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Lógicas decisórias e suas implicações para a sustentabilidade nas organizações

Decisional logic and its implications for sustainability in organizations

Resumo

O estudo e a compreensão sobre a principal lógica que orienta o processo decisório nas organizações incitam a discussão sobre a existência, ou não, de coerência entre agires organizacionais como definição de objetivos e estratégias e a construção de organizações sustentáveis. A partir dessa reflexão será possível identificar se as ações e decisões organizacionais consideram fatores ambientais, sociais e econômicos concomitantemente, se refletem sobre trade-offs e se visam ao longo prazo. Os autores desse artigo acreditam que uma organização que toma decisões avaliando todos esses aspectos pode ser considerada sustentável. A partir daí será possível antever, traduzir ou rever as consequências das escolhas no curto, médio e longo prazos. Nesse sentido, este artigo foi desenvolvido com o intuito de ampliar o debate e a compreensão sobre como as lógicas decisórias adotadas pelos gestores acabam por determinar os agires organizacionais, os quais podem ou não legitimar os anseios da sustentabilidade corporativa. Inicialmente, elabora-se e apresenta-se reflexões sobre abordagens e lógicas decisórias que podem estar subsidiando as decisões sobre sustentabilidade nas organizações. Na sequência, apresenta-se um quadro teórico sintético que propõe as combinações entre abordagens e perspectivas decisórias referentes a sustentabilidade, bem como, apresenta as implicações de cada combinação sugerida para a gestão nas organizações. A partir do quadro são tecidas análises e reflexões sobre como as lógicas decisórias acabam por determinar resultados positivos ou negativos para aquelas organizações que se declaram sustentáveis.

Palavras-chave:
Lógicas decisórias; Sustentabilidade; Organizações

Abstract

The study and the comprehension of the main logic that guides the decision-making process incites the discussion about the existence or not of coherence in organizational actions. Based on this information, we propose that it will be possible to analyze whether organizational actions and decisions towards sustainable development consider environmental, social and economic factors simultaneously. This will make possible to anticipate, translate and revise their short, medium or long-term consequences in view of decision-making logic choices. Considering this context, this article was developed with the aim of broadening the debate and the understanding of how the decision-making logic adopted by organizational managers end up determining the actions that aim at corporate sustainability. Initially, this article presents and elaborates reflections on approaches and decision-making logic that may be subsidizing decisions about sustainability in organizations. From this, it presents a synthesis of a theoretical framework that proposes the combination between approaches and decision-making perspectives regarding sustainability as well as the implications of each combination suggested for management in organizations. From the suggested framework, we analyze and reflect on how decision-making logic ultimately determines positive or negative results for those organizations that declare themselves sustainable.

Keywords:
Decision logic; Sustainability; Organizations

Introdução

As preocupações e debates relacionados à sustentabilidade, tais como o limite de recursos ou a capacidade de resistência às diversas agressões dos sistemas ambientais, vêm de longa data. Riscos relacionados à poluição, ao desmatamento, à degradação do solo ou à adulteração de alimentos sempre existiram em menor ou maior proporção, no entanto, as últimas décadas foram marcadas por um crescimento econômico mundial que ignorou seus efeitos colaterais, fazendo todos os riscos citados e outros não mencionados aumentarem consideravelmente. Com isso, as discussões sobre sustentabilidade e seus desafios avançaram, principalmente a partir da criação da Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (CMMAD), tendo como principal contribuição a criação do Relatório Nosso Futuro Comum (Our Common Future), em 1987, que trouxe um diagnóstico rigoroso em relação ao estado do meio ambiente (MEBRATU,1998MEBRATU, D. Sustainability and sustainable development: historical and conceptual review. Environmental Impact Assessment Review, v. 18, n. 6, p. 493-520, 1998.). Foi por meio dele que se estabeleceu a principal definição de “desenvolvimento sustentável”: “O desenvolvimento que satisfaz as necessidades das gerações atuais sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades” (WCED, 1987WCED. WORLD COMISSION ON ENVIRONMENT AND DEVELOPMENT. Our common future (the Brundtland report). Oxford: Oxford University Press, 1987., p. 43).

Após essa publicação, o cenário marcado pela preocupação com a escassez de recursos passou a fazer parte da inquietação de diversas instituições, como o Estado, as organizações e a sociedade (LEFF, 2010LEFF, E. Discursos sustentáveis. São Paulo: Cortez Editora, 2010.). Nesse aspecto, as organizações se destacaram, pois de acordo com Showm (2009) são as principais agentes, causadoras e solucionadoras, dos problemas ambientais e sociais, tanto no momento atual como no futuro.

Ao analisar uma organização que se diz sustentável1 1 Adota-se como conceito de organização sustentável aquela que toma suas decisões fundamentando-se nos três pilares da sustentabilidade concomitantemente, considerando trade-offs e respeitando os horizontes temporais para cada pilar acontecer. A consideração das três dimensões da sustentabilidade foi proposta no nível empresarial primeiramente por John Elkington, em 1990, que relacionou os três pilares da sustentabilidade (social, econômico e ambiental), conhecidos na literatura como Triple Bottom Line - TBL. Originalmente utilizadas pelos profissionais da área financeira, a expressão bottom line traduz o resultado líquido de uma empresa; o termo TBL passou a definir a interação entre os resultados financeiros, ambientais e sociais, apresentando, portanto, uma nova forma de mensurar o desempenho organizacional (LEFF, 2010). , ou declara que adota ações e processos sustentáveis, é possível identificar a abordagem de sustentabilidade adotada e o sentido dado ao processo decisório. Portanto, adotando-se as proposições teóricas presentes no Quadro 3, é possível refletir sobre quão distantes estão da combinação 3.3, por exemplo. Ou seja, encontrando a combinação adotada, encontram-se também orientações sobre o que vem sustentando o processo decisório. Possíveis incoerências devem ser discutidas e questionadas, pois a perspectiva teórico-conceitual que supostamente está direcionando o processo decisório, por vezes, pode não condizer com a prática cotidiana revelada nas narrativas dos gestores. Fazer esse tipo de análise mostra-se importante, já que existem diferentes abordagens e perspectivas adotadas pelos líderes organizacionais e, muitas vezes, o sentido atribuído ao processo decisório não consegue abarcar a complexidade que envolve as questões relacionadas à sustentabilidade e, com isso, constrangem os limites para que os mesmos caibam no atual nível de racionalidade já conhecido e praticado.

Diante do exposto, este trabalho buscou problematizar, refletir e sugerir saídas para o seguinte problema: de que maneira as lógicas decisórias adotadas pelos gestores condicionam e delimitam os resultados de uma organização que almeja ser sustentável?

Nesse contexto, foram estudadas diferentes abordagens para a sustentabilidade (EGRI; PINFIELD, 1998EGRI, C. P.; PINFIELD, L. T. As Organizações e a Biosfera: Ecologia e Meio Ambiente. In: STEWART, C; HARDY, C.; NORD, W.R. Handbook de Estudos Organizacionais. v. 1. São Paulo: Atlas , 1998.; GLADWIN; KENNELLY; KRAUSE, 1995GLADWIN, T. N.; KENNELLY, J. J.; KRAUSE, T-S. Shifting Paradigms for Sustainable Development: Implications for Management Theory and Research. The Academy of Management Review, v. 20, n. 4, p. 874-907, 1995.; KETOLA, 2009KETOLA, T. Pre-Morphean Paradigm - An Alternative to Modern and Post-Modern Paradigms of Corporate Sustainability. Sustainable Development , v. 17, p. 114-126, 2009.) que podem estar direcionando a visão de mundo dos líderes organizacionais. Essas abordagens combinam-se com diferentes lógicas decisórias que levam os líderes às escolhas que supostamente estariam relacionadas à sustentabilidade. Essas lógicas foram separadas por Garud e Gehman (2012GARUD, R.; GEHMAN, J. Metatheoretical perspectives on sustainability journeys: Evolutionary, relational and durational. Research Policy, v. 41, p. 980-995, 2012.) em três tipos: evolucionárias, relacionais e duracionais (temporais). A partir do framework proposto por Munck (2015MUNCK, L. Gestão da Sustentabilidade em Contexto Organizacional: Integrando sensemaking, narrativas e processo decisório estratégico. Organizações e Sociedade, v. 22, n. 75, p. 521-538, 2015.), exposto no Quadro 3, serão ampliadas as reflexões ao explorar as possíveis implicações de cada combinação para a sustentabilidade nas organizações. Aqui se apresenta a principal contribuição deste artigo, responder a uma indagação original e permeada de consequências ignoradas pelos gestores, seja consciente ou inconscientemente. A “escolha”, racional ou não, das abordagens e lógicas decisórias influenciam diretamente nos resultados de organizações que almejam ser sustentáveis, trazendo severas implicações às esferas ambientais, sociais e financeiras.

Os procedimentos metodológicos tiveram caráter qualitativo, pois se trata de um estudo que busca aprofundamento e interpretação, envolvendo um sistema complexo de significados a ser desvelado pelo pesquisador (TAKAHASHI, 2013TAKAHASHI, A. R. W. Pesquisa Qualitativa em Administração: fundamentos, métodos e usos no Brasil. Editora Atlas. 1.ed. 2013.). A pesquisa teórica triangulou teorias (sintetizadas nos Quadros 1-3), ideias e conceitos já existentes com o intuito de refinar fundamentos teóricos e propor novas concepções (DEMO, 2000DEMO, P. Metodologia do conhecimento científico. São Paulo: Atlas, 2000.). Nessas novas concepções é que residem as últimas, mas não menos importantes contribuições deste artigo. A partir das leituras realizadas, refinou-se as redações dos quadros, acrescentou-se explicações e inovou-se, criando o quarto quadro (Quadro 4), que sintetiza e trasnforma em narrativas as implicações da adoção das diversas combinações apresentadas no Quadro 3.

O artigo foi estruturado em cinco seções: introdução; seguida pela evolução da sustentabilidade e seus paradigmas, em que são apresentadas as principais abordagens em relação à sustentabilidade (extremista econômica, extremista ambiental e integrativa); posteriormente foram trabalhadas as lógicas decisórias, nas quais são introduzidas três tipos de lógicas decisórias de acordo com Garud e Gehman (2012GARUD, R.; GEHMAN, J. Metatheoretical perspectives on sustainability journeys: Evolutionary, relational and durational. Research Policy, v. 41, p. 980-995, 2012.): evolucionárias, relacionais e duracionais (temporais); na quarta seção, foram apresentadas as implicações da lógica decisória nos objetivos para a busca da sustentabilidade; e, por fim, a última que trata das considerações finais, em que são discutidas as respostas para o objetivo proposto.

Evolução da sustentabilidade e suas abordagens: extremista econômica, extremista ambiental e integrativa

A sustentabilidade pode ser compreendida a partir de diferentes visões de mundo, ou seja, com perspectivas paradigmáticas distintas, e, para compreender os desafios que envolvem a sustentabilidade nas organizações, é importante conhecer também os possíveis e diferentes paradigmas que a regem.

Sobre o uso de paradigmas no que se refere à sustentabilidade, Vos (2007VOS, R. O. Defining sustainability: a conceptual Orientation. Journal of Chemical Technology and Biotechnology, v. 82, n. 4, 334-339, 2007.) apresenta três divisões, nomeadas como: paradigma dominante, versão hard e versão soft. O paradigma dominante, segundo o autor, visualiza a natureza apenas como uma fonte de recursos para a economia humana, portanto não considera a sustentabilidade em seus aspectos ambientais e sociais. Entende que a tecnologia pode resolver a maior parte dos problemas relacionados à natureza. Já as outras vertentes são céticas nesse sentido. O paradigma dominante não coloca limites nem em relação ao capital natural, nem ao crescimento econômico ou populacional. Já a chamada versão soft admite algum grau de substituição do capital natural, enquanto a versão hard não admite reduções. Sobre o crescimento econômico, as versões soft da sustentabilidade procuram reconciliar o crescimento econômico com a proteção ambiental. Elas demandam soluções do tipo “ganha-ganha”. Já a versão hard defende uma redução ou inversão de crescimento. O crescimento populacional, na versão branda, deve ser acompanhado por compensações per capita. A versão hard, por sua vez, defende um retardo ou, mesmo, um declínio no crescimento. Sobre a equidade social, o paradigma dominante delega ao mercado, a versão soft volta-se para a área que esteja interferindo na proteção ecológica, enquanto a versão hard defende a ampla redistribuição de recursos.

Para Vos (2007VOS, R. O. Defining sustainability: a conceptual Orientation. Journal of Chemical Technology and Biotechnology, v. 82, n. 4, 334-339, 2007.), existem falhas em todos esses paradigmas e, por isso, o autor defende que não deve haver uma única definição para sustentabilidade; em vez disso, ela deve ser trabalhada e aperfeiçoada na prática, utilizando-se métricas para verificar seu progresso.

Gladwin, Kennelly e Krause (1995GLADWIN, T. N.; KENNELLY, J. J.; KRAUSE, T-S. Shifting Paradigms for Sustainable Development: Implications for Management Theory and Research. The Academy of Management Review, v. 20, n. 4, p. 874-907, 1995.), Egri e Pinfield (1998EGRI, C. P.; PINFIELD, L. T. As Organizações e a Biosfera: Ecologia e Meio Ambiente. In: STEWART, C; HARDY, C.; NORD, W.R. Handbook de Estudos Organizacionais. v. 1. São Paulo: Atlas , 1998.) e Ketola (2009KETOLA, T. Pre-Morphean Paradigm - An Alternative to Modern and Post-Modern Paradigms of Corporate Sustainability. Sustainable Development , v. 17, p. 114-126, 2009.) defendem que existem alternativas em relação a paradigmas extremos voltados para a economia ou para o meio ambiente, oferecendo uma visão integrativa para tratar de sustentabilidade. A visão desses autores se faz atual, sendo corroborada por outros autores (BOELE; FABIG; WHELLER, 2001BOELE, R.; FABIG, H; WHEELER, D. Shell, Nigeria and the Ogoni. A Study in Unsustainable Development: II. Corporate Social Responsibility and Stakeholder Management Versus a Rights-Based Approach to Sustainable Development. Sustainable Development, v. 9, p. 121-135, 2001.; PHILIPPE; BANSAL, 2013PHILIPPE, D.; BANSAL, T. Embedding Environmental Actions In Time And Space: The Evolution Of Sustainability Narratives. Academy of Management Proceedings, v. 1, n. 1, 2013. https://doi.org/10.5465/ambpp.2013.151
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; WILLARD, 2014; MAIA; ZUCATO, 2015MAIA, A. G; ZUCATTO, L. C. Uma Reflexão Sobre as Influências dos Paradigmas nas decisões Organizacionais direcionadas à Sustentabilidade. In: COLÓQUIO INTERNACIONAL DE EPISTEMOLOGIA E SOCIOLOGIA DA CIÊNCIA DA ADMINISTRAÇÃO, 5., 2015 Florianópolis, SC. Anais.... Florianópolis, 2015.). Dyllick e Muff (2016DYLLICK, T.; MUFF, K. Clarifying the meaning of sustainable business: Introducing a typology from business-as-usual to true business sustainability. Organization & Environment, v. 29, p. 156-174, 2016.) afirmam que ainda prevalece uma "grande desconexão" entre a sustentabilidade corporativa e a degradação ambiental, pois o entendimento sobre o que seja ser sustentável ainda é restrito e há uma incapacidade de integrar conhecimento de vários fluxos de literatura, incluindo micro e macro níveis de conhecimento. Ou seja, mesmo com a ampliação das práticas sustentáveis nas organizações, a degradação ambiental continua crescendo. Diante isso, buscando trazer soluções, são apresentadas proposições de integração de conhecimentos na sequência. Essas abordagens de Gladwin, Kennelly e Krause (1995)GLADWIN, T. N.; KENNELLY, J. J.; KRAUSE, T-S. Shifting Paradigms for Sustainable Development: Implications for Management Theory and Research. The Academy of Management Review, v. 20, n. 4, p. 874-907, 1995., Egri e Pinfield (1998)EGRI, C. P.; PINFIELD, L. T. As Organizações e a Biosfera: Ecologia e Meio Ambiente. In: STEWART, C; HARDY, C.; NORD, W.R. Handbook de Estudos Organizacionais. v. 1. São Paulo: Atlas , 1998. e Ketola (2009)KETOLA, T. Pre-Morphean Paradigm - An Alternative to Modern and Post-Modern Paradigms of Corporate Sustainability. Sustainable Development , v. 17, p. 114-126, 2009. foram sintetizadas por Munck (2015MUNCK, L. Gestão da Sustentabilidade em Contexto Organizacional: Integrando sensemaking, narrativas e processo decisório estratégico. Organizações e Sociedade, v. 22, n. 75, p. 521-538, 2015.) e estão presentes no Quadro 1.

Quadro 1
Síntese de abordagens para o estudo da sustentabilidade

É possível perceber que a perspectiva de Vos (2007VOS, R. O. Defining sustainability: a conceptual Orientation. Journal of Chemical Technology and Biotechnology, v. 82, n. 4, 334-339, 2007.) tem algumas aproximações com as de Egri e Pinfield (1998EGRI, C. P.; PINFIELD, L. T. As Organizações e a Biosfera: Ecologia e Meio Ambiente. In: STEWART, C; HARDY, C.; NORD, W.R. Handbook de Estudos Organizacionais. v. 1. São Paulo: Atlas , 1998.), que dividem as abordagens em paradigma social dominante, ambientalismo radical e ambientalismo renovado. O paradigma social dominante não difere do que explica Vos (2007VOS, R. O. Defining sustainability: a conceptual Orientation. Journal of Chemical Technology and Biotechnology, v. 82, n. 4, 334-339, 2007.), e o ambientalismo radical aproxima-se da versão hard, porém é muito mais rigoroso com as questões ambientais, defendendo o redesenho total dos sistemas agrícolas e industriais. Além disso, defende as éticas anticonsumistas e antimaterialistas. Já o ambientalismo renovado aproxima-se um pouco da versão soft de Vos (2007VOS, R. O. Defining sustainability: a conceptual Orientation. Journal of Chemical Technology and Biotechnology, v. 82, n. 4, 334-339, 2007.) e acredita na tecnologia para resolver os riscos ambientais, utilizando-se de conceitos da economia ecológica e industrial.

Em outro tipo de abordagem, Ketola (2009KETOLA, T. Pre-Morphean Paradigm - An Alternative to Modern and Post-Modern Paradigms of Corporate Sustainability. Sustainable Development , v. 17, p. 114-126, 2009.) traz uma alternativa aos paradigmas modernos e pós-modernos de sustentabilidade empresarial, defendendo um novo paradigma, o pré-morfeanista. Para a autora, enquanto o modernismo explora os seres humanos e a natureza, o pós-modernismo apenas analisa e acaba seguindo os padrões naturais. O novo paradigma proposto, pré-morfeanista, sensibiliza-se para os efeitos do lado inconsciente do comportamento humano, mostrando que, no fundo, toda a humanidade tem os mesmos valores. A aprendizagem humana é coletiva, porém, em um processo muito lento, porque as pessoas tentam reprimir a memória coletiva quando contradizem sua própria satisfação e necessidade imediata.

O estudo trazido por Gladwin, Kennelly e Krause (1995GLADWIN, T. N.; KENNELLY, J. J.; KRAUSE, T-S. Shifting Paradigms for Sustainable Development: Implications for Management Theory and Research. The Academy of Management Review, v. 20, n. 4, p. 874-907, 1995.) avalia o paradigma convencional do tecnocentrismo e seu oposto, conhecido como ecocentrismo, e defende que nenhum dos dois sozinhos é suficiente para alcançar o desenvolvimento sustentável. Os autores propõem o estudo, então, de um novo paradigma, o sustaincentrism. Esse novo paradigma sugere que as teorias de gestão devem ser vistas como um mundo relativamente completo, em vez de vazio, buscando fazer uma reconciliação entre posições científicas radicais.

O tecnocentrismo, segundo os autores, é caracterizado por individualismo, modos reducionistas e positivistas de raciocínio. A humanidade é vista como separada e superior à natureza. O mundo natural é visto apenas como um valor monetário, assim como uma mercadoria da qual os seres humanos podem tirar benefícios. Segundo Gladwin, Kennelly e Krause (1995GLADWIN, T. N.; KENNELLY, J. J.; KRAUSE, T-S. Shifting Paradigms for Sustainable Development: Implications for Management Theory and Research. The Academy of Management Review, v. 20, n. 4, p. 874-907, 1995.) esse tipo de pensamento é egoísta, linear, instrumental e racional. Acredita-se, nesse pensamento, que os recursos físicos do Planeta Terra são inesgotáveis por conta da capacidade humana em conseguir substitui-los por meio da tecnologia.

O ecocentrismo, por sua vez, de acordo com Gladwin, Kennelly e Krause (1995GLADWIN, T. N.; KENNELLY, J. J.; KRAUSE, T-S. Shifting Paradigms for Sustainable Development: Implications for Management Theory and Research. The Academy of Management Review, v. 20, n. 4, p. 874-907, 1995.), apesar de conter verdades nas esferas físicas e ecológicas, possui falhas ontológicas ao acreditar que o ser humano é inferior à natureza. Para os autores, a sustentabilidade ecológica não pode ser alcançada em condições de insustentabilidade social ou econômica. O ecocentrismo falha no aspecto social, visto que possui pouca orientação sobre a terrível expansão da pobreza, do abuso aos direitos humanos, das desigualdades de renda e outras patologias sociais que se perpetuam pelo mundo industrial; não garantindo meios de sobrevivência sustentáveis.

De acordo com essa proposta de Gladwin, Kennely e Krause (1995GLADWIN, T. N.; KENNELLY, J. J.; KRAUSE, T-S. Shifting Paradigms for Sustainable Development: Implications for Management Theory and Research. The Academy of Management Review, v. 20, n. 4, p. 874-907, 1995.) é possível perceber que o ecocentrismo não consegue abarcar a sustentabilidade em seu aspecto social e o tecnocentrismo subestima a importância do mundo natural, não respeitando o fato de que este possui recursos indispensáveis à sobrevivência no Planeta, que não podem simplesmente ser substituídos por meio da tecnologia. É justamente nessa perspectiva integradora que os autores se baseiam para propor o paradigma sustaincentrism (GLADWIN; KENNELLY; KRAUSE, 1995GLADWIN, T. N.; KENNELLY, J. J.; KRAUSE, T-S. Shifting Paradigms for Sustainable Development: Implications for Management Theory and Research. The Academy of Management Review, v. 20, n. 4, p. 874-907, 1995.). No paradigma sustaincentrism a humanidade deve conduzir melhor a Terra, estabilizando o tamanho da população mediante a participação global e a equidade das mulheres no desenvolvimento, reduzindo o consumo em países desenvolvidos. Devem ser exigidas normas de segurança para minimizar as perdas irreversíveis de recursos renováveis. As tecnologias devem, ainda, ser adotadas de forma consciente, com justiça e responsabilidade, realizando estudos rigorosos sob o impacto ecológico, social e econômico antes de introduzir novas tecnologias. Defende-se ainda que é importante considerar partes do capital natural como insubstituíveis, como por exemplo, a diversidade genética, a biodiversidade de algumas espécies e a camada de ozônio.

Em relação aos paradigmas já citados, Philippe e Bansal (2013PHILIPPE, D.; BANSAL, T. Embedding Environmental Actions In Time And Space: The Evolution Of Sustainability Narratives. Academy of Management Proceedings, v. 1, n. 1, 2013. https://doi.org/10.5465/ambpp.2013.151
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) defendem que as organizações que adotam a sustentabilidade soft apenas trazem as preocupações ambientais para dentro da estrutura já existente, enquanto a sustentabilidade hard procura mudar a estrutura e o processo decisório integrando à empresa em sistemas ecológicos ambientais ou sociais. O paradigma soft da sustentabilidade pode ser caracterizado por descontinuidades espaço-temporais, já o paradigma hard da sustentabilidade incorpora conexões temporais e espaciais.

Dentro desse contexto, conhecer as lógicas decisórias parece fundamental, já que são elas as norteadoras do processo decisório. Diante disso, a próxima seção tem como intuito compreender as lógicas decisórias para posteriormente identificar as possíveis implicações de escolhas em busca da sustentabilidade nas organizações.

Lógicas decisórias e sustentabilidade nas organizações

O entendimento da lógica decisória adotada pelos gestores em relação à sustentabilidade é importante, pois há lacunas nos estudos sobre a tomada de decisão rumo à sustentabilidade nas organizações. São raros os entendimentos plausíveis por parte dos estudiosos e praticantes sobre o sentido do processo decisório que busca inter-relacionar as exigências e objetivos econômicos, ambientais e sociais. Tendo em vista os primeiros resultados com a prática da sustentabilidade nas organizações, tanto estudiosos quanto gestores estão percebendo e compreendendo as consequências negativas de se tomar decisões sob a tutela de incoerentes, insuficientes, inconsistentes e descontextualizados conceitos sobre o que é ser sustentável em contexto organizacional (MUNCK, 2013MUNCK, L. Gestão da Sustentabilidade em Contexto Organizacional. São Paulo, CENGAGE, 2013. ).

Essas incoerências e a falta de conexões na tomada de decisão acontecem quando os gestores colocam sua atenção apenas no curto prazo, pois, conforme atesta Munck (2013MUNCK, L. Gestão da Sustentabilidade em Contexto Organizacional. São Paulo, CENGAGE, 2013. ), as decisões estão fundamentadas no presente, mas envolvem muitas comparações, análises contextuais, interesses paradoxais e contrastes em termos de passado e futuro que impactam diretamente as escolhas feitas pelos gestores. Fato corroborado por Landrum (2017LANDRUM, N. E. Stages of Corporate Sustainability: Integrating the Strong Sustainability Worldview. Organization & Environment , v. 6, p. 1-27, 2017.), pois este afirma que os modelos de gestão devem superar três críticas: (1) consideração de modelos econômicos que incorporem os limites naturais, reconheçam os limites ao crescimento, à produção e ao consumo e uso de recursos; (2) inserção em suas estratégias de elementos de redistribuição de riqueza, de recursos e de poder; e (3) ajuda na revisão de medidas de sucesso para além do PIB e medidas de curto prazo.

Dentro desse contexto, Garud e Gehman (2012GARUD, R.; GEHMAN, J. Metatheoretical perspectives on sustainability journeys: Evolutionary, relational and durational. Research Policy, v. 41, p. 980-995, 2012.) explicam a existência de três tipos de perspectivas decisórias: evolucionárias, relacionais e duracionais (temporais). A perspectiva evolucionária é dependente de trajetória em uma visão restrita de agência; o caminho estabelecido é determinado pelas condições iniciais e contingências externas e pelos investimentos que já foram realizados em tecnologias, sendo que as novas soluções (inclusive referentes à sustentabilidade) só acontecem por acaso. Já a perspectiva relacional, em vez de considerar ambientes de seleção como dados, diminui as diferenças entre agência e estrutura, micro e macro, adotando uma ontologia relacional. Nesse caso, os atores não são nem de dentro, nem de fora, mas acompanham os eventos em curso. “Como resultado, ‘quem somos’ e ‘o que sabemos’ são determinados pelas múltiplas constantes mudanças de redes de atores em que estamos implicados” (GARUD; GEHMAN, 2012GARUD, R.; GEHMAN, J. Metatheoretical perspectives on sustainability journeys: Evolutionary, relational and durational. Research Policy, v. 41, p. 980-995, 2012., p. 983). Diante disso, muitos estudiosos (GEELS, 2010GEELS, F. W. Ontologies, socio-technical transitions (to sustainability) and the multi-level perspective. Research Policy, v. 39, p. 495-510, 2010.; GENUS; COLES, 2008GENUS, A.; COLES, A.M. Rethinking the multi-level perspective of technological transitions. Research Policy, v. 37, n. 9, p. 1436-1445. 2008.; SHOVE; WALKER, 2010SHOVE, E.; WALKER, G. Governing transitions in the sustainability of everyday life. Research Policy. v. 39, n. 4, p. 471- 476. 2010.) têm dado importância para os benefícios em se adotar a perspectiva relacional quando se trata de sustentabilidade, especificamente pelo entendimento mútuo entre atores sociais, fazendo surgir o significado que se transpõe na prática.

Enquanto a perspectiva duracional (temporal) vai além das mudanças nos ambientes de seleção e reconfiguração das redes de associações, também é intertemporal em sua própria definição: “[...] satisfazer as necessidades da geração presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras satisfazerem as suas necessidades” (WCED, 1987WCED. WORLD COMISSION ON ENVIRONMENT AND DEVELOPMENT. Our common future (the Brundtland report). Oxford: Oxford University Press, 1987., p. 43). Conforme atestam Garud e Gehman (2012GARUD, R.; GEHMAN, J. Metatheoretical perspectives on sustainability journeys: Evolutionary, relational and durational. Research Policy, v. 41, p. 980-995, 2012., p. 985), existem tensões que fazem parte de qualquer percurso da sustentabilidade, buscando adaptar e conciliar as “necessidades do presente” com as “necessidades do futuro”. “As jornadas de sustentabilidade estão repletas de armadilhas locais, racionalidade, inconsistências dinâmicas, assincronias e preferências que se desenvolvem” (GARUD; GEHMAN, 2012GARUD, R.; GEHMAN, J. Metatheoretical perspectives on sustainability journeys: Evolutionary, relational and durational. Research Policy, v. 41, p. 980-995, 2012., p. 985). Os autores destacam que a perspectiva temporal de ontologia narrativa propõe que não se limite a capacidade de agência apenas por símbolos culturais, mas mediante projetos pessoais em constante evolução que são criados em nossas memórias do passado, as antecipações do futuro e atenção no presente (GARUD; GEHMAN, 2012GARUD, R.; GEHMAN, J. Metatheoretical perspectives on sustainability journeys: Evolutionary, relational and durational. Research Policy, v. 41, p. 980-995, 2012.) Ainda sobre esses três tipos de lógicas decisórias, Munck (2015MUNCK, L. Gestão da Sustentabilidade em Contexto Organizacional: Integrando sensemaking, narrativas e processo decisório estratégico. Organizações e Sociedade, v. 22, n. 75, p. 521-538, 2015.) as sintetizou e completou conforme o Quadro 2.

Quadro 2
Síntese das perspectivas decisórias capazes de orientar a gestão da sustentabilidade nas organizações

Em uma perspectiva intertemporal, o passado não é necessariamente algo a ser deixado para trás ou visto como um impedimento que deve ser rompido em busca do futuro; por outro lado, é a própria estrutura e base para as ações. Com isso, as jornadas para um futuro sustentável podem implicar voltar às práticas que foram arquivadas, abandonadas ou, mesmo, estigmatizadas como erros (GARUD; GEHMAN, 2012GARUD, R.; GEHMAN, J. Metatheoretical perspectives on sustainability journeys: Evolutionary, relational and durational. Research Policy, v. 41, p. 980-995, 2012.).

Dentro desse contexto, a próxima seção tem como intuito compreender como determinadas lógicas decisórias podem influenciar na busca da sustentabilidade nas organizações, buscando trazer as possíveis implicações dessas escolhas.

Implicações da lógica decisória nos objetivos em busca da sustentabilidade

No intuito de compreender como as escolhas de certas abordagens e lógicas decisórias influenciam nos resultados da sustentabilidade nas organizações, em um primeiro momento foi realizada uma análise do framework (Quadro 3).

Quadro 3
Framework descritivo das possíveis narrativas em curso que podem estar subsidiando o processo decisório em prol da sustentabilidade

Ao framework elaborado por Munck (2015MUNCK, L. Gestão da Sustentabilidade em Contexto Organizacional: Integrando sensemaking, narrativas e processo decisório estratégico. Organizações e Sociedade, v. 22, n. 75, p. 521-538, 2015.) foram acrescidos números às classificações no intuito de facilitar a descrição das possíveis combinações entre as abordagens e perspectivas decisórias assumidas pela gestão da sustentabilidade nas organizações. Com base nesse framework e nos constructos de Gladwin, Kennelly e Krause (1995GLADWIN, T. N.; KENNELLY, J. J.; KRAUSE, T-S. Shifting Paradigms for Sustainable Development: Implications for Management Theory and Research. The Academy of Management Review, v. 20, n. 4, p. 874-907, 1995.), Egri e Pinfield (1998EGRI, C. P.; PINFIELD, L. T. As Organizações e a Biosfera: Ecologia e Meio Ambiente. In: STEWART, C; HARDY, C.; NORD, W.R. Handbook de Estudos Organizacionais. v. 1. São Paulo: Atlas , 1998.) e Ketola (2009KETOLA, T. Pre-Morphean Paradigm - An Alternative to Modern and Post-Modern Paradigms of Corporate Sustainability. Sustainable Development , v. 17, p. 114-126, 2009.) apresentados nos Quadros 1 e 2, com Garud e Gehman (2012GARUD, R.; GEHMAN, J. Metatheoretical perspectives on sustainability journeys: Evolutionary, relational and durational. Research Policy, v. 41, p. 980-995, 2012.), Gao e Bansal (2013GAO, J.; BANSAL, P. Instrumental and Integrative Logics in Business Sustainability. Journal of Business Ethics, v. 112, n. 2, p. 241-255, 2013.), Bansal e Desjardine (2014)BANSAL, P.; DESJARDINE, M. Business sustainability: It is about time. Strategic Organization, v. 12, n. 1, 2014. e complementos dos demais autores estudados, foi possível elaborar o Quadro 4, em que os autores deste trabalho propõem combinações analisando o framework presente no Quadro 3, combinando cada tipo de perspectiva decisória (evolucionária, relacional e temporal) com cada tipo de abordagem para sustentabilidade nas organizações (extremista econômica, extremista ambiental e integrativa). A partir disso, foi possível ter um ponto de partida para identificar e analisar as possíveis implicações que se têm ao adotar determinadas abordagens, combinadas com determinadas perspectivas decisórias.

Quadro 4
Combinação entre Abordagens e Perspectivas decisórias e suas possíveis implicações para as organizações

A partir da análise dessas combinações, acreditamos que a abordagem integrativa, comparada às demais, mostra-se mais evoluída, independente da perspectiva, pois considera todos os pilares ao tomar decisões. Porém, a abordagem integrativa, quando combinada com a perspectiva temporal, consegue ter avanços ainda mais relevantes do que quando combinada a uma perspectiva evolucionária, que ainda é dependente das decisões tomadas anteriormente ou mesmo à perspectiva relacional que, apesar de admitir criar novos caminhos ao tomar decisões, ainda não consegue abarcar a dimensão espaço-temporal. Já a abordagem integrativa, voltada à perspectiva temporal, olha para os três pilares, considerando cada um em uma escala de tempo pertinente, e engloba todos eles em uma perspectiva de longo prazo. Esta reflete profundamente sobre os problemas relacionados à sustentabilidade a partir de trade-offs, utilizando-se do sentido propagado por meio da análise de narrativas.

Ao fazer essa relação entre as abordagens e perspectivas decisórias para a sustentabilidade nas organizações, é possível perceber que existem muitas maneiras de se pensar e agir em relação à sustentabilidade. Este trabalho parte do pressuposto de que a escolha dessas abordagens e perspectivas nas organizações trará implicações positivas ou negativas relacionadas aos objetivos da sustentabilidade. Nesse sentido, sugere-se considerar a sustentabilidade como um conceito intertemporal, em exercício de atuação, fixada no presente, mas com diversas implicações e interesses contrastantes e paradoxais que envolvem passado e futuro. Fortalecem-se as exigências em se adotar nas organizações abordagens decisórias mais robustas que as causais, evolutivas e instrumentais.

Munck (2015MUNCK, L. Gestão da Sustentabilidade em Contexto Organizacional: Integrando sensemaking, narrativas e processo decisório estratégico. Organizações e Sociedade, v. 22, n. 75, p. 521-538, 2015.) atesta que muitas organizações estão psiquicamente presas, buscando apenas ganhos financeiros a curto prazo, com investimentos fortuitos e oportunistas nas áreas socioambientais. As decisões organizacionais que se atêm apenas aos lucros acabam gerando ou até mesmo agravando os problemas ambientais (MAIA; PIRES, 2011MAIA, A. G.; PIRES, P. S. Uma Compreensão da Sustentabilidade por Meio dos Níveis de Complexidade das Decisões Organizacionais. RAM, Rev. Adm Mackenzie (Online), v. 12, n. 3, Edição Especial, 2011.).

A sociedade está cada vez mais exigente com as empresas e clama para que estas assumam suas responsabilidades em relação aos problemas socioambientais. Com isso há fortes indícios da busca por evitar danos ao meio ambiente mediante o uso de práticas produtivas mais “limpas”, do desenvolvimento de produtos que não agridam ao meio ambiente e que não causem danos à saúde da população. Ademais, buscam comprometer-se com práticas voltadas ao bem-estar da sociedade ou ao menos da comunidade em que essa organização está inserida. O que se mostra necessário é uma revisão de seus processos decisórios.

As empresas que não respeitarem as exigências socioambientais poderão ter sérias implicações em médio e longo prazo, seja pela legislação, pagando multas e tendo que reverter os problemas causados, seja, conforme explica Boele, Fabig e Wheller (2001BOELE, R.; FABIG, H; WHEELER, D. Shell, Nigeria and the Ogoni. A Study in Unsustainable Development: II. Corporate Social Responsibility and Stakeholder Management Versus a Rights-Based Approach to Sustainable Development. Sustainable Development, v. 9, p. 121-135, 2001.), pelos danos que uma marca não legítima pode causar ao reduzir em milhões de dólares o valor das ações. Além disso, podem afastar consumidores e não atrair pessoas qualificadas para seus quadros.

O estudo do processo decisório aponta ser uma grande utopia acreditar que a sustentabilidade possa acontecer sem uma mudança de paradigmas. Extremismos e lógicas decisórias evolucionárias, em que o lucro ainda é o principal motivador de ações ditas sustentáveis, mostram-se insuficientes, já que, quando se trata de sustentabilidade, os resultados financeiros podem não ser imediatos, é uma decisão que necessita de um olhar a longo prazo, vislumbrando outros ganhos, como economia de recursos naturais, retornos para a comunidade em que uma empresa está instalada. A longo prazo o retorno financeiro também acontece, mas não pode ser o principal motivador quando se trata de um processo decisório pautado na busca da sustentabilidade. Esse entendimento superficial, voltado apenas ao curto prazo e aos retornos financeiros, impede investimentos que tornem viáveis ações alinhadas à combinação “3.3”, as quais abarcam os três pilares da sustentabilidade concomitantemente, gerando assim um novo sentido para o processo decisório.

Nessa direção, compreende-se que muitos problemas enfrentados pela sociedade atual, como a degradação ambiental, a escassez de recursos, a pobreza, a violência etc., poderiam ser mais bem enfrentados quando considerado o tempo e o sentido do processo decisório que levaram aos referidos acontecimentos.

Dentro dessa perspectiva, Phillipe e Bansal (2013)PHILIPPE, D.; BANSAL, T. Embedding Environmental Actions In Time And Space: The Evolution Of Sustainability Narratives. Academy of Management Proceedings, v. 1, n. 1, 2013. https://doi.org/10.5465/ambpp.2013.151
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acreditam que o diferencial de uma organização que possui uma lógica decisória consistente e conectada com as questões pertinentes à sustentabilidade das demais organizações é justamente levar em conta as relações espaciais e temporais. Por isso, os autores entendem que as organizações que respeitam as exigências espaço-temporal serão menos vulneráveis a mudanças externas, porque elas entendem a permeabilidade das suas fronteiras temporais e espaciais e, como tal, são capazes de desenvolver, ao longo do tempo que atravessa fronteiras, uma compreensão sistêmica e integradora de suas relações com o ambiente natural (PHILIPE; BANSAL, 2013PHILIPPE, D.; BANSAL, T. Embedding Environmental Actions In Time And Space: The Evolution Of Sustainability Narratives. Academy of Management Proceedings, v. 1, n. 1, 2013. https://doi.org/10.5465/ambpp.2013.151
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).

A partir desse estudo e da construção do Quadro 4, compreendemos que a abordagem da sustentabilidade nas organizações exige uma nova consciência individual e coletiva que abarque a noção de tempo e espaço, dando um novo sentido ao desenvolvimento.

Para isso, são apresentadas alternativas e implicações no referido quadro com o intuito de incitar esses novos sentidos. Sentidos estes que apontam as lógicas decisórias economicista e evolucionária como insuficientes no que se refere à legitimidade social de suas propostas. Corroborando com essa visão, Merico (2009MERICO, L. F. K. Economia e sustentabilidade: o que é, como se faz. São Paulo: Edições Loyola, 2009.) defende que as organizações, ao considerarem apenas a dimensão econômica na tomada de decisão, podem conseguir um desenvolvimento financeiro, porém esse tipo de modelo voltado ao desenvolvimento econômico apenas é insustentável, já que agrava ainda mais os problemas relacionados à escassez dos recursos naturais essenciais à sobrevivência na Terra e à própria capacidade de produção da organização. Willard (2014) (apudMAIA; ZUCATO, 2015MAIA, A. G; ZUCATTO, L. C. Uma Reflexão Sobre as Influências dos Paradigmas nas decisões Organizacionais direcionadas à Sustentabilidade. In: COLÓQUIO INTERNACIONAL DE EPISTEMOLOGIA E SOCIOLOGIA DA CIÊNCIA DA ADMINISTRAÇÃO, 5., 2015 Florianópolis, SC. Anais.... Florianópolis, 2015.) também defendem que o modelo de desenvolvimento vigente é insustentável e traz sérios riscos à sobrevivência da espécie humana.

Considerações finais

É possível perceber que as posições econômicas extremistas deixam de lado as preocupações com o ambiente natural e, muitas vezes, até com o social, uma vez que o crescimento econômico não significa a eliminação da pobreza, pois os recursos muitas vezes ficam concentrados em uma minoria. Os autores deste artigo entendem também que boa parte das posições extremistas ambientais frequentemente ignoram ou deixam para segundo plano os problemas sociais.

Nesse contexto, acredita-se e sugere-se que sejam mais pertinentes as abordagens integrativas, posto que melhor se adequam às premissas do desenvolvimento por vias sustentáveis, em que são considerados em pé de igualdade os pilares econômico, ambiental e social. O paradigma pré-morfeanista parece ser utópico e difícil de ser alcançado diante do atual nível de informação que trabalha o inconsciente humano e o estilo de vida vigente na sociedade.

Após analisar as implicações para a gestão das possíveis combinações entre abordagens e perspectivas decisórias e fundamentando-se nas teorias estudadas, foi possível iluminar distinções e consequências ao se adotar determinadas abordagens combinadas com determinadas perspectivas decisórias. Com base nessa análise, foi possível atestar potenciais implicações do predomínio de alguns raciocínios na tomada de decisão quando se trata da sustentabilidade. Defendeu-se uma necessária vinculação, por vezes oculta, entre a lógica decisória e o alcance dos objetivos da sustentabilidade nas organizações.

Foi plausível concluir que as implicações de se adotar abordagens extremistas, que não levam em conta todos os pilares da sustentabilidade (ambiental, econômico e social), aliadas a perspectivas decisórias evolucionárias são negativas, trazendo problemas para o meio ambiente, para a sociedade e para as próprias empresas. Essas implicações podem acontecer em curto, médio ou longo prazo. Muitas vezes esse tipo de lógica decisória pode estar mascarado por pequenas ações ditas e até reconhecidas como sustentáveis, mas que, subsidiando-se pelas premissas da sustentabilidade, podem estar apenas saciando interesses financeiros e de imagens de “empresas verdes” no curto prazo.

Percebeu-se a necessidade de se considerar trade-offs ao adotar uma gestão sistêmica dos pilares social, econômico e ambiental. Além disso, ao analisar as combinações no Quadro 4, entendeu-se que as abordagens integrativas voltadas às perspectivas relacionais e temporais parecem aproximarem-se mais das exigências para alcançar os objetivos da sustentabilidade nas organizações. O que confirma a posição de Munck (2015MUNCK, L. Gestão da Sustentabilidade em Contexto Organizacional: Integrando sensemaking, narrativas e processo decisório estratégico. Organizações e Sociedade, v. 22, n. 75, p. 521-538, 2015.) sobre a exigência de um novo olhar para o processo decisório, ou seja, um olhar que considere diferentes escalas temporais, inter-relacionamentos, trade-offs e longo prazo.

O contexto estudado ampliou e trouxe novas formas de pensar para os atores que almejam participar da jornada rumo à sustentabilidade. A sustentabilidade não deve ser concebida como uma mudança de um estado de equilíbrio para outro, mas como um horizonte a ser abordado (porém nunca alcançado), pois em qualquer momento no tempo sempre existirão “outros” no presente e no futuro para lidar com eles. Assim, o desafio para a política, a estratégia e a pesquisa não é apenas uma questão de se tornar sustentável, mas de sustentar a capacidade de embarcar em viagens desse tipo em uma base contínua (GARUD; GEHMAN, 2012GARUD, R.; GEHMAN, J. Metatheoretical perspectives on sustainability journeys: Evolutionary, relational and durational. Research Policy, v. 41, p. 980-995, 2012., p. 992).

Assumindo que a mudança é responsabilidade de todos, este artigo assume a sua e propõe referências para reflexões e avaliações que podem subsidiar o aparecimento de novos horizontes decisórios por muitos desconhecidos. É de responsabilidade, sim, das organizações de todos os tipos, públicas, privadas e terceiro setor, um compromisso com a natureza e com toda a sociedade. O estudo ajuda a confirmar que já não é mais possível reforçar a utopia de um planeta com recursos infinitos e que podem ser substituídos e recuperados somente com o uso de capital financeiro convertido em tecnologias avançadas.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Out 2019
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2019

Histórico

  • Recebido
    10 Jun 2017
  • Aceito
    07 Maio 2018
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