentes.

Para Hall (1984HALL, R H. Organizações: estrutura e processo. 3ª ed. Rio de Janeiro: Prentice-Hall do Brasil, 1984.), a compreensão das relações interorganizacionais depen de da identificação dos fluxos de recursos e das formas de transação. Orientado por essas premissas, descreveu quatro bases de interação nos relacionamentos interorganizacionais que partem da compreensão das características gerais do ambiente e dos fatores situacionais, conforme o Quadro 1.

Quadro 1
Arcabouço para Análise Interorganizacional

Esse conjunto de variáveis constitui uma alternativa para o estudo das relações interorganizacionais, independentemente da teoria adotada, partindo de uma compreensão ampla, com a identificação das características ambientais gerais, passando pelos fatores situacionais. As bases das relações, os fluxos de recursos e as formas de transação permitem conhecer o padrão de relacionamento entre as empresas participantes de uma rede ou localizadas em um certo espaço. Apesar de não oferecerem possibilidade de leitura d/as questões políticas e culturais presentes no ambiente, os estudos de Hall (1984)HALL, R H. Organizações: estrutura e processo. 3ª ed. Rio de Janeiro: Prentice-Hall do Brasil, 1984. são tradicionalmente utiliza dos para a abordagem das relações interorganizacionais.

Complementando o trabalho de Hall, Whetten (1981WHETTEN, D. A. Interorganizational relations: a review of the field. Journal of Higher Education. v. 52, n. 1, p. 1-28, 1981.) apresenta quatro abordagens tradicionais que se propõem ao estudo do relacionamento advindo da interdependência entre as organizações (Quadro 2). Para ele, o fenômeno das relações interorganizacionais tem despertado a atenção de diversas disciplinas, pois cada grupo de interesse tem encontrado uma faceta diferente para aprofundar seu estudo nesse nível de análise.

Quadro 2
Quatro Abordagens para Pesquisa em Relações Interorganizacionais

Com a análise do Quadro 2 é possível perceber a diferença de abordagem em função da alteração do campo do conhecimento adotado. Essa decisão influencia, diretamente, desde a escolha do método de pesquisa até seus objetivos. Por exemplo, pesquisas com a orientação de marketing têm primariamente examinado as ligações verticais entre organizações comerciais, como canais de distribuição. No caso da administração pública, o interesse não é tanto nas relações verticais e sim entre os membros desse setor. Galaskiewicz (1985)GALASKIEWlCZ, J. Interorganizational relations. Annual Reviews. v. 11, p. 281-304, 1985. exemplifica essa distinção: enquanto os economistas estão interessados nas imperfeições do mercado e suas aberrações, sociólogos vêem como ponto central o processo de obtenção e alocação de recursos.

Evan (1978EVAN, W. (Org.) Inter-organizational relations. Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 1978.) apresenta quatro exemplos da configuração dessas interações entre organizações:

  1. Diádica. E aquela na qual a organização focal A interage com B, sendo B uma organização individual ou uma classe de organização.

  2. Rede em roda. A organização focal interage com mais de uma organização de um tipo particular, porém não existe interação mútua entre os outros membros.

  3. Rede de múltiplos canais. Todos os membros do conjunto interagem entre si e cada um interage com a organização focal.

  4. Ligação em corrente. Cada membro do conjunto está ligado em série com a organização focal e existe contato somente na primeira ligação.

Para Galaskiewicz (1985)GALASKIEWlCZ, J. Interorganizational relations. Annual Reviews. v. 11, p. 281-304, 1985., além da existência da arena da procura e alocação de recursos, existem duas outras que são estudadas: defesa política e legitimação organizacional. A primeira está relacionada com a procura de facilidades, materiais, produtos ou, de forma geral, com a sobrevivência da organização, sendo esse o objetivo principal do desenvolvimento das relações interorganizacionais. A defesa política procura usar o poder do sistema social amplo para tornar as normas institucionalmente construídas mais favoráveis a si; já a arena da legitimação busca a adequação dos objetivos organizacionais e a sua operacionalização à aceitação da comunidade. Nessa última, considerável atenção é direcionada para a melhoria da imagem por meio das relações públicas.

Em cada uma dessas arenas, a confiança parece desempenhar o papel específico de possibilitar e/ou facilitar a integração entre atores ou atuar como fator de risco.

CONFIANÇA

A confiança, como fenômeno social; tem sido reconhecida como um mecanismo cultural importante na condução das interações e expectativas de atores sociais (FUKUYAMA, 1996)FUKUYAMA, F. Trust: the social virtues and the creation of prosperity, London: Hamish Hamilton, 1995.. Para Bachmann et al. (2001BACHMANN, R. et al. Trust and control in organizational relations. Organization Studies, March, 2001.), sem um certo grau de confiança é quase impossível o estabelecimento e a manutenção de relações organizacionais com sucesso por um longo período de tempo. Esses autores destacam duas causas que evidenciam a importância da confiança: as rápidas mudanças que estão acontecendo no mundo dos negócios e o fato de que o controle é tradicionalmente visto como uma forma negativa de coordenação, particularmente por aqueles que são suas vítimas.

Estudando as relações interorganizacionais, Oliver A. (1998OLIVER, A. L. Networking network studies: an analysis of conceptual configurations in the study of inter-organizational relationships. Organization Studies, Fall, 1998.) analisou artigos dos principais periódicos internacionais de estudos organizacionais nos últimos anos (American Sociological Review, American Science Quarterly, American Management Journal e Organization Science), encontrando 158 artigos nos mais diferentes referenciais teóricos. Dentre eles, 10,8% abordam o tema da confiança como antecedente das relações interorgç:rnizacionais e 7,6% como resultado dos relacionamentos interorganizacionais. 'Apesar da presença da confiança em parte significativa dos estudos, ela não se destacou como um conceito central na preocupação dos pesquisadores. Mesmo não sendo um dos principais conceitos abordados nesses textos, o que é justificado em parte pela abordagem quantitativa da maioria dos periódicos americanos, o tema confiança tem recebido atenção de diversas áreas do conhecimento, em busca de respostas para vários problemas de pesquisa.

Luhmann (1979LUHMANN, N. Trust and power, Chichester: John Wiley, 1979.), considera que as mudanças na base da confiança interpessoal para institucional é um marco dos tempos atuais, ampliado pelo fato de que a moderna economia global tem aumentado a necessidade de colaboração efetiva além das fronteiras nacionais (CHILD, 2001CHILD, J. Trust: the fundamental bond in global cooperation. Paper prepared for the 30th anniversary issue of Organizational Dynamics, 2001, 2001.). De acordo com Luhmann (1979)LUHMANN, N. Trust and power, Chichester: John Wiley, 1979., a confiança é importante, pois reduz a complexidade da sociedade e per mite que a vida social transcorra mais suavemente. Num contexto mais amplo, Fukuyama (1996)GALASKIEWlCZ, J. Interorganizational relations. Annual Reviews. v. 11, p. 281-304, 1985. afirma que nos dias atuais uma ambição da maioria dos governos em suas políticas macroeconômicas é não provocar crises, assegurando um suprimento estável de recursos e controlando grandes déficits orçamentários. Sendo assim, a prosperidade de uma sociedade depende, entre outros fatores, da confiança generalizada da mesma. A confiança é então, para Fukuyama, [ ... ] "a expectativa que nasce no seio de uma comunidade de comportamento estável, honesto e cooperativo, baseado em normas compartilhadas pelos membros dessa comunidade" (FUKUYAMA, 1996GALASKIEWlCZ, J. Interorganizational relations. Annual Reviews. v. 11, p. 281-304, 1985., p. 41), sendo grande influenciadora da prevalência de interação numa sociedade ou de certas partes dela.

Coleman (1990COLEMAN, J. S. The foundations of social theory. Cambridge, Mass: Harvard University Press, 1990.) defende a existência do capital social, que é a capacidade de as pessoas trabalharem juntas visando objetivos comuns em grupos ou organizações. Isto é altamente dependente do grau em que as comunidades compartilham normas e valores e mostram-se dispostas a subordinar interesses individuais aos dos grupos maiores. Desses valores nasce a confiança, que tem, inclusive, valor econômico, e sua queda, ou falta, criaria ônus para toda a sociedade com um processo espiral de crescimento, como nos escândalos recentes de falsificação de balanços da WorldCom ou da Pirelli.

Para Granovetter (1985GRANOVETTER, M. Economic action and social structure: a theory of embeddedness. Americam Jounal of Sociology, 91, p. 481-510, 1985.), as pessoas são inseridas numa variedade de grupos sociais - famílias, vizinhanças, redes, companhias, igrejas e nações - cujos interesses elas têm que contrapor aos seus. O alto nível de confiança na sociedade pode influenciar a organização do ambiente de trabalho numa base mais flexível e grupo orientado, delegando mais responsabilidade aos níveis inferiores. Caso contrário, surge a necessidade de mecanismos burocráticos de controle orientados pela razão instrumental. A confiança funciona, nessas situações, como mediadora da luta de interesses, e sua ausência pode ser um forte incentivo para trazer as atividades para as organizações e ampliar a hierarquia de controle (WILLIAMSON, 1975WILLIAMSON, O. E. Markets and hierarchies. New York: Free Press, 1975.).

Como salienta Child (2001CHILD, J. Trust: the fundamental bond in global cooperation. Paper prepared for the 30th anniversary issue of Organizational Dynamics, 2001, 2001.), a moderna economia é caracterizada pela necessidade de colaboração efetiva além dos limites nacionais, onde conseguir colaboração global para o trabalho eficiente é o primeiro passo. Nesse processo, os contratos formais desempenham um papel importante no estabelecimento de condições e critérios de desempenho para colaboração e podem prover a única base na qual os parceiros de negócios são preparados para trabalhar juntos num primeiro momento. Mas os contratos raramente são suficientes sozinhos. O entendi mento informal, baseado na confiança, freqüentemente provê um fator ainda mais poderoso na determinação de como colaborar (CHILD, 2001CHILD, J. Trust: the fundamental bond in global cooperation. Paper prepared for the 30th anniversary issue of Organizational Dynamics, 2001, 2001.). Para esse autor, dois tipos de incertezas podem surgir nas colaborações: a primeira, sobre as contingências futuras, e a segunda, como os parceiros irão reagir em face desses eventos futuros. Sob condições de incertezas, a confiança estabiliza as expectativas que as pessoas têm em relação às outras. No entanto, para que a confiança surja é necessária a existência de uma base, seja ela tradicional ou institucional. A base tradicional surge do compartilhamento de atributos que vêm do sentimento de pertencer ao mesmo grupo social e é reforçada pelas experiências passa das. Outra base está no desenvolvimento do sistema de leis que protege os indivíduos. Para Child (2001)CHILD, J. Trust: the fundamental bond in global cooperation. Paper prepared for the 30th anniversary issue of Organizational Dynamics, 2001, 2001., quando este sistema é falho ou não existe, as bases de natureza tradicional funcionam como suporte.

Child (2001CHILD, J. Trust: the fundamental bond in global cooperation. Paper prepared for the 30th anniversary issue of Organizational Dynamics, 2001, 2001.) identifica algumas vantagens da confiança:

  1. Generaliza a boa vontade para cobrir diferenças culturais e para o trabalho, por meio de outras dificuldades que possam surgir na colaboração.

  2. A confiança entre parceiros pode encorajá-los a trabalhar juntos frente aos imprevistos circunstanciais. Assim, permite ajustamentos mais rápidos e me nos conflitos. Para situações novas, os contratos e outros acordos formais não têm previsão.

  3. Pode prover uma alternativa para diminuir s altos custos e possivelmente os efeitos desmotivadores do controle próximo e a perda de credibilidade nos contratos.

  4. A confiança entre empresas ou departamentos encoraja a abertura para trocas de idéias e informações, oferecendo condições necessárias para inovação e outras formas de criação do conhecimento.

Por estas razões, segundo Child (2001CHILD, J. Trust: the fundamental bond in global cooperation. Paper prepared for the 30th anniversary issue of Organizational Dynamics, 2001, 2001.), a confiança é particularmente um ingrediente vital no sucesso de alianças globais e fusões, sua geração, desenvolvimento, construção e sustentação que requer esforço, sensibilidade e tempo.

Apesar de todas as vantagens ela confiança, ela também envolve riscos. Várias teorias descrevem instrumentos para minimizá-los, como contratos, estruturas hierárquicas, recompensas, punições e outros mecanismos de controle.

Na visão de Mayer, Davis e Schoorman (1995MAYER, R.; DAVIS, J.; SCHOORMAN, F. An integration model of organizational trust. The Academy of Management Review. v. 20, n.3, 709-19, 1995.), o estudo da confiança apresenta alguns problemas. Dentre eles, a falta de clareza em sua definição, a existência de lacunas entre confiança e risco, a confusão entre confiança, seus resultados e antecedentes. Eles defendem também que existem problemas com a definição de confiança, como por exemplo a falta de clareza entre risco e confiança, a confusão entre confiança, seus antecedentes e resultados. Para eles, a falta de especificidade do conceito tem dificultado a definição dos níveis de análise, além do problema de não considerar ambos, risco e confiança, como pode ser identificado nos trabalhos de Deutsch (1958DEUTSCH, M. Trust and suspicion. Journal of Coflict Resolution, v. 2, p. 265-79, 1958.), Shapiro (1987SHAPIRO, S.P. The social control of impersonal trust. American Journal of Sociology, 93(3), p. 623-58, 1987.), Costa (2000COSTA, A. C. Confiança nas organizações: um imperativo nas práticas de gestão. In: RODRIGUES, S. B.; CUNHA, M. P. Novas perspectivas na administração de empresas. São Paulo, 2000.), Dodgson (1993DODGSON, M. Learnig, trust and technological collaboration. Human relations, v. 46, n. 1, p. 77-95, 1993.), Bachmann (2001BACHMANN, R. et al. Trust and control in organizational relations. Organization Studies, March, 2001.), entre outros.

Por ser um conceito multidimensional (NEWELL; SWAN, 2000NEWELL, S.; SWAN, J. Trust and inter-organizational networking. Human Relations V. 53, n. 10, p. 1287-1328, 2000.), a confiança pode apresentar vários significados que compartilham, segundo Lane (1998LANE, C. Introduction: theories and issues in the study of trust. ln: LANE, C.; BACHMANN, R. (eds) Trust within and between organizations: conceptual issues and empirical applications. Oxford: Oxford University Press, 1998.), três pressupostos: a) existência de um grau de interdependência entre o que confia e o que recebe a confiança; b) a confiança provê forma de arcar com riscos ou incertezas nos relacionamentos de troca; e c) crença ou expectativa de que a vulnerabilidade resultante da aceitação do risco não irá tirar vantagem do relacionamento.

No trabalho de Deutsch (1958DEUTSCH, M. Trust and suspicion. Journal of Coflict Resolution, v. 2, p. 265-79, 1958.), a definição de confiança traz a noção de motivação como também a de previsibilidade, envolvendo, assim, expectativas de eventos que ocorrerão no futuro. Para Costa (2000COSTA, A. C. Confiança nas organizações: um imperativo nas práticas de gestão. In: RODRIGUES, S. B.; CUNHA, M. P. Novas perspectivas na administração de empresas. São Paulo, 2000.), a confiança é mais que um conjunto de expectativas em relação a um determinado acontecimento. É também querer aceitar o desafio e as implicações associadas à atitude de confiar. Já Shapiro (1987SHAPIRO, S.P. The social control of impersonal trust. American Journal of Sociology, 93(3), p. 623-58, 1987.) define confiança como o relacionamento social no qual alguém investe recursos, autoridade e responsabilidade em outro para agir em seu favor, para algum retorno incerto no futuro. Dodgson (1993DODGSON, M. Learnig, trust and technological collaboration. Human relations, v. 46, n. 1, p. 77-95, 1993.) diferencia a confiança entre interpessoal e interorganizacional e defende que a colaboração entre organizações precisa transcender as relações.

Para Bachmann (2001BACHMANN, R. et al. Trust and control in organizational relations. Organization Studies, March, 2001.), a confiança tem se tornado o mecanismo central para a conquista de soluções eficientes para o problema de coordenação de expectativas e interações entre atores econômicos, diferentemente das relações hierárquicas, que são controladas principalmente por procedimentos burocráticos e mecanismos de coordenação vertical.

Segundo Blau (1964BLAU, P. Exchange and Power insocial life. New York: Wiley, 1964.), o tempo é um importante aspecto da confiança. As empresas podem aprender a confiar nas outras com o passar do tempo, pois a experiência de que um parceiro não tirou vantagem de suas dependências e a resolução amigável de pequenos conflitos podem desenvolver a sensação de confiabilidade entre as empresas, formando um círculo virtuoso.

Um dos grandes problemas identificados no estudo da confiança é a confusão entre esse conceito e algumas palavras usadas como sinônimos. No entanto, a confiança apresenta características que merecem ser evidenciadas no intuito de aprofundar a sua compreensão como fenômeno social. O Quadro 3 é uma tentativa de identificação dos principais sinônimos adotados.

Quadro 3
Sumário dos Conceitos Comumente Usados como Sinônimos de Confiança

Na tentativa de compreender melhor o constructo confiança, serão apresentadas as principais correntes teóricas que se dedicam ao seu estudo no nível supra-organizacional.

PRINCIPAIS CORRENTES TEÓRICAS

Existem diversos campos do conhecimento que se propõem a estudar a confiança. Bhattacharya (1998BHATTACHARYA, R. A formal model of trust based on outcomes. Academy of Management Review, July, 1998.) identifica perspectivas oriundas da antropologia, economia, psicologia, sociologia e ciências políticas, envolvendo diferentes pesquisadores, problemas, abordagens, métodos e níveis de análise. Dentre os principais referenciais teóricos do estudo de confiança nas relações interorganizacionais, destacam-se a teoria da escolha racional, a dos custos transacionais, a do neo-instítucionalismo e a do sistema social, que serão abordadas a seguir.

Escolha racional

Na teoria da escolha racional, a confiança pode ser suficientemente entendida como uma estratégia de atores racionais para maximizar seus interesses (COLEMAN, 1990COLEMAN, J. S. The foundations of social theory. Cambridge, Mass: Harvard University Press, 1990.). Para essa abordagem, os atores sociais calculam os benefíci os e as perdas que podem surgir de suas decisões de confiar ou não em outro ator social antes dele fazer sua decisão, sendo uma estratégia unicamente orientada pelo interesse próprio dos atores sociais para maximizar seus ganhos (COLEMAN, 1990)COLEMAN, J. S. The foundations of social theory. Cambridge, Mass: Harvard University Press, 1990.. Assim, os atores sociais constroem suas decisões de confiar ou não, com base no puro cálculo racional e no argumento de que ele calcula explicitamente seu potencial para ganhar ou perder com o seu investimento de risco na confiança.

Confiar em alguém significa, nessa perspectiva, ter informações que possam levar a antecipação do comportamento futuro ou a identificação de sua probabilidade. Para Bachmann (1998), somente numa situação na qual os atores sociais têm informações para influenciar o comportamento futuro do depositário da confiança é que ela se faz necessária. Se existe informação completa sobre todos os fatores que influenciariam a decisão de outro ator social, a confiança é redundante e a cooperação pode ser conseguida de outra forma.

A teoria de Coleman de como um ator social decide se irá ou não confiar em alguém é baseado na simples expressão pG <ou>(1-p) V, onde p é probabilidade de que o depositário da confiança irá se comportar de modo confiável, G é o potencial de ganho a ser realizado se isso for verdade, (1-p)V o risco que o depositário oferece e V é o potencial de perda de que pode ocorrer se o último mantiver a verdade.

O dilema do prisioneiro de Axelrod (1984)AXELROLD, B. The evolution of cooperation. New York: Basic Books, 1984. ilustra essa corrente de pensa mento. Ele argumenta que a confiança emerge com a cooperação em jogos repetitivos. Dois jogadores escolhem em cada jogo cooperar ou não. Os dois recebem grande recompensa se eles cooperarem, mas perdem muito se a cooperação não ocorrer. O máximo de perda se dá quando um coopera e o outro não, assim como o máximo de ganho. O que coopera perde muito enquanto o que não coopera tem o seu ganho maximizado. A decisão de cooperar ou não é uma decisão de confiança e de expectativa no longo prazo. A análise de Axelrod mostra como a confiança pode emergir com a força de interação dominante entre um par de pessoas.

Dentre outros aspectos, essa teoria busca compreender quais são as motivações existentes para a cooperação, tendo a comunicação e a informação papéis centrais no seu desenvolvimento.

Teoria neo-institucional

Essa corrente de pensamento está mais preocupada com as questões que vão além da organização, principalmente com o seu processo de adaptação ao ambiente. Devido a pressões ambientais, as organizações estão mais próximas das outras e estrategicamente ligadas por uma série de nós, em uma rede de relacionamento e de interessei que faz emergir certas estruturas e padrões de interação. Esse processo é entendido por Giddens (1979GIDDENS, A. Central problems in social theory: action, structure, and contradiction in social analysis. Berkeley, CA: University of California Press, 1979.) como estruturação.

A teoria da estruturação sugere que as propriedades estruturais do sistema social são o agente e o resultado das práticas que constituem tal sistema. Essa teoria argumenta que uma característica fundamental da vida social - relações entre atores ou coletividades - torna-se organizada com a prática dentro do sistema social, formando a estrutura do sistema. Ao mesmo tempo em que as estruturas governam o comportamento dos atores e o estabelecimento ordenado de sua conduta, dá-se a sua manutenção (GIDDENS, 1979GIDDENS, A. Central problems in social theory: action, structure, and contradiction in social analysis. Berkeley, CA: University of California Press, 1979.).

DiMaggio (1982)DIMAGGIO, P. J. Cultural entrepreneurship in nineteenth century. ln: The creation of an organizational base for high culture in America. Media, Culture and Society. n. 4, p. 33-50, 1982. sugere que o processo de estruturação nas redes tem quatro partes: 1) aumento de interação entre as organizações; 2) emergência de características definidas de coalisões e estrutura de dominação; 3) aumento na carga de informação com que firmas têm que lidar; e 4) a formação da consciência nas firmas de que elas estão comprometidas em um empreendimento comum.

Da interação entre organizações, desenvolvem-se arranjos estruturais entre os atores, incluindo estruturas de poder como coalisão e domínio. Ao longo do tempo, as organizações interagem com as outras, podendo conduzir a estruturação para o desenvolvimento de padrões de interação que são independentes das firmas individuais.

A compreensão do contexto em que estão inseridas as organizações é fundamental para o entendimento das estruturas e processos organizacionais. Para Pettigrew (1985PETTIGREW, A. M. The Awakening Giant: Continuity and Change in ICI. Oxford: Basil Blackwell, 1985.), o contexto modela as decisões que são tomadas e, desse modo, facilita a previsibilidade da ação organizacional. Esse autor destaca que as organizações não são elementos sociais coletivos passivos, agindo, por vezes, procurando modelar o próprio contexto, o que nos leva a traçar um quadro de interação complexa entre organizações e contextos em permanente movimento dinâmico, longe, portanto, de configurar uma relação determinista e inequívoca (CARVALHO; VIEIRA; LOPES, 1999CARVALHO, C. A. P.; VIEIRA, M. M. F.; LOPES, F. D. Contribuições da perspectiva institucional para análise das organizações. XXIII ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS PROGRAMAS DE POS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO, 1999, Foz do Iguaçu. Anais... Foz do Iguaçu: ANPAD, 1999.).

A teoria neo-institucionalista tem analisado a dinâmica da confiança nas sociedades, reconhecendo a existência de vários mecanismos que a produzem, procurando entender como se dão a ação e a estrutura de reprodução de instituições, enfatizando a importância crucial de fontes tradicionais de confiança como bases para a formação e reprodução institucional.

Nessa perspectiva, a institucionalização é o processo de socialização que transforma uma transação instrumental num relacionamento socialmente envolvi do pela infusão de normas e valores que permitem ao relacionamento ser reproduzido e perpetuado (BERGER; LUCKMANN, 1998BERGER, P.; LUCKMAN, T. A construção social da realidade. 16. ed. Petrópolis: Vozes, 1998.). Para Ring e Van de Ven (1994)RlNG, P.S.; VAN de VEN, A. H. Developmental process of cooperative interorganizational relationships. Academy of Management Review, v. 19, p. 90-118, 1994., a institucionalização de um relacionamento tem três interações básicas que envolvem os processos formais e informais de negociação, compromisso e execução: a) o relacionamento pessoal suplementando gradativamente os relacionamentos formais; b) o contrato psicológico substituindo gradualmente os contratos formais e legais e c) a duração temporal do relacionamento estendendo-se aos planos iniciais. Estas interações entre as características formais e informais dos relacionamentos acontecem como produto da dinâmica psicossocial da socialização interpessoal.

No entendimento de Ring e Van de Ven (1994)RlNG, P.S.; VAN de VEN, A. H. Developmental process of cooperative interorganizational relationships. Academy of Management Review, v. 19, p. 90-118, 1994., o processo de desenvolvi mento associado com as relações interorganizacionais cooperativas é cíclico, não seqüencial. Esses relacionamentos são mantidos, não porque encontram estabilidade, e sim porque mantêm o balanço entre processos formais e informais (RING; VAN DE VEN, 1994RlNG, P.S.; VAN de VEN, A. H. Developmental process of cooperative interorganizational relationships. Academy of Management Review, v. 19, p. 90-118, 1994.).

Granovetter (1995) destaca que existem mecanismos concretos e estruturas envolvidos em tais relações, como por exemplo as associações comerciais. Ele argumenta que as relações sociais e as obrigações inerentes a elas, ao invés da moralidade generalizada ou arranjos institucionais como contratos ou estrutura de autoridade, são as principais responsáveis pela produção da confiança na vida social.

Economia dos custos de transação

Essa abordagem se fundamenta na teoria dos custos transacionais (WILLIAMSON, 1975WILLIAMSON, O. E. Markets and hierarchies. New York: Free Press, 1975.; 1978WILLIAMSON, O. E. Transaction-cost economics: the governance of contractual relations. Journal of Law and Economics, v. 22, p. 233-61, 1979.; 1985WILLIAMSON, O. E. The economic institutions of capitalism. New York: Free Press, 1985.; 1988WILLIAMSON, O. E. Corporative finance and corporative governance. Journal of Finance, v. 43, n. 3, p. 567-91, 1988.). A economia de custos é central nessa visão e está baseada em três correntes literárias: a econômica; a organizacional e a de leis contratuais, na qual o contrato é entendido como questão de governança. A abordagem dos custos transacionais se baseia em duas condições comportamentais: a) o reconhecimento de que os agentes humanos são racional mente limitados e b) a constatação de que pelo menos alguns agentes são dados ao oportunismo, sendo muito difícil sua identificação ex ante.

As transações apresentam algumas dimensões críticas: a incerteza, a freqüência com a qual as transações ocorrem e a sua duração. A questão crucial é como escolher entre as estruturas de governança do. mercado e da firma. A vantagem da firma sobre o mercado é a da facilidade de harmonização nas trocas bilaterais (integração vertical). De outro lado, os custos de governança podem ser menores por causa da produção em larga escala do mercado. A estrutura de governança que melhor consegue economizar nos custos transacionais pode eventualmente conquistar a posição de outros com custos maiores.

De acordo com Williamson (1975WILLIAMSON, O. E. Markets and hierarchies. New York: Free Press, 1975.; 1985WILLIAMSON, O. E. The economic institutions of capitalism. New York: Free Press, 1985.), as relações que envolvem investi mentos específicos criam dependência e vulnerabilidade para a existência de comportamentos oportunistas. Como é impossível ter um julgamento anterior dos limites do oportunismo de outro, a confiança não é uma salvaguarda segura, exigindo formas de governança mais coercitiva e baseada no poder, como por exemplo, a supervisão hierárquica, contratos e monitoração. Esses mecanismos de controle visam garantir a não existência do oportunismo nas relações.

Nessa corrente de pensamento, confiança e controle atuam mais como substitutos que complementares. O contexto institucional visa dar subsídios via sistema legal para a existência de mecanismos de controle e resolução de conflitos. A confiança é vista freqüentemente como negativa ou de uma forma pessimista. Para Hosmer (1995HOSMER, L. T. Trust: the connecting link between organizational theory and philosophical ethics. Academy of Management Review, 20/2, p. 379-403, 1995.), uma consideração central da teoria dos custos transacionais é a crença de que o agente não pode ser confiado e que o risco de oportunismo é alto. Mais recentemente, outros autores - Bromily e Cummings (1992)BROMILEY, P.; CUMMINGS, L. L. Transaction costs in organizations with trust. Research on Negotiation in Organizations, v. 5, 1995., por exemplo - têm usado argumentos da teoria dos custos transacionais destacando outro papel para a confiança, como na ajuda para reduzir os custos transacionais com a adoção de mecanismos de governança menos coercitivos e mais flexíveis. Para eles, altos níveis de confiança não só reduzem os custos de monitoramento do desempenho, mas também eliminam a necessidade da instalação de sistemas de controle que, baseados em resultados financeiros de curto prazo, podem reduzir a inovação e a cooperação.

A consideração básica desta abordagem em relação a confiança é sua ligação com o oportunismo e com a suposição da racionalidade limitada do processo de decisão.

Sistema social

Luhmann (1979LUHMANN, N. Trust and power, Chichester: John Wiley, 1979.) propõe um ideal imaginário, sugerindo um mundo num estado natural para os indivíduos habitarem, completamente desestruturado e com plexo. Dentro desse mundo, toda ação ou reação é concebida como impossível de ser gerenciada por dois ou mais atores no estabelecimento de um processo interativo. Eles são confrontados com uma série de problemas que eles têm que resolver. Como os outros atores com quem eles poderiam interagir têm um comportamento contingente, um número ilimitado de possibilidades de ações e reações precisa ser levado em conta. Nessa situação, a seleção de possibilidades desejadas não pode ser feita. Em suma, o mundo parece muito complexo para os atores sociais para permitir que exista qualquer coordenação de expectativa e de interação.

Já no mundo real, as expectativas sociais e ações podem ser coordenadas e altamente estruturadas no sistema social. Existem muitos mecanismos que podem reduzir a complexidade difusa e limitar o escopo das considerações que os atores sociais fazem sobre o comportamento futuro dos outros. Tipicamente, os atores sociais selecionam um. curso particular de ação e ignoram outras possíveis ações, baseados em certos princípios ou códigos. O sistema social emerge, então, da interação que torna possível a existência de seus mecanismos sociais que permitem orientar as expectativas e ações dos atores sociais, encontrando soluções satisfatórias.

Para Bachmann (2001BACHMANN, R. et al. Trust and control in organizational relations. Organization Studies, March, 2001.), dentro desse mundo real, os atores obviamente lidam com problemas para coordenar seus interesses. Luhmann (1979LUHMANN, N. Trust and power, Chichester: John Wiley, 1979.) concebe que o mundo social real necessita ter mecanismos que ajudem na redução de incertezas e da complexidade e, então, permitam a elaboração de expectativas sobre o comportamento de outros atores sociais. Tais instrumentos são essenciais para a construção do sistema social diferenciado. Para ele, sem os mecanismos de coordenação o mundo social não existiria. Dentre estes, a confiança é vista como o principal exemplo, pois ela reduz incertezas ao permitir considerações específicas sobre o comportamento de outros atores sociais.

Embora a confiança seja um mecanismo fundamental na realidade social, ela também carrega consigo problemas como o risco do contrato ou envolvimento. Para Luhmann (1979LUHMANN, N. Trust and power, Chichester: John Wiley, 1979.), é possível que a confiança absorva incerteza e diminua a complexidade, ao mesmo tempo em que ela produz riscos, pois o ator social que decide confiar em outro ator se limita à informação disponível sobre o comporta mento do outro.

Luhmann (1979LUHMANN, N. Trust and power, Chichester: John Wiley, 1979.) sugere que a existência de normas legais é um dos mais efetivos remédios para reduzir o risco de confiança e então prover aquelas boas razões que um potencial fiduciário procura antes de decidir investir em um relacionamento baseado na confiança. As regulações legais e suas possíveis sanções reduzem esses riscos. Leis comerciais e práticas de contratação podem ser entendidas como um elemento importante do referencial institucional, no qual os relacionamentos interorganizacionais estão envolvidos.

Além das regulações legais, existem outros elementos do arranjo institucional do sistema sócio-econômico que precisam ser considerados no processo de construção da confiança. Bachmann (2001BACHMANN, R. et al. Trust and control in organizational relations. Organization Studies, March, 2001.) cita, por exemplo, as regras das associações comerciais, que têm, como um dos objetivos centrais, generalizar trocas econômicas compartilhadas, conhecimento técnico, cultural e social para criar coletivamente normas de comportamento nos negócios. Sendo assim, a referência institucional também pode ser vista como um instrumento para a redução de riscos.

Na teoria da estruturação social, confiança é definida como um mecanismo por meio do qual os atores sociais reduzem a complexidade interna do seu sistema de interação por meio da adoção de expectativas específicas sobre o comportamento futuro de outros pela seleção de possibilidades (LUHMANN, 1979LUHMANN, N. Trust and power, Chichester: John Wiley, 1979.), podendo ser baseada em processos históricos, em características compartilhadas ou em mecanismos institucionais.

Confiança processual - está ligada ao passado ou a trocas realizadas anteriormente. É um processo cumulativo e incremental de construção da confiança ' por meio da acumulação gradual de conhecimento direto ou indireto sobre o outro, como a reputação, marca e garantia de qualidade. Pressupõe um grau de estabilidade e a existência de uma baixa troca de firmas e outras instituições de mercado, sendo este tipo de confiança deliberadamente desenvolvida pelas em- presas (LUHMANN, 1979LUHMANN, N. Trust and power, Chichester: John Wiley, 1979.).

Confiança baseada em características - surge da similaridade social e assume congruência social entre o que confia e o depositário da confiança por pertencer ao mesmo grupo social ou à mesma comunidade. Compartilham uma mesma religião, status ético ou background familiar que garante a construção de um mundo em comum. Tal confiança baseia-se na atribuição de valores e não pode ser deliberadamente criada (LUHMANN, 1979LUHMANN, N. Trust and power, Chichester: John Wiley, 1979.).

Confiança institucional - parte da consideração de que a confiança não pode ser somente gerada pela familiaridade interpessoal. Os atores organizacionais podem não possuir características pessoais em comum ou uma história que garanta trocas futuras, mas mesmo assim ter uma forma impessoal de confiança. É formada pela estrutura social formal, onde os mecanismos legais tendem a reduzir os riscos de confiança e tornam mais fácil sua existência. Pode ser deliberadamente produzida com a consideração de que seus mecanismos necessitam ser legitima dos socialmente para serem efetivos (LUHMANN, 1979LUHMANN, N. Trust and power, Chichester: John Wiley, 1979.). Pode surgir quando existem:

  • Trocas entre os limites dos grupos ou significativa distânçia social entre os grupos;

  • Trocas entre distâncias geográficas;

  • Trocas envolvendo um grande número de transações interdependentes e não separáveis.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apesar do crescente interesse pelo estudo da confiança nas relações interorganizacionais, ainda existem alguns problemas que têm dificultado o avanço desse campo de estudo. Dentre eles merecem destaque a falta de concordância sobre o que é e o que não é confiança, a relação entre confiança e outras palavras conceitualmente semelhantes como confidência e lealdade, e a falta de mecanismos para a mensuração da confiança, seus antecedentes e resultados.

Foram apresentadas quatro das principais correntes teóricas que se pro põem a estudar a confiança no contexto macroambiental. Cada uma está baseada em pressupostos ontológicos, epistemológicos ie metodológicos distintos, buscam do compreender partes específicas desse fenômeno.

A teoria da escolha racional se baseia nas estratégias adotadas por atores racionais em busca da maximização dos seus resultados. Os aspectos macroambientais não recebem tanta atenção. No neo-institucionalismo a ênfase se dá na explanação do ambiente institucional (normas, hábitos) e no processo. Já a teoria dos custos transacionais se preocupa com os arranjos institucionais (formas de governança) e no resultado.

Diferentemente da escolha racional e da economia institucional, os pressupostos da teoria do sistema social de Luhmann abordam a confiança num contexto mais amplo, além do cálculo utilitário de conseqüências. Ela também aproveita parte das considerações da teoria institucional, porém para Luhmann a confiança surge da interação social, mas, em parte, é fruto de uma ação racional. A confiança é vista, então, como a soma dos aspectos racionais e sociais.

A adequação do uso de cada teoria deve ser analisada considerando seus pressupostos ontológicos, epistemológicos e metodológicos, sendo em muitos casos difícil a integração entre correntes teóricas com pressupostos centrais discordantes. Por ser um conceito socialmente orientado, o estudo da confiança na realidade brasileira carece de alguns cuidados. O entendimento e a consideração da nossa evolução histórica, social e política podem se constituir em um caminho importante nesse processo. Outro ponto que merece destaque é o nosso frágil sistema legal. Se em outros países, onde os estudos da confiança estão mais desenvolvidos, as interações entre os agentes já contam com um sistema de defesa e regulação desenvolvidos, no Brasil, o uso dos contratos, por exemplo, não tem o mesmo papel e importância como para os americanos, alemães ou ingleses. Se para eles vale o que está escrito, o que se pode provar, para nós as relações de amizade parecem ser ainda decisivas.

O uso de referenciais importados é válido, mas pode ser ainda melhor se vier acompanhado do processo de entendimento das culturas existentes no Brasil e da importância de certas bases presentes na construção da confiança entre pessoas e organizações, como as relações informais, as relações de compadrio, a amizade, as relações históricas de poder presentes em nossa sociedade, o "jeitinho", a morosidade do sistema jurídico, entre outros.

Assim como a confiança, as relações interorganizacionais exigem cuidados especiais em sua análise. O uso de referências e conceitos anglo-saxões pode não ser pertinente ao estudo de nossas organizações, sendo necessária a consideração de suas particularidades.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Jun 2020
  • Data do Fascículo
    Jan-Dec 2004
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