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Políticas de municipalização de ensino: tendências ao continuismo

Policies about teaching municipalization: tendencies to continuism

Resumos

Este estudo descreve aspectos relativos ao processo de municipalização do ensino de uma escola da rede pública do município de Araraquara - SP. As informações foram obtidas através de entrevistas realizadas com oito alunos, seus respectivos pais ou responsáveis, a professora da classe e a diretora da escola. A análise privilegiou uma abordagem descritiva e qualitativa no sentido de caracterizar e descrever os principais aspectos do processo de municipalização implementado, sobretudo aqueles relativos à participação dos pais, alunos, professores e diretora da escola pesquisada. A investigação leva à interpretação de que os procedimentos realizados se caracterizaram pela centralização de decisões, sem participação das pessoas envolvidas.

Municipalização do ensino; Participação na escola; Ensino Fundamental


The objective of this study is to describe some aspects related to the assumption by the Municipality of one public school in Araraquara City- SP. Data were obtained through interviews with 8 students, their parents, the school teacher, and the school principal. The analysis was qualitative and descriptive with the objective of giving a picture of municipalization process main points including parents, students, teacher and principal participation. The results suggest that the procedures, contrary to the expected, carried out the centralization of all the decisions and that there were no participation of all people involved in the process.

school municipality; school participation; primary school


Políticas de municipalização de ensino: tendências ao continuismo

Policies about teaching municipalization: tendencies to continuism

Fátima Aparecida Ferreira Inforsato; Edson do Carmo Inforsato

FLCHAr-Universidade Paulista

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Fátima Aparecida Ferreira Inforsato Av. Orestes Pieroni Gobbo, 575, Araraquara, SP CEP 14802-560 E-mail fatimaferin@uol.com.br

RESUMO

Este estudo descreve aspectos relativos ao processo de municipalização do ensino de uma escola da rede pública do município de Araraquara - SP. As informações foram obtidas através de entrevistas realizadas com oito alunos, seus respectivos pais ou responsáveis, a professora da classe e a diretora da escola. A análise privilegiou uma abordagem descritiva e qualitativa no sentido de caracterizar e descrever os principais aspectos do processo de municipalização implementado, sobretudo aqueles relativos à participação dos pais, alunos, professores e diretora da escola pesquisada. A investigação leva à interpretação de que os procedimentos realizados se caracterizaram pela centralização de decisões, sem participação das pessoas envolvidas.

Palavras-Chave: Municipalização do ensino; Participação na escola; Ensino Fundamental

ABSTRACT

The objective of this study is to describe some aspects related to the assumption by the Municipality of one public school in Araraquara City- SP. Data were obtained through interviews with 8 students, their parents, the school teacher, and the school principal. The analysis was qualitative and descriptive with the objective of giving a picture of municipalization process main points including parents, students, teacher and principal participation. The results suggest that the procedures, contrary to the expected, carried out the centralization of all the decisions and that there were no participation of all people involved in the process.

Keywords: school municipality; school participation; primary school.

Introdução

A transferência da gestão das áreas de Saúde, Educação e Assistência Social dos Estados e da União para os Municípios constitui-se no atual ordenamento político no Brasil, no que se refere aos serviços públicos. Precedida pelas experiências de municipalização da Saúde, a do Ensino Fundamental aos poucos vai se instalando em todos os Estados da federação. De um modo geral ela se apóia na articulação e na parceria da União com os Estados e Municípios propondo co-responsabilidade entre as três esferas do governo mediante convênios e re passes financeiros. Do ponto de vista jurídico -institucional, a municipalização traduz - se em mecanismo de distribuição de competências que atribui aos Municípios, a administração e o gerenciamento da rede fundamental de ensino e, aos Estados e à União a orientação técnica e pedagógica, o controle, a distribuição e os repasses de recursos orçamentários e financeiros (Casarin, 1992; Davies, 1992; Luce, 1992).

Assim, em relação à redistribuição de competências e responsabilidades das três instâncias governamentais, no que se refere aos níveis de ensino, caberia a manutenção do Ensino Fundamental aos municípios, do Ensino Médio aos Estados e do Ensino Superior à União.

A municipalização envolve como componen te essencial a autogestão que é definida como a

"capacidade e condições que o município (entendido como poder público e sociedade representativamente organizada para atuar em ação conjunta) tem ou procura criar e desenvolver para diagnosticar, decidir ou programar e executar em ato contínuo, no âmbito da busca de soluções alternativas de atendimento aos problemas e necessidades básicas da população aí localizada".(Ávila, 1987, P. 09)

Um outro aspecto importante deste processo é que

"a municipalização deve ser gradual e diferenciada, de acordo com a possibilidade de cada região, levando o município a possuir uma autonomia didática e pedagógica, financeira e administrativa". (Bedê, 1988, p.13 )

Pinto (1996) revela que em 1992 os Estados respondiam por 76% do total de matrículas do ensino fundamental do país. Portanto, integralizada a municipalização deste nível de ensino, os municípios, de modo geral, passariam a assumir os serviços de educação para um contingente de alunos cerca de três vezes maior que o verificado naquele ano. O percentual apontado é indicador de prováveis dificuldades do município para abranger as obrigações trazidas pela municipalização. Renault (1984) coloca em cheque a

"competência educacional, administrativa e econômica da maioria dos nossos municípios. Somente por exceção, conseguimos algo realmente à altura das nossas tremendas necessidades. " (Renault, 1984, p. 431)

O principal propósito desta estratégia de reorganização do sistema educacional, afirmado pelos ocupantes atuais do poder central e reafirmado por muitos representantes dos estados, é a descentralização de decisões através da fixação de mútuas responsabilidades e, o que nos interessa neste artigo, o incremento da participação da comuni dade na gestão das escolas públicas, sendo que esta última condição determinaria, na visão deles, a democratização efetiva do ensino público. Neste sentido

"governos e sociedade organizada conjugam esforços no sentido de viabilizar uma municipalização da educação que gere educação como produto e provque como resultado mudança comportamental e bem estar social aos educandos, diretamente, e aos familiares e/ou responsáveis e à sociedade, indiretamente" (Both, 1997, p.11)

Acreditam que colocando o fulcro da gestão na esfera do município, a comunidade teria mais oportunidades e acesso para interferir nas atividades educacionais por ele desenvolvidas. Teria, ainda, maior agilidade, pois

"se a esfera municipal for representativa dos interesses populares e dispuser de poder de decisão e recursos, a interação povo- governo tornar-se á ágil, menos burocratizada, mais participativa. " (Mello, 1986, p. 19)

Na gestão maior dos recursos financeiros e da tônica pedagógica, tal democratização estaria garantida pelos Conselhos Municipais de Educação; nas escolas, isto seria verificado pela autonomia de que desfrutam as unidades de ensino no quadro legislativo vigente. Os Conselhos de Escola, compostos paritariamente por membros da própria escola e da comunidade, teriam poder para implementar atividades e adequá - las às possíveis necessidades da região. Segundo Both (1997)

"os argumentos a favor de uma municipalização da educação entre outros, apontam o fator da proximidade da administração municipal às escolas e à comunidade como sendo um aspecto relevante. Por outro lado, certamente a possibilidade da participação da comunidade, em geral, bem como dos setores específicos da sociedade, em especial, poderá facilitar uma administração e um desenvolvimento da educação, oportunizando sua centralização nas preocupações e nos interesses locais mais prementes das populações." (Both, 1997, p.93)

Diante dessas considerações pretendemos, neste artigo, abordar os aspectos relativos ao elemento participação na municipalização do sistema de ensino, não no intuito de questionar a necessidade desse processo para o incremento da participação, mas sim no intuito de mostrar o grau de eficácia da forma de municipalização no aumento da participação.

O ponto de apoio para a sustentação deste artigo está nos resultados de um estudo exploratório realizado no interior de uma unidade escolar do município de Araraquara-SP.

Metodologia

Os dados aqui descritos foram obtidos a partir de uma pesquisa de campo que buscava as interações existentes entre a escola e a família (Inforsato, 2001).

Privilegiou-se uma abordagem qualitativa, tendo como universo uma sala de aula de primeira série do ensino fundamental de uma escola da rede pública do município de Araraquara-SP. Foi realizada com oito alunos (21% da classe) que no transcorrer do levantamento dos dados possuíam de sete a dez anos de idade, seus respectivos pais ou responsáveis, a professora da classe e a diretora da escola.

Este texto traz informações retiradas de um estudo mais abrangente. Neste sentido a escolha da escola, bem como a seleção dos informantes, fundamentam-se em critérios do estudo mais amplo, além de que se trata de uma unidade escolar que havia sido submetida ao processo de municipalização no ano de 1999.

Os sujeitos foram selecionados acidentalmente, sem nenhum critério previamente estabelecido, durante o primeiro dia em que a sala de aula foi contatada.

Os dados foram obtidos no transcorrer do ano de 1999 mediante entrevistas individuais, semi-estruturadas aplicadas a 8 (oito) alunos, e seus respectivos pais (pai, mãe ou responsável), na professora responsável pela classe e na diretora da escola. As entrevistas com os alunos, professora e diretora foram realizadas na escola, e com os familiares me diante um programa de visitas domiciliares.

As entrevistas foram conduzidas por roteiros previamente elaborados e com particularidades para as crianças, famílias, professora e diretora. Embora conduzidas por um roteiro, havia flexibilidade nas questões que procuravam se adaptar às diversas condições apresentadas pelos entrevistados. O objetivo era montar um quadro de informações bastante amplo em relação às interações que se dão entre a escola e a família (objeto da pesquisa maior), sendo as perguntas sobre a municipalização da escola uma parte do leque de questões. Como a escola estava vivendo a suposta turbulência deste processo de municipalização, as intervenções eram feitas no sentido de que o sujeito entrevistado externasse, o quanto fosse possível, as suas impressões e o seu nível de informação a respeito. Uma vez que o discurso oficial propalava que a municipalização do ensino representaria, entre outras coisas, o aumento da participação da comunidade nas decisões da escola, pretendia-se checar a veracidade ou mesmo a efetividade desse "desejo", ali no nascedouro de um processo que, naquela cidade, estava sendo desenvolvido com extrema cautela. Como a base da participação situa - se na própria escola, através dos alunos, dos pais, dos professores e do diretor, foi com esses membros que empreendemos as entrevistas. Em função da categoria representada, as perguntas eram feitas de maneira diferente. Para os alunos, indagava-se sobre o que eles sabiam da municipalização e como ela tinha alterado as suas rotinas na escola; para a professora procuramos fazer perguntas com o objetivo de verificar o quanto ela havia participado deste processo; para o diretor interessava - nos obter respostas a respeito da sua visão do processo de municipalização e para os pais, o grau de informação e de participação que eles tiveram e estavam tendo nas mudanças.

As falas das entrevistas foram registradas sob forma magnética em fitas K7 e depois transcritas "ipsis verbis".

Apresentação dos Resultados e Comentários

O conteúdo das entrevistas é apresentado em quatro grupos correspondentes às categorias de sujeitos pesquisados de forma a permitir a captação do entendimento e visão deles a respeito do processo de municipalização que estava ocorrendo naquela escola.

Alunos

Ao perguntarmos aos alunos se ouviram falar em municipalização do ensino, apreendemos que cinco deles responderam: "Não". Os demais ofereceram respostas afirmativas - "Já", "Ouvi", "Eh!" - embora, nas frases seguintes pudéssemos constatar bastante desconhecimento deste processo que ocorria em suas escolas.

Quando questionamos se sabiam que a escola que estudavam estava municipalizada, verificamos que a maioria deles respondeu: "Sei" e somente um aluno respondeu que "Não". No entanto, ao indagarmos se sabiam o que era municipalização, cinco deles responderam: "Não", "Não sei", "Não sei o que pode ser", indicando total desconhecimento e ausência de envolvimento com o processo, como aqueles que apresentaram as seguintes respostas a essa indagação: "Vai outra professora"... "Ali quando tem muita falta, aí a gente já é expulso"...

Quando interrogadas sobre as mudanças ocorridas na escola, as crianças se referiram à substituição da diretora, ou então a alterações relativas à rotina da escola quanto a horários, controle e disciplina do intervalo, contratação de funcionários e funcionamento da cantina. No entanto, notamos que as modificações foram impostas e implementadas sem envolvimento dos alunos, sendo a comunicação sobre a mudança feita pela professora de maneira rotineira e sem destaque.

Embora as respostas dadas pelas crianças denotem indiferença pelas "alterações", algumas delas manifestaram desacordo com relação às modificações percebidas. Mas até ai também notava-se a indiferença dos alunos, como se eles já dessem como certa a pouca importância de suas preferências.

Professora

No decorrer da entrevista, a professora - pertencente à rede estadual de ensino - faz considerações sobre o processo de municipalização indicadoras de pouco conhecimento e de descontentamento em relação a essa medida. Ao perguntarmos a ela quais informações possuía sobre a municipalização, se ela poderia melhorar a educação e quais os principais acertos e erros da municipalização ela diz:

"Pouca coisa...Sei lá...Sei que não é a solução"...

"Eu acho que não, nem melhorar e nem piorar. Pelo menos por este pouco tempo acredito que a educação está melhorando, mas não por ser municipal"...

"E cedo para agente pensar sobre isso aí, por exemplo, para a minha vida, para a minha profissão, foi(sic) só coisa ruim. Agora daqui para frente eu não sei o que vai acontecer. Mas neste ano foram só perdas"...

Observamos também que a professora faz afirmações que sugerem que o processo de municipalização nesta unidade escolar foi implantado sem respaldo e participação dos funcionários, professores e pais dos alunos. Quando indagamos como foi iniciada a municipalização e se foi acompanhada por discussão ela diz:

"Aparecendo, de repente... Pronto chegou.... Municipalizada, pronto"...

"Não...Não, era só aquele disse que disse... uma coisa aqui outra ali, mas uma coisa séria, uma discussão, isso não...Os pais não vi participar"...

Observamos seu descontentamento e total insegurança quanto à municipalização, inclusive quanto à sua situação funcional, pois a professora pertencia à rede estadual de ensino, indicando que a reforma proposta pode desencadear conflitos e obstáculos de natureza administrativa por envolver regimes de contratos de trabalho diferentes como são o estadual e o municipal.

Fica explícita nas respostas da professora bastante resistência ao processo em questão e a ausência de iniciativas preparatórias e arranjos precedentes à municipalização nesta unidade escolar, que, corroborando o que foi apreendido das falas dos alunos, foi instalado repentinamente, sem preparativos e organização prévia, cabendo apenas às autori dades estaduais e municipais a tomada de decisões.

Diretora

A diretora pertencente à rede municipal de ensino e designada para substituir a anterior, que pertencia à rede pública estadual, expressou opiniões a respeito da melhoria que supostamente ocorreria com a municipalização:

"Primeiro, porque a gente está assim como patrão, não é bem assim...com uma assessoria mais próxima. Eu acho que com a municipalização você vai ter elogios mais rápidos, e isso é um estimulo. Ë o caminho para a melhoria do ensino de primeira a quarta série."

Apreendemos um discurso bastante favorável ao processo em questão, explicitado quando essa profissional coloca o que entende sobre municipalização, seus principais benefícios, acertos, malefícios e erros:

"A municipalização pelo que eu entendo é uma parceria com o Estado por um período de cinco anos onde a Prefeitura, no caso assume a escola, fica com os efetivos da escola, alguma coisa ela tem a liberdade de estar mudando".....

"Eu acho que nos acertos ela já deixou este pessoal que são bons profissionais. Ela errou muito quando fez um sistema muito rápido, como por exemplo aqui nesta escola efetivou no dia 30 de julho e no dia 02 de agosto esta assumindo. Então o pessoal acabou pegando todo mundo de surpresa, desprevenido. Mesmo no meu caso como diretora eu acho que eu deveria ter tido um treinamento porque eu realmente não tinha base nenhuma, Porque a diferença é muito grande de você estar em um CER e no ensino fundamental. Então errou nisso, errou quando já não tinha um regimento pronto. Então o pessoal que ficou, ficou nas escuras, então acabou sendo muito conflitante por causa de ajustes".

"Para o ensino é muito bom. Tem material didático mais fácil, recursos mais apropriados ".

Ressaltamos que sua exposição demonstra o pouco entendimento que possui acerca deste processo, na qualidade de executora dele. Sua explanação acerca dos benefícios decorrentes da municipalização do ensino se reporta unicamente a melhoria de recursos, ignorando aspectos significativos da reforma proposta. Apesar de se mostrar partidária, ela também evidencia a rapidez, ausência de planejamento e organização da municipalização nesta escola, contrariando diretrizes de uma implantação gradual, progressiva, diferenciada, que é recomendada pelos idealizadores deste processo.

Conforme abaixo exposto, ao responder às indagações, se o processo de municipalização foi acompanhado de discussões com a equipe de funcionários, professores, pais e alunos da escola, a diretora diz que a implantação foi bastante centralizada e à revelia da autonomia das pessoas envolvidas com esta escola.

"Pelo que as professoras falaram não...deixou muito a desejar, ninguém explicou nada, ficaram muitos questionamentos. Não ficou nada muito claro, isso foi o que as professoras me passaram porque eu já cheguei com a municipalização ".

"Eu acho que não porque no começo muitos pais vieram me perguntar como e que fica agora? Aquela ansiedade... "

Declara que, como as demais pessoas envolvidas, não foi preparada para assumir a municipalização e que em função disso tem encontrado bastante dificuldade para a direção. Explicita inclusive que não tem nenhuma experiência com ensino fundamental.

Ressaltamos que sua exposição demonstra o pouco entendimento que possui deste processo na qualidade de uma das principais executoras dele. Suas respostas não consideram aspectos da descentralização e democratização do ensino, bem como aqueles de natureza pedagógica.

Famílias

As entrevistas efetuadas com os pais dos alunos demonstram que metade deles desconhecia que a escola do filho havia sido municipalizada; quatro deles responderam: "Eu sei" , três deles afirmaram que "Não " e um pai demonstrou total ignorância do processo. Somente dois deles sabiam falar alguma coisa sobre a municipalização. De um modo geral, explicaram que a escola passou a ser da prefeitura e observaram que mudou de diretora.

Quando indagamos sobre o que acharam que ficou diferente na escola com a municipalização, as respostas foram:

"Eu não tenho a certeza mas a gente doava um X por mês para pagar um funcionário e parece que não tem mais. Vem o envelopinho mas não fala mais que é para fazer o pagamento do tio"...

"Tá mais limpa, não sei o que aconteceu que ficou mais limpa depois que municipalizou. Ainda trem o porteiro, quer dizer acho que já alcançou o que faltava, eu acho que já completou"...

"Eu acho que não mudou não, só mudou a diretora mas a escola continua a mesma coisa".

As informações sugerem que os pais pouco sabem sobre a municipalização da escola dos filhos e que não participaram deste processo.

Comentários Finais

Embora saibamos que o estudo por nós empreendido não nos autoriza a proferirmos generalizações a respeito do aumento, ou mesmo da emergência, da participação decorrente do processo de municipalização, avaliamos que ele pode contribuir para o levantamento de alguns questionamentos pertinentes a respeito do assunto em pauta.

As informações obtidas mediante as entrevistas realizadas nos mostram a ausência de qualquer processo participativo no início da implantação da municipalização do ensino em uma escola de uma cidade de porte médio do estado de São Paulo. Alunos, pais, professora e diretora, quando muito, apresentaram vagas noções e parcas informações a respeito desta mudança na gestão do sistema escolar. Cury (1998), ao abordar as reformas educacionais postas em marcha no final da década de 90, alerta para o reforço das "perversidades atávicas" que elas poderiam ensejar, que poderiam significar um aumento da precariedade dos serviços públicos, no caso a educação, na medida em que as alterações reforçam a confusão, e ainda realçam a falta de rumo que costumeiramente detectamos na educação. Flexibilidade, descentralização e autonomia, as diretrizes das reformas propostas - nas quais a municipalização se encaixa - exigem costumes e práticas participativas, além da consciência dos papéis dos atores sociais envolvidos, atributos esses pouco verificáveis no relacionamento de nossas instituições com as comunidades que atendem.

No caso em questão, a introdução da municipalização, mesmo feita de maneira cautelosa abrangendo poucas escolas, não se apoiou nos professores, funcionários, alunos e pais. Foi desencadeada fora dela, decidida e praticada ao largo dos atores envolvidos, motivo que deu origem, ou mesmo reforçou, a indiferença desses mesmos atores.

Na unidade escolar observada as decisões, pelo que obtivemos das entrevistas, vieram prontas, sem organização e investimentos prévios. O projeto não foi discutido, acordado e implementado conjuntamente. Aconteceu sem a necessária e preconizada participação dos segmentos envolvidos na educação: diretores, professores, alunos e pais.

Nas palavras de Coll (1999)

"O desenvolvimento de um processo que conduza ao estabelecimento de um contrato social na educação com as características destacadas deve ter, obrigatoriamente, um caráter profundamente participativo. Neste processo os professores e os responsáveis pelo planejamento e pela gestão dos serviços educativos formais da comunidade ou do município devem estar envolvidos e comprometidos ativamente". (Coll, 1999, p.12)

Também não verificamos nenhuma articulação entre representantes do Estado e do Município fora da instância administrativa destes níveis de governo.

É um truismo dizer que a educação escolar está centralizada no professor e no aluno. Uma não adesão do primeiro às mudanças pretendidas faz com que elas malogrem no exercício cotidiano enquanto que o segundo reage - com passividade ou indiferença - às ações do primeiro. Deste modo, a municipalização, como qualquer outra iniciativa na área da educação formal, não cumprirá seus propósitos sem a adesão dos professores, pois

"A reforma educativa não é um documento ou uma tarefa de cúpulas, nem um plano a se completar em um curto período de tempo. É um processo social sumamente complexo, que requer diálogo e aprendizagem coletiva. Os professores não são meros executores de um documento, mas sujeitos ativos da reforma, que afinal lhe dão corpo e terminam orientando seu sentido". (Torres, 1998, p. 182)

A cultura escolar predominante em nosso meio solidificou uma verticalização de comandos difícil de quebrar ou mesmo substituir por outros padrões de relacionamento. Ao professor, ao longo da nossa história escolar, impôs-se uma prática de pouca autonomia com relação às escolhas de conteúdo e colocou-se à sua disposição meios fortes de controle da aprendizagem do aluno. Isto, combinado com outros aspectos de natureza sócio-econômica, gerou uma legião de reprovados e evadidos da escola. As medidas tomadas, sobretudo na última década, pelo poder público para recuperar o aluno para a escola, resultaram, na visão dos professores, em descrédito do trabalho docente. Tanto aluno como professor, forjados dentro desta estrutura escolar de passividade, não conseguem estabelecer novas formas de convivência que aumentem o grau de responsabilidade de ambos nos desígnios da escola, uma vez que os docentes encaram sua tarefa somente como a de transmitir conteúdos prontos e acabados e isso exige alunos que atuem como receptáculos destes conteúdos. As mudanças desejadas e neces sárias das relações pedagógicas, tendo em vista uma escolaridade que desenvolva intensamente as características daquilo que se entende por cidadão participativo, precisam de uma disponibilidade de meios dos poderes públicos que as encare com mais seriedade e persistência. Tais mudanças encerram -se nas letras dos documentos e dos textos repletos de "wishfull thinking", parecendo que a inquietação das autoridades e dos seus assessores se equaciona apenas pela enunciação das medidas e das diretrizes das mudanças e a não observância dessas mudanças é vista como despreparo absoluto dos professores. Estes, é necessário dizer, necessitam de capacitações sim, mas principalmente de convencimentos para terem disposições para as mudanças.

O mesmo se dá com relação à participação da comunidade nas decisões e nas definições dos projetos escolares. Embora para os pais, de modo geral, a escola seja vista como propiciadora de um futuro melhor para seus filhos, dela não costumam cobrar melhor prestação de serviços. Aceitam de maneira resignada, na maioria das vezes, aquilo que é estabelecido, ou que é praticado dentro do quadro de precariedade que se verifica. A consciência de cidadania é tênue em nossas comunidades e a centralização das decisões ainda é um fato em todas as nossas instituições.

Esta pequena amostra que observamos em um processo de municipalização pode indicar as dificuldades que um esperado aumento de participação nos destinos da escola pode enfrentar. Quando nos referimos que a cidade na qual se localiza a escola é de porte médio e pertence à região central de um dos Estados mais ricos da Federação, queremos dizer que se o processo de municipalização se iniciou aí desta foram, nada nos garante que ele dar-se-á de modo diferente em outros municípios; isto é, a alegada participação da comunidade corre o risco de naufragar em falta de estrutura e de preparo dos municípios para a reforma. Foi dito também que, finalizado o processo, os municípios teriam que atender a um contingente três vezes maior de alunos (1992). Na quase totalidade deles a infra-estrutura das Secretarias da Educação está montada apenas para manter o ensino da pré-escola e, quando muito, das primeiras séries do ensino fundamental. Ver, em menos de dez anos, aumentar a demanda por seus serviços em três vezes, não permite esperar isto se dê em bases de participação adequadas.

Enfim, gostaríamos de salientar que quanto à descentralização e democratização do ensino, os procedimentos adotados na prática, durante a etapa inicial da municipalização em Araraquara, podem ocasionar a reprodução do modelo educacional existente, resultando apenas na transferência de responsabilidades para o município, conforme alertado por Tedesco:

"Em resumo, nos países em desenvolvimento não está plenamente confirmada a hipótese de que a concessão de maior autonomia aos atores locais é um mecanismo efetivo de dinamização. Algumas experiências de municipalização da oferta educacional evidenciam que as características do poder local podem ser um fator de rigidez tão forte quanto à oferta centralizada. Assim o dilema que as políticas de descentralização e de atribuição de maior autonomia às instituições enfrentam é sua operacionalização". (Tedesco, 1998, p. 119)

A proposta de municipalização pode originar uma alternativa para uma nova perspectiva de relação ou articulação entre o município, agora gestor do setor educacional, e a sociedade. No entanto, para um gerenciamento municipal descentralizado e democrático é fundamental a presença da participação popular aliada à condição do município gestor.

A experiência relatada sugere reflexão sobre as estratégias adotadas pelas administrações municipais, no sentido de que as experiências assegurem e privilegiem constante implementação e aprimoramento dos mecanismos de participação da comunidade escolar no planejamento e gerência das unidades escolares que compõem a rede pública de ensino. É através de uma escolaridade efetivamente participativa, tanto em seus atos administrativos quanto, principalmente, em seus atos pedagógicos, que a sociedade pode evoluir mais acentuadamente de uma mentalidade de espera, resignação e indiferença para uma mentalidade que envolve autoconfiança, autonomia e determinação.

Artigo recebido para publicação em 03/2001

Aceito em 11/2001

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  • Endereço para correspondência:
    Fátima Aparecida Ferreira Inforsato
    Av. Orestes Pieroni Gobbo, 575, Araraquara, SP
    CEP 14802-560
    E-mail
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      29 Jul 2009
    • Data do Fascículo
      2001

    Histórico

    • Aceito
      Nov 2001
    • Recebido
      Mar 2001
    Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Programa de Pós-Graduação em Psicologia Av.Bandeirantes 3900 - Monte Alegre, 14040-901 Ribeirão Preto - São Paulo - Brasil, Tel.: (55 16) 3315-3829 - Ribeirão Preto - SP - Brazil
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