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Comunicação organizacional e Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) na gestão hospitalar

Organizational communication and information and communication technologies (ICTs) in hospital management

Resumo

Este trabalho objetiva analisar o papel da comunicação e a utilização de Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) no suporte à tomada de decisões gerenciais em hospitais. Realizou-se estudo de caso, de natureza qualitativa e descritiva em quatro hospitais de alta complexidade e de ensino, integrantes da Rede InovarH/Ba. Os resultados indicam que: as atividades de comunicação são entendidas como fundamentais para o desenvolvimento dos processos assistenciais e administrativos, entretanto a comunicação é fragmentada e as TIC são pouco utilizadas; o alto escalão utiliza produtos das TIC e a educação permanente facilita os seus usos; a falta de entendimento dos diretores e dos médicos quanto à natureza do trabalho em rede é um aspecto dos desusos das TIC.

Palavras-chave:
Comunicação organizacional; Tecnologias da informação e comunicação; Gestão hospitalar

Abstract

This paper aims to analyze the role of communication and the use of Information and Communication Technologies (ICT) in supporting managerial decision making in hospitals. It was conducted a qualitative and descriptive case study, in four teaching hospitals of high complexity, members of the InovarH Network / Ba. The results indicate that: a) the communication activities are seen as fundamental to the development of administrative and care processes, however communication is fragmented and ICTs are little used, b) the use of ICT products by the high-level and continuing education facilitates its uses, c) the lack of understanding of the directors and doctors as to the nature of networking is one aspect of the non-use of ICTs.

Keywords:
Organizational communication; Information and communication Technologies; Hospital management

1 Introdução e objetivos

É crescente o papel da comunicação na gestão organizacional, participando diretamente nos processos de mudança e na busca de melhores resultados. No âmbito da Sociedade em Rede (CASTELLS; 1999CASTELLS, M. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999.; 2005) as Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) desempenham papel fundamental, uma vez que facilitam o processo de difusão de informações, que são insumos estratégicos para a conquista de objetivos comuns, por meio do conhecimento compartilhado e aplicado (MENDES; CUNHA; TEIXEIRA, 2005MENDES, V. L. P.; CUNHA, F. J. A. P.; TEIXEIRA, F. Redes Sociais de Colaboração: a experiência de uma rede de hospitais. In: TEIXEIRA, F. (Org.). Gestão de redes de cooperação interempresariais: em busca de novos espaços para o aprendizado e inovação. Salvador: Casa da Qualidade , 2005. p. 77-95.).

De acordo com Fialho (2005FIALHO, S. Metodologia para a construção e gestão de Redes de Cooperação Interorganizacionais. In: TEIXEIRA, F. (Org.). Gestão de redes de cooperação interempresariais: em busca de novos espaços para o aprendizado e inovação. Salvador: Casa da Qualidade, 2005. p. 123-151.), as TIC oferecem a infraestrutura necessária para que as organizações integrem sistemas, processos e serviços e estruturem redes de relacionamento, independente da localização espacial de cada uma. Logo, para os hospitais em rede, adotar ferramentas tecnológicas informacionais seria condição básica para que explorem o potencial deste formato organizacional e potencializem sua natureza cooperativa, assim como desenvolvam a aprendizagem, a geração e a difusão de conhecimentos.

Ao mesmo tempo em que se percebe a inovação representada pela utilização das TIC, em razão dos novos modelos de interação e relacionamento que propõem, é possível notar que, no ambiente das organizações prestadoras de serviços de saúde, a adoção destas ferramentas é incipiente, apesar da obrigatoriedade do uso de determinados Sistemas de Informação. Tais serviços, entendidos como potenciais geradores de conhecimento, centralizam seus esforços nos meios tradicionais, quase manuais, operando dentro de uma perspectiva analógica.

Assim, o presente trabalho apresenta como questão norteadora: quais as possibilidades e limites da incorporação do Sistema de Informação Gerencial (SIG), aos processos de comunicação dos hospitais que integram a Rede InovarH1 1 A Rede de Inovação e Aprendizagem em Gestão Hospitalar (InovarH) foi criada em março de 2006 pela Portaria nº 1773, de 2006, do Ministério da Saúde (BRASIL. Ministério da Saúde, 2006), tem o apoio da Organização Pan Americana da Saúde (OPAS), com participação de 37 hospitais, da Secretaria da Saúde do Estado da Bahia, das Secretarias Municipais de Saúde e de Clinicas como integrantes da Rede, inserindo-se e no Grupo de Pesquisa Observa Políticas Públicas, na linha de Pesquisa Gestão e Inovação de Serviços de Saúde. Site disponível em: <www.inovarh.ufba.br>. Acesso em: 12 dez 2015. ? Tem como objetivo geral analisar criticamente o papel da comunicação e utilização da TIC, representada pelo SIG, no suporte à tomada de decisões gerenciais em organizações hospitalares, mediante estudo empírico, cujo objeto é o SIG implantado pela Rede InovarH/Ba nos hospitais. Especificamente, objetivam-se verificar a importância atribuída pelos sujeitos à comunicação e às TIC como ferramentas de integração de processos assistenciais e administrativos e de suporte à gestão em serviços de saúde; identificar aspectos facilitadores e dificultadores à adoção do SIG da Rede InovarH nos processos de comunicação dos hospitais que a integram e discutir sobre os seus usos e desusos.

Parte-se do pressuposto de que existe considerável resistência, principalmente dos médicos, à adoção de inovações tecnológicas na gestão dos processos hospitalares (ANDRADE, 2010ANDRADE, A. Os Núcleos Hospitalares de Vigilância Epidemiológica: uma ferramenta de gestão. Rev. Eletr. Enf., [S.l.], v. 12, n. 1, p. 114-128, 2010. Disponível em: <http://www.fen.ufg.br/revista/v12/n1/v12n1a22.htm>. Acesso em: 6 jun. 2013
http://www.fen.ufg.br/revista/v12/n1/v12...
), contribuindo para o desuso das TIC de maneira geral, e do SIG em particular, pelos hospitais. Assim, uma ferramenta que, conforme Jbilou et al. (2009JBILOU, J. et al. Combining communication technology utilization and organizational innovation: evidence from canadian healthcare decision makers. J Med Syst., v. 33, n. 1, p. 275-286, 2009.), é capaz de trazer transformações gerenciais e práticas, inclusive gerando conhecimento, pode não estar sendo devidamente utilizada pelos hospitais.

2 Comunicação e redes em serviços de saúde

Conforme Nassar (2004NASSAR, M. R. F. Comunicação: políticas e estratégias para área da saúde. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO, 27., 2004, Porto Alegre. Anais... São Paulo: Intercom, 2004. 1 CD-ROM.) é a partir da comunicação que se desenvolvem os demais processos organizacionais. Esses se relacionam diretamente com a organização do trabalho, permitindo a realização de seus objetivos. Esta ideia encontra suporte na teoria de Bittar (2000BITTAR, O. J. N. V. Gestão de processos e certificação para a qualidade. Rev. Assoc. Med. Bras., São Paulo, v. 1, n. 46, p. 15-34, 2000.), para quem a comunicação é fator de viabilização dos processos, demandando, assim, a coleta e a divulgação constantes de informações decorrentes de fluxos previamente definidos, como: banco de dados alimentados e canais abertos junto ao público.

Todavia, nos serviços de saúde a comunicação assume contornos ainda mais desafiadores. No ambiente hospitalar a comunicação de excelência contribui para a qualidade da assistência e para a segurança do usuário, na medida em que diminui a ocorrência de erros e favorece a integração da equipe multiprofissional envolvida no cuidado (AGUIAR; MENDES, 2011MENDES, E. V. As redes de atenção à saúde. Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde, 2011. ). Neste sentido, Silva et al. (2007SILVA, A. E. B. C. et al. Problemas na comunicação: uma possível causa de erros de medicação. Acta Paulista de Enfermagem, São Paulo, v. 3, n. 20, p. 272- 276, 2007. ) salientam que o sistema no qual se desenvolve a assistência é altamente complexo e envolve uma equipe especializada, que desempenha tarefas distintas e, ao mesmo tempo, interdependentes. Deste modo, segundo os autores, uma falha em qualquer um dos processos, inclusive no de comunicação, pode interferir diretamente no conjunto das atividades desenvolvidas, trazendo transtornos tanto à equipe quanto ao usuário, configurando-se como umas das causas mais frequentes de erros de medicação e diagnóstico.

Segundo Nassar (2004NASSAR, M. R. F. Comunicação: políticas e estratégias para área da saúde. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO, 27., 2004, Porto Alegre. Anais... São Paulo: Intercom, 2004. 1 CD-ROM.) a interação entre as áreas de comunicação e de saúde envolve mais que o uso de estratégias, pressupondo mudança de comportamentos e a ruptura com estruturas organizacionais e a cultura dominante entre os profissionais de saúde. Para a autora (NASSAR, 2004NASSAR, M. R. F. Comunicação: políticas e estratégias para área da saúde. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO, 27., 2004, Porto Alegre. Anais... São Paulo: Intercom, 2004. 1 CD-ROM., p.13-14):

Mudança de estrutura envolve, muitas vezes, mudança no poder. Aquele que o detém, portanto, deve considerar formas de gestão que possibilitem a revisão de rumos, sem a necessidade de mudança do poder de mãos. Isso somente é possível nas organizações com o estabelecimento de canais para o diálogo constante e sistemático com os públicos de interesse, com transparência em suas ações e profundo respeito pela sociedade. [...] Posturas norteadas por esses princípios dão à organização de saúde a credibilidade que precisa para firmar-se na sociedade e consolidar sua imagem/conceito junto à opinião pública.

De acordo com Castells (1999CASTELLS, M. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999.) rede é um conjunto de nós interconectados. Nó é um ponto no qual uma curva se entrecorta. Concretamente, o que um nó é depende do tipo de redes concretas de que falamos. Mendes, Cunha e Teixeira (2005MENDES, V. L. P.; CUNHA, F. J. A. P.; TEIXEIRA, F. Redes Sociais de Colaboração: a experiência de uma rede de hospitais. In: TEIXEIRA, F. (Org.). Gestão de redes de cooperação interempresariais: em busca de novos espaços para o aprendizado e inovação. Salvador: Casa da Qualidade , 2005. p. 77-95.) afirmam que, aplicada à dinâmica organizacional, uma rede configura-se como a reunião de sujeitos (físicos ou jurídicos) em razão de objetivos e/ou temáticas afins, de maneira participativa e voluntária. Ainda no universo das ciências administrativas, Albrecht (1994ALBRECHT, C. Programando o futuro: o trem da linha norte. São Paulo: Makron Books, 1994.) define as redes como a combinação de pessoas, tecnologia e conhecimento que substituiu a corporação hierarquizada do modelo fordista, baseada em trabalho, capital e gerenciamento.

No Brasil, a partir da Constituição Federal de 1988, foi constituído o Sistema Único de Saúde (SUS) (BRASIL. Ministério da Educação, 1989). Este sistema é pensado para funcionar em Redes de Atenção à Saúde (RAS), com serviços organizados segundo a complexidade e o perfil epidemiológico da população. As RASs se diferenciam das redes virtuais. Neste entendimento, Mendes (2011MENDES, E. V. As redes de atenção à saúde. Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde, 2011. , p. 81) afirma que as RAS podem ser definidas como:

[...] organizações poliárquicas de conjuntos de serviços de saúde, vinculados entre si por uma missão única, por objetivos comuns e por uma ação cooperativa interdependente, que permitem ofertar uma atenção contínua e integral a determinada população, coordenada pela atenção primária à saúde - prestada no tempo certo, no lugar certo, com o custo certo, com a qualidade certa, de forma humanizada e com equidade - e com responsabilidades sanitária e econômica e gerando valor para a população.

Conforme Kunsch (2008KUNSCH, M. M. K. Gestão estratégica em comunicação organizacional. São Paulo: Difusão, 2008.), o processo de comunicação nas organizações engloba, fundamentalmente, a comunicação administrativa2 2 A comunicação administrativa constitui a “espinha dorsal” comunicativa da organização (YANAZE, 2010). Seria o sistema de comunicação que se processa no âmbito das funções administrativas, cujos objetivos são alterar, explorar, manter ou criar relações situacionais entre as funções/tarefas, viabilizando assim todo o sistema organizacional (KUNSCH, 2003; THAYER, 1976). , fluxos, barreiras e veículos de comunicação, redes formais e informais. Desta forma, a comunicação é um componente indispensável à promoção da interação social e ao fomento da credibilidade, atuando na construção e manutenção da identidade de uma organização e na constituição de redes.

No campo das RAS, Teixeira (2007TEIXEIRA, S. M. F. Gestão de redes: a estratégia de regionalização da política de saúde. Rio de Janeiro: Editora FGV , 2007.) destaca que os significados do termo podem ser extensiva e diferentemente relacionados com: a articulação e a integração das unidades de provisão de serviços em dada especialidade; a atenção à saúde em diferentes níveis de complexidade tecnológica; as bases de informação estatística sobre fenômenos sanitários; as esferas governamentais gestoras; os atores num campo específico da política de saúde; os sistemas de transferência de recursos financeiros e intercâmbio de serviços.

Já as redes virtuais, no contexto organizacional, têm sido propostas para administrar políticas e projetos, em que os recursos são escassos e os problemas são complexos, havendo interação entre agentes públicos e privados, centrais e locais, no qual se manifesta uma crescente demanda por benefícios e uma participação cidadã (FLEURY; OUVERNEY, 2007FLEURY, S. M. T.; OUVERNEY, A. M. Gestão de redes: a estratégia de regionalização da política de saúde. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2007.).

Na área de saúde, observa-se a coexistência das redes virtuais e das RAS, sendo ambas presentes em estudos teóricos, nas políticas governamentais e nas estratégias privadas de articulação e integração das unidades de serviço. Suas aplicações são diversas: redes de atenção primária, redes de serviços especializados, redes de informação, redes de hospitais, etc.

Poldony e Page (1998POLDONY, J. M.; PAGE, K. L. Networks forms of organization. Annual Review of Sociology, [S.l.], n. 24, p. 57-76, 1998.) enumeram as principais vantagens da articulação de hospitais sob este formato organizacional: capacidade de aprendizagem, funcionamento como canais de difusão de conhecimentos e utilização das informações existentes para a produção de novos conhecimentos, assim como a criação de vínculos diversos, entre indivíduos e organizações, num ramo de atividades no qual estas se apresentam em alto grau; além dos benefícios econômicos, advindos das relações de intercâmbio − já que estes possibilitam ganhos de escala − com redução de custos e melhoria da qualidade.

Nos serviços de saúde, a constituição de redes demanda uma complexa trama de interações entre os responsáveis pela organização do sistema (gestores e financiadores); os responsáveis pela organização e produção dos serviços (gerentes e profissionais) e os cidadãos. Apesar de nesse processo envolverem-se instituições e projetos, são sempre pessoas que se articulam, conectam e constroem os vínculos necessários ao funcionamento de uma rede, tornando-se a informação e comunicação elos fundamentais.

3 As TIC e as especificidades do ambiente hospitalar

No Brasil, os hospitais respondem por dois terços dos gastos do setor, empregam profissionais de alta qualificação e especialização e são centros de formação e treinamento, além de ser o principal ambiente de desenvolvimento e adoção de novas tecnologias. Alguns hospitais incorporam novos arranjos organizacionais, modernas técnicas de gerenciamento e práticas de melhoria da qualidade, adotando mudanças rápidas em tratamentos e tecnologias (FORGIA; COUTTOLENC, 2009FORGIA, G. M. La; COUTTOLENC, B. F. Desempenho hospitalar no Brasil: em busca de excelência. São Paulo: Singular, 2009.). Assim, estas organizações podem ser consideradas como Serviços Intensivos em Conhecimento, sendo a mais complexa, em razão da extensa rede de serviços e atividades que engloba, envolvendo serviços administrativos como: arquivo, lavanderia, nutrição, segurança patrimonial, etc., e serviços assistenciais como: centros cirúrgicos e de materiais esterilizados, ambulatórios, farmácia, laboratórios, dentre outros.

A organização interna dos hospitais segue um modelo organizacional composto por dois processos produtivos simultâneos e complementares: um assistencial e outro administrativo, uma vez que, paralelo à gestão administrativa da organização, observa-se todo um conjunto de tomada de decisões descentralizado e geralmente conduzido por médicos. Reserva-se a estes profissionais a tarefa de seleção e acompanhamento da terapia prestada a cada usuário (MENDES, 1994MENDES, V. L. P. S. Gerenciando qualidade em serviços de saúde. 207f. 1994. Dissertação (Mestrado em Administração) - Universidade Federal da Bahia, Salvador, 1994.).

Silva (2003SILVA, T. D. Inovações gerenciais em organizações hospitalares privadas de Salvador. 141 f. 2003. Dissertação (Mestrado em Administração) - Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2003.) observa que as organizações hospitalares apresentam uma cultura tradicional e refratária à implementação de processos de mudança. No entendimento da autora, isso se deve à natureza e à complexidade das atividades do hospital, aliada a uma estruturação inicial do setor, comandada por grupos tradicionais como: religiosos, colônias estrangeiras ou associações de profissionais de saúde; atores que direcionavam a organização para a área assistencial, reservando à área administrativa uma posição secundária.

Em razão das especificidades organizacionais, a prática cotidiana dos hospitais apresenta elevado dinamismo operacional, ritmo de produção complexo e acelerado e o desenvolvimento de atividades simultâneas e caracteristicamente distintas. Paralelo a estes fatores, observa-se que a fragmentação e a dispersão das informações são fortes limitações à integração dos processos, com sérias implicações na qualidade da assistência prestada.

A estrutura do hospital moderno necessita extrapolar o entendimento de que sua influência sobre a saúde da comunidade depende muito do desempenho de seus leitos, observando que a excelência da gestão administrativa destas organizações é parte essencial do processo assistencial. Neste sentido, as TIC funcionam como elo entre as atividades relativas ao processo assistencial e aquelas referentes ao processo administrativo, tendo a informação e a comunicação como as principais ferramentas integradoras dos processos produtivos.

O setor saúde e especificamente os hospitais são cruciais para a economia, nos quais a produtividade, a eficiência e a qualidade são questões centrais (JBILOU et al., 2009JBILOU, J. et al. Combining communication technology utilization and organizational innovation: evidence from canadian healthcare decision makers. J Med Syst., v. 33, n. 1, p. 275-286, 2009.). Devido à alta complexidade das organizações hospitalares e a necessidade de integrar informações advindas dos mais diversos departamentos, Gomes et al. (2011GOMES, S. M. S. et al. Análise da Gestão da Tecnologia da Informação e Comunicação em hospitais de Salvador-Bahia. In: COLÓQUIO INTERNACIONAL “A MEDICINA NA ERA DA INFORMAÇÃO (MEDINFOR), 3., 2011. Anais... O Porto: FMUP, 2011. p. 29-44.) defendem a incorporação das TIC aos processos destas organizações como ferramentas gerenciais, que disponibilizam informações confiáveis e em tempo hábil para que as decisões sejam assertivas e oportunas.

A utilização intensiva de TIC nos serviços de saúde está relacionada à promoção de inovação organizacional, bem como sua utilização pelos tomadores de decisão nesta área tem modificado o perfil destes agentes, aumentando o desempenho organizacional e possibilitando o acesso imediato a informações de natureza diversa (JBILOU et al., 2009JBILOU, J. et al. Combining communication technology utilization and organizational innovation: evidence from canadian healthcare decision makers. J Med Syst., v. 33, n. 1, p. 275-286, 2009.).

No Brasil, buscando alinhar os serviços de saúde a este novo paradigma tecnológico, o Ministério da Saúde (BRASIL. Ministério da Saúde, 2004) definiu a Política Nacional de Informação e Informática em Saúde (PNIIS), que é um marco na história da gestão dos serviços de saúde brasileiros. A PNIIS tem o objetivo de integrar a agenda estratégica do Ministério da Saúde ao contexto internacional e define como prioridades a identificação / formação e o aprimoramento de redes de informação e comunicação entre sociedade e governo, assim como a capacitação de funcionários e usuários dos serviços de saúde para o manuseio dessas tecnologias. Para tanto, recomenda a adoção de políticas e estratégias de comunicação e informação em saúde, no intuito de gerar novos processos e produtos, bem como de promover mudanças nos modelos de gestão. Seu foco é sobre o uso e a disseminação das TIC entre os profissionais de saúde, com o objetivo de integrar os profissionais em torno da informação através da tecnologia da informação, modificando a organização do processo produtivo nas organizações hospitalares. Destaca-se como principal componente inovador da PNIIS a possibilidade de integrar os vários níveis de complexidade da atenção a saúde e dar transparência na aplicação dos recursos financeiros.

O uso das TIC nos serviços de saúde possibilita o diálogo e a intercessão de conhecimentos, metodologias e competências que, mediante seus produtos, processos e funções, contribuem na formulação das Políticas de Saúde, gestão, promoção e atenção à saúde da população, bem como no exercício da cidadania ativa, mediante a adoção de mecanismos de transparência, accountability e participação social (BRASIL, 2004).

De acordo com a PNIIS, as bases da integração tecnológica na área da saúde devem ser operacionalizadas pelos Sistemas de Informação (SI). A revisão da literatura apresenta inúmeras definições para SI. Neste trabalho, adota-se o entendimento de Laudon e Laudon (2007LAUDON, K. C.; LAUDON, J. P. Sistemas de informação gerenciais. São Paulo: Prentice Hall Brasil, 2007.), para quem os SI formam um conjunto de componentes inter-relacionados que são utilizados para sentir, comunicar, analisar e apresentar informações, com o propósito de melhorar a capacidade organizacional de perceber, compreender, controlar e criar.

Um SI é composto por três dimensões: 1) organizacional, a qual deve atender às demandas das organizações; 2) humana, que é representada pelos indivíduos que registram os dados e utilizam as informações depositadas nos sistemas - SI; 3) tecnológica, que é baseada nas TIC (LAUDON; LAUDON, 1999LAUDON, K. C.; LAUDON, J. P. Sistemas de informação com Internet. Rio de Janeiro: LTC, 1999.).

Apesar da existência de tipos diferentes de SI, este trabalho trata dos Sistemas de Informações Gerenciais (SIG), entendidos como processos de transformação de dados em informações, utilizadas na estrutura decisória da organização, propiciando a sustentabilidade administrativa para otimizar resultados (OLIVEIRA, 1998OLIVEIRA, D. P. R. Sistemas de informações gerenciais: estratégicas, táticas, operacionais. 5. ed. São Paulo: Atlas, 1998.).

Para usufruir plenamente dos benefícios da utilização dos SIG, Oliveira (2011OLIVEIRA, A. S. Sistemas de informações gerenciais em indústrias multinacionais: um estudo de caso da implementação global do ERP e BI. 126f. 2011. Tese (Doutorado em Administração) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011.) destaca critérios a serem observados pelas organizações, tais como: a) envolvimento da alta e média gestão; b) competência por parte das pessoas envolvidas com o SIG; c) inserção do SIG no planejamento estratégico global e seu uso na avaliação; d) atenção específica ao fator humano da organização.

Lunardi, Correa e Borba (2004LUNARDI, G. L.; CORREA, E. I.; BORBA, J. V. Avaliação de sistemas integrados de gestão: um estudo a partir da satisfação dos usuários. In: ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DA PRODUÇÃO (ENEGEP), 24., 2004, Florianópolis. Anais... Rio de Janeiro: ABEPRO, 2004.) observam que a implantação de um SIG requer vultosos investimentos em hardware e software, além de horas de consultoria, e que, ainda assim, o uso desta tecnologia não garante à organização, um diferencial estratégico. Para os autores, este diferencial só é alcançado quando os usuários analisam a qualidade da informação oferecida por esses sistemas, e com base nesta análise tomam decisões rotineiras ou estratégicas que gerem impacto na produtividade e no atendimento. Nesse sentido, os autores afirmam que a falta de avaliação do sistema pode ser indicada como uma das possíveis causas de seu desuso, assim como a dificuldade de se solucionar problemas referentes a sua implantação e utilização.

Assim, o uso de uma TIC, representada pelo SIG, demanda a participação de seus usuários e a sensibilização de todas as esferas da organização, principalmente o alto escalão, para que tomem decisões geradoras de impacto na produtividade e na qualidade dos serviços. Para tanto, os gestores necessitam entender a ferramenta como fonte principal de informações para subsidiar o processo decisório.

4 Metodologia

Trata-se de estudo de caso único, com metodologia dedutiva e qualitativa, de caráter exploratório e descritivo. O estudo foi realizado em quatro hospitais que fazem parte da Rede de Inovação e Aprendizagem em Gestão Hospitalar (InovarH/Ba), a qual é constituída de 37 hospitais, que têm implantado o Sistema de Informações Gerenciais (SIG). O SIG tem como objetivo geral identificar as melhores práticas de gestão, com vistas à implantação do benchmarking, elevando a qualidade da assistência e reduzindo os custos. Foi desenvolvido com recursos financeiros do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e é constituído de indicadores, que utilizam dados administrativos, financeiros e assistenciais dos hospitais integrantes da Rede. Tais indicadores3 3 O SIG possui 96 indicadores que contemplam os processos assistenciais e os administrativos, sendo: indicadores administrativos (10); gerais de desempenho (34); específicos de desempenho (06); indicadores de mercado, estes para uso pelos hospitais particulares (08); econômico-financeiros (32), e indicadores relativos à assistência médico-hospitalar (06). contemplam o suporte técnico gerencial aos estabelecimentos de saúde do Estado da Bahia, por meio do portal da Rede (www.inovarh.ufba.br), com a finalidade de subsidiar a comunicação de práticas e inovações gerenciais que visam ao desenvolvimento de novos serviços, modificando ou introduzindo melhorias contínuas nos métodos de gestão dos processos assistenciais e administrativos (MENDES; CUNHA, 2007MENDES, V. L. P. S; CUNHA, F. J. A. P. Redes colaborativas de inovação e aprendizagem em gestão hospitalar. In: CONGRESSO LATINO-AMERICANO DE ADMINISTRADORES, 5., 2007, São Domingos. Anais... São Domingos, 2007. p. 94-111.).

Foram selecionados quatro hospitais de alta complexidade e de ensino, assim denominados: hospital A (geral e de gestão estadual); hospitais B e D (filantrópicos e de ensino); hospital C (universitário e de gestão federal). O critério de seleção foi dois hospitais que mantêm a alimentação do SIG com mais regularidade e com maior número de indicadores (hospitais A e B), um hospital que deixou de inserir dados no SIG (hospital C) e um que nunca realizou entrada de dados no SIG (hospital D).

Participaram da pesquisa 10 sujeitos que compõem grupos de stakeholders dos hospitais (diretores e profissionais de comunicação dos quatro hospitais - 08 sujeitos; Coordenadores de Núcleos Hospitalares de Epidemiologia (NHE) - hospitais A e C - 02 sujeitos que são os responsáveis pela alimentação do SIG). O levantamento de informações se deu por meio de entrevistas semiestruturadas, aplicadas e gravadas, realizadas por um dos pesquisadores. Foi realizada análise de conteúdo por categorização semântica (BARDIN, 2008BARDIN, L. Análise de conteúdo. 4. ed. Lisboa: Edições 70, 2008.), sendo agrupados nas seguintes categorias de análise: a) importância atribuída à comunicação e às TIC; b) existência de uma estratégia de comunicação orientada à integração dos processos; c) aspectos facilitadores e dificultadores à adoção do SIG; d) usos e desusos da TIC representada pelo SIG.

5 Resultados e discussão

5.1 Papel da comunicação e importância atribuída às TIC

As atividades de comunicação são entendidas por todos os entrevistados como de fundamental importância para o desenvolvimento dos processos assistenciais e administrativos dos hospitais. Os sujeitos afirmam que, sem uma comunicação eficiente no ambiente hospitalar, ocorre o comprometimento de todo o serviço assistencial.

Considera-se que a comunicação no ambiente assistencial é fragmentada e isso é empecilho à integração dos processos. Embora os entrevistados afirmem que as demandas de padronização decorrentes dos processos de Acreditação Hospitalar tenham contribuído para trazer a comunicação e a gestão de informações à centralidade das discussões, nas entrevistas citam que a avaliação da interação entre os atores que operacionalizam os processos produtivos hospitalares indica que estas ainda são percebidas como incipientes e falhas.

Os entrevistados reconhecem a importância da comunicação e os obstáculos enfrentados, mas destacam que a forma como esta vem sendo trabalhada, tem contribuído positivamente para a execução das tarefas nos hospitais estudados. De forma recorrente, as opiniões levam ao entendimento de que há uma abertura lenta, porém progressiva, em relação à comunicação no ambiente hospitalar.

A estrutura dos Departamentos de Comunicação dos hospitais possui equipe reduzida ou limitada a um profissional; baixos orçamentos para o setor e a rotina limitada ao atendimento de demandas como assessoria de imprensa e ações pontuais de endomarketing. Estas características são impedimentos à construção de estratégias que objetivem integrar os processos.

A estratégia de comunicação em saúde utilizada pelos profissionais de comunicação no âmbito interno corresponde a uma orientação ao trabalho com murais e boletins informativos (impressos e digitais), com o cumprimento de uma agenda institucional, divulgando notícias e atos administrativos de interesse geral, normas de segurança e assuntos relacionados à qualidade. A comunicação visual ainda é o meio predominante nos hospitais, em especial o mural informativo. A intranet também é um dos meios mais utilizados para facilitar a troca de informações, com boa resposta por parte dos usuários que se relacionam com a área administrativa.

As TIC são percebidas pelos entrevistados como grandes aliadas dos serviços de saúde. Porém, estes reconhecem que a área assistencial é a mais distante das ferramentas, devido ao perfil da atividade médica. Afirmam que “o médico não tem tempo para checar e-mails e postar informações na intranet ou qualquer SI”, justificando ser em razão da alta rotatividade e do alto número de pacientes atendidos pelos mesmos.

Prevalece o entendimento de que há a necessidade de alinhar as TIC ao Planejamento Estratégico da organização, de forma a institucionalizar as ferramentas e criar uma rotina, na qual a alimentação e a análise dos dados seja uma prática habitual. Citam também a necessidade da convergência das informações que fluem pelos diversos SIs dos hospitais estudados. Em um ambiente informacional altamente fragmentado, os entrevistados revelam ser desejável que os SIs reúnam as diversas informações coletadas e as disponibilizem em uma única plataforma, possibilitando o acesso aos dados de outras áreas, assim como a visualização do trabalho de toda a organização.

Os diretores dos hospitais e os coordenadores dos Núcleos Hospitalares de Epidemiologia (NHE) afirmam que as estratégias comunicacionais estão relacionadas com os Sistemas de Informação em Saúde, notadamente ao Prontuário Eletrônico, reiterando não só a importância das TIC para aeste setor, como também o entendimento de que os dados sobre a assistência precisam circular entre a equipe. Contudo, suas respostas não apresentam considerações sobre a integração dos dados da assistência com os da gestão. Por um lado, os Sistemas de Informação da área assistencial, de uma forma geral, principalmente o Prontuário Eletrônico, não atingem as esferas administrativas, por outro, as informações − disponibilizadas nos meios cujo alcance engloba ambas as esferas − não são percebidas como de grande relevância pela equipe médica, possivelmente por sua natureza genérica.

Isto posto, pode-se afirmar que o papel da comunicação no ambiente hospitalar é incipiente, que os hospitais estudados carecem de estratégias e canais de comunicação que os orientem e normatizem os fluxos de informações entre os atores que movimentam os processos produtivos internos. As TIC são possíveis aliadas na interação entre os processos, facilitando a operacionalização das estratégias a serem adotadas.

5.2 Aspectos facilitadores e dificultadores à adoção do SIG

O SIG da Rede InovarH é uma ferramenta que possibilita a comparação dos resultados entre organizações com o mesmo perfil, para identificar indicadores relacionados às boas práticas gerenciais e assistenciais, relacionando conduta e desempenho para difundir as boas práticas e isso é considerado um aspecto facilitador à sua adoção.

O conhecimento da Rede pelos entrevistados também é considerado um aspecto facilitador à adoção do SIG. A maioria dos entrevistados conhece a Rede InovarH, entretanto, o entendimento dos profissionais de comunicação é parcial e limitado, referindo-se principalmente às atividades de capacitação permanente realizadas pela Rede.

Os diretores dos hospitais foram os que demonstraram maior conhecimento sobre as atividades da Rede, contudo estes não demonstraram compreender a natureza do trabalho em rede, predominando o entendimento do trabalho divido entre um polo ativo e outro passivo, nos quais um age como emissor e o outro como receptor, sem o envolvimento colaborativo, o que é um dos pressupostos deste formato organizacional, podendo dificultar a continuidade das relações que levam à manutenção da operação do SIG no longo prazo.

Embora a Rede InovarH seja conhecida pela maioria dos entrevistados, não se percebe a mesma quantidade de referências em relação ao SIG. Apenas os diretores dos hospitais A, C e D e o coordenador do NHE do hospital A afirmaram conhecer o SIG. Porém, com exceção dos sujeitos do hospital A, os demais afirmaram também não utilizá-lo. Os profissionais de comunicação desconhecem o SIG, o que é um fator dificultador. Todavia, uma vez apresentada a ferramenta, percebe-se o interesse pelo Sistema. O fraco entendimento sobre o SIG nas organizações estudadas pode estar relacionado à descontinuidade administrativa dos NHE, que são os responsáveis pela sua alimentação.

Os resultados revelam que os profissionais da assistência, particularmente os médicos, com idade superior a 50 anos, mostram-se mais resistentes ao uso das TIC, confirmando-se empiricamente o pressuposto de que este profissional é o mais resistente à incorporação de ferramentas tecnológicas às suas rotinas. Tal fato pode decorrer do não acompanhamento destes em relação à evolução tecnológica, o que é indispensável à modernização dos processos hospitalares e a incorporação da Política Nacional de Informação e Informática em Saúde (PNIIS). As respostas dos entrevistados referem a “certa acomodação do médico em suas rotinas de atendimento”, o que os levaria a entender as TIC apenas como mais um trabalho, sem a compreensão da importância destas ferramentas para todo o serviço e para a geração de conhecimento.

O desconhecimento dos profissionais de comunicação e o desinteresse dos médicos na utilização do SIG revela a postura destes profissionais perante as TIC e as atividades de comunicação como um todo, constituindo-se em fatores dificultadores à adoção do SIG. Importante fator dificultador refere-se ao tempo a ser investido no manuseio do SIG, tendo em vista a escassez de profissionais e o excesso de pacientes para atender. Todavia destacam que a informação sobre a importância das TIC para os serviços de saúde, aliada à educação permanente podem se constituir em aspectos facilitadores ao uso do SIG.

5.3 Utilização da TIC representada pelo SIG

Nenhum dos hospitais estudados possui um SI que integre as informações das equipes assistenciais e administrativas, servindo de suporte à tomada de decisão gerencial. Paradoxalmente, esta é exatamente a função à qual se propõe o SIG da Rede InovarH, instalado nessas organizações. Tal desuso se deve principalmente ao desconhecimento do SIG nos hospitais.

Em relação à quantidade de Sistemas a serem alimentados e do volume de dados a serem coletados, o ambiente informacional dos NHE revelou ser o mais complexo. Nestes setores é grande a demanda por informações, visto que existem vários SI, e muitos destes, são de alimentação compulsória - obrigatoriedade imposta pelo Ministério da Saúde e pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Por esta razão, os entrevistados que operacionalizam tais sistemas afirmam que “a estes é dada a prioridade na alimentação dos indicadores, temendo-se notificações, auditorias e sanções”.

Os entrevistados destacam que, entre todos estes sistemas, incluindo o SIG, muitos indicadores se repetem, ocasionando equívocos e favorecendo um ambiente informacional confuso e redundante. A falta de interoperabilidade dos SI existentes nos hospitais representa uma das razões para a não utilização. A alimentação do SIG é entendida pelos sujeitos como um retrabalho, pois demanda a alimentação de muitos indicadores que já são alimentados em outros SI.

A utilização das TIC se mostrou ainda mais reduzida pelos diretores dos hospitais, atribuindo-se às extensas agendas e falta de tempo. Apenas o diretor do Hospital A afirmou fazer uso do SIG no exercício de suas rotinas ou na tomada de decisões gerenciais, o que se constitui um desuso significativo, dado que o envolvimento da alta direção é considerado pela literatura um critério para o sucesso da ferramenta. Contudo, os diretores afirmam que recebem os relatórios e os utilizam no debate com os financiadores da atenção à saúde. Assim, mesmo fazendo uso de um dos produtos dessas ferramentas, os gestores, não entendem que o seu envolvimento é primordial para a motivação de outros sujeitos, de modo a que estes se relacionem melhor com o SIG e consequentemente com as TIC.

A análise da faixa etária dos diretores dos hospitais pesquisados, à exceção do Diretor do hospital A (com menos de 50 anos), revelou que a faixa etária dos diretores pode estar influenciando para a não utilização das TIC. Mesmo com todas as atribuições inerentes à sua função, o diretor do hospital A demonstrou que se envolve diretamente com o SIG, mobilizando constantemente sua equipe em função da coleta de dados, e que isso não compromete o exercício de suas atividades gerenciais.

A direção do hospital A considera que o SIG é uma das mais importantes fontes de dados da organização. Neste hospital, o SIG é percebido como uma ferramenta de alto valor agregado, cumprindo importante papel no processo de tomada de decisões. Afirma que neste hospital os indicadores são analisados e discutidos em reuniões mensais entre a diretoria e as gerencias intermediárias, embasando o processo decisório. Neste hospital o SIG é usado na resolução de problemas gerenciais diversos, como por exemplo, o desvio de recursos, pois ao utilizar relatórios com a visualização e a comparação, não só de indicadores da assistência, mas também indicadores administrativos e financeiros, de forma integrada, possibilitou a direção iniciar um Processo Administrativo Disciplinar para investigar possíveis fraudes à administração pública. Isso demonstra que, no hospital A, o uso do SIG se deu na integração das informações entre os processos assistenciais e administrativos, fundamentando a alta direção para a tomada de decisões.

O SIG, por alcançar igualmente as esferas governamentais (Secretarias Municipais e Estadual de Saúde), que também são integrantes da Rede InovarH, pode contribuir na redução “gap informacional” entre esferas de governo, os hospitais conveniados e da rede própria, podendo ser utilizado na integração interinstitucional, reduzindo o fluxo de informações, integrando processos e facilitando os trâmites legais dos processos burocráticos, assim como contribuído na adoção de boas práticas de gestão e geração de conhecimento.

Embora os entrevistados defendam a adoção das TIC, as razões referidas, como a falta de tempo dos médicos e de alguns diretores, ocultam possíveis falhas na avaliação, dificultam a utilização da TIC e ampliam o gap entre as práticas desses profissionais e o uso das TIC, tornando difícil reconhecer os impactos efetivos da incorporação tecnológica em organizações hospitalares. Isso reforça a afirmação de Lunardi, Correa e Borba (2004LUNARDI, G. L.; CORREA, E. I.; BORBA, J. V. Avaliação de sistemas integrados de gestão: um estudo a partir da satisfação dos usuários. In: ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DA PRODUÇÃO (ENEGEP), 24., 2004, Florianópolis. Anais... Rio de Janeiro: ABEPRO, 2004.), de que a falta de avaliação dos Sistemas de Informação (SI) pode ser indicada como uma das possíveis causas da sua não utilização.

6 Considerações finais

O objetivo desta pesquisa foi analisar o papel da comunicação e a utilização de Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) no suporte à tomada de decisões gerenciais em hospitais, considerando o SIG. Os resultados indicaram que, de forma geral há a percepção da efetiva melhoria dos processos hospitalares por meio da comunicação e do uso das TIC. Os sujeitos fazem referências à agilidade na troca de informações, mas não sabem exatamente em que isso impacta a organização hospitalar. As respostas conduziam sempre a aspectos genéricos relativos à gestão dos hospitais, tais como: “melhorou a troca de informações”, “organizou o banco de dados e diminuiu o tempo de resposta dos eventos”.

As TIC são percebidas pelos sujeitos da pesquisa como grandes aliadas dos serviços de saúde, porém a área assistencial é a mais distante no uso destas ferramentas, principalmente devido à cultura tradicional dos médicos. Os resultados indicam que a falta de tempo do médico para se dedicar à operação de SI, em razão da alta rotatividade de leitos e do grande número de pacientes e de atendimentos é um aspecto dificultador. A falta de interoperabilidade dos SI também se revela um dos fatores para a não utilização do SIG.

Desta forma, prevalece o entendimento de que: a) as estratégias de comunicação adotadas não contribuem para a integração dos processos assistenciais e administrativos, sendo a “estratégia de comunicação em saúde” confundida com o cumprimento de uma agenda institucional, sem qualquer integração dos dados da assistência com os da gestão; b) há a necessidade de alinhamento entre o planejamento estratégico da organização e as TIC, de forma a criar uma rotina na qual a alimentação e a análise dos dados sejam práticas habituais; c) o entendimento equivocado quanto à natureza do trabalho em rede também se revela um aspecto dificultador dos processos de comunicação dos hospitais que integram a Rede, uma vez que predomina o entendimento do trabalho dividido entre um polo ativo e outro passivo, sem o envolvimento colaborativo, que é um dos pressupostos do trabalho em Rede.

São aspectos facilitadores à adoção do SIG: a) a educação permanente, atuando positivamente na redução da distância entre os médicos e as TIC, colaborando não só com o SIG, mas com todas as TIC adotadas nos hospitais; b) a constante renovação dos médicos, em razão do grande número de novos profissionais egressos dos cursos universitários, já que profissionais mais novos, convivendo desde cedo com a tecnologia, poderiam, a médio e longo prazo, favorecer o fortalecimento do SIG nos hospitais e das TIC de uma forma geral; c) o uso do SIG por diferentes esferas governamentais, possibilitando a redução da distância entre tais instituições públicas, empresas e os hospitais.

Isto posto, embora não seja possível fazer generalizações, dado ao fato de se tratar de um estudo de caso e todas as limitações decorrentes da natureza deste tipo de pesquisa, é possível afirmar que o SIG, quando corretamente compreendido e utilizado pelos atores que operacionalizam este Sistema, pode desempenhar um papel importante no processo decisório dos hospitais que o adotam, pois os seus indicadores e a forma articulada como são apresentados facilitam a integração de processos, possibilitando obter uma avaliação integrada da organização, viabilizando uma tomada de decisão mais racional, eficiente e instruída por informações fundamentadas, bem como contribuindo na adoção de boas práticas gerenciais e na geração de conhecimento. Isso facilitaria os hospitais de ensino no cumprimento da sua missão na geração e difusão do conhecimento, contudo tal habitus ainda não está incorporado nestas organizações.

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  • 1
    A Rede de Inovação e Aprendizagem em Gestão Hospitalar (InovarH) foi criada em março de 2006 pela Portaria nº 1773, de 2006, do Ministério da Saúde (BRASIL. Ministério da Saúde, 2006), tem o apoio da Organização Pan Americana da Saúde (OPAS), com participação de 37 hospitais, da Secretaria da Saúde do Estado da Bahia, das Secretarias Municipais de Saúde e de Clinicas como integrantes da Rede, inserindo-se e no Grupo de Pesquisa Observa Políticas Públicas, na linha de Pesquisa Gestão e Inovação de Serviços de Saúde. Site disponível em: <www.inovarh.ufba.br>. Acesso em: 12 dez 2015.
  • 2
    A comunicação administrativa constitui a “espinha dorsal” comunicativa da organização (YANAZE, 2010). Seria o sistema de comunicação que se processa no âmbito das funções administrativas, cujos objetivos são alterar, explorar, manter ou criar relações situacionais entre as funções/tarefas, viabilizando assim todo o sistema organizacional (KUNSCH, 2003; THAYER, 1976).
  • 3
    O SIG possui 96 indicadores que contemplam os processos assistenciais e os administrativos, sendo: indicadores administrativos (10); gerais de desempenho (34); específicos de desempenho (06); indicadores de mercado, estes para uso pelos hospitais particulares (08); econômico-financeiros (32), e indicadores relativos à assistência médico-hospitalar (06).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2016

Histórico

  • Recebido
    19 Fev 2016
  • Aceito
    16 Nov 2016
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