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Sentidos do tempo e do tempo de trabalho na vida cotidiana

Resumos

Este ensaio discute os sentidos do tempo na sociedade contemporânea. Para isso, introduz, em primeiro lugar, uma breve História da construção social do tempo linear e da disseminação do tempo do relógio na sociedade ocidental. A absorção do tempo do relógio durou um longo período de aproximadamente três séculos, tempo este que é hoje percebido como absolutamente natural. O tempo do relógio organizou instituições e a vida social, especialmente nas sociedades industrializadas. Na segunda parte, argumentamos que, assim como o relógio nas sociedades industriais, o computador é o símbolo do tempo nas sociedades contemporâneas. O tempo do computador não é linear, mas simultâneo, instantâneo. Diferentemente do tempo linear do relógio, o tempo do computador é múltiplo, flexível, mas também fonte de opressão e ansiedade. Perguntamos, finalmente, o que vai acontecer com as pessoas, com as instituições e com a vida social, quando as pessoas corporificarem o tempo múltiplo do computador.


This essay discusses the meanings of time at contemporary society. For doing so, first introduces a brief History of the social construction of the linear time as well the dissemination of the clock on Western society. The absorption of the clock time had a long span of approximately three centuries but this time is perceived nowadays as absolutely natural. The clock time organized institutions and social live, specially the industrialized societies. At the second part, we argue that as clock time organized industrialized societies the computer is the symbol of time at contemporary societies. The time of computer is not linear but simultaneous and instantaneous. Differently from linear time of the clock, the time of the computer is multiple, flexible but also an agency of oppression and anxiety. Finally we argue what could happens to people, to institutions and to social live, when people finally incorporate this multiple time of computer.


ARTIGOS

Sentidos do tempo e do tempo de trabalho na vida cotidiana1 1 Algumas idéias sobre os sentidos da velocidade apresentadas neste texto já foram exploradas em trabalho apresentado no ENEO 2002, e publicadas com o seguinte título: "Produção de sentidos: tempo e velocidade nas organizações", (TONELLI, 2003), onde são apresentados os resultados de uma pesquisa sobre os sentidos atribuídos à velocidade e a aceleração, por pessoas de diferentes níveis hierárquicos, em diferentes organizações. Agradecemos o apoio para a pesquisa do GV-Pesquisa, da FGV-EAESP e, especialmente, Alaíde Sipahi Dantas, como assistente de pesquisa.

Maria José Tonelli

Profª EAESP/FGV

RESUMO

Este ensaio discute os sentidos do tempo na sociedade contemporânea. Para isso, introduz, em primeiro lugar, uma breve História da construção social do tempo linear e da disseminação do tempo do relógio na sociedade ocidental. A absorção do tempo do relógio durou um longo período de aproximadamente três séculos, tempo este que é hoje percebido como absolutamente natural. O tempo do relógio organizou instituições e a vida social, especialmente nas sociedades industrializadas. Na segunda parte, argumentamos que, assim como o relógio nas sociedades industriais, o computador é o símbolo do tempo nas sociedades contemporâneas. O tempo do computador não é linear, mas simultâneo, instantâneo. Diferentemente do tempo linear do relógio, o tempo do computador é múltiplo, flexível, mas também fonte de opressão e ansiedade. Perguntamos, finalmente, o que vai acontecer com as pessoas, com as instituições e com a vida social, quando as pessoas corporificarem o tempo múltiplo do computador.

ABSTRACT

This essay discusses the meanings of time at contemporary society. For doing so, first introduces a brief History of the social construction of the linear time as well the dissemination of the clock on Western society. The absorption of the clock time had a long span of approximately three centuries but this time is perceived nowadays as absolutely natural. The clock time organized institutions and social live, specially the industrialized societies. At the second part, we argue that as clock time organized industrialized societies the computer is the symbol of time at contemporary societies. The time of computer is not linear but simultaneous and instantaneous. Differently from linear time of the clock, the time of the computer is multiple, flexible but also an agency of oppression and anxiety. Finally we argue what could happens to people, to institutions and to social live, when people finally incorporate this multiple time of computer.

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2 Embora não seja o objetivo deste trabalho, a questão da centralidade do trabalho é de extrema importância na discussão sobre os sentidos da temporalidade. A discussão contemporânea sobre a flexibilidade no trabalho está diretamente ligada à questão do tempo no trabalho, ou seja, de um controle que não é mais direto sobre o tempo do trabalho mas sobre seus resultados; esta condição, entretanto, de controle sobre resultados parece levar ao sentido de aceleração no cotidiano de trabalho bem como sobre a discussão que muitos autores têm levado sobre o tema da intensificação do trabalho. Além disso, cabe, também, neste tema, a questão do trabalho feminino bem como a discussão sobre as mudanças na relação entre família e trabalho. O recentemente lançado "The Oxford Handbook of work & organization", organizado por Ackroyd, Batt, Thompson e Tolbert (2006), discute com muita propriedade todas essas questões. Além disso, conforme nos lembra Czarniawska (2001), o trabalho ocorre hoje numa rede de inter-relações fragmentadas, em múltiplos contextos, em que as pessoas estão sempre em algum lugar e, ao mesmo tempo, sempre fora do lugar.

3 Turkle, 1997 e Slevin, 2000, promovem interessantes discussões sobre o sentido de self e identidade na sociedade atual. A internet parece ter intensificado o sentido de "homem camaleão", conforme discutido por Caldas e Tonelli, em 2000.

4 A discussão sobre a volatilidade na vida amorosa já foi discutida por Poster (1979), Beck e Beck-Gernsheim (1995); Lasch (1991), Tonelli (2000) e Baumann (2003) entre outros. O vínculo das relações amorosas contemporâneas parece seguir o mesmo padrão de flexibilidade e volatilidade do mundo do trabalho.

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    Algumas idéias sobre os sentidos da velocidade apresentadas neste texto já foram exploradas em trabalho apresentado no ENEO 2002, e publicadas com o seguinte título: "Produção de sentidos: tempo e velocidade nas organizações", (TONELLI, 2003), onde são apresentados os resultados de uma pesquisa sobre os sentidos atribuídos à velocidade e a aceleração, por pessoas de diferentes níveis hierárquicos, em diferentes organizações. Agradecemos o apoio para a pesquisa do GV-Pesquisa, da FGV-EAESP e, especialmente, Alaíde Sipahi Dantas, como assistente de pesquisa.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Maio 2016
    • Data do Fascículo
      Jun 2008
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