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Nitrogênio da biomassa microbiana em solo cultivado com soja, sob diferentes sistemas de manejo, nos Cerrados

Microbial biomass nitrogen in soil cultivated with soybean, under different management systems, in the Cerrado

Resumos

O objetivo deste trabalho foi quantificar o nitrogênio da biomassa microbiana do solo (NBMS), em diferentes manejos: semeadura direta (SD), uma gradagem (GR), subsolagem e duas gradagens (SG), comparado com solo sob cerrado nativo, em um Latossolo Vermelho-Amarelo argiloso, no Distrito Federal. Avaliaram-se os solos em cinco profundidades, 0-5, 5-10, 10-20, 20-30 e 30-40 cm; e em quatro épocas: antes do preparo do solo, 30 dias após a germinação (30 DAG), floração e após colheita da soja. O nitrogênio da biomassa microbiana em solo não perturbado, apresentou maiores valores em todas as épocas estudadas comparadas com os solos em diferentes manejos. Houve diferença significativa nas camadas 0-5, 5-10 e 10-20 cm, exceto aos 30 dias após a germinação. A razão porcentual no Cerrado Nmic:Ntotal foi 2,5 vezes maior que a GR, três vezes maior que a SD e cinco vezes maior que a SG. A distribuição do Ntotal foi decrescente no solo de Cerrado e nos manejos ao longo do perfil. Os teores de Ntotal reduziram-se de acordo com a profundidade em todas as épocas avaliadas. Houve correlação positiva entre os nutrientes e o nitrogênio microbiano nos diferentes manejos e solo de cerrado sob vegetação nativa.

Glycine max; gradagem; plantio direto; subsolagem


The aim of this work was to quantify soil nitrogen microbial biomassa (SNMB) under different soil management systems: no-tillage (NT); one harrowing (OH); one subsoiling with two harrowings (SH). These systems were compared with native Cerrado, on a Red Yellow Latossol clay, in Federal District. Soils were studied at five depths, 0-5, 5-10, 10-20, 20-30 and 30-40 cm, over four periods: before soil preparation; 30 days after germination (DAG); flowering stage and after harvesting soybean plants. The native Cerrado showed the highest values of SNMB in all periods and management systems. Significant differences were found between 0-5, 5-10 and 10-20 cm soil layers, except at 30 DAG. The Nmic:Ntotal percentual ratio in cerrado soil was 2.5 times greater than OH system, three times greater than NT and five times greater than SH. The distribution of total N decreased in the Cerrado soil and other management systems with soil depth. Total N levels decreased with soil depth in all periods. There was a positive correlation between nutrients and microbial nitrogen in different management systems and soils under native cerrado vegetation.

Glycine max; harrowing; no-tillage; subsoiling


MICROBIOLOGIA

Nitrogênio da biomassa microbiana em solo cultivado com soja, sob diferentes sistemas de manejo, nos Cerrados

Microbial biomass nitrogen in soil cultivated with soybean, under different management systems, in the Cerrado

Kátia Sueli Sivek PerezI; Maria Lucrecia Gerosa RamosII; Concepta McManusII

IFundação Mokiti Okada, Centro de Pesquisa, Caixa Postal 033, CEP 13537-000 Ipeúna, SP

IIUniversidade de Brasília, Fac. de Agronomia e Medicina Veterinária, Caixa Postal 4508, CEP 70910-970 Brasília, DF. E-mail: lucrecia@unb.br, concepta@unb.br

RESUMO

O objetivo deste trabalho foi quantificar o nitrogênio da biomassa microbiana do solo (NBMS), em diferentes manejos: semeadura direta (SD), uma gradagem (GR), subsolagem e duas gradagens (SG), comparado com solo sob cerrado nativo, em um Latossolo Vermelho-Amarelo argiloso, no Distrito Federal. Avaliaram-se os solos em cinco profundidades, 0–5, 5–10, 10–20, 20–30 e 30–40 cm; e em quatro épocas: antes do preparo do solo, 30 dias após a germinação (30 DAG), floração e após colheita da soja. O nitrogênio da biomassa microbiana em solo não perturbado, apresentou maiores valores em todas as épocas estudadas comparadas com os solos em diferentes manejos. Houve diferença significativa nas camadas 0–5, 5–10 e 10–20 cm, exceto aos 30 dias após a germinação. A razão porcentual no Cerrado Nmic:Ntotal foi 2,5 vezes maior que a GR, três vezes maior que a SD e cinco vezes maior que a SG. A distribuição do Ntotal foi decrescente no solo de Cerrado e nos manejos ao longo do perfil. Os teores de Ntotal reduziram-se de acordo com a profundidade em todas as épocas avaliadas. Houve correlação positiva entre os nutrientes e o nitrogênio microbiano nos diferentes manejos e solo de cerrado sob vegetação nativa.

Termos para indexação:Glycine max, gradagem, plantio direto, subsolagem.

ABSTRACT

The aim of this work was to quantify soil nitrogen microbial biomassa (SNMB) under different soil management systems: no-tillage (NT); one harrowing (OH); one subsoiling with two harrowings (SH). These systems were compared with native Cerrado, on a Red Yellow Latossol clay, in Federal District. Soils were studied at five depths, 0–5, 5–10, 10–20, 20–30 and 30–40 cm, over four periods: before soil preparation; 30 days after germination (DAG); flowering stage and after harvesting soybean plants. The native Cerrado showed the highest values of SNMB in all periods and management systems. Significant differences were found between 0–5, 5–10 and 10–20 cm soil layers, except at 30 DAG. The Nmic:Ntotal percentual ratio in cerrado soil was 2.5 times greater than OH system, three times greater than NT and five times greater than SH. The distribution of total N decreased in the Cerrado soil and other management systems with soil depth. Total N levels decreased with soil depth in all periods. There was a positive correlation between nutrients and microbial nitrogen in different management systems and soils under native cerrado vegetation.

Index terms:Glycine max, harrowing, no-tillage, subsoiling.

Introdução

O nitrogênio da matéria viva encontra-se principalmente nas plantas, sendo representado por 94% do total, outros 4% estão na microbiota e 2% nos animais. Estima-se que o N da matéria orgânica do solo varia entre 3.1017 a 5,5.1017 g de N; sendo 1,5.1015 g de N na biomassa microbiana do solo e 1,0.1015 g de N orgânico no solo (Moreira & Siqueira, 2002). Desta forma, o solo representa o principal reservatório de ligação entre os componentes da biosfera (Rochette & Angers, 1999).

A transformação do N orgânico encontrado nos horizontes superficiais, em um determinado período, é influenciada pelos fatores que controlam o crescimento e atividade microbiana no solo, como a natureza dos resíduos, a temperatura, o pH, umidade e a aeração (Dao, 1998). O revolvimento estimula o desenvolvimento de microrganismos e os processos oxidativos do solo (Breland & Eltun, 1999). A mineralização do N orgânico do solo pode ser utilizada como um indicador potencial de disponibilidade do N às culturas (Vetterlein & Hüttl, 1999).

A biomassa microbiana é a fração viva da matéria orgânica do solo e contém de 1% a 4% de C e de 3% a 5% de N e representa um reservatório de nutrientes para as plantas; pelo processo de decomposição da matéria orgânica, promove a sustentabilidade biológica e a produtividade nos ecossistemas (Schloter et al., 2003). Nos agroecossistemas, a biomassa microbiana imobiliza entre 100 e 600 kg ha-1 de N e 50 e 300 kg ha-1 de P até a profundidade de 30 cm no perfil do solo e essas quantidades excedem a aplicação anual de fertilizantes (Martens, 1995). A liberação ou imobilização desses nutrientes depende da dinâmica dos microrganismos, da quantidade de resíduos vegetais, do rápido retorno e da eficiência de utilização de carbono pela microbiota (Baudoin et al., 2003). A biomassa microbiana responde rapidamente à adição de C e de N aplicados ao solo, determinando a decomposição da matéria orgânica, a relação C:N, a mineralização e a imobilização de nutrientes (Hatch et al., 2000). O rápido retorno de N no solo pelos microrganismos contribui no processo de mineralização e é considerado relevante para a manutenção de ecossistemas naturais (Puri & Ashman, 1998; Jenkinson et al., 2004).

O manejo do solo também interfere no carbono da biomassa microbiana, promovendo sua diminuição em preparo intensivo do solo, como aração e gradagem e subsolagem (Perez et al., 2004) e pouco se sabe sobre o efeito do preparo do solo no N da biomassa microbiana e Ntotal, nos Cerrados.

O objetivo deste trabalho foi quantificar o nitrogênio da biomassa microbiana e nitrogênio total em diferentes manejos: semeadura direta (SD), uma gradagem (GR), subsolagem e duas gradagens (SG), comparado com solo sob cerrado nativo, em um Latossolo Vermelho-Amarelo argiloso, no Distrito Federal.

Material e Métodos

O experimento foi conduzido em uma área agrícola do Distrito Federal cultivada com soja por 20 anos, sobre um Latossolo Vermelho-Amarelo argiloso. No ano agrícola 2000/2001, após a colheita da soja (Glycine max), foi semeado o milheto (Pennisetum glaucum L.) em toda a área, que serviu como cobertura vegetal. Na safra 2001/2002, durante o estabelecimento do experimento, foi efetuada a correção do solo com 1 t ha-1 calcário dolomítico; em seguida foi feita a adubação organomineral: 320 kg ha-1 de fosfato natural de Arade; 50 kg ha-1 de sulfato de potássio e 30 kg ha-1 de nutri-Bokashi (N: 3%, P: 2%, K: 1,4%, Ca: 2,2%, Mg: 1,1%, Mn: 0,018%, Zn: 0,011%, Fe: 0,090%, B: 0,020%, Cu: 0,010%, pH 6,0, relação C/N 12:1).

Neste período, a área foi dividida em três partes de 0,5 ha (50x100 m) cada e foram realizados os seguintes preparos de solo: semeadura direta da soja, sem revolvimento do solo (SD); uma subsolagem e duas gradagens (SG); uma gradagem (GR). Sementes de soja, cultivar Vitória, de ciclo médio, submetidas à inoculação com bactérias fixadoras de nitrogênio (Bradyrhizobium japonicum e Bradyrhizobium elkanii) na dose de 600 g de inoculante/50 kg de sementes, contendo uma população de 109 UFC g-1 de inoculante.

Foram coletadas amostras de solo nos tratamentos citados acima e em uma área nativa (Cerrado sensu stricto), adjacente ao experimento, nas mesmas dimensões das demais. As amostras de solo foram coletadas nas profundidades 0–5, 5–10, 10–20, 20–30, 30–40 cm e em quatro épocas do ciclo da cultura da soja, antes do preparo do solo, 30 dias após a germinação, na floração, e após a colheita da cultura. Em cada área foi projetada uma linha imaginária em diagonal e as coletas foram feitas em três pontos eqüidistantes, representando as repetições. Em cada ponto foram coletadas cinco subamostras em cada profundidade, obtendo-se uma amostra composta para cada profundidade. A seguir, as amostras foram mantidas em caixas de isopor e resfriadas durante o transporte até o laboratório, onde foram preservadas em câmara fria a 4ºC.

Como as avaliações são repetidas no espaço e no tempo, utilizou-se a análise proposta por Milliken & Johnson (1993) e Hinkelman & Kempthorne (1994), cujas profundidades podem ser consideradas como subparcelas e as épocas do ano como subsubparcelas.

Foram estimados os valores de N da biomassa microbiana e Ntotal, conforme Bremner & Mulvaney (1982). As amostras foram passadas em peneira de 8 mm de malha, sendo removidos os restos vegetais e os pedaços de raízes.

A umidade das amostras foi ajustada para estar em equilíbrio com uma tensão de 30 kPa (em torno de 80% da capacidade de campo do solo) e foram pré-incubadas por sete dias; após esse período, metade foi fumigada com clorofórmio livre de álcool e a outra metade não foi fumigada.

A extração do N foi feita com 60 mL de K2SO4 0,5 mol L-1 com pH ajustado entre 6,5 e 6,8 em agitador com movimento circular horizontal 150 rpm por 40 minutos. Após decantação por 30 minutos, procedeu-se à filtração em papel-filtro. Em seguida, retiraram-se alíquotas de 20 mL que foram transferidos para tubos de vidro na presença de 3 mL de H2SO4 concentrado e 1 g de catalisador (mistura de K2SO4, CuSO4 e selênio em pó, na proporção de 1:0,1:0,01). Realizou-se uma pré-digestão a 80ºC por uma noite. Em seguida, a temperatura foi elevada para 150ºC por 1 hora e 30 minutos, sendo a digestão concluída a 300ºC após 3 horas. A destilação foi realizada com 20 mL de NaOH 400 g L-1 e o destilado foi recolhido em erlemeyer de 125 cm3 contendo 10 mL de H3BO3 20g L-1, acrescentando-se 15 mL de verde de bromocresol a 0,1% em meio alcoólico e 6 mL de vermelho de metila a 0,1% em meio alcoólico e três gotas de hidróxido de sódio 0,1 N e procedeu-se à titulação com H2SO4 0,0025 mol L-1.

O N da biomassa microbiana foi calculado pela fórmula NB = (NF - NNF) kN-1, em que NF e NNF são as quantidades totais de N mineral liberado dos solos fumigado e não fumigado durante o período de incubação; kN é uma constante, representando a proporção do N da massa microbiana que é mineralizada durante o período de incubação (Wardle, 1994).

Os dados foram analisados pelo PROC MIXED e GLM do programa estatístico SAS-Statistic Analitical System (SAS Institute, 1997). As fontes de variação foram os tratamentos (parcela), profundidades (subparcelas), épocas de amostragem (subsubparcelas) e suas interações. Os efeitos principais foram separados pelo teste de Tukey a 5% de probabilidade. A matriz de correlação linear foi calculada pelo método de Pearson, agrupando-se os dados individuais das épocas e profundidades em cada tratamento.

Resultados e Discussão

Na primeira coleta, antes do preparo do solo, os manejos com subsolagem (SG) e a semeadura direta (SD) apresentaram valores de N total maiores que a gradagem (GR) e o solo de Cerrado (Tabela 1). Brookes et al. (1985) admitem uma variação de 2% a 6% de Ntotal para solos cultivados. Sampaio et al. (1986) observaram valores inferiores de Ntotal em solos de Goiânia (0,060%). Essas diferenças observadas antes do preparo de solo podem ser devido à falta de uniformidade no manejo por anos anteriores (Patra et al., 1990)

Aos 30 dias após a germinação (DAG), o solo de Cerrado sob gradagem apresentou maiores valores de Ntotal que aquele sob subsolagem. Na floração, o solo sob subsolagem apresentou os maiores valores de Ntotal. A magnitude das alterações do Ntotal depende da intensidade do manejo, do tipo e freqüência dos implementos, da qualidade e quantidade dos fertilizantes e resíduos orgânicos que retornam ao solo (Beare et al., 1994).

Após a colheita da soja, o Cerrado apresentou a maior concentração de Ntotal e o solo sob subsolagem e gradagem, os menores valores. De acordo com Bayer & Mielniczuk (1999), o preparo de solo convencional (aração e gradagem) promove maior taxa de decomposição da matéria orgânica e menor adição de resíduos, resultando em diferenças na quantidade de carbono orgânico e Ntotal no solo e estes autores também observaram que a taxa de decomposição de C e N no preparo convencional é o dobro, comparada com o plantio direto.

A distribuição do Ntotal no perfil de solo foi decrescente com a profundidade em todas as épocas estudadas, independentemente do sistema de preparo de solo (Tabela 2). Antes do preparo do solo, o Ntotal nas camadas de 0–5 e 5–10 cm não diferiu entre si, mas foi superior às outras camadas, sugerindo que houve maior aporte de resíduos orgânicos superficiais e raízes (Moore et al., 2000). Aos 30 DAG, os maiores valores de Ntotal foram detectados na camada de 0–5 cm e os menores na camada de 30–40 cm. Na floração, houve diferença significativa entre as camadas, exceto nas camadas 5–10 e 10–20 cm, que não diferiram entre si. Isto ocorreu, provavelmente, devido à maior atividade microbiana na rizosfera. A fixação e a liberação de nutrientes é promovida por rizodeposição e pela morte dos microrganismos (Martens, 1995). Após a colheita, houve diferença significativa no Ntotal em todas as camadas. Os maiores valores de Ntotal foram detectados na camada de 0–5 cm e os menores, na de 30–40 cm.

Na camada 0–5 cm, o Ntotal no Cerrado diferiu significativamente dos preparos de solo sob gradagem e subsolagem (Tabela 3). Isso sugere que, na semeadura direta, com o revolvimento somente na linha de plantio, ocorre um incremento no Ntotal. Hernández-Hernández & López-Hernández (2002) também observaram maior valor de Ntotal em solo sob semeadura direta, comparado com preparo convencional, principalmente na camada de 0–5 cm; estes autores observaram ainda diminuição do Ntotal com a profundidade. Em solos com revolvimento houve redução média de 14% no Ntotal. Na camada 5–10 cm, não houve diferença significativa entre os preparos de solo e o Cerrado. Na camada 10–20 cm, o Cerrado não diferiu de SG e SD, mas foi superior à GR. Nas camadas 20–30 e 30–40 cm, não houve diferença significativa entre os solos avaliados.

Na primeira amostragem, antes do preparo do solo, o N da biomassa microbiana do Cerrado foi superior em relação aos manejos de solo (Tabela 1). Patra et al. (1990) observaram que a falta de uniformidade no manejo do solo durante vários anos pode acarretar flutuações na biomassa microbiana do solo, influenciada pela temperatura do solo e adição de resíduos vegetais. Isso evidencia que em áreas não perturbadas, com manutenção de resíduos vegetais na superfície, há maior concentração de N microbiano (Hernández-Hernández & López-Hernández, 2002). Os diferentes valores de N da biomassa microbiana mostram a influência das práticas de manejos de solos (aração e gradagem antes do plantio, gradagem após a colheita anualmente e subsolagem a cada dois anos) ocorridas anteriormente ao estabelecimento do experimento, associados ao monocultivo da soja ao longo de vários anos. Aos 30 dias após a germinação, na floração e após a colheita, o solo sob Cerrado apresentou maior valor de N da biomassa microbiana comparado com as áreas sob cultivo. Entre os manejos de solo, a semeadura direta apresentou maior valor, sugerindo que houve maior imobilização de N na biomassa microbiana.

Os valores de N da biomassa microbiana nas quatro épocas e nas cinco profundidades estudadas, mostraram diferença significativa, nas camadas 0–5 e 5–10, exceto aos 30 dias após a germinação (Tabela 2). Nas épocas estudadas, os valores de N da biomassa microbiana declinaram com a profundidade. Isso evidencia que nas camadas superficiais pode ocorrer maior aporte de N proveniente dos exsudatos de raízes e de resíduos vegetais na superfície do solo que são imobilizados pela microbiota do solo (Cheng & Johnson, 1998).

Nas camadas 0–5, 5–10 e 10–20 cm, o N da biomassa microbiana do solo sob Cerrado foi maior que nos solos cultivados (Tabela 3). Não houve diferença significativa nestas camadas entre os diferentes preparos de solo. Na camada 20–30 cm, o Cerrado apresentou maiores valores de N microbiano que os diferentes preparos de solo, e entre estes, o solo sob semeadura direta diferiu significativamente do solo sob gradagem e subsolagem. Na camada 30–40 cm não houve diferença significativa entre os preparos de solo e o cerrado nativo. Em solos com baixa fertilidade, como na área sob cerrado nativo, a taxa de decomposição de matéria orgânica pode ser menor, levando à imobilização de N na biomassa microbiana, e esta pode funcionar como reserva de N (Gama-Rodrigues et al., 1997). O N da biomassa microbiana apresentou uma distribuição diferenciada nas profundidades, em função das épocas avaliadas e entre os manejos aplicados em solos de cultivo comparados com o Cerrado. O solo sob cerrado nativo manteve os maiores valores de N microbiano comparados com os manejos do solo e as épocas estudadas e nas profundidades.

A adição de N mineral ao solo ou mediante compostos orgânicos é relevante para disponibilizar nutrientes para as plantas. Por sua vez, a decomposição da matéria orgânica pode expressar valores diferentes e isto depende da qualidade do resíduo, da sua relação C:N, do tipo de argila e do manejo do solo (Rangeley & Knowles, 1988).

O aumento da mobilização do N no solo resulta em decréscimo da sua capacidade de imobilização e conservação, levando a maiores perdas por lixiviação (Vargas & Scholles, 1998). A imobilização pela biomassa microbiana é temporária; na medida em que ocorre a morte dos microrganismos, há a mineralização destes pelo restante da biomassa, liberando os nutrientes imobilizados. A biomassa microbiana é um componente importante do N potencialmente mineralizável. Portanto, quanto maior o conteúdo de N na biomassa microbiana, mais rápida será a sua reciclagem (Cochran et al., 1988; Anderson, 2003).

Antes do preparo do solo, a razão porcentual Nmic:Ntotal em solo sob Cerrado diferiu significativamente do solo sob subsolagem e semeadura direta (Tabela 1). Aos 30 DAG, houve diferença significativa para o solo sob Cerrado e os diferentes preparos de solo. Nestes, a semeadura direta apresentou maiores valores que a gradagem e subsolagem. Na floração e após a colheita da soja, o solo sob Cerrado diferiu significativamente dos solos sob cultivo e estes não diferiram entre si. A intensificação do uso do solo durante décadas, particularmente na agricultura, tem causado decréscimo na qualidade do solo e conseqüente redução da sua fertilidade (Anderson, 2003).

Nas profundidades avaliadas, o solo sob Cerrado apresentou maior razão porcentual Nmic:Ntotal comparada com os solos cultivados. Castellazzi et al. (2004) observaram declínio do N, do C e da biomassa microbiana com o aumento da profundidade. Aos 30 DAG e na floração, não houve diferença significativa nas profundidades estudadas (Tabela 2). Springob & Kirchmann (2003) afirmam que a estabilidade da matéria orgânica facilmente decomponível reflete as práticas de manejo ao longo dos anos e que resíduos vegetais aplicados no solo representam condições atuais para avaliar o comportamento do C e N em solos aráveis.

Na camada 0–5 cm, a razão porcentual Nmic:Ntotal do Cerrado não diferiu significativamente do solo sob semeadura direta e sob gradagem. Nesta camada, a subsolagem apresentou os menores valores. Na camada 5–10 cm, o solo sob cerrado nativo apresentou maior Nmic:Ntotal que os diferentes manejos de solo e não houve diferença entre os diferentes preparos de solo. Na camada 10–20 cm, o Cerrado nativo apresentou valores 2,5 vezes maiores que solo sob gradagem, três vezes maiores na semeadura direta e cinco vezes maiores que na subsolagem. Entre os diferentes preparos de solo, a gradagem apresentou diferença significativa com a subsolagem (Tabela 3). Isso evidencia o efeito da subsolagem sobre a microbiota do solo e matéria orgânica. Na camada 20–30 cm, o solo sob Cerrado apresentou maior razão porcentual Nmic:Ntotal que a gradagem e a subsolagem. Na camada 30–40 cm não houve diferença significativa entre o solo do Cerrado e aqueles sob cultivo. Hernández-Hernández & López-Hernández (2002) observaram decréscimo nos valores de N da biomassa microbiana e do Ntotal em solos de savana até a profundidade de 10 cm.

O cultivo intenso acelera a mineralização da matéria orgânica do solo, além do uso de grandes quantidades de N solúvel como fertilizante nas lavouras, enquanto o plantio direto e o cultivo de leguminosas enriquecem o solo com nitrogênio. Neste contexto, a biomassa microbiana pode mineralizar 0,02 µg g-1 dia-1 de N em solo de Cerrado (Moreira & Siqueira, 2002).

A análise de correlação entre os atributos químicos e o N da biomassa microbiana do solo foi feita agrupando-se os dados individuais das épocas e profundidades em cada área estudada. Houve correlação positiva entre o N da biomassa microbiana e o Ntotal no cerrado nativo e nos sistemas de manejo do solo (Tabela 4). No Cerrado nativo, houve correlação negativa do pH e positiva do Al com o N da biomassa microbiana do solo (NBMS) e o Ntotal. Já nos sistemas de cultivo, estas correlações foram opostas. Na mesma área experimental, Perez et al. (2004) também obtiveram correlações negativas entre o carbono da biomassa microbiana e o pH do solo e teor de alumínio, em solo de Cerrado não cultivado. Isto sugere que na área de Cerrado, possivelmente, há grupos de microrganismos adaptados àquelas condições e, com o preparo de solo, outros grupos de microrganismos podem ter se destacado ou se adaptado às novas condições. Tem-se observado que alterações do pH do solo levam à sobrevivência de grupos de microrganismos adaptados às novas condições de pH (Blagodatskaya & Anderson, 1999). Alterações no pH do solo levam a mudanças na solubilidade de macro e micronutrientes e a formação de complexos insolúveis pode aumentar a concentração de Al no solo (Vetterlein & Hüttl, 1999). O P e o K se correlacionaram positivamente com o NBMS e o Ntotal em todas as áreas estudadas, já o Ca, Mg, Cu, Zn e Mn não se correlacionaram com o NBM na área nativa, e apresentaram correlação positiva com os sistemas de manejo do solo. Houve alta correlação do Fe com o N da biomassa microbiana no solo sob Cerrado nativo e este não apresentou correlação com os diferentes manejos de solo. Observou-se efeito contrário com o Mn que apresentou alta correlação com os solos cultivados e não se correlacionou com o solo do Cerrado nativo. Martens (1995) afirma que os nutrientes N, P e K, principalmente, são disponibilizados pela decomposição da matéria orgânica do solo. Durante esse processo, os materiais são convertidos pelos microrganismos, liberando energia e produzindo metabólitos celulares dando suporte e manutenção ao desenvolvimento das plantas.

A razão porcentual Nmic:Ntotal, em geral, não se correlacionou com os atributos microbiológicos e químicos do solo, em todos os sistemas de preparo de solo e no Cerrado nativo.

Anderson (2003) afirma que as inter-relações entre organismos e os fatores abióticos promovem uma sucessão de microrganismos durante a decomposicão dos resíduos vegetais, fazendo parte dos processos de auto-regulação que são determinantes para a existência de sítios específicos na fertilidade dos solos. O sistema de rotação de cultura promove ao longo dos anos diversidade na comunidade microbiana sendo mais eficiente energeticamente e na ciclagem de nutrientes, influenciados pelo pH do solo.

Conclusões

1. O nitrogênio da biomassa microbiana em solos não perturbados (Cerrado) apresenta maiores valores em todas as épocas estudadas

2. O nitrogênio microbiano e o nitrogênio total diminuem com o aumento da profundidade.

3. A subsolagem promove diminuição do nitrogênio total e o nitrogênio da biomassa microbiana após a colheita da soja.

Recebido em 6 de maio de 2004 e aprovado em 5 de outubro de 2004

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Abr 2005
  • Data do Fascículo
    Fev 2005

Histórico

  • Aceito
    05 Out 2004
  • Recebido
    06 Maio 2004
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