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O conceito de transferência nos "Estudos sobre a histeria" (Breuer & Freud, 1895)

The notion of transference in "Studies on histeria" (Breuer & Freud, 1895)

Resumos

Neste artigo pretende-se examinar como o conceito de transferência é tratado na Psicanálise Freudiana. A noção de transferência surge, pela primeira vez, no capítulo 4 dos "Estudos sobre a histeria", obra que adquire o status de ponto de partida para o exame daquela. Verifica-se, aqui, que a noção de transferência, em hipótese alguma, pode ser entendida como o conjunto da relação que o paciente estabelece com o psicanalista, nem, tampouco, como o da perturbação neste tipo de relação, o que foi posteriormente entendido por outros autores; mas apenas como um aspecto muito específico dessa relação, na qual, a partir de uma falsa ligação, e de uma maneira um tanto quanto inapropriada, a figura do médico substitui alguém do passado do paciente.

Psicanálise; Freud; transferência


This article is part of a larger project, in which it intends to examine how the concept of transference is dealt in Freudian's psychoanalysis. As the notion of transference appears by the first time in chapter 4 of "Estudos sobre a histeria", this work acquires the status of the starting point to the examination of that. It verifies that the notion of transference can't ever be understood as the whole relationship that a patient establishes with his psychoanalyst. It can't either be understood as the total perturbation in this type of relationship, as it was further interpreted by other authors. It is only a very specific point of this relationship, in which, through a false bond, and in an uncommon way, the figure of the doctor replaces someone from the patient's past.

Psychoanalysis; Freud; transference


PESQUISAS TEÓRICAS

O conceito de transferência nos "Estudos sobre a histeria" (Breuer & Freud, 1895)

The notion of transference in "Studies on histeria" (Breuer & Freud, 1895)

Sidney da Silva Pereira Bissoli

FASU/Associação Cultural e Educacional de Garça

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Sidney da Silva Pereira Bissoli Rua Prefeito Andrade Nogueira, 496; Labienópolis Garça-SP, CEP: 17400-00 E-mail: sspbissoli@itelefonica.com.br

RESUMO

Neste artigo pretende-se examinar como o conceito de transferência é tratado na Psicanálise Freudiana. A noção de transferência surge, pela primeira vez, no capítulo 4 dos "Estudos sobre a histeria", obra que adquire o status de ponto de partida para o exame daquela. Verifica-se, aqui, que a noção de transferência, em hipótese alguma, pode ser entendida como o conjunto da relação que o paciente estabelece com o psicanalista, nem, tampouco, como o da perturbação neste tipo de relação, o que foi posteriormente entendido por outros autores; mas apenas como um aspecto muito específico dessa relação, na qual, a partir de uma falsa ligação, e de uma maneira um tanto quanto inapropriada, a figura do médico substitui alguém do passado do paciente.

Palavras-chave: Psicanálise; Freud; transferência.

ABSTRACT

This article is part of a larger project, in which it intends to examine how the concept of transference is dealt in Freudian's psychoanalysis. As the notion of transference appears by the first time in chapter 4 of "Estudos sobre a histeria", this work acquires the status of the starting point to the examination of that. It verifies that the notion of transference can't ever be understood as the whole relationship that a patient establishes with his psychoanalyst. It can't either be understood as the total perturbation in this type of relationship, as it was further interpreted by other authors. It is only a very specific point of this relationship, in which, through a false bond, and in an uncommon way, the figure of the doctor replaces someone from the patient's past.

Key words: Psychoanalysis; Freud, transference.

Introdução: Pode-se afirmar, sem correr o risco de cometer grandes injustiças, que a Psicanálise tem se desdobrado de tal forma, que atualmente se encontra em uma posição na qual não se está mais autorizado a falar de uma Psicanálise, mas de algumas Psicanálises. Zimerman (1999) chega a se referir a sete escolas de Psicanálise. A primeira, como já se sabe, é Freudiana, a partir da qual todas as outras derivaram. Na época de Freud, aqueles autores que tomaram direções um tanto quanto divergentes da obra do mestre não podiam mais se intitular psicanalistas e afirmar que o que estavam produzindo era Psicanálise. Isso aconteceu com Jung, a partir da ampliação do conceito de libido como energia psíquica em geral, e não como energia puramente sexual; também com Adler, com as teorias do protesto masculino, da inferioridade orgânica, para citar dois exemplos.

No entanto, o mesmo destino não atingiu Melanie Klein ou Jacques Lacan (inclusive por razões históricas, já que Lacan nunca chegou a conhecer Freud pessoalmente, e Melanie Klein apenas o encontrou em dois congressos internacionais de Psicanálise), que modificaram consideravelmente tanto a teoria quanto a técnica psicanalítica, sem que aquilo que estivessem fazendo deixasse de ser considerado Psicanálise.

Acréscimos e ampliações à parte, o que acontece é que, atualmente, tem-se a situação de determinado conceito adquirir significações as mais diversas, se abordado a partir da perspectiva freudiana, kleiniana, bioniana, winnicottiana, lacaniana. Sendo assim, é necessário certo esforço para não se transformar a Psicanálise em uma espécie de Torre de Babel, na qual se dialoga sobre o conceito, pensando se referir à mesma "coisa", quando na verdade são "coisas" diferentes.

Sem dúvida alguma, este fenômeno acontece com o conceito de transferência, que, inclusive, sofreu modificações no interior da própria teoria Freudiana. A partir disso, parece importante retornar às origens da Psicanálise, para verificar como o conceito de transferência pode ser entendido na obra de Freud, mais especificamente, no capítulo 4 dos "Estudos sobre a histeria" (1895), obra em que este aparece pela primeira vez. Trata-se de um estudo preliminar, que deve levar à verificação de como esta noção sofre transformação ao longo da elaboração teórica do autor em foco, porque, uma vez munido de um conhecimento mais sólido a respeito do uso deste conceito por Freud, há mais aparelhamento para se entender as diferenças e semelhanças, modificações e invariantes, com as quais outros autores, mais contemporâneos, trabalham a noção de transferência, sem que estes deslizamentos semânticos, técnicos estejam necessariamente explicitados.

Como o título do capítulo 4 dos "Estudos sobre a histeria" (1895) sugere - A psicoterapia da histeria - trata-se de mostrar como o tratamento dos fenômenos histéricos funciona, até onde a psicoterapia da histeria pode chegar e as dificuldades com que esta se defronta, pois existe uma relação íntima entre a técnica para o tratamento da histeria e a teoria explicativa para os fenômenos histéricos.

No campo da teoria, pode-se dizer que os histéricos adoecem por lembranças ou por representações que não sofreram o desgaste natural que tende a submeter a vida representativa; e ele não se realizou por não ter havido uma descarga para a experiência originalmente vivida. Uma vez não ocorrendo o desgaste, o afeto ligado à representação não perde a sua força, carregando-a para um segundo grupo psíquico, alheio ao ego, fazendo com que o sujeito aparentemente não tenha mais acesso a essa experiência, tornando a representação patogênica. Até aqui, trata-se da clássica histeria de retenção; mas devido à desconfiança de Freud quanto à validade deste tipo de interpretação dos fatos, isto o leva a colocar que a histeria de retenção e a hipnóide - proposta por Breuer - podem ser apenas histerias de defesa. Freud (1996) afirma que:

"é-me impossível reprimir a suspeita de que em algum ponto as raízes da histeria hipnóide e da histeria de defesa se reúnem, e que seu fator primário é a defesa" (p. 298). E, na continuidade, Freud aborda o problema da histeria de retenção: "Suspeito de que também na base da histeria de retenção também haja um elemento de defesa que tenha forçado todo o processo na direção da histeria" (p. 299).

Mas, no que consistiria a histeria de defesa? Basicamente, em um acréscimo da teoria explicativa para a de retenção acima exposta. A idéia é que algumas representações tornam-se alheias ao ego, são recalcadas, não apenas porque não se descarregam, devido ao acaso, a um fator desconhecido (histeria de retenção), ao fato de ocorrerem em um estado crepuscular de consciência (histeria hipnóide), mas porque são representações incompatíveis com o eu do sujeito, e que, portanto, provocam afetos de vergonha, de autocensura, de dor psíquica. Em suma, o eu se defende dessas representações, recalcando-as, de onde vem o termo 'histerias de defesa'.

A conseqüência lógica dessa concepção teórica é que, na prática, uma vez tendo se defendido de representações incompatíveis, o paciente (inconscientemente) não aceitaria de bom grado o objetivo do tratamento, o ressurgimento de tais idéias malquistas, ou, em outros termos, oporia uma resistência à análise, a não ser que, dentre outros fatores, que não interessam no momento, houvesse uma relação toda especial, particular, entre médico e paciente. Diz Freud (1996):

"Com outros [pacientes], que resolvem colocar-se em suas mãos [nas do médico] e depositar sua confiança nele - um passo que em outras situações só é dado voluntariamente, e nunca a pedido do médico -, com esses pacientes, repito, é quase inevitável que sua relação pessoal com ele assuma indevidamente, pelo menos por algum tempo, o primeiro plano. Na verdade, parece que tal influência por parte do médico é uma condição sine qua non para a solução do problema" (p. 280-1).

Há quem pense que, quando Freud se refere à relação pessoal do paciente com o médico e à influência deste, ele esteja adiantando algo posteriormente chamado de 'transferência'. Argumenta-se, que, apesar das aparências, ainda não é de transferência que se trata, conceito que aparece em um contexto bastante distinto.

Algumas páginas adiante, Freud (1996) volta a falar dessa influência pessoal da parte do médico, como algo fundamental para o bom andamento do trabalho terapêutico:

"Além das motivações intelectuais que mobilizamos para superar a resistência, há um fator afetivo, a influência pessoal do médico, que raramente podemos dispensar, e em diversos casos só este último fator está em condições de eliminar a resistência" ( p. 296).

A técnica freudiana, no momento da publicação do trabalho, em consonância com a teoria explicativa exposta, tem como objetivo o despertar de reminiscências, mesmo que para isso seja necessária a insistência da parte do médico (pressão). Ocorre que, em três situações distintas, a técnica da pressão falha, ou seja, a insistência do médico não produz nenhuma reminiscência no paciente. Primeiramente, porque pode acontecer de não haver realmente mais nada a ser investigado. A segunda alternativa configura-se como o oposto da primeira, ou seja, em determinado momento da análise, há representações tão incompatíveis com o eu do paciente, que despertam resistências profundas que só podem ser vencidas em uma etapa posterior da análise; e seria aqui que a relação pessoal entre médico e paciente tem fundamental importância; em outras palavras, o médico usaria a influência pessoal o paciente para vencer as resistências dele. Por último, as reminiscências não são despertadas quando a relação entre o paciente e o médico é perturbada. Na terceira situação, Freud diz tratar-se do "pior obstáculo com que podemos nos deparar" (p. 312).

Zimerman (2001), ao citar este trecho, afirma que Freud está se referindo diretamente à transferência, no capítulo "A psicoterapia das histerias" do livro "Estudos sobre a histeria", quando diz textualmente que "a transferência é o pior obstáculo que podemos encontrar"" (p. 412). No entanto, é preciso destacar que, quando Freud se refere ao pior obstáculo com que o médico tem de se deparar, ele não está se remetendo diretamente à transferência, mas a uma perturbação do relacionamento deste com o paciente, uma das quais é a transferência. Em outras palavras, apesar de que toda transferência é uma perturbação do relacionamento médico-paciente, nem toda perturbação deste relacionamento pode ser considerada uma transferência.

Mas, retornando à questão de que há uma influência pessoal por parte do médico que é útil para o trabalho psicoterapêutico, e que, quando há uma perturbação desse relacionamento, todo o trabalho pode não funcionar, o trecho abaixo pode ser muito esclarecedor:

"Não são poucos os casos, especialmente com as mulheres e quando se trata de elucidar cadeias de pensamento eróticas, em que a cooperação do paciente se torna um sacrifício pessoal, que deve ser compensado por algum substituto do amor. O empenho do médico e sua cordialidade têm que bastar na condição desse substituto. Ora, quando essa relação entre a paciente e o médico é perturbada, a cooperação da primeira também falha; quando o médico tenta investigar a representação patogênica seguinte, o paciente é retido pela interposição da consciência das queixas que nele se acumulam contra o médico" (Freud, 1996, p. 313).

Dito de outra forma, o trabalho psicoterapêutico é naturalmente difícil. Na maioria dos casos, é necessário que a paciente sinta que o médico a "ama", o que é sentido pelas demonstrações dele de empenho e cordialidade. E é justamente o fato de se sentir amada que faz com que ela continue se dedicando ao trabalho psicoterapêutico, apesar de todas as dificuldades que este apresenta. Quando essa relação amorosa falha, ou é perturbada, a paciente deixa de cooperar.

Mas quais são as situações em que essa relação pode ser perturbada?

Quais as situações em que o paciente pode deixar de cooperar?

Novamente são três.

No primeiro caso, o paciente pode estar se sentindo negligenciado, pouco apreciado ou até mesmo insultado pelo médico, ter ouvido falar mal dele ou do método de tratamento. Essa seria a forma mais simples de resolver, bastando a discussão e a explicação.

O segundo caso, Freud não o diz, mas se trata de pacientes que hoje seriam chamados de narcisistas. Eles têm medo de amar o médico, de perderem sua autonomia em função disto, de dependerem dele, inclusive, mas não necessariamente, em termos sexuais.

E, então, entra-se na terceira forma de perturbação da relação entre médico e paciente, a única que é exclusivamente chamada de transferência, aqui entendida como produto de uma falsa ligação. Este conceito já havia surgido em trabalho anterior, intitulado "As neuropsicoses de defesa" (1894), para explicar as fobias e idéias obsessivas. Neste caso, o indivíduo se depara com uma representação incompatível com o seu ego, que por ser marcantemente afetiva, configura-se como uma representação forte, que faz uma intensa exigência de trabalho à mente. Ou seja, os pressupostos até aqui necessários são: a) o que dá força a uma representação é o afeto ligado a ela; b) representações fortes exigem trabalho (de descarga) à mente, enquanto as fracas fazem pouca ou nenhuma exigência. No entanto, como essa representação não é de qualquer tipo, porém incompatível (traz consigo afetos de dor, autocensura e vergonha), o ego procura afastar a mesma do restante da vida associativa, e fará isso desvinculando o afeto que estava originalmente ligado a esta representação. Assim, ela perde a sua força, e não precisa fazer mais nenhuma exigência de trabalho à mente, formando um segundo grupo psíquico, uma divisão da consciência.

Mas, o que acontece com o afeto que foi desvinculado da representação? É aí que a histeria, de um lado, e as obsessões e fobias, de outro, tomam caminhos diferentes. Na histeria, esse afeto sofre conversão, é transformado em algo somático, dando origem aos tão exuberantes sintomas histéricos. Nas obsessões e fobias, devido a uma incapacidade para a conversão, o afeto é obrigado a permanecer no campo psíquico, ligando-se, desta forma, a outras representações, porém compatíveis com o ego do sujeito. É este processo, originalmente vinculado a uma representação incompatível, a uma outra porém compatível com o eu, que Freud dará o nome de falsa ligação.

Na transferência, a representação incompatível é a idéia de alguém do passado do paciente, enquanto que a compatível é a idéia do médico que a está tratando, acontecendo de o paciente dirigir certo tipo de afeto a ele, que só pode ser compreendido se este for remontado a alguém do passado do paciente.

O exemplo que Freud (1996) oferece é de uma paciente sua que, sempre que terminava a sessão, sentia o desejo de que ele tomasse a iniciativa de lhe dar um beijo. Submetendo este desejo à análise e solicitando associações da paciente em relação a ele, Freud acaba por descobrir que, muitos anos antes, a paciente sentira esse mesmo desejo de que "o homem com quem conversava na ocasião tomasse a iniciativa de lhe dar um beijo" (p. 314). Não se sabe exatamente o porquê de essa idéia ser incompatível para o ego da paciente. O fato é que aquela foi acompanhada de um afeto aflitivo e relegada ao inconsciente, que aparecia novamente, acompanhada do mesmo afeto aflitivo, no interior do tratamento.

Talvez o mais importante a ser destacado é que a noção de que a transferência era originalmente vista como um obstáculo por Freud, deva ser relativizada, pois se trata de um obstáculo que carrega em si a chave para se descortinar o mistério que traz consigo o adoecimento. O próprio Freud sugere algo dessa natureza, quando utiliza a palavra 'obstáculo' entre aspas, ao se referir a estes fenômenos resistenciais: "Nossa primeira tarefa é tornar o "obstáculo" consciente para o paciente" (p. 314). Ou, ainda: "Numa outra paciente, o "obstáculo" costumava não aparecer diretamente como resultado de minha pressão, mas eu sempre conseguia descobri-lo levando a paciente de volta ao momento em que ele se havia originado" (p. 314-5). E, por fim: "Creio, porém, que se lhes tivesse deixado de esclarecer a natureza do "obstáculo", eu simplesmente lhes teria dado um novo sintoma histérico - embora, é verdade, mais brando - em troca de outro que fora espontaneamente gerado" (p. 315).

Assim, quanto a este aspecto, o que se pode dizer é que a transferência é um obstáculo, da mesma forma que o sintoma é um obstáculo, visto que transferência nada mais é do que um novo sintoma.

Considerações finais

A partir do exposto acima, na obra que está sendo examinada, o conceito de transferência não pode ser identificado, em hipótese alguma, com um relacionamento afetivo que se estabelece entre o médico e o paciente. Como se viu, Freud fala de um fator afetivo, da influência pessoal do médico, do relacionamento pessoal entre médico e paciente, do substituto de um relacionamento amoroso entre médico e paciente, que é essencial para o tratamento psicológico, e isso, de maneira alguma, se configura como o que será chamado de transferência. Ainda, este relacionamento "amoroso" pode ser perturbado de três formas (pelo ódio, pelo medo, pela 'falsa ligação'), mas a transferência é apenas uma das formas através das quais se verifica essa perturbação (a terceira). Assim, o que definiria a transferência seria justamente a falsa ligação ou, em outras palavras, a substituição, na vida mental do paciente, de alguém do passado dele pela figura do médico.

Mas ainda pode-se fazer algumas indagações. Por que Freud não considerou as duas primeiras perturbações como transferências? Por exemplo, por que motivo, quando o paciente se sente insultado, negligenciado ou pouco apreciado pelo médico, não poderia estar em jogo aí também uma falsa ligação? Ou, ainda, por que motivo, quando um paciente sente medo de depender do médico em termos pessoais, ou inclusive sexualmente, não poderia estar presente também uma falsa ligação (por exemplo, no passado, o paciente poderia ter sentido medo de depender em termos pessoais, amorosa e sexualmente, de alguém)? Não há nenhuma resposta imediata a estas perguntas, mas a hipótese de que, na transferência, na falsa ligação, há algo bastante inapropriado, inadequado, em jogo. Ou seja, da mesma forma que a idéia obsessiva é de que outras pessoas, bem como o próprio paciente, consideram como algo estranho, inadequado, inapropriado, assim também, na transferência, alguma estranheza teria que ser produzida. Em outras palavras, toda vez que há uma falsa ligação, o resultado seria certa experiência aparentemente incompreensível. Assim, é possível que Freud considerasse como algo natural o paciente sentir medo de depender do médico, uma idéia que bastante contestada pela Psicanálise contemporânea. Da mesma forma, é possível que Freud considerasse como algo natural, em algumas ocasiões, o paciente se sentir insultado, etc., pelo seu médico. No entanto, o que possivelmente não considerou como natural, apropriado ao tratamento analítico, é o desejo da paciente de ser arroubada sexualmente pelo seu médico. Assim, o critério que o psicanalista adotaria, para distinguir quando está havendo uma experiência de transferência, no tratamento psicanalítico, e quando não está, seria este: a estranheza da situação (que, de certa forma, é o que define o sintoma como tal). Caso, através das associações do paciente, ficasse provado que há, além da estranheza, aquilo que Freud chamou de falsa ligação, no caso, a substituição de alguém do passado do paciente pela figura do médico, então teríamos as condições necessárias para afirmar que está havendo uma transferência.

De qualquer forma, essas ampliações do conceito de transferência que estão sendo cogitadas (a idéia de que o medo de depender do médico e o sentimento de ser negligenciado pelo médico também poderiam ser considerados como transferências) ocorrerão apenas em uma etapa posterior do desenvolvimento da teoria e da técnica psicanalíticas.

Artigo recebido em 20/02/2006 e aceito para publicação em 11/04/2006.

  • Freud, S. (1996). As neuropsicoses de defesa. Rio de Janeiro: Imago. (Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud).
  • Freud, S. (1996). Estudos sobre a histeria. Rio de Janeiro: Imago. (Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud).
  • Zimerman, D. E. (1999). Fundamentos psicanalíticos: teoria, técnica e clínica. Porto Alegre: Artmed.
  • Zimerman, D. E. (2001). Vocabulário Contemporâneo de Psicanálise. Porto Alegre: Artmed.
  • Endereço para correspondência:

    Sidney da Silva Pereira Bissoli
    Rua Prefeito Andrade Nogueira, 496; Labienópolis
    Garça-SP, CEP: 17400-00
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Fev 2009
    • Data do Fascículo
      Abr 2006

    Histórico

    • Aceito
      11 Abr 2006
    • Recebido
      20 Fev 2006
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