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Hemograma e sobrevivência de camarões marinhos após silenciamento do WSSV por RNA de interferência

Hemogram and survival rate of marine shrimp after silencing of WSSV by RNA interference

Resumos

O objetivo deste trabalho foi avaliar a proteção antiviral específica via RNA de interferência (RNAi) contra o vírus da síndrome da mancha-branca (WSSV), em camarões marinhos (Litopenaeus vannamei). Os camarões foram injetados com uma sequência dsRNA específica (vp28 do envelope viral), seguida por desafio com WSSV após 48 horas. Avaliaram-se o hemograma às 0, 3, 6, 24, 48 e 72 horas após o desafio, e a taxa de mortalidade durante 30 dias. Nos animais tratados com dsRNA vp28, a infecção viral foi limitada, e a sobrevivência (73%) e a "clearance" viral (80%) foram maiores do que nos camarões infectados, não tratados, que apresentaram 100% de mortalidade em cinco dias. Nos camarões tratados com dsRNA, o hemograma diminuiu até 6 horas após o desafio, seguido por aumento, tendo atingido o nível normal em 72 horas. O tratamento com dsRNA vp28 limita a infecção nos camarões por WSSV, restaura as suas condições imunológicas e promove "clearance" viral na maioria dos sobreviventes. Esses resultados são indicativos de que dsRNA vp28 pode servir como ferramenta molecular para combater o WSSV e que o RNAi representa abordagem promissora para controlar doenças virais em camarões cultivados.

Litopenaeus vannamei; defesas antivirais; hemócitos totais; imunologia de crustáceos; vírus da mancha-branca


The objective of this work was to evaluate the specific antiviral protection via RNA interference (RNAi) against the white spot syndrome virus (WSSV) in marine shrimp (Litopenaeus vannamei). Shrimp were injected with a dsRNA specific sequence (vp28 from the viral envelope), followed by challenge, with WSSV after 48 hours. The hemogram was evaluated at 0, 3, 6, 24, 48, and 72 hours after challenge and the mortality rate during 30 days. In animals treated with vp28 dsRNA the viral infection was limited, and survival (73%) and viral clearance (80%) were higher than in infected, not treated shrimp, which showed 100% mortality within five days. In shrimp treated with dsRNA, the hemogram decreased until 6 hours after viral challenge, followed by an increase, reaching normal levels at 72 hours. The treatment with vp28 dsRNA limits WSSV infection in shrimp, restores their immune conditions, and promotes viral clearance in most survivors. These results indicate that vp28 dsRNA can serve as a molecular tool for combating WSSV, and that RNAi represents a promising approach for the control of viral diseases in cultured shrimp.

Litopenaeus vannamei; antiviral responses; total hemocytes; crustacean immunology; white spot virus


AQUACULTURA

Hemograma e sobrevivência de camarões marinhos após silenciamento do WSSV por RNA de interferência

Hemogram and survival rate of marine shrimp after silencing of WSSV by RNA interference

Cristhiane GuertlerI; Tailin RiegII; Claudio Humberto Mejía-RuízIII; Maurício LehmannIV; Margherita Anna BarraccoI; Luciane Maria PerazzoloI

IUniversidade Federal de Santa Catarina, Departamento de Biologia Celular, Embriologia e Genética, Laboratório de Imunologia Aplicada à Aquicultura, CEP 88040-900 Florianópolis, SC. E-mail: cristhianeguertler@yahoo.com.br, barracco@mbox1.ufsc.br, luciane@ccb.ufsc.br

IIMinistério da Aquicultura e Pesca, Rua Martinho Calado, nº21, CEP 88015-040 Florianópolis, SC. E-mail: tai.rieg@hotmail.com

IIICentro de Investigaciones Biológicas del Noroeste, S.C. Mar Bermejo, nº 195, Colonia Playa Palo de Santa Rita, Código Postal 23090, La Paz, México. E-mail: hmejia04@cibnor.mx

IVInstituto Federal Catarinense, Rodovia BR-280, Km 27, CEP 89245-000 Araquari, SC. E-mail: lehmann@brturbo.com.br

RESUMO

O objetivo deste trabalho foi avaliar a proteção antiviral específica via RNA de interferência (RNAi) contra o vírus da síndrome da mancha-branca (WSSV), em camarões marinhos (Litopenaeus vannamei). Os camarões foram injetados com uma sequência dsRNA específica (vp28 do envelope viral), seguida por desafio com WSSV após 48 horas. Avaliaram-se o hemograma às 0, 3, 6, 24, 48 e 72 horas após o desafio, e a taxa de mortalidade durante 30 dias. Nos animais tratados com dsRNA vp28, a infecção viral foi limitada, e a sobrevivência (73%) e a "clearance" viral (80%) foram maiores do que nos camarões infectados, não tratados, que apresentaram 100% de mortalidade em cinco dias. Nos camarões tratados com dsRNA, o hemograma diminuiu até 6 horas após o desafio, seguido por aumento, tendo atingido o nível normal em 72 horas. O tratamento com dsRNA vp28 limita a infecção nos camarões por WSSV, restaura as suas condições imunológicas e promove "clearance" viral na maioria dos sobreviventes. Esses resultados são indicativos de que dsRNA vp28 pode servir como ferramenta molecular para combater o WSSV e que o RNAi representa abordagem promissora para controlar doenças virais em camarões cultivados.

Termos para indexação: Litopenaeus vannamei, defesas antivirais, hemócitos totais, imunologia de crustáceos, vírus da mancha-branca.

ABSTRACT

The objective of this work was to evaluate the specific antiviral protection via RNA interference (RNAi) against the white spot syndrome virus (WSSV) in marine shrimp (Litopenaeus vannamei). Shrimp were injected with a dsRNA specific sequence (vp28 from the viral envelope), followed by challenge, with WSSV after 48 hours. The hemogram was evaluated at 0, 3, 6, 24, 48, and 72 hours after challenge and the mortality rate during 30 days. In animals treated with vp28 dsRNA the viral infection was limited, and survival (73%) and viral clearance (80%) were higher than in infected, not treated shrimp, which showed 100% mortality within five days. In shrimp treated with dsRNA, the hemogram decreased until 6 hours after viral challenge, followed by an increase, reaching normal levels at 72 hours. The treatment with vp28 dsRNA limits WSSV infection in shrimp, restores their immune conditions, and promotes viral clearance in most survivors. These results indicate that vp28 dsRNA can serve as a molecular tool for combating WSSV, and that RNAi represents a promising approach for the control of viral diseases in cultured shrimp.

Index terms:Litopenaeus vannamei, antiviral responses, total hemocytes, crustacean immunology, white spot virus.

Introdução

O vírus da síndrome da mancha-branca (WSSV) é o agente etiológico da virose mais avassaladora da história da carcinicultura (Escobedo-Bonilla et al., 2008), responsável por mortalidades que podem chegar a 100%, de 2 a 7 dias, após detectados os primeiros sinais clínicos (Chou et al., 1995). No Brasil, os primeiros surtos dessa virose foram reportados em cultivos de camarões marinhos (Litopenaeus vannamei), em Santa Catarina, em 2004, onde causou mortalidades de 90% e prejuízos na ordem de 3 milhões de dólares (Seiffert et al., 2006). O WSSV é um vírus envelopado, com genoma de DNA dupla fita circular, baciliforme (Van Hulten et al., 2001; Yang et al., 2001; Chen et al., 2002), pertencente ao gênero Whispovirus da família Nimaviridae (Mayo, 2002).

O WSSV é extremamente virulento e patogênico para todas as espécies de peneídeos cultiváveis e, também, para outros crustáceos decápodas, como caranguejos e lagostins (Lo et al., 1996), pois infecta as células de origem ectodermal e mesodermal (Wongteerasupaya et al., 1995), que incluem os hemócitos, células imunocompetentes dos crustáceos (Wang et al., 2002). Os crustáceos, diferentemente dos vertebrados, contam apenas com um sistema imune inato para protegê-los contra microrganismos e parasitas invasores. O contato com os microrganismos ativa respostas celulares e humorais que atuam de maneira integrada para protegê-los e garantir a sua integridade corpórea e homeostática (Barracco et al., 2008).

Entre os principais mecanismos de defesa antivirais em invertebrados, destaca-se o sistema antiviral mediado por RNA de interferência (RNAi), que representa um antigo e bem conservado mecanismo de defesa contra vírus e "transposons", presente em todos os organismos pluricelulares, como plantas, fungos, invertebrados e vertebrados (Hannon, 2002; Obbard et al., 2009). A ativação deste mecanismo inicia-se pelo processamento de precursores longos de RNA dupla fita (dsRNA), ou regiões de RNA fita simples em forma de grampo (RNAs do tipo "hairpin" ou hRNA), pela endoribonuclease Dicer, que os cliva em pequenos RNAs duplex (21-25 nucleotídeos), denominados de "short interfering" RNA (siRNAs) e microRNAs (miRNAs), respectivamente (Aliyari & Ding, 2009).

No caso de uma infecção viral, os siRNAs são, também, conhecidos por "viral" RNA (viRNA). Estes pequenos RNAs fornecem as sequências específicas para um complexo multiproteico de silenciamento induzido por RNA ou RNA-"induced silencing complex", que dirige uma degradação específica ou a repressão da tradução do RNAm com regiões complementares à sequência do dsRNA/hRNA desencadeante. Em última análise, a degradação do RNAm impossibilita que a proteína correspondente seja traduzida.

Em L. vannamei , a primeira evidência da existência de uma defesa antiviral específica via RNAi foi demonstrada por Robalino et al. (2005). Desde então, vários estudos têm continuado a utilizar esta técnica para limitar diferentes infecções virais de camarões cultivados, a partir de injeções de dsRNA com sequências homólogas aos RNAm de proteínas estruturais dos vírus (Shekhar & Lu, 2009).

Uma vez que os crustáceos não podem ser vacinados, como os vertebrados, pois não apresentam sistema imune adaptativo que os proteja de maneira antígeno-específica e em longo prazo, é imperativo e urgente que se busquem métodos alternativos e efetivos que limitem ou impeçam a progressão das infecções virais nos camarões e evitem as enormes perdas econômicas na carcinicultura.

O objetivo deste trabalho foi avaliar a proteção antiviral específica via RNA de interferência (RNAi) contra o vírus da síndrome da mancha-branca (WSSV), em camarões marinhos (Litopenaeus vannamei).

Material e Métodos

O experimento foi conduzido no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Catarinense, Campus Araquari, SC, em 2009. Camarões juvenis (n=162, 12±1,5 g), em período de intermuda, foram adquiridos da fazenda experimental Yakult/UFSC, Balneário Barra do Sul, SC. Os animais foram mantidos por 30 dias em tanques de 50 L (n=18, por tanque) e alimentados uma vez ao dia, com ração comercial. Antes do início do experimento, a hemolinfa dos animais foi coletada para verificar a presença do WSSV por "nested" PCR. Somente animais livres de WSSV foram utilizados no experimento.

A solução de inóculo de WSSV foi preparada segundo metodologia adaptada de Prior et al. (2003). O tecido muscular de camarões mortos, diagnosticados com WSSV, foi homogeneizado em tampão (NaCl 330 mmol L-1, Tris 10 mmol L-1, pH 7,4) (1:10 p/v) e, em seguida, centrifugado a 2.000 g, por 20 min a 4ºC. O sobrenadante foi centrifugado a 9.000 g, por 10 min, a 4ºC, filtrado (0,45 µm) e armazenado em nitrogênio líquido. Simultaneamente, um inóculo livre de WSSV foi preparado seguindo a mesma metodologia, porém com utilização de músculo de animais diagnosticados como WSSV negativo. A metodologia para a quantificação da carga viral do WSSV por PCR em tempo real foi realizada segundo protocolo descrito por Müller (2009).

O RNA dupla fita foi sintetizado conforme protocolo preconizado pelo kit BLOCK-iT RNAi TOPO (Life Technologies do Brasil, Ltda., São Paulo, SP). A sequência gênica correspondente à proteína vp28 do WSSV foi amplificada por PCR (fragmento 610 pb), tendo-se utilizado os iniciadores VP28F3: 5'ATGGATCTTTCTTTC3' e VP28R3: 5'TTACTCGGTCTCAG3' sob condições de 94ºC por 4 min, seguido por 33 ciclos (94ºC por 1 min, 58ºC por 1 min e 72ºC por 1 min) e 72ºC por 7 min (Mejía-Ruíz et al., 2011).

Os camarões livres de WSSV foram aleatoriamente separados em três grupos experimentais, em triplicata (54 animais por grupo): grupo W (controle negativo), injetado intramuscularmente com tampão (NaCl 330 mmol L-1, Tris 10 mmol L-1, pH 7,4) e, posteriormente, com inóculo puro de tecido de camarão livre de WSSV; grupo W+ (grupo infectado), injetado com tampão e infectado com inóculo puro de WSSV (1,3x107 partículas virais por animal); e grupo dsRNA vp28/W+, injetado com 1 µg dsRNA vp28 por 3 g de peso vivo e infectado com WSSV. Os animais foram injetados com 50 µl (tampão salina, inóculo viral e dsRNA vp28) entre o primeiro segmento abdominal e o cefalotórax, na região dorsal, e foram mantidos no sistema experimental por 30 dias. Acoleta de hemolinfa para os hemogramas dos animais (n=162) de todos os grupos foi realizada às 0 (antes do desafio; primeira coleta), 3, 6, 24, 48 e 72 horas após o desafio (segunda à sexta coletas). Em cada tempo e para cada tratamento, foram coletados três "pools" de três animais cada um (Figura 1).


A percentagem da mortalidade dos animais foi monitorada diariamente, durante 30 dias, a partir do desafio viral, para avaliar a proteção antiviral específica dos camarões pelo dsRNA vp28. Além disso, a hemolinfa dos animais sobreviventes e os pleópodes dos animais mortos foram coletados para verificar a presença do WSSV por PCR.

A hemolinfa foi coletada em solução anticoagulante de Alsever modificada (MAS) (336 mmol L-1 NaCl, 115 mmol L-1 glicose, 27 mmol L-1 citrato de sódio, 9 mmol L-1 EDTA, pH 7,2) (1:2), na região ventral do abdômen, tendo-se utilizado seringa (1 mL) com agulha (13x0,4 mm) que foi inserida entre o último esternito cefalotorácico e o primeiro abdominal. Parte dos hemócitos coletados foi utilizada para detectar a presença do WSSV por PCR, e uma alíquota de hemolinfa total foi separada e armazenada em formol MAS 4% (1:3) para análise dos hemogramas. A contagem total de hemócitos (CTH) foi estimada em câmara de Neubauer, de modo semelhante à realizada para glóbulos brancos (Beçak & Paulete, 1976).

A extração do DNA genômico de pleópodes e hemócitos foi realizada em DNAzol (Life Technologies do Brasil, Ltda., São Paulo, SP) de acordo com instruções do fabricante. A pureza das amostras foi avaliada em espectrofotômetro (A260/280nm) WPA Biowave II, (Biochrom Ltd., Cambridge, Reino Unido). A presença de WSSV nos animais de cada grupo experimental foi avaliada às 3, 6, 24, 48 e 72 horas após a injeção, por PCR convencional (um passo) e por "nested" PCR (dois passos). Para isso, foram utilizados os iniciadores recomendados pela World Organisation for Animal Health (2006) - WSSV146Fw1: 5'ACT ACTAACTTCAGCCTATCTAG3'; WSSV146Rv1: 5'TAATGCGGGTGTAATGTTCTTACG3' (fragmento 1.447 pb); WSSV146Fw2: 5'GTAACTGCC CCTTCCATCTCCA3'; e WSSV146Rv2: 5'TACGGC AGCTGCTGCACCTTGT3' (fragmento 941 pb). As duas etapas de amplificação consistiram de 94ºC por 4 min, 55ºC por 1 min, 72ºC por 2 min, seguidos por 39 ciclos (94ºC por 1 min, 55ºC por 1 min e 72ºC por 2 min) com extensão final a 72ºC por 5 min. Todos os produtos de PCR foram analisados em gel de agarose (1%) corado com brometo de etídeo (0,5 µg mL-1).

Além da análise por PCR convencional, a presença do vírus também foi investigada por PCR em tempo real nos animais sobreviventes do grupo dsRNA vp28/W+, após 30 dias do desafio. Para tanto, utilizou-se o kit DyNAmo SYBR Green qPCR Finnzymes, (Thermo Fisher Scientific, Waltham, MA, EUA), a partir de 100 ng de DNA genômico. Os iniciadores utilizados referem-se a uma sequência da proteína do envelope viral vp19 - VP19Fw: 5'ATGGCCACCACGACTAACACT3'; e VP19Rv: 5'CTGCCTCCTCTTGGGGTA3' (fragmento 375 pb) (Genbank: EU012447). As condições da reação foram 95ºC durante 10 min, seguidos por 40 ciclos de 95ºC por 20 s, 58ºC por 20s e 72ºC por 20 s.

Os resultados obtidos da contagem total de hemócitos nos diferentes grupos foram submetidos à análise de variância, e as médias foram comparadas pelo teste de Tukey, a 5% de probabilidade. As análises foram realizadas no programa Statistica 7 (StatSoft, Inc., Tulsa, OK, EUA).

Resultados e Discussão

Os animais não tratados com dsRNA vp28, mas injetados com WSSV (grupo W+), apresentaram o vírus em seu organismo já nas 6 horas após o desafio, enquanto, nos animais previamente tratados com dsRNA (grupo dsRNA vp28/W+), o vírus foi detectado somente por "nested" PCR e a partir de 48 horas do desafio (Tabela 1), o que indica poucas partículas virais nesses animais. Estes resultados também são indicativos de que a estimulação do sistema RNAi nos animais antes do desafio viral induz as defesas antivirais específicas contra o WSSV, o que limita a evolução da infecção viral de maneira importante. Essa hipótese foi confirmada, uma vez que, nos animais desafiados, mas não tratados com dsRNA vp28, a taxa de mortalidade foi de 100% cinco dias após o desafio (Figura 2). No entanto, nos camarões tratados, a mortalidade foi de apenas 27%, o que resultou em 73% de sobrevivência durante os 30 dias do experimento. As análises individuais desses sobreviventes, por PCR em tempo real, revelaram a presença do vírus somente em 20% dos camarões. Tanto as elevadas taxas de sobrevivência (73%), quanto a ausência do vírus em 80% dos sobreviventes, mostram claramente que o tratamento prévio com a dose utilizada de dsRNA vp28 (1 µg dsRNA vp28 por 3 g de peso vivo) foi efetiva e capaz de induzir o sistema antiviral via RNAi em L. vannamei. Esse tratamento levou ao controle específico da infecção por WSSV em sua fase inicial, o que promoveu "clearance" viral no organismo da maioria dos camarões sobreviventes.


Resultados semelhantes foram relatados por Mejía-Ruíz et al. (2011), que, ao utilizar o mesmo dsRNA e a mesma dose, observaram atividade antiviral em juvenis de L. vannamei, por 30 dias, em 50% dos animais, e que os sobreviventes também não apresentavam mais o vírus no organismo.

O grau de proteção conferido por dsRNAs específicos varia entre os diferentes genes virais alvo, o que indica que a escolha do gene alvo é um fator limitante no sucesso da supressão da infecção viral (Robalino et al., 2005). Kim et al. (2007) demonstraram que camarões injetados com dsRNA correspondentes aos genes da vp28 e da proteína quinase (proteína não estrutural do WSSV) apresentam maior taxa de sobrevivência do que quando injetados com dsRNA da vp281, outra proteína do envelope do WSSV. A vp28, uma das principais proteínas do envelope do WSSV, é uma das responsáveis pela entrada do vírus nas células do hospedeiro e deve ser sintetizada junto ao vírion para que o processo de infecção se efetive. Uma vez que a síntese da vp28 é bloqueada via RNAi, a ocorrência dos processos de infecção e replicação virais é virtualmente limitada ou interrompida, como mostrado no presente trabalho e em outros anteriores (Robalino et al., 2005; Kim et al., 2007; Xu et al., 2007; Sarathi et al., 2008; Mejía-Ruíz et al., 2011).

Com relação à quantidade de dsRNA vp28 para induzir RNAi em camarões, há diferentes relatos na literatura. Kim et al. (2007) obtiveram taxa de sobrevivência de 100% (sete dias) em Penaeus chinensis infectados com altas doses de WSSV e previamente injetados com alta dose de dsRNA vp28 (1 µg g-1 de peso vivo). De forma semelhante, Robalino et al. (2005) relataram sobrevivência de 85% (nove dias) em pós-larvas de L. vannamei injetadas com WSSV e tratadas previamente com uma dose de dsRNA vp28 de 12 µg por 1 a 2 g de peso vivo. Já os resultados do presente trabalho e os de Mejía-Ruíz et al. (2011) mostraram que a dose de 1 µg por 3 g do mesmo constructo molecular (dsRNA vp28) foi suficiente para induzir as defesas contra o WSSV em L. vannamei cultivados no Brasil e no México.

Efetivamente, a dose utilizada está dentro da faixa recomendada por diversos estudos com camarões (1-5 µg de dsRNA por animal), para limitar de maneira satisfatória a replicação de diferentes vírus e diminuir significativamente a mortalidade dos animais (Shekhar & Lu, 2009).

Somente os animais tratados com dsRNA vp28 sobreviveram à infecção por WSSV e permaneceram vivos durante os 30 dias de experimento, apesar de 20% deles ainda apresentarem o vírus no organismo. Isso mostra que o tratamento prévio dos camarões com dsRNA vp28 levou ao controle da infecção viral em sua fase inicial e promoveu "clearance" viral na maioria dos sobreviventes. Dessa maneira, esse constructo molecular poderá ser utilizado em programas de terapia antiviral, de caráter preventivo contra o WSSV, em camarões cultivados.

Quanto às condições de saúde e ao hemograma dos animais, observou-se que o número de hemócitos circulantes foi reduzido em todos os tratamentos até 6 horas pós-inoculação, independentemente da injeção ou não com o vírus (Figura 3). Relatos de diminuições no hemograma de camarões que sofreram estresse por injeções de qualquer natureza são comuns e podem estar associados à infiltração dos hemócitos no local da injúria (Sarathi et al., 2007).


Nos grupos desafiados, houve redução no hemograma de cerca de 4x (W+) e 5x (dsRNA vp28/ W+) ainda nas 6 horas. Já no grupo desafiado, não tratado com dsRNA vp28, essa redução foi progressiva e drástica, tendo alcançado um valor extremamente baixo (5,3x106 células mL-1), cerca de seis vezes inferior ao do controle (31×106 células mL-1), no terceiro dia (72 horas) pós-infecção (Figura 3). Esses resultados são indicativos da rápida evolução na infecção viral no organismo e da grande debilidade imunológica nos animais, a qual culminou em 100% de mortalidade dos camarões em cinco dias (Figura 2).

Entretanto, nos animais em que as defesas antivirais foram previamente induzidas via RNAi (dsRNA vp28/ W+), o hemograma retornou ao nível normal (27x106 células mL-1) 72 horas pós-desafio (Figura 3). Isso mostra que houve recuperação nas condições gerais de saúde dos animais, o que possibilitou que novas células imunocompetentes (hemócitos) fossem produzidas pelo tecido hematopoiético.

Em contrapartida, a queda brusca e crescente do hemograma nos camarões apenas desafiados com WSSV indicou que a depleção dos hemócitos circulantes está diretamente associada à replicação viral dentro das células. Os hemócitos são um dos principais sítios de replicação do WSSV (Wang et al., 2002) e diversos trabalhos já mostraram que ocorre diminuição significativa no hemograma em camarões infectados (Sarathi et al., 2007; Yeh et al., 2009).

Sarathi et al. (2007) observaram queda no hemograma de Fenneropenaeus indicus após infecção severa com WSSV associada tanto à lise, quanto à apoptose celulares. Embora os fenômenos de lise e apoptose celulares não tenham sido investigados no presente trabalho, sabe-se que estes fenômenos são comuns em infecções virais e que podem ter ocorrido. Contudo, a redução significativa no hemograma do grupo W+, em estágios mais avançados da infecção (72 horas pós-desafio), pode, também, estar relacionada à diminuição na produção dos hemócitos pelos órgãos hematopoiéticos. Em estudos com outro decápoda, o lagostim Pacifastacus leniusculus, constatou-se que células do tecido hematopoiético podem ser infectadas por WSSV, com prejuízo ao funcionamento do órgão e, consequentemente, à produção de novos hemócitos (Jiravanichpaisal et al., 2006).

O tratamento prévio de juvenis de L. vannamei com dsRNA vp28, na concentração utilizada no presente trabalho, mostrou-se eficaz para induzir resposta antiviral contra o WSSV, via RNAi. A alta taxa de sobrevivência e a restituição das boas condições imunológicas dos animais desafiados indicam que o tratamento com dsRNA vp28 levou ao controle da infecção viral em sua fase inicial, limitou-a e promoveu "clearance" viral em 80% dos sobreviventes. Dessa maneira, o dsRNA vp28 poderia ser utilizado, mediante estudos futuros de viabilidade econômica, como agente terapêutico para prevenir e limitar infecções por WSSV em camarões.

O mecanismo antiviral baseado na técnica de RNAi atualmente representa a abordagem terapêutica melhor fundamentada, efetiva e promissora no controle das viroses em crustáceos cultivados. Apesar da aplicação prática da tecnologia de RNAi ainda ser inviável na carcinicultura, em razão dos elevados custos e da dificuldade de aplicação nos animais por via sistêmica, estudos recentes apontam para uma adaptação menos onerosa da técnica e outros modos de administração, para viabilizar a sua utilização em larga escala dentro da carcinicultura.

Conclusões

1. Camarões marinhos (Litopenaeus vannamei) infectados severamente com o vírus da síndrome da mancha-branca (WSSV), mas não tratados com dsRNA vp28, apresentam queda significativa na quantidade de hemócitos circulantes e não sobrevivem ao desafio viral.

2. O tratamento com dsRNA vp28 limita a infecção por WSSV, aumenta a taxa de sobrevivência e mantém as boas condições imunológicas dos camarões por meio do restabelecimento do número de hemócitos circulantes (hemograma).

3. O tratamento com dsRNA vp28 controla a infecção viral em sua fase inicial, limita-a e promove a ausência do vírus na maioria dos sobreviventes.

4. A concentração de dsRNA vp28 de 1 µg por 3 g de peso vivo é eficaz para estimular o sistema RNAi em juvenis de L. vannamei e induz resposta antiviral específica contra o WSSV.

Agradecimentos

À Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), pelo auxílio financeiro; à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), pela concessão de bolsa; a Edemar Roberto Andreatta, Walter Seiffert e Felipe Vieira, do Laboratório de Camarões Marinhos da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), pelo fornecimento dos camarões marinhos; e a Delano Dias Schleder, do Instituto Federal Catarinense (IFC), Araquari, pelo apoio nos experimentos com desafio.

Recebido em 25 de julho de 2011 e aprovado em 31 de maio de 2013

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Nov 2013
  • Data do Fascículo
    Ago 2013

Histórico

  • Recebido
    25 Jul 2011
  • Aceito
    31 Maio 2013
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