Acessibilidade / Reportar erro

Acolhimento e Vínculo em um Serviço de Assistência a Portadores de Transtornos Alimentares1 1 Apoio: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).

Acogimiento y Vínculo en Grupo de Apoyo para Pacientes con Trastornos de la Conducta Alimentaria

Resumos

Acolhimento e vínculo são dispositivos técnicos e políticos que visam a garantir uma assistência qualificada em saúde. Este estudo teve por objetivo avaliar o acolhimento e o vínculo entre profissionais e usuários de um serviço de assistência multidisciplinar para pessoas diagnosticadas com transtornos alimentares. Foram entrevistados 16 usuários e sete profissionais. Foi utilizada avaliação qualitativa de quarta geração. Os resultados foram agrupados em três unidades temáticas: postura, técnica e acesso. A análise dos dados, a partir das dimensões mencionadas, evidenciou alguns elementos necessários para que o acolhimento e o vínculo no serviço se estabelecessem: integralidade no serviço, intersetorialidade, interdisciplinaridade, formação profissional e humanização da assistência. Concluiu-se que, na perspectiva de usuários e profissionais, o serviço busca oferecer um atendimento usuário-centrado por meio de procedimentos que priorizam a dimensão humana do sujeito atendido, com considerável efetividade em suas ações, apesar de algumas limitações e deficiências.

aliança terapêutica; avaliação de processos (cuidados de saúde); anorexia nervosa; bulimia; serviços de saúde mental


El acogimiento y el vínculo son dispositivos técnicos y políticos que visan garantizar atención calificada en salud. El estudio evaluó el acogimiento y el vínculo entre profesionales y usuarios de un grupo de atención en trastorno alimentario. Por medio de evaluación cualitativa de cuarta generación, basada en el constructivismo, fueron entrevistados 16 usuarios y siete profesionales del grupo. Los resultados fueron agrupados en tres unidades temáticas: postura, técnica y acceso. Los datos, analizados y sistematizados a partir de esas dimensiones, mostraron algunos elementos necesarios para el establecimiento del acogimiento y del vínculo en el servicio: integralidad en el servicio, intersectorialidad, interdisciplinaridad, formación profesional y humanización de la atención. Se concluye que el grupo puede ser considerado un servicio que busca una atención usuario-centrado, con considerable efectividad en sus acciones y con procedimientos que priorizan la dimensión humana del sujeto atendido, a pesar de algunas limitaciones y deficiencias.

alianza terapéutica; evaluación de proceso (atención de salud); anorexia nerviosa; bulimia; servicios de salud mental


User embracement and bonding are technical and political devices that aim to guarantee qualified health care. This study aimed to assess user embracement and bonding among professionals and users at a multidisciplinary care service for people diagnosed with eating disorders. Through fourth-generation evaluation, 16 users and seven professionals were interviewed. Results were grouped in three thematic units: posture, technique and access. Data analysis, based on the dimensions mentioned, disclosed some elements that are necessary to establish user embracement and bonding: service comprehensiveness, intersectoriality, interdisciplinarity, professional training and humanization of care. It was concluded that, from the perspective of users and professionals, the service aims to offer user-centered care through procedures that prioritize the human dimension of the people who receive care, with considerable effectiveness in its actions, despite some limitations and shortages.

therapeutic alliance; process assessment (health care); anorexia nervosa; bulimia; mental health services


Os transtornos alimentares (TAs) são síndromes comportamentais que, de acordo com a 4ª edição revisada do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais(DSM-IV-TR), apresentam duas entidades nosológicas principais: Anorexia Nervosa (AN) e Bulimia Nervosa (BN)(American Psychiatric Association , 2003American Psychiatric Association. (2003). Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (C. Dornelles, Trad., 4a ed. rev.). Porto Alegre: Artmed.).

Os TAs são quadros caracterizados por aspectos como: medo mórbido de engordar, preocupação exagerada com o peso e a forma corporal, redução voluntária do consumo nutricional com progressiva perda de peso, ingestão maciça de alimentos seguida de vômitos e uso abusivo de laxantes e/ou diuréticos (Fava & Peres, 2011Fava, M. V., & Peres, R. S. (2011). Do vazio mental ao vazio corporal: um olhar psicanalítico sobre as comunidades virtuais pró-anorexia. Paidéia (Ribeirão Preto), 21(50), 353-361. doi: 10.1590/S0103-863X2011000300008
https://doi.org/10.1590/S0103-863X201100...
).

A AN, conforme o DSM-IV-TR, tem como critérios diagnósticos: a perda de peso e a recusa em manter o peso corporal dentro ou acima do mínimo adequado à idade e à altura; o medo mórbido de engordar, mesmo estando abaixo do peso; o distúrbio da imagem corporal; e a amenorreia em mulheres pós-menarca (ausência de, pelo menos, três ciclos menstruais consecutivos).

A BN tem como um dos seus critérios diagnósticos os episódios recorrentes de compulsão alimentar, seguida de comportamentos compensatórios para prevenir o ganho de peso. Os comportamentos compensatórios são: vômitos autoinduzidos; abuso de laxantes, diuréticos, enemas e outras drogas; e jejuns e exercícios excessivos. Para a BN ser diagnosticada, a compulsão alimentar e os comportamentos compensatórios devem ocorrer duas vezes por semana, por, pelo menos, três meses (APA, 2003American Psychiatric Association. (2003). Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (C. Dornelles, Trad., 4a ed. rev.). Porto Alegre: Artmed.). Esse quadro psicopatológico também é caracterizado por uma preocupação excessiva com a forma e o peso corporal, uma autopercepção física distorcida e a dificuldade em identificar e lidar com as próprias emoções (Rosa & Santos, 2011Rosa, B. P., & Santos, M. A. (2011). Comorbidade entre bulimia e transtorno de personalidade borderline: Implicações para o tratamento. Revista Latino-americana de Psicopatologia Fundamental, 14(2), 268-282. doi:10.1590/S1415-47142011000200005
https://doi.org/10.1590/S1415-4714201100...
).

Os TAs são considerados uma psicopatologia grave, e as taxas de mortalidade da AN chegam a 5% quando associadas a diagnóstico e tratamento tardio (Schmidt & Mata, 2008Schmidt, E., & Mata, G. F. (2008). Anorexia nervosa: Uma revisão. Fractal: Revista de Psicologia, 20(2), 387-400. doi:10.1590/S1984-02922008000200006
https://doi.org/10.1590/S1984-0292200800...
). Investiga-se que a origem dos TAs é multifatorial, uma vez que pode surgir de uma relação entre variáveis de natureza biopsicossocial e histórico-cultural (Andrade & Santos, 2009Andrade, T. F., & Santos, M. A.(2009). A experiência corporal de um adolescente com transtorno alimentar. Revista Latino-americana de Psicopatologia Fundamental, 12(3), 454-468. doi:10.1590/S1415-47142009000300003
https://doi.org/10.1590/S1415-4714200900...
; Rosen, 2010Rosen, S. D. (2010). Identification and management of eating disorders in children and adolescents. Pediatrics, 126(6), 1240 -1253. doi:10.1542/peds.2010-2821.
https://doi.org/10.1542/peds.2010-2821...
).

Os conceitos técnico-científicos de "acolhimento" e "vínculo" são metas do Sistema Único de Saúde (SUS). Visam a prover um serviço usuário-centrado que ofereça qualidade nas redes de saúde de atenção primária, secundária e terciária, resolubilidade às demandas do usuário e assistência integral à população atendida. O acolhimento presente na atenção básica de saúde pode ser agrupado em três dimensões: "postura", "técnica" e "acesso" (Silva Júnior & Mascarenhas, 2004Silva Júnior, A. G., & Mascarenhas, M. T. M. (2004). Avaliação da atenção básica em saúde sob a ótica da integralidade: Aspectos conceituais e metodológicos. In R. Pinheiro & R. A. Mattos (Orgs.), Cuidado: As fronteiras da integralidade (pp. 241-257). Rio de Janeiro: HUCITEC.).

A postura pressupõe a atitude, por parte dos profissionais e da equipe de saúde, de receber, escutar e tratar de forma humana os usuários e suas demandas. A postura também é vista, e necessária, nas relações dos profissionais da equipe de saúde entre si e entre os níveis de hierarquia da gestão do serviço. Por meio de uma escuta qualificada e de um diálogo produtivo, torna-se possível que a equipe estabeleça relações que estimulem a participação e a autonomia dos profissionais e usuários (Silva Júnior & Mascarenhas, 2004Silva Júnior, A. G., & Mascarenhas, M. T. M. (2004). Avaliação da atenção básica em saúde sob a ótica da integralidade: Aspectos conceituais e metodológicos. In R. Pinheiro & R. A. Mattos (Orgs.), Cuidado: As fronteiras da integralidade (pp. 241-257). Rio de Janeiro: HUCITEC.).

A técnica aplicada aos serviços de saúde instrumentaliza a geração de procedimentos e ações organizadas. O resgate e a potenciação do conhecimento técnico das equipes possibilitam a qualificação da intervenção dos vários profissionais de saúde na assistência. Já o acesso pode ser compreendido como a dimensão que descreve a entrada potencial ou real de um dado grupo populacional em um sistema de prestação de serviços em saúde. Representa, portanto, as dificuldades e facilidades em obter o tratamento desejado, estando intrinsecamente relacionado às características da oferta e à disponibilidade de recursos do serviço (Silva Júnior & Mascarenhas, 2004Silva Júnior, A. G., & Mascarenhas, M. T. M. (2004). Avaliação da atenção básica em saúde sob a ótica da integralidade: Aspectos conceituais e metodológicos. In R. Pinheiro & R. A. Mattos (Orgs.), Cuidado: As fronteiras da integralidade (pp. 241-257). Rio de Janeiro: HUCITEC.).

O vínculo entre profissional e paciente, de acordo com Campos e Amaral (2007)Campos, G. W. S., & Amaral, M. A. (2007). A clínica ampliada e compartilhada, a gestão democrática e redes de atenção como referenciais teórico-operacionais para a reforma do hospital. Ciência & Saúde Coletiva, 12(4), 849-859. doi:10.1590/S1413-81232007000400007
https://doi.org/10.1590/S1413-8123200700...
, amplia a eficácia das ações de saúde e favorece a participação do usuário, durante a prestação de serviço. Ao buscar a produção de um vínculo saudável entre profissional e paciente, estimulam-se a autonomia e o caráter cidadão do usuário, enquanto sujeito que participa e interfere em seu próprio tratamento. De acordo com Silva Júnior e Mascarenhas (2004)Silva Júnior, A. G., & Mascarenhas, M. T. M. (2004). Avaliação da atenção básica em saúde sob a ótica da integralidade: Aspectos conceituais e metodológicos. In R. Pinheiro & R. A. Mattos (Orgs.), Cuidado: As fronteiras da integralidade (pp. 241-257). Rio de Janeiro: HUCITEC., o vínculo é composto de três dimensões: a "afetividade", a "relação terapêutica" e a "continuidade". Quando se aborda o vínculo compreendido como afetividade, se refere ao domínio subjetivo de o profissional gostar de sua profissão e interessar-se pela pessoa do paciente.

As relações profissional-paciente, imbuídas de caráter terapêutico, pressupõem uma atitude de desvelo, envolvimento e responsabilização tanto do profissional, quanto do usuário, para com o tratamento e a seriedade da assistência. A continuidade, dentro do conceito de vínculo, está intimamente ligada à esfera da responsabilização profissional. Implica ao profissional de saúde assumir a garantia dos caminhos a serem percorridos para a resolução do problema do paciente, não cabendo a transferência burocrática para outra instância decisória ou nível de atenção (Merhy et al., 1997Merhy, E. E., Chakkour, M., Stéfano, E., Santos, C. M., Rodrigues, R. A., & Oliveira, P. C. P. (1997). Em busca de ferramentas analisadoras das tecnologias em saúde: A informação e o dia-a-dia de um serviço, interrogando e gerindo trabalho em saúde. In E. E. Merhy & R. Onocko (Orgs.), Agir em saúde: Um desafio para o público (pp. 113-150). São Paulo: HUCITEC.).

O SUS apresenta esforços para a construção de vínculos saudáveis entre profissionais de saúde e usuários do serviço, para que haja um acolhimento promissor e um tratamento de qualidade. No entanto, nota-se que as relações entre os pacientes com AN/BN e os profissionais de saúde apresentam dificuldades, por causa da recusa dos pacientes em se submeterem ao tratamento (Campbell & Aulisio, 2012Campbell, A. T., & Aulisio, M. P. (2012).The stigma of "mental" Illness: End stage anorexia and treatment refusal. International Journal of Eating Disorders, 45(5), 627-34. doi: 10.1002/eat.22002.
https://doi.org/10.1002/eat.22002...
).

Os profissionais de saúde que se relacionam com os pacientes com AN e BN devem poder suportar o ataque à autoestima, a desconfiança, as súbitas pioras no quadro patológico e a pouca colaboração dos portadores de TAs para com o tratamento (Chandler, 1998Chandler, A. E. (1998). Efectos terapéuticos del vínculo M.P. en la anorexia nerviosa. Revista de la Asociación Médica Argentina, 111(4), 15-18.). A racionalidade técnica implícita na formação profissional, somada à resistência do paciente ao tratamento, é outro fator que pode dificultar o vínculo entre profissional e usuário. A racionalidade técnica, ao eliminar os elementos subjetivos do processo de trabalho, incide na qualidade do atendimento em saúde, desvitalizando a relação profissional-usuário (Monteiro & Figueiredo, 2009Monteiro, J. F. A., & Figueiredo, M. A. C. (2009). Vivência profissional: Subsídios à atuação em HIV/Aids. Paidéia (Ribeirão Preto), 19(42), 67-76. doi:10.1590/S0103-863X2009000100009
https://doi.org/10.1590/S0103-863X200900...
).

Os vínculos dos profissionais de saúde com os pacientes diagnosticados com TAs são complexos e exigem dos profissionais habilidades de compreensão e empatia. O paciente deve ser escutado com atenção e interesse, sem condenações ou juízos críticos. Assim, o profissional poderá estabelecer uma comunicação, informando o paciente sobre o seu estado físico, as implicações desse estado e o possível prognóstico. De modo análogo, a família também deve ter seu espaço de escuta assegurado (Souza & Santos, 2012Souza, L. V., & Santos, M. A. (2012). Familiares de pessoas diagnosticadas com transtornos alimentares: participação em atendimento grupal. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 28(3), 325-334. doi:10.1590/S0102-37722012000300008.
https://doi.org/10.1590/S0102-3772201200...
; Souza, Santos, & Scorsolini-Comin, 2009Souza, L. V., Santos, M. A., & Scorsolini-Comin, F. (2009). Percepções da família sobre a anorexia e bulimia nervosas. Vínculo, 6(1), 26-38.).

No entanto, apesar de as posturas empáticas e compreensivas serem necessárias à relação, o desgaste e o estresse causados pela resistência do paciente ao tratamento geram nos profissionais mecanismos de defesa como a fragmentação do relacionamento profissional-paciente, despersonalização, categorização e negação da importância do indivíduo, distanciamento e negação de sentimento. Dessa forma, os profissionais que assistem os pacientes com TAs aderem a um discurso sobre os pacientes ancorado em representações de descontrole, distorção da imagem corporal, comportamento destrutivo e manipulativo, carência, baixo limiar de frustração e necessidade de chamar a atenção (Grando & Rolim, 2006Grando, L. H., & Rolim, M. A. (2006). Os transtornos da alimentação sob a ótica dos profissionais de enfermagem. Acta Paulista de Enfermagem, 19(3), 265-270. doi: 10.1590/S0103-21002006000300002
https://doi.org/10.1590/S0103-2100200600...
).

Diante da dificuldade em se estabelecer um vínculo mais consolidado entre pacientes com AN/BN e profissional de saúde (Peres & Santos, 2011Peres, R. S., & Santos, M. A. (2011). Técnicas projetivas na avaliação de aspectos psicopatológicos da anorexia e bulimia. Psico-USF, 16(2), 185-192. doi:10.1590/S1413-82712011000200007.
https://doi.org/10.1590/S1413-8271201100...
; Snell, Crowe & Jordan, 2010Snell, L., Crowe, M., & Jordan, J. (2010). Maintaining a therapeutic connection: nursing in an inpatient eating disorder unit. Journal of Clinical Nursing, 19(3-4), 351-358. doi:10.1111/j.1365-2702.2009.03000.x
https://doi.org/10.1111/j.1365-2702.2009...
) e a política de saúde vigente que estimula ações nas quais o acolhimento do usuário e o desenvolvimento do vínculo entre comunidade e serviço sejam efetivados, este estudo teve por objetivo avaliar o acolhimento e o vínculo entre profissionais e usuários de um serviço de assistência multidisciplinar para pessoas diagnosticadas com TAs, situado em um hospital geral.

Método

Participantes

Foram recrutados para a participação nesta pesquisa os 25 profissionais atuantes no serviço e os 30 usuários do serviço. A partir desse recrutamento, foram definidos os grupos de interesse (stakeholders) presentes no serviço que, conforme Guba e Lincoln (1989), são as pessoas potencialmente agentes, vítimas ou beneficiárias do serviço. Os agentes são as pessoas envolvidas na produção e implantação do serviço. Os beneficiários são todos aqueles que, de alguma forma, são favorecidos com o serviço. As vítimas são as pessoas que, de alguma maneira, são prejudicadas pelo serviço.

Conforme esses critérios, os beneficiários/vítimas foram definidos como os pacientes com AN e BN em tratamento há pelo menos um ano. O grupo dos agentes correspondeu aos profissionais atuantes na equipe multiprofissional do grupo de assistência investigado. Com base na metodologia adotada, foram reservados de participar deste estudo os menores de 13 anos, por se considerar que não possuíam o nível de pensamento abstrato necessário para participar do processo avaliativo de quarta geração adotado. Também foram excluídos deficientes mentais com severa incapacidade funcional, psicóticos e outras personalidades delirantes. Construções são consideradas delirantes quando emergem não de uma interação, mas apenas da mente do próprio construtor (Guba & Lincoln, 1989Guba, E. G., & Lincoln, Y. S. (1989). Fourth generation evaluation. Newbury Park, CA: Sage.). Assim, restaram ao final dessa seleção 16 usuários e sete profissionais do serviço que participaram do estudo.

Instrumentos

Para esta pesquisa, foi utilizado o círculo hermenêutico-dialético de Guba e Lincoln (1989)Guba, E. G., & Lincoln, Y. S. (1989). Fourth generation evaluation. Newbury Park, CA: Sage.. De acordo com tais autores, a aplicação do método se inicia quando o pesquisador escolhe um respondente (R1) pela sua posição e função diferenciada dentro da situação avaliada. Executa-se uma entrevista aberta com R1 para se determinar o foco da investigação. Os conceitos, ideias, valores, problemas e questões surgidos nessa entrevista são "filtrados" pelo pesquisador que faz uma análise dessa entrevista e emite uma construção (C1). Na posterior entrevista com o respondente 2 (R2), é dado um espaço para que ele fale abertamente sobre a situação investigada e, posteriormente, é colocada a C1, feita pelo pesquisador mediante a entrevista com R1. Com isso, o R2 poderá confrontar as suas impressões com as emitidas na C1. Na entrevista com o respondente 3 (R3), que falará primeiramente sobre o tema proposto, serão confrontadas, posteriormente à fala aberta, as construções C1 e C2. Esse processo se desenvolve nas demais entrevistas.

Procedimento

Coleta de dados. Após a aprovação do estudo pelo Comitê de Ética em Pesquisa, a pesquisadora iniciou a sua observação no serviço, a fim de se familiarizar com a dinâmica organizacional e as atividades oferecidas. Posteriormente a essa etapa, iniciaram-se as entrevistas com os grupos de interesse por meio do círculo hermenêutico-dialético de Guba e Lincoln (1989). O grupo de interesse beneficiários/vítimas foi o primeiro a ser entrevistado. Foram expostas, no momento de estabelecimento do círculo hermenêutico-dialético, duas questões: (1) "Como vocês entendem o modo como o hospital atende e acolhe os usuários do serviço?" e (2) "Como vocês avaliam a relação entre os profissionais e os pacientes do hospital?". Depois de completado o círculo hermenêutico-dialético com o grupo de pacientes, foi aplicado o mesmo procedimento ao grupo de profissionais (grupo de interesse dos agentes).

Análise de dados. Para a análise dos dados, foram utilizadas unidades temáticas para agrupar as construções de significado oriundas do círculo hermenêutico-dialético de Guba e Lincoln. Para Minayo (2010)Minayo, M. C. S. (Org.). (2010). Pesquisa social: Teoria, método e criatividade (29a. ed.). Petrópolis, RJ: Vozes., unidades temáticas são agrupamentos de elementos, ideias ou expressões em torno de um conceito, sendo empregadas para estabelecer classificações. Dessa forma, o avaliador buscou unidades temáticas que agrupassem e sintetizassem os dados que emergiram nas entrevistas com os grupos de interesse, para estabelecer articulações entre os dados e os referenciais teóricos, e responder às questões do estudo com base nos objetivos propostos.

Considerações Éticas

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (Processo 2077/2008), 2020 e os participantes assentiram em participar por meio da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Resultados

Os resultados encontrados foram distribuídos em três unidades temáticas: postura, técnica e acesso. Os dados mais relevantes, no que concerne à postura (primeira unidade temática), mostram que a relação usuário-usuário pode influenciar negativamente o tratamento, pelas conversas, sobre troca de dietas e uso de purgativos que se estabelecem entre os usuários na espera para as consultas. No entanto, a relação entre os usuários, quando orientada em um grupo de apoio psicológico aos pacientes realizado no serviço, se mostrou um recurso importante para o enfrentamento do TA, como revela o Relato 1.

Relato 1: {...}o grupo é um espelho, você entendeu? Ele serve também para você conhecer as pacientes e ver a realidade de vida de cada uma. Essa realidade de vida você pode ver também o que você teve de ganho, o que você não teve. Isso te ajuda no seu tratamento. (Usuário 13)

A postura, no que tange à relação entre os profissionais, revelou que esses agentes apresentam uma boa comunicação entre si, o que facilita o trabalho em equipe e a produção de ações resolutivas a favor das demandas dos usuários. No entanto, nota-se que há dificuldades de comunicação e relação da equipe do hospital com alguns profissionais, mais voltados a uma visão biomédica do cuidado, e que por isso se mostram muitas vezes inábeis ao processo de trabalho interdisciplinar exigido, conforme é visto no Relato 2.

Relato 2: {...}eu acho que nutricionista e psicólogo se dão melhor. Eu acho que a gente tem mais abertura com psicólogo. Às vezes com médico eu acho que é um pouquinho mais difícil, até pelo olhar. Eu acho que a gente tenta ter um olhar mais integral, não apenas orgânico. (Profissional 7)

A postura que envolve a relação profissional-usuário parece se manifestar de modo empático e com espaços de negociação e diálogo, evidenciando os requisitos de afetividade e relação terapêutica, necessários ao estabelecimento de um vínculo consolidado. Contudo, deficiências na formação acadêmica de alguns profissionais, muito restritos a uma concepção biomédica de saúde e inaptos a abordarem as dimensões psíquicas e sociais dos pacientes, dificultam a efetivação do vínculo profissional-usuário. Ainda, foi percebido que o vínculo entre profissional e usuário, nesse serviço, se desenvolve de maneira lenta e gradual, já que é necessário criar um espaço de continência às angústias, medos e dúvidas do paciente recém-ingresso.

Gradualmente, a rede de confiabilidade vai se desenvolvendo entre o profissional e o usuário, o que permite a esse último não mais boicotar o tratamento, ou "ferir" o vínculo estabelecido com o profissional. No entanto, ao considerar a fragilidade percebida na formação dos vínculos, a rotatividade evidenciada no serviço, por estar inserido em uma instituição de natureza acadêmica, constituída por estagiários e residentes que logo irão encerrar a sua etapa de formação, dificulta o estabelecimento do vínculo do usuário com o tratamento. Também a constituição da equipe profissional, com a maioria dos profissionais atuantes em caráter voluntário, aumenta ainda mais o limite para a vinculação dos usuários com o serviço, como indica o Relato 3.

Relato 3: {...} porque eles têm muitas limitações aqui {...} essa maioria de pessoal voluntário {...} então eles fazem o que eles podem {...} isso não desabona o grupo, eu acho que ele funciona bem, mas poderia melhorar. (Usuário 8)

No que concerne à técnica (segunda unidade temática), muitas vezes há uma sobrecarga de funções da equipe sobre o nutricionista. Apesar da tentativa de a equipe estabelecer um trabalho interdisciplinar, com a distribuição de papéis e funções referentes ao núcleo de competência de cada profissional, o nutricionista se encarrega de garantir à equipe informações que estão além de sua competência ou, por exemplo, assistir o paciente em áreas psíquicas que não cabem à sua formação. Conforme indica o Relato 4, na tentativa de suprir essa sobrecarga de funções, a equipe realiza atendimentos conjuntos com mais de uma especialidade profissional, o que muito tem contribuído para enriquecer e qualificar os atendimentos, pela complementação de saberes de ambos os profissionais.

Relato 4: {...} os atendimentos conjuntos ajudam muito para que haja uma integração entre os profissionais, que um sabe o que o outro está fazendo, falando. Para o paciente isso é muito bom porque ele percebe que a equipe trabalhou junto. (Profissional 2)

Ainda com relação à técnica, percebeu-se que, em sua organização, o serviço utiliza a vantagem de estar articulado a um hospital geral para garantir aos usuários benefícios como um atendimento multiprofissional com exames, internações e tratamento em caráter gratuito, como apontado no Relato 5.

Relato 5: {...} agora, uma coisa que eu acho que faz diferença até para os outros serviços que não tem parte médica, de nutrólogo, é dificuldade em pedir exames, a dificuldade de às vezes internar esse paciente {...} e aqui {...} eles são encaminhados pelo SUS e faz tudo aqui pelo hospital, a internação... nada para o paciente, nenhum custo. (Profissional 7)

A articulação intersetorial do serviço também se estende a outras instituições e organizações, tais como faculdades, imprensa e núcleos de atenção básica. Este fato permite a organização de atividades de prevenção, promoção e difusão de saberes para a sociedade (simpósios, minicursos ou palestras sobre TAs e alimentação saudável) e o alcance de um nível de qualidade e abrangência em sua assistência ainda maior. No entanto, a assistência poderia ser mais qualificada se a equipe se articulasse, por exemplo, com serviços de tratamento odontológico ou terapia familiar, para garantir respaldo aos pacientes diagnosticados com TA em áreas ainda deficientes.

Com relação ao acesso (terceira unidade temática), foi observado que dos 16 usuários entrevistados, 11 residiam em cidades vizinhas à cidade onde o serviço está localizado. O tempo médio de viagem registrado entre a residência dos usuários ao serviço foi de 45 minutos. O gasto máximo com alimentação, com transporte e com estadia foi de R$90,00 a cada retorno. Com base nos dados, vê-se que o acesso dos usuários ao serviço depende de certa estrutura que viabilize o deslocamento e a qualidade de ingresso desses usuários. O serviço já conta com alguma estrutura, já que oito dos 11 usuários que residem na região da cidade onde o serviço se localiza utilizam o transporte gratuito, cedido pela prefeitura da cidade de origem, para se deslocarem ao serviço. No entanto, a existência de elevados gastos com a alimentação e com a hospedagem sugere a necessidade da criação de bolsas-alimentação, locais de descanso ou parcerias entre o serviço com hotéis e pensões para facilitar o acesso desses usuários.

Outra característica presente no serviço que dificulta o acesso dos usuários é a questão do espaço. Há um número restrito de salas no serviço, algumas inadequadas e com pouco conforto para atender às demandas dos pacientes. No entanto, esse problema parece ter sido diminuído com uma mudança no decorrer da realização deste estudo. Esta mudança garantiu um número de salas e espaços maiores e mais adequados aos atendimentos, como se vê no Relato 6.

Relato 6: {...} mas agora a gente conseguiu mais salas. A partir do mês que vem a gente vai estar contando com mais salas. Eu acho que o espaço físico vai melhorar. (Profissional 3)

Discussão

De acordo com os resultados, foi percebido que o serviço investigado se pauta no princípio de integralidade na assistência à saúde, pois foca as suas ações em atividades de promoção, proteção e recuperação da saúde (Ministério da Saúde, 2006). Além de o serviço oferecer atividades de difusão de saberes, prevenção, promoção e reabilitação, ele proporciona também o atendimento multidisciplinar, assistindo o paciente em suas dimensões psíquicas, orgânicas e sociais. É, portanto, um serviço que busca assegurar aos indivíduos a atenção à saúde dos níveis mais simples aos mais complexos, da atenção curativa à preventiva, bem como a compreensão biopsicossocial dos usuários atendidos, imersos em suas coletividades (Ministério da Saúde, 1993Ministério da Saúde (1993, 24 de Maio). Portaria No. 545, de 20 de maio de 1993. Estabelece normas e procedimentos reguladores do processo de descentralização da gestão das ações e serviços de saúde, através da Norma Operacional Básica - SUS 01/93. Recuperado em 19 de dezembro de 2012, de http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/1993/prt0545_20_05_1993.html
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis...
).

Apesar de alguns pontos a melhorar, como a articulação com outros serviços que poderiam qualificar ainda mais a assistência, visa a efetivar o conceito técnico-científico de articulação intersetorial previsto nas diretrizes do SUS. Almeja, pois, reconhecer e buscar parcerias externas à unidade e ao setor de saúde, para suprir deficiências do serviço em prol de um melhor acolhimento (Burlandy, 2009Burlandy, L. (2009). A construção da política de segurança alimentar e nutricional no Brasil: estratégias e desafios para a promoção da intersetorialidade no âmbito federal de governo. Ciência & Saúde Coletiva, 14(3), 851-860. doi: 10.1590/S1413-81232009000300020.
https://doi.org/10.1590/S1413-8123200900...
). Assim, o serviço, ao se associar com hospitais, faculdades e imprensa para a realização de eventos, reforça a necessidade de estabelecer redes intersetoriais. Com a articulação intersetorial, são realizados minicursos, simpósios e semanas de conscientização sobre TAs e alimentação saudável. Isoladamente, tornar-se-ia inviável a resolução das múltiplas dimensões dos problemas envolvidos no cuidado. As ações intersetoriais, assim, estruturam um trabalho conjunto, com vistas à efetividade e resolutividade das demandas em saúde (Magalhães & Bodstein, 2009Magalhães, R., & Bodstein, R. (2009). Avaliação de iniciativas e programas intersetoriais em saúde: Desafios e aprendizados. Ciência & Saúde Coletiva, 14(3), 861-868. doi:10.1590/S1413-81232009000300021
https://doi.org/10.1590/S1413-8123200900...
).

A interdisciplinaridade é também um princípio técnico-científico fundamental para efetivar as propostas e diretrizes do SUS, ao buscar a humanização do cuidado e o acolhimento dos usuários (Linard, Castro & Cruz, 2011Linard, A. G., Castro, M. M., & Cruz, A. K. L. (2011). Integralidade da assistência na compreensão dos profissionais da estratégia saúde da família. Revista Gaúcha de Enfermagem (Online), 32(3), 546-553. doi: 10.1590/S1983-14472011000300016
https://doi.org/10.1590/S1983-1447201100...
). Nessa concepção de atendimento em saúde, é premissa um trabalho de equipe coletivo, no qual cada profissional atue de maneira a oferecer seu máximo potencial ao processo de assistência e a integração das várias disciplinas e áreas de conhecimento na efetivação do tratamento. Porém, vê-se que no serviço alguns fatores barram a concretização de um melhor trabalho interdisciplinar. Pode-se citar como primeiro empecilho a sobrecarga de funções sobre uma única categoria profissional: o nutricionista. A equipe parece apresentar dificuldades em delimitar o campo e o núcleo de competência e responsabilidade desse profissional, o que gera desorganização e confusão sobre a equipe e sobre os pacientes atendidos.

Campos e Amaral (2007)Campos, G. W. S., & Amaral, M. A. (2007). A clínica ampliada e compartilhada, a gestão democrática e redes de atenção como referenciais teórico-operacionais para a reforma do hospital. Ciência & Saúde Coletiva, 12(4), 849-859. doi:10.1590/S1413-81232007000400007
https://doi.org/10.1590/S1413-8123200700...
definem núcleo de competência e de responsabilidade profissional como o conjunto de saberes e responsabilidades específicas a cada profissional e campo de competência e de responsabilidade profissional como os saberes e responsabilidades comuns ou confluentes a vários profissionais ou especialidades da equipe. Para que os profissionais possam oferecer o seu máximo potencial dentro do trabalho interdisciplinar, é necessário delimitar o núcleo e o campo de competência e responsabilidade de cada profissional atuante na equipe. Esse exercício parece já estar sendo praticado no serviço quando, nos atendimentos conjuntos, há a integração entre duas modalidades profissionais e a complementaridade de saberes na prática clínica. Essa integração possibilita a construção de uma clínica ampliada, no sentido de promover a emergência de novos saberes e/ou a ressignificação dos antigos (Favoreto, 2005Favoreto, C. A. O. (2005). A velha e renovada clínica dirigida à produção de um cuidado integral em saúde. In R. Pinheiro & R. A. Mattos (Orgs.), Cuidado: As fronteiras da integralidade (2a ed., pp. 205-220). Rio de Janeiro: HUCITEC.). Dessa forma, o trabalho interdisciplinar desponta através da concretização de espaços de reflexão e diálogo entre os diferentes saberes profissionais.

Conhecer e deixar claro à equipe interdisciplinar quais são os saberes e responsabilidades de cada profissional, o que já começa a ser feito pela equipe nos atendimentos conjuntos, permite garantir ao usuário a apreensão de uma equipe interdisciplinar, onde se possam buscar, em cada categoria profissional, o auxílio e o cuidado ao qual essa categoria está mais habilitada a oferecer. Assim, os usuários poderão desfrutar do máximo potencial de cada profissional e obter um atendimento mais qualificado e harmônico.

Outro ponto que dificulta o estabelecimento de um trabalho interdisciplinar mais consolidado é a concepção biomédica do cuidado em saúde, de alguns profissionais. Esse fato limita a articulação dos diferentes saberes e a superação das fragmentações da equipe, para a construção de caminhos mais apropriados para as necessidades emergentes (Silva Júnior & Mascarenhas, 2004Silva Júnior, A. G., & Mascarenhas, M. T. M. (2004). Avaliação da atenção básica em saúde sob a ótica da integralidade: Aspectos conceituais e metodológicos. In R. Pinheiro & R. A. Mattos (Orgs.), Cuidado: As fronteiras da integralidade (pp. 241-257). Rio de Janeiro: HUCITEC.).

Ressalta-se a importância de uma formação profissional adequada que instrua os futuros profissionais a uma visão ampla de saúde, considerando a integralidade do ser. A formação e a capacitação ampla que considere os aspectos sociais, biológicos e psíquicos do usuário poderão trazer a melhoria do trabalho interdisciplinar, do acesso, da resolutividade nas ações e da qualidade do serviço (Motta, Caldas & Assis, 2008Motta, L. B., Caldas, C. P., & Assis, M. (2008). A formação de profissionais para a atenção integral à saúde do idoso: a experiência interdisciplinar do NAI - UNATI/UERJ. Ciência & Saúde Coletiva, 13(4), 1143-1151. doi:10.1590/S1413-81232008000400010.
https://doi.org/10.1590/S1413-8123200800...
).

A qualidade na atenção à saúde é imperativa nas propostas do SUS, que possui como estratégia mais concreta a Estratégia de Saúde da Família (ESF). A ESF pretende garantir novos significados à figura do sujeito atendido e considerar a intersubjetividade nas ações preventivas e/ou curativas realizadas pelos membros das equipes de saúde (Favoreto, 2005Favoreto, C. A. O. (2005). A velha e renovada clínica dirigida à produção de um cuidado integral em saúde. In R. Pinheiro & R. A. Mattos (Orgs.), Cuidado: As fronteiras da integralidade (2a ed., pp. 205-220). Rio de Janeiro: HUCITEC.). Considerar a intersubjetividade significa garantir uma "clínica do sujeito", na qual a clientela possa adquirir papel ativo no tratamento (Campos, 2007Campos, R. O. (2007). A gestão: Espaço de intervenção, análise e especificidades técnicas. In G. W. S. Campos (Org.), Saúde paidéia(3a ed., pp. 122-149). São Paulo: HUCITEC.). No entanto, apesar de a maioria dos profissionais da equipe manifestar em suas ações a afetividade e a relação terapêutica como necessárias ao vínculo, a formação de alguns profissionais, predominantemente baseada no modelo organicista, limitou o desenvolvimento do relacionamento interpessoal profissional-paciente em algumas situações. Em nome de uma cura estritamente orgânica os profissionais adeptos do modelo organicista preterem as dimensões psíquicas e sociais dos indivíduos atendidos (Martins et al., 2011Martins, P. C., Cotta, R. M. M., Mendes, F. F., Priore, S. E., Franceschinni, S. C. C., Cazal, M. M., & Batista, R. S. (2011). De quem é o SUS? Sobre as representações sociais dos usuários do Programa Saúde da Família. Ciência & Saúde Coletiva, 16(3), 1933-1942. doi: 10.1590/S1413-81232011000300027
https://doi.org/10.1590/S1413-8123201100...
).

A clínica dialógica, baseada no vínculo que emerge das reflexões e dos encontros entre profissional e usuário (Teixeira, 2003Teixeira, R. R. (2003). O acolhimento num serviço de saúde entendido como uma rede de conversações. In R. Pinheiro & R. A. Mattos (Orgs.), Construção da integralidade: Cotidiano, saberes e práticas em saúde (pp. 89-111). Rio de Janeiro: UERJ/IMS/ABRASCO.), é prejudicada no serviço pela falta de continuidade. A rotatividade dos graduandos e pós-graduandos é presente no contexto de hospital-escola e gera a falta de continuidade nos vínculos. A natureza voluntária da maioria dos profissionais atuantes na equipe reforça a variação de entrada e saída dos profissionais no serviço e a dificuldade no estabelecimento do vínculo entre profissional-usuário.

O vínculo também foi observado na relação usuário-usuário. Pela própria característica dos TAs, as pessoas diagnosticadas muitas vezes apresentam características associadas a transtornos de personalidade e de impulsividade, transtornos de humor e transtornos de ansiedade (Cabrera, 2006Cabrera, C. C. (2006). Estratégias de intervenção interdisciplinar no cuidado com o paciente com transtorno alimentar: O tratamento farmacológico. Medicina (Ribeirão Preto), 39 (3), 375-380.). Além da debilidade orgânica e nutricional, muitas vezes são pacientes que já se encontram em intenso prejuízo social, apresentando afastamento das redes sociais, rupturas e dificuldades nos relacionamentos (Morais, 2006Morais, L. V. (2006). A assistência do terapeuta ocupacional para pessoas com anorexia nervosa: Relato de experiência. Medicina (Ribeirão Preto), 39(3), 381-385.).

Por fim, de acordo com as políticas do SUS, é dever dos serviços de saúde garantir acesso facilitado aos usuários e uma organização usuário-centrada que está diretamente ligada à humanização no serviço de saúde (Ostermann & Souza, 2009Ostermann, A. C., & Souza, J. (2009) Contribuições da Análise da Conversa para os estudos sobre o cuidado em saúde: reflexões a partir das atribuições feitas por pacientes. Cadernos de Saúde Pública, 25(7), 1521-1533. doi:10.1590/S0102-311X2009000700010.
https://doi.org/10.1590/S0102-311X200900...
). Para tanto, é fundamental que haja uma formação adequada, com vistas a desenvolver uma escuta profissional qualificada, responsável por oferecer aos usuários respostas e resoluções sobre suas necessidades e demandas mais urgentes (Solla, 2005Solla, J. J. S. P. (2005). Acolhimento no sistema municipal de saúde. Revista Brasileira de Saúde Materno-Infantil, 5(4), 493-503. doi:10.1590/S1519-38292005000400013
https://doi.org/10.1590/S1519-3829200500...
). O serviço mostrou estar em constante busca de melhoria, pois, apesar de algumas deficiências apresentadas nas dimensões postura, técnica, e acesso, almeja atender às demandas e necessidades de seus usuários. Exemplo disso foi a mudança que se efetivou, na época de realização deste estudo, do local de atendimento clínico para um espaço maior e mais amplo, ou a procura contínua pelos desenvolvimentos pessoais e aperfeiçoamentos profissionais na equipe. Assim, de acordo com os dados analisados, pode-se afirmar que o serviço tem tentado promover um atendimento usuário-centrado, almejando a humanização em seu processo de assistência.

Considerações Finais

Na perspectiva dos usuários e profissionais que participaram deste estudo, o serviço de assistência em TAs investigado atua em conformidade com os princípios e diretrizes do SUS, já que oferece um atendimento que se dá de maneira universal, acessível a todos os usuários, e aos quais todos têm direito. Prevê a integralidade, sendo um serviço articulado com outros serviços de natureza curativa e preventiva, individuais e coletivos e em todos os níveis de complexidade. Possui um alto grau de hierarquização, ao estar inserido em um hospital universitário de referência abrangente, de mais de um município, para atendimentos de casos complexos. É, pois, um serviço que também abarca a equidade por oferecer assistência a todos, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie.Além disso, garante informação às pessoas assistidas e a divulgação do seu serviço para a população.

Pode-se afirmar, ainda, que o serviço é condizente com os princípios de "acolhimento" e "vínculo", ao buscar articular em seu processo de assistência as diversas dimensões presentes no acolhimento (postura, técnica e acesso) e no vínculo (afetividade, relação terapêutica e continuidade), para oferecer um atendimento cada vez mais humanitário e usuário-centrado.

No entanto, foram identificados, neste estudo, alguns fatores que influenciam de modo direto o acolhimento e o vínculo entre profissional e o usuário. Foi percebida a necessidade de se considerar o conceito de integralidade na saúde, para poder oferecer um atendimento de abrangência e resolutivo. Ao estar baseada nesse princípio, a assistência pode se desenvolver abarcando as diversas dimensões do cuidado, do nível preventivo ao curativo, e em âmbito biopsicossocial.

Também foi notado que, na dinâmica organizacional do serviço de assistência, são necessárias ações intersetoriais e interdisciplinares que garantam recursos, através de uma força conjunta de órgãos, instituições, gestores e profissionais, para sanar ou viabilizar algumas demandas e necessidades dos usuários que, de outra forma, não seriam supridas através de ações isoladas. Todavia, as articulações que se formam intra e extraequipe profissional não seriam e, muitas vezes, não foram concretizadas, sem uma escuta qualificada. Para tanto, evidenciou-se a importância de uma boa formação e de um aperfeiçoamento profissional que desenvolvam os agentes de saúde para uma percepção de saúde ampliada, em que ela seja vista por meio de uma compreensão processual que abarca fatores de natureza biopsicossocial.

Dessa forma, ao compreender o processo saúde-doença como um fenômeno que envolve dimensões biopsicossociais, e que por isso requer ações promotoras, preventivas, curativas e de reabilitação em saúde, os profissionais terão competência para oferecer uma escuta qualificada que favoreça o trabalho interdisciplinar, intersetorial e a vinculação do profissional com o usuário e a sua respectiva comunidade. Munidos desses princípios, os profissionais poderão adquirir uma postura profissional capaz de promover a humanização da assistência. Também, em conformidade com essas ideias, as políticas públicas e os gestores de saúde poderão voltar seu olhar às necessidades dos serviços de assistência às pessoas diagnosticadas com TAs e garantir incentivos e recursos para ampliar e qualificar os locais de tratamento. Espera-se uma estrutura capaz de propiciar intervenções resolutivas, humanizadas e adequadas à demanda dessa população.

Enfim, este estudo pode oferecer respaldo para pensar os serviços de saúde, inclusive os que lidam com TAs, para que se organizem e se estruturem de forma mais condizente com os princípios de resolutividade, humanidade e cidadania propostos pelo SUS. Visto o número restrito de sujeitos investigados no universo em questão, que limita a investigação e impede uma análise mais abrangente, sugere-se que estudos posteriores complementem os achados identificados, de modo a enriquecer a compreensão sobre a assistência no âmbito dos TAs.

Tatiane Mitleton Borges Ramos é Doutoranda em Enfermagem Psiquiátrica pelo Programa de Pós-Graduação da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.
Luiz Jorge Pedrão é Professor Doutor do Departamento de Enfermagem Psiquiátrica e Ciências Humanas da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo

Referências

  • American Psychiatric Association. (2003). Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (C. Dornelles, Trad., 4a ed. rev.). Porto Alegre: Artmed.
  • Andrade, T. F., & Santos, M. A.(2009). A experiência corporal de um adolescente com transtorno alimentar. Revista Latino-americana de Psicopatologia Fundamental, 12(3), 454-468. doi:10.1590/S1415-47142009000300003
    » https://doi.org/10.1590/S1415-47142009000300003
  • Burlandy, L. (2009). A construção da política de segurança alimentar e nutricional no Brasil: estratégias e desafios para a promoção da intersetorialidade no âmbito federal de governo. Ciência & Saúde Coletiva, 14(3), 851-860. doi: 10.1590/S1413-81232009000300020.
    » https://doi.org/10.1590/S1413-81232009000300020
  • Cabrera, C. C. (2006). Estratégias de intervenção interdisciplinar no cuidado com o paciente com transtorno alimentar: O tratamento farmacológico. Medicina (Ribeirão Preto), 39 (3), 375-380.
  • Campbell, A. T., & Aulisio, M. P. (2012).The stigma of "mental" Illness: End stage anorexia and treatment refusal. International Journal of Eating Disorders, 45(5), 627-34. doi: 10.1002/eat.22002.
    » https://doi.org/10.1002/eat.22002
  • Campos, G. W. S., & Amaral, M. A. (2007). A clínica ampliada e compartilhada, a gestão democrática e redes de atenção como referenciais teórico-operacionais para a reforma do hospital. Ciência & Saúde Coletiva, 12(4), 849-859. doi:10.1590/S1413-81232007000400007
    » https://doi.org/10.1590/S1413-81232007000400007
  • Campos, R. O. (2007). A gestão: Espaço de intervenção, análise e especificidades técnicas. In G. W. S. Campos (Org.), Saúde paidéia(3a ed., pp. 122-149). São Paulo: HUCITEC.
  • Chandler, A. E. (1998). Efectos terapéuticos del vínculo M.P. en la anorexia nerviosa. Revista de la Asociación Médica Argentina, 111(4), 15-18.
  • Fava, M. V., & Peres, R. S. (2011). Do vazio mental ao vazio corporal: um olhar psicanalítico sobre as comunidades virtuais pró-anorexia. Paidéia (Ribeirão Preto), 21(50), 353-361. doi: 10.1590/S0103-863X2011000300008
    » https://doi.org/10.1590/S0103-863X2011000300008
  • Favoreto, C. A. O. (2005). A velha e renovada clínica dirigida à produção de um cuidado integral em saúde. In R. Pinheiro & R. A. Mattos (Orgs.), Cuidado: As fronteiras da integralidade (2a ed., pp. 205-220). Rio de Janeiro: HUCITEC.
  • Grando, L. H., & Rolim, M. A. (2006). Os transtornos da alimentação sob a ótica dos profissionais de enfermagem. Acta Paulista de Enfermagem, 19(3), 265-270. doi: 10.1590/S0103-21002006000300002
    » https://doi.org/10.1590/S0103-21002006000300002
  • Guba, E. G., & Lincoln, Y. S. (1989). Fourth generation evaluation Newbury Park, CA: Sage.
  • Linard, A. G., Castro, M. M., & Cruz, A. K. L. (2011). Integralidade da assistência na compreensão dos profissionais da estratégia saúde da família. Revista Gaúcha de Enfermagem (Online), 32(3), 546-553. doi: 10.1590/S1983-14472011000300016
    » https://doi.org/10.1590/S1983-14472011000300016
  • Magalhães, R., & Bodstein, R. (2009). Avaliação de iniciativas e programas intersetoriais em saúde: Desafios e aprendizados. Ciência & Saúde Coletiva, 14(3), 861-868. doi:10.1590/S1413-81232009000300021
    » https://doi.org/10.1590/S1413-81232009000300021
  • Martins, P. C., Cotta, R. M. M., Mendes, F. F., Priore, S. E., Franceschinni, S. C. C., Cazal, M. M., & Batista, R. S. (2011). De quem é o SUS? Sobre as representações sociais dos usuários do Programa Saúde da Família. Ciência & Saúde Coletiva, 16(3), 1933-1942. doi: 10.1590/S1413-81232011000300027
    » https://doi.org/10.1590/S1413-81232011000300027
  • Merhy, E. E., Chakkour, M., Stéfano, E., Santos, C. M., Rodrigues, R. A., & Oliveira, P. C. P. (1997). Em busca de ferramentas analisadoras das tecnologias em saúde: A informação e o dia-a-dia de um serviço, interrogando e gerindo trabalho em saúde. In E. E. Merhy & R. Onocko (Orgs.), Agir em saúde: Um desafio para o público (pp. 113-150). São Paulo: HUCITEC.
  • Minayo, M. C. S. (Org.). (2010). Pesquisa social: Teoria, método e criatividade (29a. ed.). Petrópolis, RJ: Vozes.
  • Ministério da Saúde (2006). Política Nacional de Promoção da Saúde: Anexo 1 Recuperado em 19 de dezembro de 2012, de http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/portaria687_2006_anexo1.pdf
    » http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/portaria687_2006_anexo1.pdf
  • Ministério da Saúde (1993, 24 de Maio). Portaria No. 545, de 20 de maio de 1993. Estabelece normas e procedimentos reguladores do processo de descentralização da gestão das ações e serviços de saúde, através da Norma Operacional Básica - SUS 01/93 Recuperado em 19 de dezembro de 2012, de http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/1993/prt0545_20_05_1993.html
    » http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/1993/prt0545_20_05_1993.html
  • Monteiro, J. F. A., & Figueiredo, M. A. C. (2009). Vivência profissional: Subsídios à atuação em HIV/Aids. Paidéia (Ribeirão Preto), 19(42), 67-76. doi:10.1590/S0103-863X2009000100009
    » https://doi.org/10.1590/S0103-863X2009000100009
  • Morais, L. V. (2006). A assistência do terapeuta ocupacional para pessoas com anorexia nervosa: Relato de experiência. Medicina (Ribeirão Preto), 39(3), 381-385.
  • Motta, L. B., Caldas, C. P., & Assis, M. (2008). A formação de profissionais para a atenção integral à saúde do idoso: a experiência interdisciplinar do NAI - UNATI/UERJ. Ciência & Saúde Coletiva, 13(4), 1143-1151. doi:10.1590/S1413-81232008000400010.
    » https://doi.org/10.1590/S1413-81232008000400010
  • Peres, R. S., & Santos, M. A. (2011). Técnicas projetivas na avaliação de aspectos psicopatológicos da anorexia e bulimia. Psico-USF, 16(2), 185-192. doi:10.1590/S1413-82712011000200007.
    » https://doi.org/10.1590/S1413-82712011000200007
  • Ostermann, A. C., & Souza, J. (2009) Contribuições da Análise da Conversa para os estudos sobre o cuidado em saúde: reflexões a partir das atribuições feitas por pacientes. Cadernos de Saúde Pública, 25(7), 1521-1533. doi:10.1590/S0102-311X2009000700010.
    » https://doi.org/10.1590/S0102-311X2009000700010
  • Rosa, B. P., & Santos, M. A. (2011). Comorbidade entre bulimia e transtorno de personalidade borderline: Implicações para o tratamento. Revista Latino-americana de Psicopatologia Fundamental, 14(2), 268-282. doi:10.1590/S1415-47142011000200005
    » https://doi.org/10.1590/S1415-47142011000200005
  • Rosen, S. D. (2010). Identification and management of eating disorders in children and adolescents. Pediatrics, 126(6), 1240 -1253. doi:10.1542/peds.2010-2821.
    » https://doi.org/10.1542/peds.2010-2821
  • Schmidt, E., & Mata, G. F. (2008). Anorexia nervosa: Uma revisão. Fractal: Revista de Psicologia, 20(2), 387-400. doi:10.1590/S1984-02922008000200006
    » https://doi.org/10.1590/S1984-02922008000200006
  • Silva Júnior, A. G., & Mascarenhas, M. T. M. (2004). Avaliação da atenção básica em saúde sob a ótica da integralidade: Aspectos conceituais e metodológicos. In R. Pinheiro & R. A. Mattos (Orgs.), Cuidado: As fronteiras da integralidade (pp. 241-257). Rio de Janeiro: HUCITEC.
  • Snell, L., Crowe, M., & Jordan, J. (2010). Maintaining a therapeutic connection: nursing in an inpatient eating disorder unit. Journal of Clinical Nursing, 19(3-4), 351-358. doi:10.1111/j.1365-2702.2009.03000.x
    » https://doi.org/10.1111/j.1365-2702.2009.03000.x
  • Solla, J. J. S. P. (2005). Acolhimento no sistema municipal de saúde. Revista Brasileira de Saúde Materno-Infantil, 5(4), 493-503. doi:10.1590/S1519-38292005000400013
    » https://doi.org/10.1590/S1519-38292005000400013
  • Souza, L. V., & Santos, M. A. (2012). Familiares de pessoas diagnosticadas com transtornos alimentares: participação em atendimento grupal. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 28(3), 325-334. doi:10.1590/S0102-37722012000300008.
    » https://doi.org/10.1590/S0102-37722012000300008
  • Souza, L. V., Santos, M. A., & Scorsolini-Comin, F. (2009). Percepções da família sobre a anorexia e bulimia nervosas. Vínculo, 6(1), 26-38.
  • Teixeira, R. R. (2003). O acolhimento num serviço de saúde entendido como uma rede de conversações. In R. Pinheiro & R. A. Mattos (Orgs.), Construção da integralidade: Cotidiano, saberes e práticas em saúde (pp. 89-111). Rio de Janeiro: UERJ/IMS/ABRASCO.
  • 1
    Apoio: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Abr 2013

Histórico

  • Recebido
    25 Out 2010
  • Revisado
    05 Set 2011
  • Aceito
    17 Ago 2012
Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Programa de Pós-Graduação em Psicologia Av.Bandeirantes 3900 - Monte Alegre, 14040-901 Ribeirão Preto - São Paulo - Brasil, Tel.: (55 16) 3315-3829 - Ribeirão Preto - SP - Brazil
E-mail: paideia@usp.br