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Psicologia Social e Etnografia: Histórico e Possibilidades de Contato

Social Psychology and Ethnography: History and Opportunities for Contact

Psicología Social y Etnografía: Historia y Posibilidades de Contacto

Resumos

A etnografia pode ser definida como um método de pesquisa qualitativa que visa a descrição e o entendimento integrativo de fenômenos socioculturais presentes em grupos ou comunidades particulares de acordo com os próprios termos e atitudes daqueles que os vivenciam cotidianamente. Ao se voltar especificamente para esta dimensão ao mesmo tempo metodológica e ética da etnografia, o presente artigo adota como objetivo principal a realização de uma reconstituição histórica direcionada à reapropriação desta modalidade de estudos de campo por parte da Psicologia Social norte-americana e brasileira. Para tanto, focaliza um momento e uma instituição específicos: a primeira metade do século XX e a Escola Sociológica de Chicago, a qual aparece pensada aqui a partir de aspectos da vida e da obra de três dos seus principais representantes: Robert Park, George Mead e Donald Pierson. De maneira conclusiva, o artigo debate algumas das especificidades da prática etnográfica e, unindo passado e presente, defende a pertinência da sua utilização na contemporaneidade da pesquisa psicossociológica.

Psicologia Social; Metodologia; Pesquisa qualitativa; Etnografia


Ethnography can be defined as a method of qualitative research that aims to gain an integrative description and understanding of sociocultural phenomena presented in particular groups or communities, according to the terms and attitudes of the group's members. Specifically following this simultaneously technical and ethical dimension of ethnography, this article mainly intends to promote a historical reconstitution of the reappropriation of this modality of field studies by both American and Brazilian social psychologists. Therefore, it focuses on a specific time and institution: the first half of the twentieth century and the Chicago School of Sociology, which is considered here through aspects of the lives and works of three of its principal contributors: Robert Park, George Mead, and Donald Pierson. In conclusion, the article debates some of the specificities of ethnographic practice, and bringing together past and present, defends the relevance of its use in present psychosociological research.

Social Psychology; Methodology; Qualitative research; Ethnography


La etnografía puede ser definida como un método de pesquisa cualitativa que visa la descripción y la comprensión integrada de fenómenos socioculturales, presentes en grupos o comunidades particulares, de acuerdo con los propios términos y actitudes que las personas experimentan cotidianamente. Concentrándose específicamente en esta dimensión metodológica y ética de la etnografía, el presente artículo adopta como objetivo principal la realización de una reconstrucción histórica direccionada a la reapropiación de esta modalidad de estudio de campo por parte de la Psicología Social norteamericana y brasileña. Para eso, focaliza un momento y una institución específicos: la primera mitad del siglo XX y la Escuela Sociológica de Chicago, la cual es tomada aquí a partir de aspectos de la vida y obra de tres de sus principales representantes: Robert Park, George Mead y Donald Pierson. De manera conclusiva, el artículo debate algunas de las especificidades de la practica etnográfica y, uniendo pasado y presente, defiende la pertinencia de su utilización en la contemporaneidad de la pesquisa psicosociológica.

Psicología Social; Metodología; Pesquisa cualitativa; Etnografía


A etnografia se constitui como um método de pesquisa qualitativa que, reapropriado pela Psicologia Social desde os primórdios da chamada Escola Sociológica de Chicago, visa a descrição e o entendimento integrativo de fenômenos socioculturais presentes em grupos, comunidades ou instituições particulares de acordo com os próprios termos e atitudes daqueles que os vivenciam cotidianamente. Para tanto, pressupõe um contato não apenas próximo, mas também frequente e prolongado junto ao outro, aliado à utilização de instrumentos de variadas naturezas, como: mapas, diários de campo, recenseamentos, entrevistas, gravadores, equipamentos de fotografia e/ou filmagem e observações mais ou menos participantes1 1 Como aponta Durham (1978), os primórdios da observação participante remontam à dificuldade do seu criador, Bronislaw Malinowski, no rompimento da considerável barreira comunicativa que, costumeiramente fixada entre observador e observado, impede ou dificulta bastante o acesso aos significados que orientam os pensamentos e práticas de grupos ou instituições das mais diversas naturezas. Já no que se refere ao fundamento desta técnica, ele reside em um: "...processo de transformação do observador, que consiste na assimilação das categorias inconscientes que presidem a ordenação do universo cultural investigado, num processo correspondente a uma "aculturação" do observador. Assim, não só o investigador altera-se a si próprio, transformando-se num instrumento de investigação, mas, através deste processo, análogo ao aprendizado da língua e, como este, em parte inconsciente, atinge uma totalidade que é 'anterior' ao processo sistemático de ordenação e, em parte, da própria coleta de dados. Isto é, a apreensão 'inconsciente' da totalidade precede e permite o procedimento analítico consciente de investigação da realidade cultural" (Durham, 1978, p. 47). .

A origem e a evolução da etnografia podem ser definidas a partir de um conjunto de ideias que, costumeiramente associadas ao nome de Émile Durkheim, exerceram grande influência sobre as ciências sociais da segunda metade do século XIX e início do século XX. Trata-se do funcionalismo, o qual deteve na escola inglesa de antropologia uma espécie de afirmação prática dos seus principais pressupostos. Em tal contexto, o nome de Bronislaw Malinowski merece uma menção particular, já que Malinowski foi diretamente responsável pela progressiva adoção de uma modalidade intensiva de estudos de campo que, propondo uma revisão do cartesianismo relativo a uma clara separação entre sujeito e objeto de pesquisa, acabou por tornar imprescindível um maior vínculo do etnógrafo com os grupos dos quais se ocupava, o que resultou em novos rumos para o desenvolvimento da análise da cultura, até então bastante permeada pelo preconceito especulativo2 2 Vale lembrar aqui que, para o positivismo de Durkheim (1893/2004), o foco da sociologia deveria incidir na análise das instituições. Neste sentido, seria preciso conhecer em maiores detalhes a que necessidades tais instituições sociais corresponderiam. Em tal esquema de pensamento, a noção de função aparece expressa na proposta de uma analogia entre o sistema social e o organismo biológico. Com efeito, instituições como a família, a religião ou o direito passam a ser pensadas como partes de um organismo social maior no interior do qual deveriam possuir determinadas funções. Do contrário, desapareceriam. Este é o quadro que, alguns anos depois, acabaria por adquirir nítidos contornos na teoria da cultura defendida por Malinowski (1944/1970), a qual vinculava em primeiro lugar a criação dos recursos culturais à satisfação de necessidades básicas ditadas pela biologia visando a manutenção da espécie humana, aqui tomada na sua condição animal. Tais necessidades, por sua vez, gerariam novos padrões culturais que imporiam ao homem em sociedade novos e secundários tipos de determinismo: aqueles de caráter simbólico. Com efeito, tornar-se-ia parte importante da etnografia proposta pelo mesmo Malinowski (1922/1978; 1927/2000) a definição de relações claras entre realizações culturais e necessidades biologicamente determinadas. Precisamente aqui reside a importância do conceito de função como satisfação de tais necessidades pela via de uma atividade instrumental e realizada em conjunto. Para maiores detalhes acerca do funcionalismo durkheimiano e da sua inter-relação com a antropologia de Malinowski sugerimos a leitura do artigo deContreras e Vera (2003). Já no que se refere à vida e obra do próprio Malinowski, importantes fontes de informação podem ser encontradas nos trabalhos de Durham (1978; 1986), Kuper (1978) e Stocking Junior (1992). .

Para além do terreno inglês, contudo, também a antropologia norte-americana, influenciada pela meticulosidade das pesquisas operadas pelo difusionismo de Franz Boas, passava por um processo semelhante no sentido de, evitando a especulação, instituir um trabalho de campo pautado pela pesquisa in loco. Com o tempo, a prática etnográfica foi se consolidando graças ao aumento e à popularização das publicações resultantes dos hoje famosos trabalhos de campo desenvolvidos em vários continentes por novas gerações de antropólogos de língua inglesa, francesa e alemã. A título de exemplo, vale citar os pioneiros nomes de Alfred Kroeber, Alfred Radcliffe-Brown, Curt Nimuendajú, Edward Evans-Pritchard, Edmund Leach e Roger Bastide, de grande influência no contexto acadêmico brasileiro e mundial.

Ainda que tangenciado de maneira breve nos parágrafos acima, um importante aspecto da etnografia certamente merece se tornar objeto de comentários mais pormenorizados, inclusive pela lacuna de textos mais especificamente voltados ao tema. Trata-se do processo da sua reapropriação por parte da Psicologia Social norte-americana e, por derivação, pelos trabalhos produzidos por esta área de estudos no Brasil. Tal reconstituição, de natureza eminentemente histórica, aparecerá, portanto, como nosso principal objetivo aqui. Uma vez cumprida esta etapa, debateremos então, de maneira complementar e ao longo das nossas considerações finais, algumas das especificidades da prática etnográfica, bem como a pertinência da sua utilização na contemporaneidade dos estudos psicossociológicos.

Como sugerido anteriormente, a realização dessas tarefas impõe que iniciemos por um retorno às primeiras décadas do século XX, as quais presenciaram o surgimento da multifacetada Escola Sociológica de Chicago e, inseridos neste contexto, dos primeiros passos da Psicologia Social nos Estados Unidos. Considerando a restrição imposta pelo espaço de um artigo, evidentemente não pretendemos tecer aqui um histórico que se pretenda demasiado amplo sobre ambos os temas, indicando ao leitor interessado valiosos trabalhos publicados anteriormente, como aqueles de Becker (1996)Becker, H. (1996). A escola de Chicago. Mana,2(2), 177-188., Coulon (1995)Coulon, A. (1995). A escola de Chicago. (T. Bueno, trad.). Campinas, SP: Papirus., Farr (1999)Farr, R. M. (1999). As raízes da psicologia social moderna (2a ed., P. A. Guareschi, & P. V. Maya, trads.). Petrópolis, RJ: Vozes., Valladares (2005)Valladares, L. P. (2005). A escola de Chicago: Impacto de uma tradição no Brasil e na França. Belo Horizonte, MG: UFMG. e Portugal (2007)Portugal, F. T. (2007). Psicologia social em George Herbert Mead, na Escola de Chicago e em Erving Goffman. In A. M. Jacó-Vilela, A. A. Ferreira, & F. T. Portugal (Eds.), História da psicologia: Rumos e percursos (pp. 463-472). Rio de Janeiro, RJ: NAU..

Assim, dada a sua importância ao mesmo tempo científica e institucional, privilegiaremos aqui três dos mais ilustres representantes da Escola de Chicago: Robert Park, George Mead e Donald Pierson. Conforme veremos a seguir, a partir do intercâmbio que fizeram na Alemanha nas décadas de 1890 e 1900, os dois primeiros levariam de volta para os Estados Unidos tanto elementos importantes da perspectiva funcionalista quanto, diretamente atrelada a eles, a etnografia como metodologia privilegiada de trabalho a ser aplicada pela sociologia e pela Psicologia Social norte-americanas não mais em comunidades "exóticas", mas sim nas ruas da Chicago da época (primeira metade do século XX), uma cidade em franca expansão e que não tardaria a adquirir ares de grande metrópole. Já Donald Pierson, após trabalhar sob a orientação direta de Robert Park, acabaria por se tornar diretamente responsável pela implantação desta mesma metodologia de trabalho no Brasil a partir de meados da década de 1930, onde também ministrou um dos pioneiros cursos de Psicologia Social em nosso país.

Antes de prosseguirmos, porém, vale a pena destacar: em primeiro lugar, que a prática etnográfica e as discussões acerca do seu valor já existiam no Brasil pelo menos desde a segunda metade do século XIX com pesquisadores como Sílvio Romero, adquirindo renovada força nas três primeiras décadas do século XX com Gilberto Freyre, Arthur Ramos e com a estada prolongada no Brasil de antropólogos do porte de Lévi-Strauss e Roger Bastide. Em segundo, como afirma Bomfim (2004)Bomfim, E. M. (2004). Históricos cursos de psicologia social no Brasil. Psicologia & Sociedade, 16(2), 32-36., que o histórico e pioneiro curso de Psicologia Social conduzido por Donald Pierson na Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo foi precedido por dois outros não menos importantes, ministrados por Raul Briquet e por Arthur Ramos em 1933 e 1935, respectivamente, onde o método etnográfico certamente foi objeto de estudos. Finalmente, que esta tradição de contatos entre Psicologia Social e Etnografia no Brasil seria reforçada também pela vinda do canadense Otto Klineberg (que, assim como Gilberto Freyre, também foi aluno de Franz Boas nos Estados Unidos), entre 1945 e 1947, para auxiliar na estruturação do curso de Psicologia da Universidade de São Paulo3 3 Como enfatizaram Lane (1981) e, mais tarde, Molon (2001), a atuação de Klineberg culminou em outro marco representativo da Psicologia Social brasileira: a publicação do livro Introdução à Psicologia Social (Klineberg, 1959). .

Com efeito, o privilégio fornecido aqui à Escola de Chicago, ao interacionismo simbólico de George Mead e Herbert Blumer e ao trabalho desenvolvido por Donald Pierson no Brasil entre as décadas de 1940 e 1950 como relevantes catalisadores da reapropriação, também por parte da Psicologia Social brasileira, da etnografia como método de pesquisa certamente significa um recorte possível. Não significa, porém, nem o desconhecimento e nem tampouco o desmerecimento de influências intelectuais outras que também contribuíram para tal processo. Uma vez feitos estes esclarecimentos, passemos então à próxima etapa do presente artigo.

A escola sociológica de Chicago e os primórdios da prática etnográfica em Psicologia Social: Robert Park e George Mead em foco

A Universidade de Chicago nasce nos Estados Unidos ainda em 1895, fruto de uma generosa doação financeira por parte de John D. Rockefeller, milionário americano do ramo do petróleo. Seu departamento de sociologia, fundado pelo historiador e sociólogo Albion W. Small (que também viria a fundar o American Journal of Sociology, um dos mais importantes periódicos de ciências sociais do mundo até hoje), inicia as suas atividades logo depois, ainda na década de 1910, produzindo numerosas e diversificadas pesquisas que, no entanto, uniam-se ao adotarem como foco principal de interesse os fenômenos sociais que detinham lugar naquela metrópole em expansão. Estava, portanto, criada a área de estudos específica da sociologia urbana, voltada para o alarmante crescimento da pobreza e do desemprego, para os fluxos migratórios, para a segregação, a criminalidade e as gangues de delinquentes juvenis, todos reunidos sob a alcunha geral de "patologias sociais".

Pouco tempo após a sua inauguração, o departamento de sociologia da Universidade de Chicago receberia em seu quadro docente dois profissionais que, ao longo dos anos, revelar-se-iam de grande importância tanto para a sua consolidação quanto para a sua expansão como instituição acadêmica de excelência. Ambos trariam consigo também relevantes inovações teórico-metodológicas que, conforme veremos mais adiante, interessam diretamente ao principal objetivo do presente trabalho: fornecer ao leitor interessado subsídios para uma compreensão mais clara acerca do processo de reapropriação da etnografia por conta da Psicologia Social.

O primeiro deles foi Robert Ezra Park, o qual, uma vez terminada a sua graduação em sociologia na Universidade de Michigan, ainda em 1887, exerceu a atividade de jornalista por aproximadamente dez anos, tendo tido a oportunidade de fazer diversas viagens e trabalhar em importantes cidades norte-americanas, como Detroit, Nova York e Minneapolis. Depois disto, fixou-se em Massachusetts, onde, na qualidade de aluno de Harvard, realizou estudos nas áreas de Psicologia e filosofia - em particular o pragmatismo de William James -, tendo obtido o grau de mestre em 1899. Logo em seguida, mudou-se novamente. Desta feita, para a Alemanha, onde, além de entrar em contato direto com o pensamento de Georg Simmel, elaborou uma tese de doutorado acerca da sociologia das massas.

De volta aos Estados Unidos - mais precisamente à Harvard University-, Robert Park se tornou então professor nesta instituição até ser convidado para trabalhar no Alabama, no Instituto Tuskegee, prioritariamente voltado à população negra e a estudos de cunho étnico-racial. Lá exerceu um cargo de direção até ser convidado por William I. Thomas, que sucedeu Albion W. Small na direção do departamento de sociologia, para compor o corpo de professores da Universidade de Chicago, a partir de 1914. Junto aos seus novos pares, Park aprofundou os estudos anteriormente realizados na área de relações raciais, a eles acrescentando importantes trabalhos voltados aos movimentos sócio-migratórios. Foi em tal contexto que Park desenvolveu e difundiu no meio sociológico a noção que demarcaria sobremaneira a sua obra e faria com que, ao lado de William Thomas, ele se tornasse um dos membros mais destacados e influentes não somente da Escola de Chicago, mas da própria ciência social norte-americana. Trata-se daquela de ecologia humana como estudo transdisciplinar da relação - mais ou menos integrada ou adaptativa - entre a população (em particular, no caso dos estudos de Park, a urbana) e o seu meio ambiente natural e social (Park, 1936Park, R. E. (1936). Human ecology. American Journal of Sociology, 42(1), 1-15.; Park & Burgess, 1921/1969Park, R. E., & Burgess, E. W. (1969). Introduction to the science of sociology. Chicago, Ill: The University of Chicago Press. (Trabalho original publicado em 1921).).

Embora originalmente advinda do debate entre sociologia e biologia que, na segunda metade do século XIX, aproximou os pensamentos de Charles Darwin, Herbert Spencer e Émile Durkheim por intermédio da ideia de que os agrupamentos humanos e as instituições criadas por si poderiam ser tomados na qualidade de organismos, a ecologia humana adquiriria novos contornos a partir dos estudos conduzidos por Robert Park, Ernest Burgess e pesquisadores outros, como Roderick McKenzie, nas ruas da Chicago das primeiras décadas do século XX. Afinal, ao mesmo tempo em que enfatizavam a ideia de evolução cultural (diferenciando, assim, a ecologia humana da ecologia mais ampla), tais autores propunham que os ambientes urbanos seriam governados por princípios como aquele da competição - por terra ou recursos naturais, por exemplo -, competição esta que resultaria na divisão da cidade em nichos habitados por pessoas com características comportamentais semelhantes, já que submetidas às mesmas pressões ecológicas. Tais nichos teriam como ponto de partida os centros, os quais, em progressivo movimento de deterioração, cederiam lugar a áreas mais prósperas e localizadas nos extremos das cidades, em um quadro geral que se tornaria conhecido como "teoria das zonas concêntricas" (Park, McKenzie, & Burgess, 1925/1968Park, R. E., McKenzie, R. D., & Burgess, E. W. (1968).The city: Suggestions for the study of human nature in the urban environment. Chicago. Ill: University of Chicago Press. (Trabalho original publicado em 1925).).

Após esses breves comentários acerca da vida e da obra de Robert Park, falemos agora do segundo personagem que, assim como o sociólogo e jornalista norte-americano, merece também uma referência particular nesse nosso histórico das inter-relações entre etnografia e Psicologia Social. Seu nome é George Herbert Mead, figura que, como aponta o sempre elucidativo estudo de Farr (1999)Farr, R. M. (1999). As raízes da psicologia social moderna (2a ed., P. A. Guareschi, & P. V. Maya, trads.). Petrópolis, RJ: Vozes., adquire um lugar verdadeiramente central para a compreensão dos novos rumos tomados pela disciplina a partir do seu enraizamento nos Estados Unidos graças, dentre outras coisas, ao resgate, proposto pelo mesmo Mead, da filiação original da Psicologia Social à dimensão sociológica (e não apenas experimental) do pensamento de Wilhelm Wundt.

Nascido em South Hadley, Massachusetts, George Herbert Mead primeiramente cursou filosofia na Universidade de Harvard, tendo sido, inclusive, aluno de William James em 1887. Contudo, desde cedo o seu interesse pela Psicologia não tardaria a se revelar, o que o levou a tomar a decisão de se mudar para a Alemanha. Com efeito, entre 1888 e 1889, Mead passa a frequentar a Universidade de Leipzig, onde deteve contato direto com o pioneiro laboratório de Psicologia Experimental dirigido por Wilhelm Wundt e, não menos importante, com a Völkerpsychologieproposta por este último.

Uma vez concluído esse breve período em Leipzig, porém, George Mead se matricula na Universidade de Berlim, em cujas salas de aula ecoavam vozes tão distintas quanto aquelas de Wilhelm Dilthey e Hermann Ebbinghaus. Eis aí um contraponto que não deve ser desprezado por qualquer tentativa de compreensão mais precisa das influências intelectuais de Mead. Afinal, ele alerta para a: "(...) famosa controvérsia entre uma 'psicologia explicatória' orientada às ciências naturais, empregando procedimentos reducionistas, tendo Ebbinghaus como representante, e a 'psicologia descritiva', que usa métodos interpretativos das ciências humanísticas, representada por Dilthey" (Souza, 2011Souza, R. F. (2011). George Herbert Mead: Contribuições para a história da psicologia social. Psicologia & Sociedade,23(2), 369-378., p. 372-373).

Já a chegada do ano de 1891 traria consigo novas e importantes mudanças na carreira acadêmica de George Mead. Afinal, é quando este recebe o convite de John Dewey para retornar aos Estados Unidos e, uma vez lá, assumir o emprego de professor no departamento de filosofia da Universidade de Michigan. Tal estada, porém, resultaria breve, já que, mais uma vez na companhia de Dewey, Mead parte em 1894 para a então embrionária Universidade de Chicago. Foi lá que permaneceu trabalhando até a sua morte, tempo suficiente para que, contrapondo-se ao antagonismo anteriormente defendido por Wundt entre indivíduo e cultura, propusesse a síntese expressa por uma teoria social onde a linguagem adquire importância verdadeiramente central por situar a noção de self entre a mente e a sociedade (Mead, 1909Mead, G. H. (1909). Social psychology as counterpart to physiological psychology. Psychological Bulletin,6(12), 401-408.).

Com efeito - e aqui podemos identificar uma clara aproximação junto a elementos tanto do pragmatismo quanto da dialética hegeliana -, na Psicologia Social de George Mead, ao mesmo tempo em que a mente perde a qualidade cartesiana de substância transcendental ou de algo meramente vinculado a eventos internos à fisiologia humana (como postulava à época o behaviorismo de Watson), o desenvolvimento do aparelho psíquico passa a ser interpretado de acordo com a sua eficácia para a resolução de problemas cotidianos, sendo ainda incorporado ao campo objetivo das ações comunicativas que têm lugar em meio às relações interpessoais. Estas, por seu turno, passam a ser tomadas na qualidade de movimentos, ao invés de estruturas de caráter mais estático. Na prática, isto significa que a existência da consciência individual somente poderia ser considerada em relação a outras mentes e que, por derivação, o comportamento deveria ser estudado na sua dimensão social, e não apenas submetido a esquemas básicos de estímulo e resposta (Blumer, 1969Blumer, H. (1969). Symbolic Interactionism: Perspective and method. New Jersey: Prentice-Hall.; Mead, 1934Mead, G. H. (1934). Mind, self and society: from the standpoint of a social behaviorist. Chicago, Ill: Chicago University Press.).

A essa altura do presente histórico, cabe enfatizar que, para além do seu percurso estudantil - marcado por intercâmbios com as universidades europeias da segunda metade do século XIX e, com eles, pelo acesso a novas áreas de estudo então desenvolvidas particularmente na Alemanha da época (como a própria Psicologia, por exemplo) -, do seu brilhantismo acadêmico e, ainda, da sua mútua vinculação tanto a elementos do pragmatismo quanto à Escola Sociológica de Chicago, algo mais aproximaria as trajetórias intelectuais de Robert Park e George Mead. Aliás, algo de grande relevância para a nossa discussão aqui. Trata-se da reapropriação da etnografia tanto pela ecologia humana proposta pelo primeiro quanto pelo behaviorismo social desenvolvido pelo segundo (Deegan, 2001Deegan, M. J. (2001). The Chicago school of ethnography. In P. Atkinson, S. Delamont, A. Coffey, & J. Lofland (Eds.), Handbook of ethnography (pp. 11-25). London: Sage.; Prus, 1995Prus, R. (1995). Symbolic interaction and ethnographic research: Intersubjectivity and the study of human lived experience. New York, NY: State University of New York Press.; Rock, 2001Rock, P. (2001). Symbolic interactionism and ethnography. In P. Atkinson, A. Coffey, S. Delamont, J. Lofland, & L. Lofland, (Eds.).Handbook of Ethnography (pp. 26-38). London: Sage.).

No caso dos estudos urbanos conduzidos sob a ótica da ecologia humana de Robert Park, tal reapropriação pode ser melhor compreendida se, relembrando alguns dos nossos parágrafos anteriores, remetermo-nos à influência sofrida por esta mesma ecologia humana de um pensamento biologizante que, a partir das obras de Darwin, Spencer e Durkheim, desembocou na perspectiva funcionalista do estudo do comportamento, a qual não hesitava em transpor para o âmbito das relações sociais noções como aquelas de simbiose, equilíbrio, competição e, importante, adaptação. E por que tal constatação nos interessa de perto aqui? Pelo simples fato do funcionalismo sociológico haver adotado a etnografia como metodologia privilegiada para o exercício do trabalho de campo, no que contribuíram largamente tanto a London School of Economics quanto um dos mais brilhantes herdeiros desta instituição: Bronislaw Malinowski. Diante disto, parece-nos natural que, como afirma Spink (2003Spink, P. K. (2003). Pesquisa de campo em psicologia social: Uma perspectiva pós-construcionista. Psicologia & Sociedade, 15(2), 18-42., p. 21), os estudos de Robert Park e seus seguidores tenham transferido: "(...) as práticas de pesquisa da primeira geração de antropólogos para as ruas de Chicago".

Curiosamente, algo semelhante também ocorreu com o behaviorismo social de George Mead (o qual, pela via da reinterpretação, ainda que um tanto errônea, de algumas das suas principais ideias, desembocou no interacionismo simbólico proposto por Herbert Blumer). É o que aponta Farr (1999Farr, R. M. (1999). As raízes da psicologia social moderna (2a ed., P. A. Guareschi, & P. V. Maya, trads.). Petrópolis, RJ: Vozes., p. 161): "Muitos estudos empíricos de tradição interacionista simbólica na Psicologia Social em Chicago foram estudos de observação participante em uma ampla diversidade de locais da própria cidade (...) a observação participante era a metodologia genérica do interacionismo simbólico". O "curiosamente" aqui se deve ao fato de Mead haver construído um pensamento que em larga escala se opunha aos princípios funcionalistas adotados pela ecologia humana de Robert Park. Afinal, enquanto estes últimos tomavam a vida social de maneira predominantemente macroscópica como um sistema ao mesmo tempo objetivo e permeado pela utilidade e interdependência entre diferentes grupos ou instituições organizados em torno de princípios como a competição, a adaptação ou a estabilidade, o behaviorismo social de Mead, ao contrário, privilegiava o contexto mais subjetivo, simbólico e microscópico das interações sociais e, dentro delas, as ações e reações individuais provenientes de diferentes atribuições de significado àquelas mesmas interações4 4 Em uma palavra, temos nas obras de George Mead e Herbert Blumer a presença de um construcionismo social menos fixista e predeterminado, marcado pela abertura rumo a novas e possivelmente criativas (re)interpretações de uma realidade social em permanente mutação. Para uma melhor apreciação das ideias de ambos os autores sugerimos, além dos próprios escritos de Mead (1909; 1934) e Blumer (1969) citados em parágrafos anteriores, as publicações mais atuais de Herman e Reynolds (1994) e Reynolds e Herman-Kinney (2003). .

De qualquer forma, não devemos esquecer que, na perspectiva do interacionismo simbólico, as pessoas avaliam e confrontam problemas a partir da sua atuação sobre eles. Em uma palavra, temos aqui a dimensão não somente idealista, mas também pragmática desta corrente psicossociológica onde pensamento e ação se revelam, ao mesmo tempo, situados e interligados, tomando parte em lugares específicos e sendo dirigidos por atores com propósitos também específicos. Em tal contexto, a pesquisa não aparece nem como a busca de "dados" de caráter estático e nem tampouco na qualidade última de teoria. Aparece sim eminentemente próxima à empiria do trabalho de campo e, por conseguinte, próxima também às respostas por ele produzidas em um movimento retroalimentativo. Com efeito, estabelece-se aqui uma ponte entre o interacionismo simbólico e a etnografia, também ela permeada pelo ideal da reconstrução das visões de mundo de diferentes atores sociais não enquanto abstrações, mas de maneira o máximo possível fiel às particularidades do seu cotidiano.

Complementando esse quadro - pintado, como vimos, com as cores da relação (e não da separação) entre sujeito e objeto, mente e matéria -, o processo interpretativo humano passa a ser tomado pela Psicologia Social de George Mead e Herbert Blumer como válido não apenas em relação ao meio-ambiente, mas também no que se refere ao sujeito que interpreta, o qual, a partir da reflexão, pode vir a atuar também sobre si mesmo de maneira transformadora. Uma consequência direta desta ideia aparece na inclusão do próprio pesquisador como parte integrante do contexto mais amplo onde se desenrolam os pensamentos e as ações costumeiramente adotados como focos de estudo pelo interacionismo simbólico. Temos aí, portanto, outra nada desprezível ligação entre este último e a etnografia, ligação esta que faculta a nossa compreensão do privilégio conferido por ele a este método de estudos intensivos de campo. Nestes termos, torna-se importante lembrar aqui que também na etnografia a subjetividade do pesquisador, ao invés de rechaçada como espécie de resíduo indesejável, é costumeiramente valorizada como preciosa - e mesmo inestimável - fonte de informações.

Uma vez feitas tais considerações, o que se torna verdadeiramente central para a nossa argumentação neste momento é o esclarecimento dessa reapropriação da etnografia por parte importante da Escola de Chicago e, inserido neste quadro, pelo interacionismo simbólico que orientava a então embrionária Psicologia Social norte-americana. Diante disto, antes de encerrarmos esta etapa do presente artigo, resta dizer duas coisas. Primeiramente, que tal processo reapropriativo certamente se tornou possível também em virtude de uma influência direta da antropologia desenvolvida nos Estados Unidos das primeiras décadas do século XX por Franz Boas e seus seguidores. Logo, a etnografia que passou a ser utilizada nas ruas de Chicago não foi meramente importada da Europa, mas cresceu junto com uma série de outros estudos voltados às tribos indígenas daquele país, estudos estes também marcados pela meticulosidade do método etnográfico (Herskovits, 1955Herskovits, M. (1955). Cultural anthropology. New York, NY: Alfred A. Knopf.). Em segundo lugar, cabe acrescentar que todo este movimento se renovou e, ao mesmo tempo, ampliou consideravelmente as suas fronteiras graças à migração de vários dos orientandos de Park, Mead, Blumer e outros rumo a diversas regiões, tanto dos próprios Estados Unidos quanto de outros países. Alcançamos assim o terceiro personagem escolhido por nós como parte importante desta história. Trata-se de Donald Pierson.

Psicologia Social e Etnografia no Brasil: um percurso pelo trabalho de Donald Pierson

Advindo de uma família de fazendeiros de Indianápolis (EUA), Donald Pierson se mudou para Chicago no início da década de 1920, onde realizou seus estudos universitários, os quais foram marcados por uma notável pluralidade de interesses. Assim, após se especializar em história, Psicologia e letras na graduação, direcionou a sua atenção para a sociologia e para a antropologia social na pós-graduação, tendo como professores, dentre outros eruditos de grande importância na história das ciências humanas do século passado, George Mead, Robert Redfield e Radcliffe-Brown.

Foi, contudo, seu maior mentor e também orientador de doutorado, Robert Park - aliado ao engajamento de cientistas sociais norte-americanos em programas de assistência técnica e saúde no México e na América Latina em virtude da estratégica "política da boa vizinhança" (1933-1945), implantada pelo governo de Franklin Roosevelt - quem, já conhecedor de trabalhos anteriores de Gilberto Freyre, despertou o interesse de Pierson pelo Brasil, cuja plural mistura de cores e culturas motivou o então estudante a realizar em nosso país uma pesquisa de campo que, com a duração de vinte e dois meses, estendeu-se entre 1935 e 1937. O trabalho em questão, bem sucedido e defendido como tese no ano de 1939, teve lugar mais precisamente em Salvador e se voltou às relações inter-raciais entre negros e brancos, resultando, alguns anos mais tarde, na publicação de Negroes in Brazil: a study of race contact at Bahia (Pierson, 1942Pierson, D. (1942). Negroes in Brazil: a study of race contact at Bahia. Chicago, Ill: The University of Chicago Press.).

Como lembram Vila Nova (1998)Vila Nova, S. (1998). Donald Pierson e a escola de Chicago na sociologia brasileira: Entre humanistas e messiânicos. Lisboa: Vega., Mendoza (2005)Mendoza, E. S. (2005). Donald Pierson e a escola sociológica de Chicago no Brasil: os estudos urbanos na cidade de São Paulo (1935-1950).Sociologias, 14, 440-470. e Guimarães (2011)Guimarães, R. E. (2011). Os estudos de comunidade e urbanos coordenados por Donald Pierson na Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo. Cadernos CERU, 22(1), 221-238., a chegada de Pierson foi marcada ainda por outro momento específico que vale a pena enfatizar aqui. Trata-se de uma época de significativa modernização, industrialização e crescimento urbano brasileiro. Junto com eles adveio também a necessidade de uma maior institucionalização das ciências sociais (inclusive pela crença na possibilidade de aplicações diretas do conhecimento gerado por si em termos de políticas públicas eficazes). Foi tal processo que, na São Paulo de 1933, motivou a criação da Escola Livre de Sociologia e Política (atual Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo) e, logo depois, em 1934, a fundação tanto da Universidade de São Paulo quanto da sua Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. Já em terreno carioca houve, neste mesmo período, a inauguração da Universidade do Distrito Federal, hoje Universidade Estadual do Rio de Janeiro.

É nesse contexto que devemos compreender o convite feito por Ciro Berlinck, à época diretor da Escola Livre de Sociologia e Política, para que Pierson, após defender a sua tese de doutorado junto à Universidade de Chicago, retornasse ao Brasil e assumisse o cargo de professor e pesquisador naquela instituição. Foi exatamente o que ocorreu a partir de 1939 em uma parceria que, com breves interrupções, durou até 1955 e gerou importantes frutos. Por exemplo, a realização, ao longo da década de 1940, de um dos cursos de Psicologia Social que, com o seu pioneirismo, mais contribuíram para a construção desta área de estudos no Brasil ao longo da primeira metade do século XX. Em tais aulas, registradas na coletânea Teoria e Pesquisa em Sociologia (Pierson, 1945/1981Pierson, D. (1981). Teoria e pesquisa em sociologia(18a ed.). São Paulo, SP: Melhoramentos. (Original publicado em 1945).), para além da forte influência de George Mead, seria possível verificar uma extensa e, para o contexto da época, bastante atualizada lista de leituras, a qual incluía nomes como os de Wundt, Durkheim, Boas, Le Bon, Freud, Lewin e Margaret Mead.

Complementando as suas atividades em sala de aula, Pierson realizou um trabalho intenso e profícuo em diversas outras frentes. Estas envolveram a tradução de textos, a reunião de um considerável acervo de livros (com doações daAmerican Library Association e do American Council of Learned Societies), a editoração da revistaSociologia, a criação e a coordenação de um programa local de pós-graduação e, junto com ele, a realização de importantes intercâmbios acadêmicos que conduziram alunos como Florestan Fernandes, Oracy Nogueira e Darcy Ribeiro à Universidade de Chicago.

Sem em nada desmerecer os esforços há pouco citados, foi, porém, na qualidade de pesquisador treinado por padrões internacionais que Donald Pierson certamente contribuiu bastante para o desenvolvimento das ciências sociais brasileiras. Afinal, ao longo das décadas de 1940 e 1950, graças a financiamentos obtidos junto àSmithsonian Institution, de Washington, conduziu pessoalmente e/ou orientou uma série de etnografias que, envolvendo temas como áreas (sub)urbanas, ecologia, habitações, vizinhança, hábitos alimentares, problemas étnicos e migratórios, refletiram: "(...) uma época em que a cidade de São Paulo iniciou seu desenvolvimento industrial e os movimentos migratórios para a cidade, a partir de 1930, formando os chamados bairros proletários" (Mendoza, 2005Mendoza, E. S. (2005). Donald Pierson e a escola sociológica de Chicago no Brasil: os estudos urbanos na cidade de São Paulo (1935-1950).Sociologias, 14, 440-470., p. 452).

Para além desses trabalhos de caráter mais urbano, Pierson (1951Pierson, D. (1951). Cruz das Almas: A brazilian village. Washington, DC: United States Government Printing Office., 1972Pierson, D. (1972). O homem no Vale do São Francisco. Rio de Janeiro, RJ: SUVALE.) liderou ainda dois estudos de comunidade que são até hoje considerados verdadeiros marcos nas pesquisas acerca dos modos de vida e das relações sociais do caboclo e do sertanejo brasileiros. O primeiro deles, Cruz das Almas: a Brazilian village, foi publicado ainda em 1951. Já o segundo, O Homem no Vale do São Francisco, ainda que iniciado no início dos anos 1950, somente apareceria na forma de livro em 1972. Como afirmam Bomfim (2006)Bomfim, E. M. (2006). O homem no vale do São Francisco: Um legado de Donald Pierson às ciências humanas e sociais no Brasil. Psicologia & Sociedade, 18(1), 81-85. e Guimarães (2011)Guimarães, R. E. (2011). Os estudos de comunidade e urbanos coordenados por Donald Pierson na Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo. Cadernos CERU, 22(1), 221-238., tais etnografias de cunho sistemático e microssociológico foram marcadas pela solidez empírica e pela abundância de detalhes, possibilitando aos estudantes da Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo uma complementação de ordem prática para a formação teórico-metodológica obtida em sala de aula. Além disto, serviram também para revelar importantes aspectos da realidade sociocultural de pequenas localidades rurais ou semiurbanizadas brasileiras até então pouco exploradas, demonstrando o contraste entre um isolamento que favorecia a manutenção de visões de mundo e hábitos de vida de cunho mais tradicional e, por outro lado, o crescente contato com estímulos externos que traziam desarranjos - mas também novas possibilidades - àqueles grupos.

De volta ao nosso principal objetivo aqui, cabe ressaltar que o levantamento histórico exposto nos parágrafos anteriores se revela de suma importância por tornar mais claro o quanto a presença de Donald Pierson e o trabalho desenvolvido por ele no Brasil funcionam como elos de ligação entre os dois focos privilegiados no presente texto: Etnografia e Psicologia Social. Afinal, como vimos há pouco, Pierson ministrou um dos pioneiros cursos desta área do saber em nosso país ainda na década de 1940 e, ao mesmo tempo, difundiu a etnografia como método de pesquisa empírico e qualitativo regularmente empregado pela Escola Sociológica de Chicago, influenciando toda uma nova geração de acadêmicos brasileiros.

Decerto muito ainda haveria por ser dito acerca dessa herança deixada quer seja pela Escola de Chicago mais ampla, quer seja pelo trabalho acadêmico e/ou pelos estudos etnográficos desenvolvidos por Donald Pierson entre nós até meados da década de 1950. Todavia, isto excederia o espaço de um artigo. Assim, levando em conta algumas das especificidades da etnografia, passemos agora à discussão que propusemos anteriormente como interessante complemento à reconstituição histórica e epistemológica que fizemos há pouco. Como veremos ao longo dos parágrafos seguintes, ela incidirá sobre a maior ou menor pertinência da prática etnográfica para os estudos psicossociológicos produzidos hoje.

Considerações Finais

Após percorrermos parte das trilhas que levaram os psicólogos sociais a um contato cada vez mais efetivo e intenso com os seus grupos de estudo, contato este mediado pela etnografia, esperamos haver tornado claro que o estabelecimento de tal método não se deu ao acaso, mas sim como parte integrante de toda uma ética que, a partir dos dilemas enfrentados pela pesquisa antropológica na virada do século XIX ao XX, adquiriu novos contornos a partir da sua reapropriação por parte da Escola Sociológica de Chicago e posterior difusão no Brasil ao longo das décadas de 1930 e 1940. Qual a sua principal característica? Apostar na validade da tentativa de reconstruções da realidade cultural alheia nos seus próprios termos.

A despeito, porém, da importância da perspectiva exposta acima e da sua tradicional vinculação à etnografia, é certo que há décadas este método de pesquisa vem sendo posto em xeque. Como esclarece Montero (1996)Montero, M. (1996). Paradigmas, corrientes y tendencias de la psicología social finisecular. Psicologia & Sociedade,8(1), 102-119., na esteira de todo um movimento crítico em relação à orientação positivista que demarcou as origens da Psicologia Social como área específica de estudos, movimento este marcado, dentre outros fatores, por um paradigma relativista que questiona a ideia moderna de neutralidade do conhecimento, apontando a presença de intenções e tendências no discurso da verdade.

Ainda para Montero (1996)Montero, M. (1996). Paradigmas, corrientes y tendencias de la psicología social finisecular. Psicologia & Sociedade,8(1), 102-119., esse paradigma se expressaria em variadas características inter-relacionadas. Em primeiro lugar, na crítica ao realismo ontológico característico da modernidade e, com ele, a modelos representacionistas que, próximos a um ideal fixista de identidade, congelariam a realidade sem levar em conta a dimensão histórica dos fenômenos psicossociais. Logo, junto ao caráter transcendente de regras metodológicas que se pretendam gerais ou atemporais, passa a ser posta em xeque aqui qualquer noção asséptica, objetiva ou atemporal de "verdade", a qual se torna vinculada ao cotidiano e, com ele, a diferentes e dinâmicas possibilidades de negociação interpretativa. Por derivação, também se faz presente no atual paradigma relativista em Psicologia Social a noção de que a realidade nada seria senão uma construção coletiva, conflitiva e intercambiável de acordo com as flutuações inerentes à linguagem, a qual adquire suma importância como intermediária de uma relação de caráter dialógico e horizontal entre "investigadores" e "investigados".

Tais reconfigurações de cunho, ao mesmo tempo, teórico, metodológico e ético conduziram a inovadoras propostas que atendem por nomes como construtivismo, cartografia e genealogia (Kastrup, 2007Kastrup, V. (2007). O funcionamento da atenção no trabalho do cartógrafo. Psicologia & Sociedade, 19(1), 15-22.;Romagnoli, 2009Romagnoli, R. C. (2009). A cartografia e a relação pesquisa e vida.Psicologia & Sociedade, 21(2), 166-173.; Silva, 2004Silva, R. N. (2004). Notas para uma genealogia da psicologia social.Psicologia & Sociedade, 16(2), 12-19.; Spink, 2007Spink, M. J. (2007). Pesquisando no cotidiano: Recuperando memórias de pesquisa em psicologia social. Psicologia & Sociedade,19(1), 7-14.; Spink, 2003Spink, P. K. (2003). Pesquisa de campo em psicologia social: Uma perspectiva pós-construcionista. Psicologia & Sociedade, 15(2), 18-42.). Para os nossos propósitos aqui, chama particular atenção o enfoque construcionista e a sua ideia de "campo" como produto social, e não como "dado" ou realidade independente do pesquisador. Nestes termos, para além da qualidade de um lugar geográfico espacialmente definido, o "campo" passa a ser visto como a situação(ou o argumento) de um assunto em determinados tempo e contexto. Com efeito, entrar (ou estar) no "campo" de uma pesquisa passa a ser pensado como a inserção no debate sobre aquele mesmo assunto, considerando-se que o assunto engloba o campo, e não vice-versa.

Como se pode notar, essa perspectiva coloca em xeque certa noção clássica de etnografia como deslocamento rumo a determinado locus (uma tribo, por exemplo) demarcado de estudos. Por conseguinte, questiona ainda a tradicional separação epistemológica entre "nós" e "eles" (ou seja, entre "cientistas" e "nativos"). Diante disto, não nos parece descabido encerrar o presente trabalho promovendo uma reflexão a partir da seguinte pergunta: qual a validade da utilização da etnografia hoje? Em resposta, acreditamos sim que o exercício etnográfico continue comportando grande valor não somente para a antropologia, mas também para Psicologia Social.

Tal afirmação se sustenta a partir de alguns argumentos importantes. O primeiro deles aparece na lembrança de que, a despeito de originalmente vinculada à empiria funcionalista de inspiração durkheimiana, a etnografia jamais se restringiu a uma mera aplicação do (neo)positivismo à pesquisa de campo. Um claro exemplo disto aparece na própria observação participante instituída por Malinowski (1922/1978)Malinowski, B. (1978). Argonautas do pacífico ocidental (A. P. Carr, & L. A. Cardieri, trads.). São Paulo, SP: Abril Cultural. (Trabalho original publicado em 1922)., a qual, trazendo consigo uma dimensão ao mesmo tempo artesanal e experiencial, significou uma fundamental quebra paradigmática na rígida e convencional separação entre sujeito e objeto de pesquisa proposta pela ciência tradicional. Levar isto em conta impede que tomemos o exercício da prática etnográfica como mera expressão ou aplicação de um discurso científico moderno de cunho reificador. Ou, utilizando os termos de François Rabelais e Michel de Montaigne, como parte de uma "ciência sem consciência".

Uma ponderação como essa evidentemente não significa desmerecer o fato de que o reconhecimento de jogos de poder, os quais, assim como em outras tantas atividades, também se fazem presentes na etnografia, apresenta-se como algo de suma importância para a pesquisa acadêmica. Contudo, este reconhecimento também não precisa significar um congelamento da etnografia. Ele pode e deve ser tomado como possibilidade ou, em uma palavra, como mais uma preciosa fonte de informações acerca não somente do outro, mas do próprio pesquisador.

E aqui alcançamos um segundo argumento para sustentarmos a pertinência da utilização da etnografia na contemporaneidade da Psicologia Social. Trata-se da riqueza potencialmente gerada por esta mesma etnografia como encontro das diferenças, a despeito - ou melhor, a partir - do desigual jogo de forças que nele se imprime. Com efeito, diferentemente da busca por relações de pesquisa verdadeiramente igualitárias - ideal este, a nosso ver, inalcançável - defendemos a valorização do quê de positivo presente no conflito, na estranheza e no desequilíbrio característicos dos lugares de pesquisador e de pesquisado e, por derivação, na dialética entre aproximação e afastamento que caracteriza o trabalho etnográfico desde pioneiros como Boas ou Malinowski. Afinal, em tal confrontação é possível perceber a qualidade de movimento do próprio pensamento, desde que tomemos: "(...) como pano de fundo uma alteridade nunca resolvida nem dissolvida nos encontros e desencontros que a pesquisa traz" (Zaluar, 1986Zaluar, A. (1986). Teoria e prática do trabalho de campo: alguns problemas. In R. Cardoso (Ed.), A aventura antropológica: Teoria e pesquisa (pp. 107-125). Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra., p. 115).

Aliás, é corroborando essa ideia de um conflito positivado, já que possivelmente gerador de insights, que Magnani (2002)Magnani, J. G. (2002). De perto e de dentro: Notas para uma etnografia urbana. Revista Brasileira de Ciências Sociais,17(49), 11-29. aposta na importância do trabalho etnográfico no sentido de realizar a mediação entre a vivência particular e a abstração generalizante, de maneira a, na qualidade de pesquisadores, alcançarmos um esquema que possa, ao mesmo tempo, ser identificado pelos "nativos" como minimamente seu e categorizado por nós como cientificamente relevante em função de teorias mais ou menos consagradas e do debate com os nossos pares acadêmicos. Dito de forma distinta, trata-se aqui de compreendermos a etnografia como método privilegiado para o alcance de uma lógica de pesquisa que seja capaz de transcender o contexto fenomênico original do "campo" sem, contudo, perdê-lo de vista.

Logo, nem a hierarquia dos grupos estudados e nem tampouco a hierarquia acadêmica aparecem como absolutas. É da tensão ou entrechoque entre os saberes que ambas carregam consigo e a vivência prática cotidiana dos seus membros (sejam eles nativos, pesquisadores, nativos-pesquisadores ou pesquisadores-nativos) que emerge o conhecimento sobre si, conhecimento este que, móvel, deve necessariamente incluir, a partir de dúvidas, hesitações, decisões ou estratégias, novas teorizações que, sem apenas reproduzirem noções já cristalizadas, estejam dispostas a serem postas por terra se diferentes tempos e/ou relações sociais assim o exigirem.

Só que, como sabiamente destacou Peirano (1995)Peirano, M. (1995). A favor da etnografia. In M. Peirano, A favor da etnografia (pp. 31-57). Rio de Janeiro, RJ: Relume-Dumará., esse confronto simultaneamente objetivo e subjetivo tem como ponto de convergência o etnógrafo. Daí, para além da sua qualidade instrumental mais ou menos cientificamente legitimada, entendemos que uma terceira fonte de interesse da etnografia para a atualidade da pesquisa psicossociológica resida na inegável dimensão afetiva e experiencial desta mesma etnografia, dimensão esta há muito avaliada em maiores detalhes por variados escritos tanto de antropólogos quanto de psicólogos sociais (Barbosa & Souza, 2009Barbosa, D. R., & Souza, M. P. (2009). História da psicologia: Contribuições da etnografia e da história oral. Temas em Psicologia, 17(1), 81-91.;Caldeira, 1981Caldeira, T. P. (1981). Uma incursão pelo lado "não respeitável" da pesquisa de campo. Ciências Sociais Hoje, 1, 332-354.; DaMatta, 1978DaMatta, R. (1978). O ofício de etnólogo, ou como ter "anthropological blues". In E. Nunes (Ed.), A aventura sociológica(pp. 23-35). Rio de Janeiro, RJ: Zahar.; Gonçalves Filho, 2003Gonçalves Filho, J. M. (2003). Problemas de método em psicologia social: algumas notas sobre a humilhação política e o pesquisador participante.In A. M. Bock (Ed.), Psicologia e compromisso social (pp. 193-239). São Paulo, SP: Cortez.; Harrington, 2003Harrington, B. (2003). The social psychology of access in ethnographic research. Journal of Contemporary Ethnography,23(5), 592-625.; Sato & Souza, 2001Sato, L., & Souza, M. P. (2001). Contribuindo para desvelar a complexidade do cotidiano através da pesquisa etnográfica em psicologia.Psicologia USP, 12(2), 29-47.; Velho, 1994)Velho, G. (1994). Observando o familiar. In G. Velho,Individualismo e cultura: Notas para uma antropologia da sociedade contemporânea (3a ed., pp. 121-132). Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar., os quais levaram em conta os preconceitos, expectativas e vinculações institucionais que permeiam o dia a dia do trabalho etnográfico. Importante: tanto da "nossa" parte (pesquisadores) quanto da "deles" (pesquisados), já que, uma vez iniciadas as observações e entrevistas, estes últimos também se tornam observadores e pesquisadores do pesquisador e, com frequência, de si mesmos.

De maneira diretamente relacionada a esse valor da etnografia como arte da convivência aparece ainda outra característica sua que gostaríamos de mencionar aqui e que, acreditamos, também interesse de perto à atividade de pesquisa em Psicologia Social. Ela se apresenta na duração e na intensidade do contato etnográfico, as quais facultam a percepção de acontecimentos e significados que, de tão ocultos ou prosaicos, podem parecer "invisíveis" ou mesmo desinteressantes em um primeiro momento, mas que, com a passagem do tempo e o crescimento dos contatos junto ao outro, também podem revelar novos contornos e valorosos insights. Nestes termos, a utilização de estadas mais prolongadas, além de poder viabilizar o estabelecimento de relações interpessoais (e, consequentemente, entrevistas) orientadas por maior dose de confiança, favorece também uma melhor detecção das costumeiras dissonâncias e ambiguidades que se estabelecem entre o discurso e a prática cotidiana.

Um exemplo razoavelmente recente disso pode ser encontrado no artigo de Menezes e Costa (2010)Menezes, J. A., & Costa, M. R. (2010). Desafios para a pesquisa: o campo-tema movimento Hip-Hop. Psicologia & Sociedade,22(3), 457-465., resultante de uma pesquisa que se ocupou das inter-relações entre política, cultura e subjetividade no movimento hip-hop da cidade do Recife a partir da utilização de três perspectivas: a pós-estruturalista, a construcionista e a etnográfica, as quais teriam em comum: "(...) a recusa ao posicionamento transcendental das condições de sujeito e objeto e a adoção de uma postura desreificante, desnaturalizante e desessencializadora com relação à verdade" (Menezes & Costa, 2010Menezes, J. A., & Costa, M. R. (2010). Desafios para a pesquisa: o campo-tema movimento Hip-Hop. Psicologia & Sociedade,22(3), 457-465., p. 458). Para as autoras, os níveis de estranhamento caracteristicamente produzidos pela etnografia - incluindo-se aí o reconhecimento tanto da parcialidade quanto da subjetividade que se fazem presentes na atividade de pesquisa - corroborariam a relativização do conhecimento defendida tanto pelo pós-estruturalismo quanto pelo construcionismo5 5 Ainda conforme Menezes e Costa (2010), trata-se aqui de um estranhamento de mão dupla. De um lado, aquele causado em si mesmas como pesquisadoras, relativo à sua entrada em um universo predominantemente jovem, pobre, masculino e ligado a regiões periféricas. De outro, aquele causado nos participantes dos grupos de hip-hop estudados, haja vista a intromissão no "seu" espaço por pesquisadoras com características inusitadas entre os que usualmente transitavam naqueles grupos. Afinal, eram mulheres, brancas e de classe média. Isto, inclusive, gerou a recusa de alguns encontros para entrevistas, bem como expressões de desconfiança quando dos contatos efetivamente estabelecidos, expressões estas muitas vezes permeadas - mais ou menos subliminarmente - pelas seguintes perguntas e afirmações: "o que, afinal, podemos esperar de vocês?" e "eis o que efetivamente queremos de vocês". . Neste contexto, a observação participante adquire importância na qualidade de viabilizadora de uma redução da distância que costumeiramente se estabelece entre atores sociais e pesquisadores, possibilitando a ambos a abertura de novos canais de comunicação e, por derivação, a incorporação de sempre renovados elementos para reflexão a partir da proximidade com a diferença.

Na prática de campo de Menezes e Costa (2010)Menezes, J. A., & Costa, M. R. (2010). Desafios para a pesquisa: o campo-tema movimento Hip-Hop. Psicologia & Sociedade,22(3), 457-465., isso se deu a partir do acesso (ou não) das pesquisadoras a alguns informantes considerados chave, bem como a alguns lugares frequentados pelos participantes dos grupos de hip-hop recifenses e pelo registro tanto de conversas informais quanto de uma linguagem gestual bastante reveladora dos modos de vida e da dinâmica relação que se estabelecia entre os membros dos grupos estudados e deles para com outros setores da sociedade mais ampla (como, por exemplo, a polícia e o poder público). Interessante: com a vantagem de que, uma vez estabelecidas a continuidade e a intensidade do contato etnográfico - e, com elas, maior dose de confiança entre as partes envolvidas -, os interlocutores pudessem se expressar de maneira mais livre, abdicando, ao menos em parte, de certos compromissos de ordem performática, ligados, por seu turno, à ocupação formal de determinados lugares sociais.

Com efeito, misturando propositalmente "passado" e "presente" e rechaçando dicotomias infundadas do tipo: "antes observação participante/hoje pesquisa-ação", "antes campo 'situado'/hoje campo contextual", encerramos o presente trabalho reafirmando a ideia de que o recurso ao método etnográfico permanece absolutamente válido no horizonte da atual pesquisa psicossociológica. E mais: conforme ilustrado acima, de que, dada a sua plasticidade, este método pode ser utilizado de maneira promissora em conjunto com outras orientações teóricas, metodológicas e éticas que vêm adquirindo espaço na contemporaneidade da nossa área de estudos, perpetuando assim as sempre renovadas possibilidades decorrentes da interação entre (nem tão) velhos e (nem tão) novos paradigmas6 6 Afinal, como aponta Molon (2001), a própria busca, por parte da Psicologia Social brasileira, de referências metodológicas nas ciências sociais refletiu a necessidade de novos modos de produzir um saber psicossociológico mais de acordo com a nossa história e com as demandas da nossa população. Etnografia e Psicologia Social crítica, portanto, não necessariamente trilham caminhos separados, o que, inclusive, pode ser visto em interessantes trabalhos desenvolvidos entre nós a partir do final dos anos 70, como aqueles conduzidos por Costa (2004), Gonçalves Filho (1998;2003), Narita (2000; 2006),Rodrigues (1978) e Sato (1991; 1998; 2007). .

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    Como aponta Durham (1978)Durham, E. R. (1978). A reconstituição da realidade: Um estudo sobre a obra etnográfica de Bronislaw Malinowski. São Paulo, SP: Ática., os primórdios da observação participante remontam à dificuldade do seu criador, Bronislaw Malinowski, no rompimento da considerável barreira comunicativa que, costumeiramente fixada entre observador e observado, impede ou dificulta bastante o acesso aos significados que orientam os pensamentos e práticas de grupos ou instituições das mais diversas naturezas. Já no que se refere ao fundamento desta técnica, ele reside em um: "...processo de transformação do observador, que consiste na assimilação das categorias inconscientes que presidem a ordenação do universo cultural investigado, num processo correspondente a uma "aculturação" do observador. Assim, não só o investigador altera-se a si próprio, transformando-se num instrumento de investigação, mas, através deste processo, análogo ao aprendizado da língua e, como este, em parte inconsciente, atinge uma totalidade que é 'anterior' ao processo sistemático de ordenação e, em parte, da própria coleta de dados. Isto é, a apreensão 'inconsciente' da totalidade precede e permite o procedimento analítico consciente de investigação da realidade cultural" (Durham, 1978Durham, E. R. (1978). A reconstituição da realidade: Um estudo sobre a obra etnográfica de Bronislaw Malinowski. São Paulo, SP: Ática., p. 47).
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    Vale lembrar aqui que, para o positivismo de Durkheim (1893/2004)Durkheim, E. (2004). Da divisão do trabalho social (2a ed., E. Brandão, trad.). São Paulo, SP: Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1893), o foco da sociologia deveria incidir na análise das instituições. Neste sentido, seria preciso conhecer em maiores detalhes a que necessidades tais instituições sociais corresponderiam. Em tal esquema de pensamento, a noção de função aparece expressa na proposta de uma analogia entre o sistema social e o organismo biológico. Com efeito, instituições como a família, a religião ou o direito passam a ser pensadas como partes de um organismo social maior no interior do qual deveriam possuir determinadas funções. Do contrário, desapareceriam. Este é o quadro que, alguns anos depois, acabaria por adquirir nítidos contornos na teoria da cultura defendida por Malinowski (1944/1970)Malinowski, B. (1970). Uma teoria científica da cultura (2a ed., J. Auto, trad.). Rio de Janeiro, RJ: Zahar. (Trabalho original publicado em 1944)., a qual vinculava em primeiro lugar a criação dos recursos culturais à satisfação de necessidades básicas ditadas pela biologia visando a manutenção da espécie humana, aqui tomada na sua condição animal. Tais necessidades, por sua vez, gerariam novos padrões culturais que imporiam ao homem em sociedade novos e secundários tipos de determinismo: aqueles de caráter simbólico. Com efeito, tornar-se-ia parte importante da etnografia proposta pelo mesmo Malinowski (1922/1978Malinowski, B. (1978). Argonautas do pacífico ocidental (A. P. Carr, & L. A. Cardieri, trads.). São Paulo, SP: Abril Cultural. (Trabalho original publicado em 1922).; 1927/2000Malinowski, B. (2000). Sexo e repressão na sociedade selvagem. (2a ed., F. Guimarães, trad.). Petrópolis, RJ: Vozes. (Trabalho original publicado em 1927).) a definição de relações claras entre realizações culturais e necessidades biologicamente determinadas. Precisamente aqui reside a importância do conceito de função como satisfação de tais necessidades pela via de uma atividade instrumental e realizada em conjunto. Para maiores detalhes acerca do funcionalismo durkheimiano e da sua inter-relação com a antropologia de Malinowski sugerimos a leitura do artigo deContreras e Vera (2003)Contreras, T. R., & Vera, I. L. (2003). La influencia de Durkheim en la teoría funcionalista de Malinowski. Ciencia Ergo Sum, 10(2), 148-158.. Já no que se refere à vida e obra do próprio Malinowski, importantes fontes de informação podem ser encontradas nos trabalhos de Durham (1978Durham, E. R. (1978). A reconstituição da realidade: Um estudo sobre a obra etnográfica de Bronislaw Malinowski. São Paulo, SP: Ática.; 1986Durham, E. R. (1986). Uma nova visão da antropologia. In E. R. Durham, Malinowski (pp. 7-22). São Paulo: Ática.), Kuper (1978)Kuper, A. (1978). Antropólogos e antropologia (A. Cabral, trad.). Rio de Janeiro, RJ: Francisco Alves. e Stocking Junior (1992)Stocking Junior, G. (1992). The ethnographer's magic: Fieldwork in British anthropology from Tylor to Malinowski. In G. Stocking Junior,The ethnographer's magic and other essays in the history of anthropology (pp. 12-59). Madison, WI: The University of Wisconsin Press..
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    Como enfatizaram Lane (1981)Lane, S. T. (1981). O que é psicologia social. São Paulo, SP: Nova Cultural/Brasiliense. e, mais tarde, Molon (2001)Molon, S. I. (2001). A psicologia social abrapsiana: apontamentos históricos. Interações, 6(12), 41-68., a atuação de Klineberg culminou em outro marco representativo da Psicologia Social brasileira: a publicação do livro Introdução à Psicologia Social (Klineberg, 1959Klineberg, O. (1959). Introdução à psicologia social. Rio de Janeiro, RJ: Fundo de Cultura.).
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    Em uma palavra, temos nas obras de George Mead e Herbert Blumer a presença de um construcionismo social menos fixista e predeterminado, marcado pela abertura rumo a novas e possivelmente criativas (re)interpretações de uma realidade social em permanente mutação. Para uma melhor apreciação das ideias de ambos os autores sugerimos, além dos próprios escritos de Mead (1909Mead, G. H. (1909). Social psychology as counterpart to physiological psychology. Psychological Bulletin,6(12), 401-408.; 1934Mead, G. H. (1934). Mind, self and society: from the standpoint of a social behaviorist. Chicago, Ill: Chicago University Press.) e Blumer (1969)Blumer, H. (1969). Symbolic Interactionism: Perspective and method. New Jersey: Prentice-Hall. citados em parágrafos anteriores, as publicações mais atuais de Herman e Reynolds (1994)Herman, N. J., & Reynolds, L. T. (1994). Symbolic interaction: An introduction to social psychology. New York, NY: General Hall. e Reynolds e Herman-Kinney (2003)Reynolds, L. T., & Herman-Kinney, N. J. (2003). Handbook of symbolic interactionism. Lanham, MD: Altamira Press..
  • 5
    Ainda conforme Menezes e Costa (2010)Menezes, J. A., & Costa, M. R. (2010). Desafios para a pesquisa: o campo-tema movimento Hip-Hop. Psicologia & Sociedade,22(3), 457-465., trata-se aqui de um estranhamento de mão dupla. De um lado, aquele causado em si mesmas como pesquisadoras, relativo à sua entrada em um universo predominantemente jovem, pobre, masculino e ligado a regiões periféricas. De outro, aquele causado nos participantes dos grupos de hip-hop estudados, haja vista a intromissão no "seu" espaço por pesquisadoras com características inusitadas entre os que usualmente transitavam naqueles grupos. Afinal, eram mulheres, brancas e de classe média. Isto, inclusive, gerou a recusa de alguns encontros para entrevistas, bem como expressões de desconfiança quando dos contatos efetivamente estabelecidos, expressões estas muitas vezes permeadas - mais ou menos subliminarmente - pelas seguintes perguntas e afirmações: "o que, afinal, podemos esperar de vocês?" e "eis o que efetivamente queremos de vocês".
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    Afinal, como aponta Molon (2001)Molon, S. I. (2001). A psicologia social abrapsiana: apontamentos históricos. Interações, 6(12), 41-68., a própria busca, por parte da Psicologia Social brasileira, de referências metodológicas nas ciências sociais refletiu a necessidade de novos modos de produzir um saber psicossociológico mais de acordo com a nossa história e com as demandas da nossa população. Etnografia e Psicologia Social crítica, portanto, não necessariamente trilham caminhos separados, o que, inclusive, pode ser visto em interessantes trabalhos desenvolvidos entre nós a partir do final dos anos 70, como aqueles conduzidos por Costa (2004)Costa, F. B. (2004). Homens invisíveis: Relatos de uma humilhação social. São Paulo, SP: Globo., Gonçalves Filho (1998Gonçalves Filho, J. M. (1998). Humilhação social: Um problema político em psicologia. Psicologia USP, 9(2), 11-67.;2003Gonçalves Filho, J. M. (2003). Problemas de método em psicologia social: algumas notas sobre a humilhação política e o pesquisador participante.In A. M. Bock (Ed.), Psicologia e compromisso social (pp. 193-239). São Paulo, SP: Cortez.), Narita (2000Narita, S. (2000). Estudo dos processos psicossociais que motivam um grupo de trabalhadores à participação no movimento dos trabalhadores rurais sem terra no Pontal do Paranapanema. Dissertação de Mestrado, Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo.; 2006Narita, S. (2006). Notas de pesquisa de campo em psicologia social.Psicologia & Sociedade, 18(2), 25-31.),Rodrigues (1978)Rodrigues, A. M. (1978). Operário, operária: Estudo exploratório sobre o operariado industrial da grande São Paulo. São Paulo, SP: Símbolo. e Sato (1991Sato, L. (1991). Abordagem psicossocial do trabalho penoso: estudo de caso de motoristas de ônibus urbano. Dissertação de Mestrado, Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo.; 1998Sato, L. (1998). Astúcia e ambiguidade: as condições simbólicas para o replanejamento negociado do trabalho no chão de fábrica. Tese de Doutorado, Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo.; 2007Sato, L. (2007). Processos cotidianos de organização do trabalho na feira livre. Psicologia & Sociedade, 19(esp.), 95-102.).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2015

Histórico

  • Recebido
    14 Ago 2013
  • Revisado
    18 Dez 2014
  • Aceito
    27 Fev 2015
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