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Vivência Intersexos: Identidade, Autopercepção, Designação Sexual e Seus Desdobramentos

Intersex Experience: Identity, Self-Perception, Sexual Designation, and their Unfoldings

Vivencias de Intersexuales: Identidad, Autopercepción, Reasignación Sexual y sus Despliegues

Resumo

A intersexualidade ainda é considerada uma deformidade patológica, bem como é alvo de intervenções cirúrgicas corretivas que visam enquadrar pessoas intersexos nos padrões binários de sexo, gênero e orientação sexual socialmente aceitos. Desse modo, o objetivo deste estudo foi analisar os sentidos produzidos por intersexos às intervenções cirúrgicas de designação sexual e suas consequências, ainda que não tenham realizado procedimentos cirúrgicos. Trata-se de uma pesquisa qualitativa de corte transversal cujos dados foram coletados por meio de um questionário online para intersexos e interessados de uma rede social-virtual. Oito intersexos participaram da pesquisa e as informações obtidas foram organizadas a partir de uma análise de conteúdo temática em quatro categorias: a) violação de direitos sobre a autodeterminação de sexo-gênero; b) tentativas de invisibilização da experiência de intersexos; c) despreparo da equipe de saúde de referência; e d) centralidade dos ativismos intersexos. Os resultados destacam que: as cirurgias são realizadas sem o consentimento dos intersexos e impactam sua subjetividade e relações sociais; há a reprodução de expectativas pelo intersexo, sua família e pelos profissionais da saúde em torno dos binarismos de sexo-gênero; há a necessidade dos ativismos políticos responderem às demandas dessa população. As constituições de sexo e de gênero ilustradas pelas cirurgias de designação sexual são produtos culturais pautados num sistema normativo binário e cisheterossexual que reproduz e perpetua discriminações, estigmas e violências. Assim, é papel da Psicologia contribuir para a compreensão dessa temática e para a incrementação de políticas públicas na saúde, educação e em assistência social para essa população.

Palavras-chave:
Identidade Sexual; Pessoas Intersexuais; Cirurgia de Readequação Sexual; Minorias Sexuais e de Gênero; Sexualidade

Abstract

Intersexuality is still considered a pathological deformity, requiring corrective surgical interventions to fit intersex persons into socially determined binary patterns of sex, gender, and sexual orientation. Thus, this study aimed to analyze the meanings attributed to surgical interventions for sex reassignment and their consequences according to intersex persons who underwent or not the procedure. This qualitative cross-sectional survey was conducted with data collected by means of an online questionnaire for intersex and interested people, made available in a social network. Eight intersexes participated in the survey. The collected data underwent thematic content analysis and were organized into four categories: a) violations to sex/gender self-determination rights; b) attempts to invisibilize the experiences of intersex persons; c) unpreparedness of healthcare team; and d) intersexes activism. The results highlight the performance of these surgeries without intersex persons’ consent, as well as their impacts on subjectivity and social relations; the reproduction of expectations around sex/gender binarism on the part of these individuals themselves, their families, and health professionals; and the need for political activism to respond to their demands. The constitutions of sex and gender illustrated by sexual designation surgeries are cultural products based on a binary and cishetero-normative system that reproduces discrimination, stigma, and violence. In this scenario, Psychology plays a key role in contributing to the understanding of this issue, advancing public policies aimed at promoting health, education, and social assistance to this population.

Keywords:
Sexual Identity; Intersex Persons; Sex Reassignment Surgery; Sexual and Gender Minorities; Sexuality

Resumen

La intersexualidad todavía se considera como una deformación patológica, así como está sujeta a intervenciones quirúrgicas correctivas que tienen por objeto encajar a los individuos intersexuales en los patrones binarios de sexo, género y orientación sexual. El objetivo de este estudio fue analizar los significados que tienen para los intersexuales las intervenciones quirúrgicas de reasignación sexual y sus consecuencias, incluso para aquellos que no las habían realizado. Se trata de una investigación cualitativa, transversal, realizada por medio de un cuestionario destinado a un grupo de intersexuales e interesados en una red social en internet. Ocho intersexuales participaron, y los dados se organizaron a partir del análisis de contenido temático en categorías: a) violación de los derechos sobre la autodeterminación de sexo-género; b) intentos de hacer invisible la experiencia intersexual; c) falta de preparación del equipo sanitario; y d) centralidad del activismo intersexual. Los principales resultados apuntaron la realización de estas cirugías sin el consentimiento de los intersexuales y que estas tienen repercusiones negativas en la subjetividad y las relaciones sociales de ellos; la reproducción de las expectativas personales, familiares y de los profesionales de la salud en torno a los binarismos de género; la necesidad de un activismo colectivo para responder a las demandas de esta población. Las constituciones de sexo y género ilustradas por las cirugías de reasignación sexual de intersexuales son productos culturales con base en un sistema normativo binario y cisheterosexual que reproduce discriminación, estigmas y violencia. Es el papel de la Psicología contribuir a la comprensión de esta cuestión para animar las políticas públicas de salud, educación y asistencia social a esta población.

Palabras clave:
Identidad Sexual; Personas Intersexuales; Cirugía de Reasignación de Sexo; Minorías Sexuales y de Género; Sexualidad

Até o final do século XIX, vigorava nas ciências uma definição de hermafroditismo similar à mitológica que supunha a coexistência dos traços biológicos masculinos e femininos em uma mesma pessoa, mas esta foi progressivamente substituída por critérios taxonômicos modernos (Lima, 2007Lima, S. A. M. (2007). Intersexo e identidade: História de um corpo reconstruído [Dissertação de mestrado, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo]. Sistema de Publicação Eletrônica de Teses e Dissertações.). Essa alteração se deu em função de muitas investigações que propuseram a distinção entre os hermafroditas verdadeiramente possuidores, ao mesmo tempo, de tecidos ovarianos e testiculares, sem importar a configuração externa do corpo, e os pseudo-hermafroditas, possuidores de dubiedades, em qualquer grau, da genitália externa sem apresentar a dupla presença de ovários e testículos. Essa classificação situava o sexo verdadeiro no interior invisível do corpo mais do que na variação morfológica dos genitais externos. Assim, o hermafroditismo verdadeiro poderia ser estabelecido somente post mortem, quando o corpo podia ser dissecado (Lima, 2007Lima, S. A. M. (2007). Intersexo e identidade: História de um corpo reconstruído [Dissertação de mestrado, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo]. Sistema de Publicação Eletrônica de Teses e Dissertações.).

Entretanto, com o avanço das anestesias, das biópsias e das testagens genéticas, a medicina passou a identificar com precisão indivíduos com aspectos sexuais externos ou internos ambíguos (Lima, 2007Lima, S. A. M. (2007). Intersexo e identidade: História de um corpo reconstruído [Dissertação de mestrado, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo]. Sistema de Publicação Eletrônica de Teses e Dissertações.), além de distinguir sexo anatômico, sexo gonadal e sexo cromossômico, permitindo várias acepções sobre o sexo e a constituição biológica dos corpos (Preciado, 2018Preciado, B. (2018). Testo junkie: Sexo, drogas e biopolítica na era formacopornográfica. N-1 Edições.). Depois disso, segundo Cabral e Benzur (2005Cabral, M., & Benzur, G. (2005). Cuando digo intersex: Un diálogo introductorio a la intersexualidad. Cadernos Pagu, 24, 283-304. https://doi.org/10.1590/S0104-83332005000100013
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, p. 287) a “ambiguidade corporal passou a ser tratada de outras maneiras, permitindo a partir de 1930 avanços nas primeiras cirurgias de designação sexual em casos de ambiguidades corpóreas-sexuais, modelando a concordância entre identidade psicossocial e anatomia”.

Lima (2007Lima, S. A. M. (2007). Intersexo e identidade: História de um corpo reconstruído [Dissertação de mestrado, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo]. Sistema de Publicação Eletrônica de Teses e Dissertações.) esclarece que, segundo os pressupostos da embriologia, durante o desenvolvimento embrionário até a sétima semana após a fertilização o embrião humano possui primórdios gonadais e genitais idênticos para os sexos masculino e feminino. Desse modo, mesmo que o sexo cromossômico esteja definido, não é possível distinguir naquele momento, macro ou microscopicamente, embriões masculinos de femininos. Apenas ao longo da diferenciação sexual, com o surgimento dos ductos genitais e da genitália externa, as características das estruturas consideradas masculinas ou femininas são configuradas. Porém, durante o desenvolvimento embrionário podem ocorrer variações das quais resultam corpos que não correspondem ao desenvolvimento considerado completo ou normal, impossibilitando sua classificação nos padrões feminino ou masculino. São denominados, portanto, intersexos (Lima, 2007Lima, S. A. M. (2007). Intersexo e identidade: História de um corpo reconstruído [Dissertação de mestrado, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo]. Sistema de Publicação Eletrônica de Teses e Dissertações.; Löwy, 2003Löwy, I. (2003). Intersexe et transsexualités: Les technologies de la médecine et la séparation du sexe biologique du sexe social. Cahiers du Genre, 34(1), 81-104. https://doi.org/10.3917/cdge.034.0081
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).

Para Santos (2006Santos, M. M. R. (2006). Desenvolvimento da identidade de gênero em casos de intersexualidade: Contribuições da psicologia [Tese de doutorado, Universidade de Brasília]. Repositório Institucional da UNB.), o termo intersexos foi proposto em 1923 e seu mérito foi descrever vários tipos de ambiguidades gonadais, genitais e cromossômicas, dispensando os aspectos míticos do hermafroditismo que aludia a um corpo com dois sexos completamente desenvolvidos e funcionais. Pelas definições médicas, uma pessoa intersexual poderia não apresentar sexo cromossômico, genitália externa ou sistema reprodutivo interno correspondentes aos padrões considerados normais para o masculino ou feminino. Devido a isso, o intersexo necessitaria de intervenções corretoras como a cirurgia de atribuição ou de designação sexual (Jacquot, 2016Jacquot, M. (2016). Le médicin, les parentes et l’enfant intersexe: Enjeux et effets d’une rencontre intersubjective. Corps & Psychisme, 69(1), 99-113. https://doi.org/10.3917/cpsy2.069.0099
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; Lima, 2007Lima, S. A. M. (2007). Intersexo e identidade: História de um corpo reconstruído [Dissertação de mestrado, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo]. Sistema de Publicação Eletrônica de Teses e Dissertações.; Löwy, 2003Löwy, I. (2003). Intersexe et transsexualités: Les technologies de la médecine et la séparation du sexe biologique du sexe social. Cahiers du Genre, 34(1), 81-104. https://doi.org/10.3917/cdge.034.0081
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), pois a pessoa intersexo é classificada pela medicina como possuidora de uma deformidade do tipo anomalia, e anormal, de acordo com Canguilhem (2006Canguilhem, G. (2006). O normal e o patológico. Forense Universitária.), significa desigualdade diante de uma norma.

Segundo Jacquot (2016Jacquot, M. (2016). Le médicin, les parentes et l’enfant intersexe: Enjeux et effets d’une rencontre intersubjective. Corps & Psychisme, 69(1), 99-113. https://doi.org/10.3917/cpsy2.069.0099
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) e Oliveira (2012Oliveira, A. C. G. A. (2012). Corpos estranhos?: Reflexões sobre a interface entre a intersexualidade e os direitos humanos [Dissertação de mestrado, Universidade Federal da Paraíba]. Repositório Institucional da UFPB.), no caso do intersexo, a decisão a respeito de qual será o sexo anatômico designado ao neonato ou à criança é tomada em conjunto por diversos profissionais, tais como endocrinologistas, pediatras, urologistas, psicólogos, assistentes sociais, cirurgiões e geneticistas, além de contar com o apoio da família. Essa conduta caracteriza uma mudança de postura da medicina, resultante tanto dos avanços do conhecimento científico quanto dos ativismos intersexos, pois a experiência histórica demonstrou que, em muitas situações, a designação sexual precoce provocou a violação de direitos de autodeterminação das identidades sexuais e de gênero, além de gerar estigmas e consequências muitas vezes irreversíveis.

Assim, uma maneira de compreender o intersexo e as repercussões sociais deste fenômeno é pelos argumentos das teorias queer, que problematizam e apontam a normalidade da identidade sexual, de gênero e de orientação sexual como sinônimos exclusivos de cisgeneridade ou de cisheterossexualidade, ou seja, a suposição de que dos aspectos biológicos e sexuais que diferenciam machos e fêmeas decorrem atitudes específicas de gênero para homens e mulheres, além de uma exclusiva orientação heterossexual que exclui e estigmatiza os que não se adequam ou que questionam esse sistema de sexo/gênero (Silva, Souza, & Bezerra, 2019Silva, F. C., Souza, E. M. F., & Bezerra, M. A. (2019). (Trans)tornando a norma cisgênera e seus derivados. Revista Estudos Feministas, 27(2), e54397. https://doi.org/10.1590/1806-9584-2019v27n254397
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; Miskolci, 2009Miskolci, R. (2009). A teoria queer e a sociologia: O desafio de uma analítica da normalização. Sociologias, 21, 150-182. https://doi.org/10.1590/S1517-45222009000100008
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; Preciado, 2018Preciado, B. (2018). Testo junkie: Sexo, drogas e biopolítica na era formacopornográfica. N-1 Edições.). Portanto, os objetos de análise e de intervenção das teorias queer são os dispositivos históricos de normatização das identidades sexuais, das identidades de gênero e das orientações sexuais que marginalizam transgeneridades e orientações sexuais não cisheteronormativas (Bagagli, 2016Bagagli, B. P. (2016). A diferença trans no gênero para além da patologização. Revista Periodicus, 1(5), 87-100. http://dx.doi.org/10.9771/peri.v1i5.17178
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; Duque, 2014Duque, T. (2014). Corpo, estado e militância, ou aquilo que você precisa saber antes de começar a ler uma puta teoria. Florestan, 2, 67-89. http://www.revistaflorestan.ufscar.br/index.php/Florestan/article/view/65
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). O queer acabou por se configurar como a resposta e a resistência dos marginalizados pela ordem cissexual heteronormativa regulatória dos corpos, sexualidades e subjetividades (Pelúcio, 2014Pelúcio, L. (2014). Breve história afetiva de uma teoria deslocada. Florestan, 1(2), 26-45. http://www.revistaflorestan.ufscar.br/index.php/Florestan/article/view/63
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; Pino, 2007Pino, N. P. (2007). A teoria queer e os intersex: Experiências invisíveis de corpos des-feitos. Cadernos Pagu , 28, 149-174. https://doi.org/10.1590/S0104-83332007000100008
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) e cujo um dos principais exemplos são os ativismos dos intersexuais que reivindicam autonomia para gerir seus corpos e identidades e banir práticas como as cirurgias de designação sexual, que pretendem enquadrá-los ao que é considerado normal sem seu consentimento (Pino, 2007Pino, N. P. (2007). A teoria queer e os intersex: Experiências invisíveis de corpos des-feitos. Cadernos Pagu , 28, 149-174. https://doi.org/10.1590/S0104-83332007000100008
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).

Para Butler (2015Butler, J. (2015). Problemas de gênero. Civilização Brasileira.), Löwy (2003Löwy, I. (2003). Intersexe et transsexualités: Les technologies de la médecine et la séparation du sexe biologique du sexe social. Cahiers du Genre, 34(1), 81-104. https://doi.org/10.3917/cdge.034.0081
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) e Preciado (2018Preciado, B. (2018). Testo junkie: Sexo, drogas e biopolítica na era formacopornográfica. N-1 Edições.), os intersexos destacam os paradoxos identitários da constituição da subjetividade sexuada no contemporâneo, sendo um dos temas paradigmáticos para as teorias queer ao revelarem a impossibilidade de definir as identidades e as orientações sexuais exclusivamente a partir do sexo biológico, seja ele o cromossômico, o gonadal ou o anatômico. Desta forma, as questões e demandas intersexos não se limitam à saúde física e mental individuais, uma vez que problematizam a saúde coletiva ao questionar os parâmetros da normalização sociossexual contemporânea (Cangaçu-Campinho, Bastos, & Lima, 2009Cangaçu-Campinho, A. K., Bastos, A. C. S. B., & Lima, I. M. S. O. (2009). O discurso biomédico e o da construção social na pesquisa sobre intersexualidade. Physis: Revista de Saúde Coletiva, 19(4), 1145-1164. https://doi.org/10.1590/S0103-73312009000400013
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; Gaudenzi, 2018Gaudenzi, P. (2018). Intersexualidade: Entre saberes e intervenções. Cadernos de Saúde Pública, 34(1), 2-11. http://dx.doi.org/10.1590/0102-311x00000217
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).

Em suma, os intersexos colocam em cena uma condição de extrema relevância, não apenas por sua significativa ocorrência de aproximadamente 1,7% na população mundial (Fausto-Sterling, 2000Fausto-Sterling, A. (2000). Sexing the body: Gender politics and the construction of sexuality. Basic Books.), mas principalmente pelos impactos e consequências subjetivas e sociais das cirurgias de designação sexual destinadas aos intersexos que repercutem em seus familiares e nos profissionais de saúde que lhes assistem. Portanto, esta pesquisa teve como objetivo analisar os sentidos produzidos por intersexos às intervenções cirúrgicas de designação sexual e suas consequências, ainda que não tenham realizado o procedimento.

Delineamento Metodológico

Trata-se de uma pesquisa qualitativa exploratória de corte transversal (Gerhardt, & Silveira, 2009Gerhardt, T. E., & Silveira, D. T. (2009). Métodos de pesquisa. Editora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.) a partir de redes sociais da internet (Silva, 2015Silva, S. A. (2015). Desvelando a netnografia: Um guia teórico e prático. Intercom: Revista Brasileira de Ciências da Comunicação, 38(2), 339-342. https://doi.org/10.1590/1809-58442015217
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; Vitak, 2016Vitak, J. (2016). Facebook as a research tool in the social and computer sciences. In L. Sloan & A. Quan-Haase (Orgs.), The SAGE handbook of social media research methods (pp. 627-642). SAGE Publications.). Os participantes - intersexos maiores de 18 anos de idade que tenham ou não realizado a cirurgia de designação sexual - foram convidados a responder a um questionário online. Uma breve caracterização dos participantes consta na seção de resultados. O questionário online foi disponibilizado via Google Forms e compartilhado em um grupo específico do Facebook para intersexos e continha doze perguntas que permitiam respostas em formato dissertativo e que contemplavam os seguintes temas: descoberta da intersexualidade; realização de intervenções reparadoras de quaisquer tipos e a participação na decisão destas; percepção sobre o próprio corpo; opiniões sobre a equipe multiprofissional no manejo com a intersexualidade; importância dos ativismos políticos intersexos.

O procedimento de coleta dos dados se deu pelo recrutamento dos participantes por meio de um grupo do Facebook ligado à Associação Brasileira de Intersexos (ABRAI), uma das principais entidades nacionais de ativismo político no tema. O grupo era composto de pessoas autodeclaradas intersexos e/ou não-binárias e por interessados pela temática. A inserção dos pesquisadores no grupo se deu por solicitação e aceitação do administrador/moderador e, posteriormente, foi realizado um convite público no fórum de discussão do grupo explicitando os objetivos da pesquisa. Todavia, mesmo que no momento do recrutamento o grupo contasse com aproximadamente 380 participantes, o convite recebeu apenas duas respostas de interesse de participação. Devido à baixa adesão, os pesquisadores contataram os administradores do grupo solicitando que eles fizessem contato direto com seus membros reforçando o convite. Foram recebidas, então, mais seis respostas de interesse de participação, totalizando oito participantes. Assim, após demonstrar interesse, o participante recebia por mensagem privada dos pesquisadores o link de acesso ao questionário no Google Forms, que deveria ser respondido em um prazo de até trinta dias. A coleta dos dados ocorreu entre novembro de 2017 e maio de 2018.

Os procedimentos de análise dos dados e referencial teórico ocorreram por meio da organização das respostas ao questionário segundo as recomendações de Castro, Abs e Sarriera (2011Castro, T. G., Abs, D., & Sarriera, J. C. (2011). Análise de conteúdo em pesquisas de Psicologia. Psicologia: Ciência e Profissão, 31(4), 814-825. https://doi.org/10.1590/S1414-98932011000400011
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) para uma análise de conteúdo temática pautada em critérios semânticos e a partir do escopo argumentativo de Judith Butler.

De forma suscinta, Butler (2015Butler, J. (2015). Problemas de gênero. Civilização Brasileira.) argumenta que a constituição das identidades sexuais e de gênero deve ser compreendida ou como uma adequação, no caso dos cisgêneros, ou como um enfrentamento das normas sociais da cisgeneridade ou da heterossexualidade compulsória, no caso dos transgêneros, incluindo os intersexos (Bagagli, 2016Bagagli, B. P. (2016). A diferença trans no gênero para além da patologização. Revista Periodicus, 1(5), 87-100. http://dx.doi.org/10.9771/peri.v1i5.17178
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; Butler, 2015Butler, J. (2015). Problemas de gênero. Civilização Brasileira.; Silva et al., 2019Silva, F. C., Souza, E. M. F., & Bezerra, M. A. (2019). (Trans)tornando a norma cisgênera e seus derivados. Revista Estudos Feministas, 27(2), e54397. https://doi.org/10.1590/1806-9584-2019v27n254397
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). Segundo Butler (2015Butler, J. (2015). Problemas de gênero. Civilização Brasileira.), a heterossexualidade compulsória, termo cunhado por Rich (2012Rich, A. (2012). Heterossexualidade compulsória e existência lésbica. Bagoas - Estudos gays: gêneros e sexualidades, 4(5), 17-44. https://periodicos.ufrn.br/bagoas/article/view/2309
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), seria decorrente de um longo processo histórico, assentado no argumento de que dos aspectos biológicos e sexuados dos corpos classificados como masculinos e femininos decorrem atitudes individuais e sociais específicas de homens e mulheres. Em outras palavras, as atitudes consideradas típicas de homens e de mulheres seriam resultantes exclusivas das suas características biológicas, quando na realidade seriam resultados de pressões sociais e de complexos processos de naturalização (Preciado, 2018Preciado, B. (2018). Testo junkie: Sexo, drogas e biopolítica na era formacopornográfica. N-1 Edições.). Neste sentido, a constituição das identidades sexuais e de gênero e das orientações sexuais respondem aos princípios organizadores das políticas de sexualidade, estas reafirmadas ou recusadas por intermédio de atos, gestos e atuações performativas reiteradas pelos indivíduos.

As identidades sexuais e de gênero e as orientações sexuais são fabricações sustentadas por signos corpóreos, atos e outros elementos discursivos, mas não exclusivamente decorrentes dos aspectos biológicos (Butler, 2002Butler, J. (2002). Cuerpos que importan: Sobre los límites materiales y discursivos del sexo. Paidós., 2015Butler, J. (2015). Problemas de gênero. Civilização Brasileira.; Díaz, 2013Díaz, E. B. (2013). Desconstrução e subversão: Judith Butler. Sapere Aude, 4(7), 441-464. http://periodicos.pucminas.br/index.php/SapereAude/article/view/5543
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; Graça, 2016Graça, R. (2016). Performatividade e política em Judith Butler: Corpo, linguagem e reivindicação de direitos. Revista Perspectiva Filosófica, 43(1), 21-38. https://periodicos.ufpe.br/revistas/perspectivafilosofica/article/view/230291
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). Portanto, a performatividade de gênero - que se esclareça, performatividade cisgênera ou transgênera - se mostra adequada para compreender e revelar as articulações entre sexo, gênero e desejo que na nossa sociedade são consideradas normais somente quando assumem a expressão cisgênera e heterossexual. Por isso, as teorias queer permitem compreender os esquemas de constituição, construção e normalização dos gêneros (Louro, 2001Louro, G. L. (2001). Teoria queer: Uma política pós identitária para a educação. Revista de Estudos Feministas, 9(2), 59-90. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-026X2001000200012
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) e enfrentar a naturalização das opressões, pois evidenciam a compulsoriedade da cisheterossexualidade e as consequências dos discursos hegemônicos que excluem direitos de indivíduos e grupos específicos (Pelúcio, 2014Pelúcio, L. (2014). Breve história afetiva de uma teoria deslocada. Florestan, 1(2), 26-45. http://www.revistaflorestan.ufscar.br/index.php/Florestan/article/view/63
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).

No que tange às disposições éticas, a pesquisa que deu origem a este artigo assumiu todos os cuidados éticos conforme a Resolução CNS nº 466/2012, tais como o uso de nomes fictícios, o assentimento livre e esclarecido, a oferta de assistência aos participantes e a proteção aos dados obtidos, e foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da universidade dos pesquisadores - CAAE 74859117.7.0000.5154 na Plataforma Brasil.

Resultados e discussão

Os principais dados de caracterização dos participantes constam na Tabela 1.

Tabela 1
Caracterização dos participantes.

Os dados coletados nas entrevistas foram organizados e serão apresentados em quatro eixos temáticos: a) violação de direitos sobre a autodeterminação de sexo e gênero, que discorre sobre o processo de normalização dos intersexos; b) tentativas de invisibilização da experiência intersexos, que discorre sobre o enquadramento do corpo e da subjetividade intersexos ao padrão binário de sexo/gênero e sobre a participação dos participantes nesse processo de construção de suas identidades; c) despreparo da equipe de saúde de referência, que aborda o manejo da equipe multidisciplinar em relação aos intersexos e seu impacto na vida dos participantes; d) centralidade dos ativismos intersexos, que aborda as atitudes dos participantes diante das estratégias que pretendem minimizar preconceitos e fortalecer a luta pelos seus direitos.

Violação de direitos sobre a autodeterminação de sexo e gênero

Os contextos e momentos em que ocorreram as descobertas sobre a situação intersexos variou entre os participantes. Su revelou estar ciente em ser intersexos “[. . .] aos 16 anos, depois de descobrir que as “vitaminas” que eu usava eram hormônios para alterar o meu corpo”, após perguntar à mãe e fazer exames médicos que comprovaram sua intersexualidade. Haru descobriu ser intersexos quando “tinha entre oito e dez anos na escola, nas aulas de ciências sobre o corpo humano e reprodução”, ao perceber que seu corpo biológico não se enquadrava perfeitamente ao esquema do dimorfismo sexual. Shay relatou que:

Sempre desconfiei que era diferente, mas descobri aos 28 ou 29 anos, quando minha mãe finalmente confirmou que eu era intersexos e que tinha passado por cirurgias. Confirmação concreta mesmo somente ano passado [2017], quando recebi cópia do meu prontuário médico detalhando os procedimentos e o diagnóstico.

Os discursos apresentam um elemento em comum: as constantes expectativas sociais em comparação às performances binárias de gênero, tomando como referência o dimorfismo sexual, isto é, o corpo feminino é compreendido em sua especificidade em relação ao corpo masculino, ao qual se atribui papéis sociossexuais e de gêneros específicos, coligidos pela heterossexualidade. Todavia, esse modelo da radicalidade da diferença sexual dos seres humanos foi estabelecido pelos estudos da anatomia e da patologia a partir do século XVII (Laqueur, 2001Laqueur, T. W. (2001). Inventando o sexo: Corpo e gênero dos gregos a Freud. Relume Dumará.). De acordo com Butler (2015Butler, J. (2015). Problemas de gênero. Civilização Brasileira.), a atribuição do sexo biológico e, consequentemente, a constituição da identidade de gênero, ocorre mediante um processo denominado invocação performativa, ou seja, por meio da retomada de representações já instituídas e disponibilizadas numa cultura que organiza os corpos segundo homem ou mulher. Portanto, a constituição subjetiva em termos de sexo e gênero é um reconhecimento pautado nos discursos e normas culturais e sociais previamente disponíveis (Graça, 2016Graça, R. (2016). Performatividade e política em Judith Butler: Corpo, linguagem e reivindicação de direitos. Revista Perspectiva Filosófica, 43(1), 21-38. https://periodicos.ufpe.br/revistas/perspectivafilosofica/article/view/230291
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). Não por acaso, mesmo antes do nascimento é atribuída a continuidade do sistema sexo-gênero em torno das únicas possibilidades de referência, isto é, feminino ou masculino, não havendo espaço para ambiguidades, tais como no caso dos intersexos.

Em razão disso, o que geralmente ocorre na prática em casos de ambiguidade genital ou sexual é a decisão pela intervenção precoce, se possível no momento de nascimento, produzindo inúmeros efeitos psicológicos e sociais (Fausto-Sterling, 2000Fausto-Sterling, A. (2000). Sexing the body: Gender politics and the construction of sexuality. Basic Books.). Considerar a decisão da equipe médica pela cirurgia de designação sexual como a resolução de um “problema” dos intersexos se mostra geralmente um equívoco, uma vez que mesmo realizado o procedimento persistem questionamentos em relação ao sexo atribuído arbitrariamente pela cirurgia. Nesse sentido, Raissa afirmou que “fui descoberta intersexos aos três anos de idade e operada, mas a resposta veio realmente aos 12 anos quando menstruei pela primeira vez quando achava ser menino”, o que reforça a problematização sobre se o que foi criado externamente - a genitália- corresponde ao que, de fato, é interiormente experienciado (Jacquot, 2016Jacquot, M. (2016). Le médicin, les parentes et l’enfant intersexe: Enjeux et effets d’une rencontre intersubjective. Corps & Psychisme, 69(1), 99-113. https://doi.org/10.3917/cpsy2.069.0099
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).

Dessa maneira, sendo a cirurgia de designação sexual um procedimento de construção tecnológica de sexo e, por conseguinte, das expectativas de adequação de gênero a esse sexo, tanto o sexo quanto a identidade de gênero são resultados de uma construção social (Laqueur, 2001Laqueur, T. W. (2001). Inventando o sexo: Corpo e gênero dos gregos a Freud. Relume Dumará.), sendo impossível significar o sexo sem considerar antes o gênero, o que faz com que o próprio sexo se constitua como “generificado” (Butler, 2002Butler, J. (2002). Cuerpos que importan: Sobre los límites materiales y discursivos del sexo. Paidós.). Assim, gênero é algo que se faz, não que se é (Duque, 2014Duque, T. (2014). Corpo, estado e militância, ou aquilo que você precisa saber antes de começar a ler uma puta teoria. Florestan, 2, 67-89. http://www.revistaflorestan.ufscar.br/index.php/Florestan/article/view/65
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), uma vez que o corpo e as atitudes desempenhadas ganham sentido no jogo de interpelações e reiterações performativas.

A própria cirurgia de designação sexual, que pretende atribuir ou construir um sexo para pessoas intersexos, e, em casos específicos, a de redesignação sexual, que visa alterar características sexuais não-ambíguas para adequá-las àquelas reconhecidas pela pessoa transexual, revelam que o construto “sexo” é tão culturalmente construído quanto o gênero, não havendo sentido definir o gênero como a interpretação cultural do sexo (Butler, 2015Butler, J. (2015). Problemas de gênero. Civilização Brasileira.; Preciado, 2018Preciado, B. (2018). Testo junkie: Sexo, drogas e biopolítica na era formacopornográfica. N-1 Edições.). De acordo com Preciado (2014Preciado, B. (2014). Manifesto contrassexual: Práticas subversivas de identidade sexual. N-1 Edições.), exemplo disso é quando o recém-nascido intersexos dispõe de pelo menos um cromossomo Y: será considerado pela equipe médica geneticamente masculino normal - no caso de XY - ou anormal - XXY, síndrome de Klinefelter -, mas o órgão sexual será significado pela equipe médica como microfalo ou micropênis quando houver maior possibilidade do desenvolvimento das características sexuais atribuídas aos homens, ou será significado como clitopênis quando houver maior possibilidade do desenvolvimento de características sexuais atribuídas às mulheres.

Tentativas de invisibilização da experiência intersexos

A partir da argumentação sobre performatividade de gênero, Machado (2008Machado, P. S. (2008). O sexo dos anjos: Representações e práticas em torno do gerenciamento sociomédico e cotidiano da intersexualidade [Tese de doutorado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul]. Lume Repositório Digital.) ressalta que a tarefa de normalização empreendida por meio da cirurgia de designação sexual de intersexos está fadada ao fracasso, uma vez que o pretenso sexo verdadeiro se origina de designações culturais arbitrárias de gênero.

Dentre todos os participantes, apenas Dani e Raíssa não passaram pela cirurgia de designação sexual. Por esse motivo, os demais participantes destacaram as insuficiências dessas cirurgias, bem como a negação do direito de autodeterminação de sexo-gênero. Shay apontou que “minhas duas intervenções cirúrgicas ocorreram na primeira infância, uma aos oito meses e outra com um ano. Não fui consultado porque obviamente não tinha condições de opinar”. Rho passou por “intervenção cirúrgica, clínica e psicoterapêutica. Intervenção clínica e psicoterapêutica ocorrem semestralmente desde os dois anos, quando fui “diagnosticada” e a cirurgia realizada. Portanto, não tive posicionamento nenhum em qualquer decisão”. Su realizou intervenção cirúrgica quando “era recém-nascida. Não tive direito a opinar, pois era apenas um bebê”. Haru sofreu “hormonização forçada e possivelmente uma cirurgia quando bebê. Não tive opção de escolha, pois era criança, mas me posiciono contra [a decisão tomada naquela época] desde que soube e entendi o ocorrido”. Já Haruka:

Passei por intervenções cirúrgicas, clínicas e psicoterapêuticas desde os dois anos de idade e acompanhamento médico semestral desde então . . . além de reposição hormonal desde os 12 anos. Todas as decisões foram tomadas por terceiros e mediante pressão médica.

Christopher não foi informado da realização ou não das cirurgias, mas acredita “que alguma tenha sido realizada como tentativa de “correção” e estou procurando nos registros médicos”. Neste mesmo sentido, Shay destacou que:

Existem vários tipos de corporalidades, a natureza é muito diversa e não obedece aos nossos conceitos de certo e errado. É um fato observável que algumas pessoas nascem diferente de outras, que em alguns casos fica difícil enquadrar a pessoa nas únicas duas categorias aceitas socialmente, homem e mulher, isso não é um erro da natureza, é uma expressão dela, o erro está em achar que a natureza obedeceria nossos conceitos. O corpo intersexos é natural assim como o corpo diádico [expressão êmica que designa indivíduos que nasceram nos “padrões” de sexo masculino ou feminino], temos algumas necessidades específicas que pessoas diádicas não tem, só isso que nos diferencia.

Os participantes, quando questionados sobre como é viver cotidianamente sendo intersexos, responderam de formas diversas. Para Shay: “atualmente é algo cotidiano, mas às vezes enfrento alguns preconceitos de algumas pessoas que não compreendem, mas hoje não é nada demais”. Entretanto:

Na minha infância e adolescência foi um processo difícil porque eu não sabia nada sobre mim e isso me atormentava, sabia que era diferente e vivia um mistério, um segredo. Quando finalmente descobri ser intersexos foi uma libertação e minha vida melhorou muito depois disso, passando a me compreender melhor e a aceitar e amar meu corpo.

A discordância dos intersexos em relação ao binarismo sexual gera angústia, uma vez que os participantes se perceberam obrigados a se enquadrar aos padrões socialmente estabelecidos de sexo e gênero. Um claro exemplo disso foram as tentativas de manter segredo sobre o fato de terem realizado a cirurgia de designação sexual. Essa pode ser uma vivência “simplesmente constrangedora” (Christopher), “solitária” (Su) ou “complicada, não pelo fato de ser intersexos, mas por causa das pessoas, do sistema binarista, dos costumes, hábitos, valores e preconceitos” (Dani). Além disso, segundo Haru, “a pessoa intersexos é invisível na sociedade, não há banheiros seguros, não há registro adequado na certidão [de nascimento] e somos classificados erroneamente como tendo sexo feminino ou masculino e a sociedade mal sabe da existência destes sujeitos”.

Essas percepções positivas e negativas dependem de como os próprios intersexos, seus familiares, sua rede de sociabilidade e a equipe médica os reconhecem (Fausto-Sterling, 2000Fausto-Sterling, A. (2000). Sexing the body: Gender politics and the construction of sexuality. Basic Books.). Por exemplo, Christopher relatou que “tenho uma família extremamente religiosa que me vê como um castigo de Deus, então não lidam com isso, simplesmente ignoram minha existência”. Já Haru afirmou que: “meus amigos me respeitam e alguns compreendem minha realidade. Minha família ignora esse fato e considera apenas o sexo registrado”. Já Rho: “minha família e amigos lidam de maneira tranquila e natural, mas apenas após minhas explicações sobre o assunto. No começo tratavam com respeito, mas não conheciam nada sobre o assunto”. “. . . advogo a todos ao meu redor, então faço questão que entendam e respeitem a causa” (Haru). E Raissa disse que “o fato de lidar bem com minha intersexualidade faz com que as pessoas consigam viver melhor ao meu lado, sem questionamentos”. Portanto, quanto maior for a participação do próprio indivíduo e a transparência no processo de designação sexual, maior provavelmente será a redução dos impactos e das adversidades (Fausto-Sterling, 2000Fausto-Sterling, A. (2000). Sexing the body: Gender politics and the construction of sexuality. Basic Books.; Jacquot, 2016Jacquot, M. (2016). Le médicin, les parentes et l’enfant intersexe: Enjeux et effets d’une rencontre intersubjective. Corps & Psychisme, 69(1), 99-113. https://doi.org/10.3917/cpsy2.069.0099
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).

Nesse sentido, os participantes compreendem como importante a consideração dessas diferenças e que as certidões de nascimento e outros documentos constem de uma categoria de sexo-gênero “neutro”. Todavia, o assunto é pouco discutido e problematizado, sobretudo a partir de uma perspectiva queer (Miskolci, 2009Miskolci, R. (2009). A teoria queer e a sociologia: O desafio de uma analítica da normalização. Sociologias, 21, 150-182. https://doi.org/10.1590/S1517-45222009000100008
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). Logo, múltiplas variáveis contribuem negativamente para a compreensão de outras identidades de sexo e gênero possíveis que rompem com os binarismos.

Despreparo da equipe de saúde de referência

Inexiste no contexto brasileiro de atenção em saúde pública uma política exclusiva ou propriamente destinada aos intersexos, pois, quando muito, eles são considerados a partir das propostas genéricas que, apesar de importantes, são destinadas à comunidade lésbica, gay, bissexual, travesti e transexual (LGBTT) (Ministério da Saúde [MS], 2013Ministério da Saúde. (2013). Política nacional de saúde integral de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais.). Decorrente disso pode resultar um despreparo tanto na formação e capacitação quanto na atuação dos profissionais da equipe de saúde que, por isso, tendem a recorrer aos esquemas do binarismo, da cisgeneridade e da heterossexualidade compulsória em vez da oferta de serviços àquele público específico.

Os participantes comentaram esses aspectos das seguintes maneiras: “a maioria dos profissionais da saúde está despreparada e desinformada a respeito da existência da intersexualidade e tomam decisões drásticas por pensar ser necessário encaixar pessoas intersexos no padrão binário feminino ou masculino” (Haru). Neste sentido, Gaudenzi (2018Gaudenzi, P. (2018). Intersexualidade: Entre saberes e intervenções. Cadernos de Saúde Pública, 34(1), 2-11. http://dx.doi.org/10.1590/0102-311x00000217
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) criticou o uso indiscriminado da cirurgia de designação sexual em intersexos como alternativa única, pois muitos profissionais da área da saúde consideram que, justamente pela suposta eficácia biológica e psicológica do procedimento, tal cirurgia deveria ser utilizada em todos os casos, e sua não utilização pode ser considerada negligência médica. Assim, para Gaudenzi, a lógica subjacente é: se há disponibilidade de tecnologia “corretora” ou de adequação sexual para os intersexos, a não utilização desta equivale ao não enfrentamento dos problemas.

Esse argumento de manutenção da normatização, revestido de humanitarismo científico, é tão forte e presente que alguns dos participantes concordaram com a realização desses procedimentos de designação sexual em algumas ocasiões:

As cirurgias não devem ser feitas em bebês, somente em risco de desenvolvimento de câncer. A decisão sobre cirurgias na genitália cabe somente ao paciente, pois será o único afetado diretamente com o procedimento que pode ajudar ou prejudicar seu desenvolvimento como indivíduo (Su).

Devido à condição de pessoa em desenvolvimento e de capacidade relativa das crianças e adolescentes, cabe aos pais ou responsáveis legais assumir o consentimento perante a equipe de saúde de referência sobre a cirurgia de designação sexual (Guimarães, & Barboza, 2014Guimarães, A., & Barboza, H. H. (2014). Designação sexual em crianças intersexo: Uma breve análise dos casos de “genitália ambígua”. Caderno de Saúde Pública, 30(10), 2177-2186. http://dx.doi.org/10.1590/0102-311X00168613
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) - sendo este o principal argumento relatado pelos participantes. Nesse cenário, caberia à equipe multiprofissional de saúde esclarecer e informar adequadamente os pais e/ou responsáveis sobre as consequências e implicações do procedimento.

Entretanto, a decisão, segundo alguns participantes, precisa necessariamente envolver a autorização dos intersexos, mesmo que ela só possa ser obtida e a cirurgia realizada em idade avançada, pois são eles que enfrentarão as consequências físicas, funcionais, anatômicas, psicológicas e subjetivas desses procedimentos relacionados à constituição da identidade sexual e de gênero. Neste sentido, Haruka e Shay ponderam que:

O corpo intersexual é natural acima de tudo. Assim como qualquer pessoa, a pessoa intersexos tem direito de decisão sobre o que acontece com seu corpo, assim como a palavra final no que diz respeito a expressão que este mesmo corpo ostenta (Haruka).

Acho um absurdo, uma violação o que foi feito com ele [corpo intersexos], ninguém deveria ter o direito de intervir no seu corpo sem seu consentimento, deveriam ter esperado ele ser capaz de compreender a situação e principalmente o deixar ciente dos riscos porque as dores crônicas e as infecções urinárias recorrentes são um inferno em sua vida (Shay).

Ainda que seja possível permitir que os intersexos decidam sobre realizar ou não a cirurgia de designação sexual, mesmo que tardiamente na adolescência ou na vida adulta, o cerceamento da autonomia desses sujeitos por parte de alguns profissionais da saúde é a regra (Jacquot, 2016Jacquot, M. (2016). Le médicin, les parentes et l’enfant intersexe: Enjeux et effets d’une rencontre intersubjective. Corps & Psychisme, 69(1), 99-113. https://doi.org/10.3917/cpsy2.069.0099
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). A autonomia de postergar a cirurgia de designação sexual é considerada arriscada pelos especialistas, pois acreditam que a definição da identidade sexual e de gênero dependem somente das características físicas e, portanto, do enquadramento do sujeito nas únicas duas possibilidades de sexo/gênero (Fausto-Sterling, 2000Fausto-Sterling, A. (2000). Sexing the body: Gender politics and the construction of sexuality. Basic Books.). Shay comentou esse fato quando relatou que a biologia do seu corpo já deu indícios de que algo aconteceu e impediu a definição normal do sexo ao nascer:

O profissional de saúde ao fazer essas intervenções na primeira infância pensa estar poupando a criança de problemas sociais, como sofrer bullying dos coleguinhas da escola, se sentir diferente e ser excluída por conta disso. Em resumo, eles almejam melhorar a qualidade de vida dessa criança. Se pararmos para pensar sobre esses problemas veremos que não são problemas físicos, e sim sociais. São problemas que não deveriam ser “resolvidos” no corpo da criança, e sim no núcleo familiar e escolar. Essas crianças precisam se sentir aceitas e isso não vem apenas de uma cirurgia estética, é preciso toda uma estrutura para que isso aconteça. Se aprendêssemos na escola que alguns nascem diferente de outros e que é “ok” ser diferente, que não tem nada de mais nisso, que é tão natural quanto ter olhos claros ou ser ruivo, esses problemas sociais não mais existiriam e a qualidade de vida que esse médico quer dar poderia ser alcançada sem intervenções cirúrgicas desnecessárias. E falo apenas das desnecessárias, aquelas puramente estéticas e feitas sem o consentimento da pessoa intersexos. Sabe que existem pessoas que nascem com genitais atípicos que, por exemplo, não conseguem urinar? Essas crianças precisam de intervenção cirúrgica por motivos de saúde e sem a intervenção elas vão adoecer.

O trecho anterior é extremamente significativo e vai ao encontro do que é proposto por Jacquot (2016Jacquot, M. (2016). Le médicin, les parentes et l’enfant intersexe: Enjeux et effets d’une rencontre intersubjective. Corps & Psychisme, 69(1), 99-113. https://doi.org/10.3917/cpsy2.069.0099
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) sobre a necessidade de se considerar que a situação dos intersexos, antes de ser um fato biológico e de interesse médico ou das ciências psicológicas, é um fato social que requer a participação ativa dos intersexos, dos seus familiares, das equipes de assistência, dos educadores, dos formuladores de políticas públicas e de outros atores sociais. Fausto-Sterling (2000Fausto-Sterling, A. (2000). Sexing the body: Gender politics and the construction of sexuality. Basic Books.) acrescenta que essas cirurgias, se utilizadas sem critério, causam mais danos do que reparações.

Por isso, não são raros os profissionais que se colocam em nome da benemerência como produtores de um sexo definido, pretendendo evitar os riscos de sofrimentos futuros ainda que produzam modos de subjetivação hegemônicos. Na contramão, os participantes consideraram mais vantajoso não realizar a cirurgia de designação sexual precoce, mas para isso ocorrer é fundamental a sociedade ser capaz de reconhecê-los em suas diferenças. Porém, ainda são determinantes os processos de ajustamento social que reforçam as homogeneidades dos corpos e das experiências padronizadas de sexo-gênero. Dessa forma, os profissionais agem como produtores não somente de sexos biológicos, mas igualmente de identidades de gênero, considerando-se capazes de antecipar e de corrigir problemas sociais e psicológicos dos intersexos (Gaudenzi, 2018Gaudenzi, P. (2018). Intersexualidade: Entre saberes e intervenções. Cadernos de Saúde Pública, 34(1), 2-11. http://dx.doi.org/10.1590/0102-311x00000217
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). Para a participante Dani, a cirurgia se tornou:

Um desrespeito na maioria dos casos, sendo que não há necessidade. Isso se permeia pelo sistema médico porque existe essa ideia binarista de que só existe macho e fêmea. Então, quando algo foge a essa regra, que não é uma regra da natureza, mas algo criado pelos seres humanos, eles tendem a patologizar por qualquer motivo tosco, por problemas que pessoas tipicamente macho e fêmea também passam. Eles não se baseiam em um juízo de fato, mas de valor. Um juízo binarista.

Outra consequência relacionada à cirurgia de designação sexual se refere ao direito de integridade corporal (Souza, 2015Souza, A. S. L. (2015). Os direitos da personalidade e a autonomia privada: A questão das crianças em situação de intersexo [Dissertação de Mestrado, Universidade Federal da Bahia]. Repositório Institucional UFBA.). Neste sentido as “cirurgias em crianças intersexos que não correm riscos é mutilação genital. Intervenção hormonal precoce e mascarada é cruel e psicologicamente danosa” (Haruka). Shay considerou em uma das respostas que:

Crianças na primeira infância não usam seus genitais para nada além de urinar. Se são capazes de urinar sem problema não há justificativa plausível para as expor aos riscos de uma cirurgia por propósitos puramente estéticos. O ideal é aguardar até que sejam capazes de compreender as implicações e participar do processo de escolha.

Infelizmente, como foi percebido por parte dos participantes, há um esforço constante para adequar os corpos intersexos às expectativas sociais, tais como a normalidade estética, fertilidade, potencialidade para relações sexuais com penetração, tamanho e desenho do pênis e do clitóris, performance de atitudes e papéis de gênero etc. Desse modo, como afirma Machado (2008Machado, P. S. (2008). O sexo dos anjos: Representações e práticas em torno do gerenciamento sociomédico e cotidiano da intersexualidade [Tese de doutorado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul]. Lume Repositório Digital.), os dispositivos de normalização e regulação colocados em prática pela medicina não apenas buscam encontrar um sexo num corpo, mas pretendem fabricar um sexo e pressupõem determinados marcadores de bem-estar e saúde física e/ou psicossocial considerados normais em nome dos quais justificam as intervenções médicas “reparadoras”.

De acordo com Butler (2002Butler, J. (2002). Cuerpos que importan: Sobre los límites materiales y discursivos del sexo. Paidós., 2015Butler, J. (2015). Problemas de gênero. Civilização Brasileira.) e Preciado (2018Preciado, B. (2018). Testo junkie: Sexo, drogas e biopolítica na era formacopornográfica. N-1 Edições.), existe uma gama de tecnologias cirúrgicas, químicas, visuais e discursivas destinadas a construir os sexos e os gêneros de forma a justificar, paradoxalmente, a suposta “natureza” biológica do corpo e normalidade. É por meio dessas repetições discursivas que o sexo-gênero adquire efeitos naturalizados e aparentemente fixos e estáveis. Porém, a verdadeira transgressão a esses regimes, no que se refere aos intersexos, ganhou força na década de 1980 quando pessoas submetidas na infância às cirurgias de designação sexual passaram a contestá-la devido tanto ao não consentimento quanto aos prejuízos ocasionados.

Para Gaudenzi (2018Gaudenzi, P. (2018). Intersexualidade: Entre saberes e intervenções. Cadernos de Saúde Pública, 34(1), 2-11. http://dx.doi.org/10.1590/0102-311x00000217
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), essas narrativas se apresentam como desafios ao saber/poder biomédico ao colocarem em xeque a suposta necessidade de realização da cirurgia de adequação/correção da genitália ambígua o mais precocemente possível - salvo em situações em que a intersexualidade esteja acompanhada de comorbidades e/ou coloque em risco a vida do neonato. O modelo dos dois sexos - macho ou fêmea -, alinhados a dois gêneros - homem ou mulher - (Laqueur, 2001Laqueur, T. W. (2001). Inventando o sexo: Corpo e gênero dos gregos a Freud. Relume Dumará.), tornou-se hegemônico a partir do século XVII, e foi sobre essa perspectiva que Foucault (2020Foucault, M. (2020). História da sexualidade 1: A vontade de saber. Paz & Terra.) apontou a sexualidade como um dispositivo de poder formado por um conjunto de práticas, discursos e técnicas sobre os sujeitos.

Dessa forma, a construção de um saber denominado científico e cada vez mais especializado sobre o sexo biológico como um espaço privilegiado de produção de saber sobre os sujeitos se configurou, segundo Foucault (2020Foucault, M. (2020). História da sexualidade 1: A vontade de saber. Paz & Terra.), em um insidioso mecanismo de sujeição e dominação pelo qual os sujeitos são classificados em categorias e fixados em uma suposta identidade sexual e de gênero naturais. Nesse sentido, toda sorte de identidades sexuais, de identidades de gênero e de orientações sexuais consideradas desviantes sofrem intervenções que visam homogeneizar e adequar seus corpos e experiências aos esquemas de normalizações - fato denunciado com o emblemático caso de Adélaïde Herculine Barbin, pessoa intersexos criada como mulher que, após escrever suas memórias em 1868, cometeu suicídio por ter sido obrigada judicialmente a adotar o nome Abel Barbin e a viver “como um homem” pelo fato de sua genitália aparentar ser masculina (Andrade, 2007Andrade, D. P. (2007). Vidas paralelas: Foucault, Pierre Rivière e Herculine Barbin. Tempo Social, 19(2), 233-252. http://dx.doi.org/10.1590/S0103-20702007000200009
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; Jacquot, 2016Jacquot, M. (2016). Le médicin, les parentes et l’enfant intersexe: Enjeux et effets d’une rencontre intersubjective. Corps & Psychisme, 69(1), 99-113. https://doi.org/10.3917/cpsy2.069.0099
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).

Centralidade dos ativismos intersexos

Os ativistas intersexos reivindicam a autonomia dos sujeitos em relação à decisão de realização da cirurgia e à escolha do sexo e das identidades sexuais e de gênero e são contrários à realização da cirurgia de designação sexual em neonatos e crianças, mas não necessariamente se opõem à escolha de um sexo e/ou à submissão aos procedimentos tecnológicos para concretizar a adequação ao sistema sexo-gênero, desde que consentida pelos sujeitos (Gaudenzi, 2018Gaudenzi, P. (2018). Intersexualidade: Entre saberes e intervenções. Cadernos de Saúde Pública, 34(1), 2-11. http://dx.doi.org/10.1590/0102-311x00000217
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). Tal postura possui respaldo da Associação Americana de Psicologia (APA), que pondera não ser “necessária a imediata realização de cirurgia [na genitália] de modo a torná-la reconhecidamente masculina ou feminina” (Guimarães, & Barboza, 2014Guimarães, A., & Barboza, H. H. (2014). Designação sexual em crianças intersexo: Uma breve análise dos casos de “genitália ambígua”. Caderno de Saúde Pública, 30(10), 2177-2186. http://dx.doi.org/10.1590/0102-311X00168613
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, p. 2).

Nesse sentido, segundo os participantes, uma das principais pautas dos ativismos intersexos é retardar a realização das cirurgias de designação sexual em neonatos e em crianças pequenas para que eles possam “decidir o que acontece com seus corpos, viver livre de estigmas sociais e médicos e ter liberdade para expressar livremente qualquer discordância das normas binárias de gênero que possam vir a surgir em alguns indivíduos” (Haruka).

Além disso, uma das vertentes dos ativismos intersexos também envolve:

O fim das IGMs [Intersex Genital Mutilation] que causam danos irreversíveis. Existem riscos sérios de insensibilidade genital, dores crônicas, incontinência e infecções urinárias recorrentes, além do risco de enquadrar uma criança em um gênero que ela não reconhecerá como sendo o dela (Shay).

Para Rho, “a não ser que exista um perigo de saúde grave e iminente, nenhuma intervenção é válida”. Os participantes que se posicionaram contrariamente à realização das cirurgias de designação sexual em neonatos, crianças e adolescentes sem seus expressos consentimentos se aproximam do que é proposto pelas teorias queer, haja vista que elas rechaçam categorias binárias de classificação e de normalização dos aspectos, comportamentos sexuais e identidades de gênero (Gaudenzi, 2018Gaudenzi, P. (2018). Intersexualidade: Entre saberes e intervenções. Cadernos de Saúde Pública, 34(1), 2-11. http://dx.doi.org/10.1590/0102-311x00000217
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). Ademais, as teorias queer consideram que essas cirurgias procuram mais atribuir efeitos estéticos do que resolver reais problemas de saúde: “a maioria das intervenções são desnecessárias e devem esperar a maioridade da pessoa para decidir. São poucas as intervenções necessárias em quesito saúde” (Haru).

Uma das principais entidades representativas dos direitos dos intersexos é o Instituto Intersex (Visibilidade Intersexo, 2018Visibilidade Intersexo. (2018). Página inicial [página de Facebook]. Facebook. https://www.facebook.com/visibilidadeintersex/
https://www.facebook.com/visibilidadeint...
), que defende em seu site virtual oficial que a atribuição sexual por intermédio da cirurgia de designação sexual em neonatos ou em crianças deveria ser descontinuada, dando aos intersexos o poder de decisão sobre a cirurgia e suas identidades de forma esclarecida, ou seja, na adolescência ou no início da vida adulta. Outro movimento, denominado Stop IGM (Stop Intersex Gentital Mutilation in Children’s Clinics), é composto por diversas entidades não-governamentais, a nível internacional, por pessoas intersexos sobreviventes de cirurgias e de mutilações genitais e por aliados que contestam a realização e a eficácia dessas cirurgias em crianças que visam a adequação a um padrão normativo binário de sexo e de gênero.

No Brasil, foi criada recentemente a Associação Brasileira de Intersexos (ABRAI, 2018Associação Brasileira de Intersexos. (2018). Página inicial [página de Facebook]. Facebook. https://www.facebook.com/abraintersex/
https://www.facebook.com/abraintersex/...
) com os seguintes objetivos: tornar a intersexualidade e os intersexos visíveis; lutar pela despatologização dos corpos dessas pessoas; encerrar as práticas corriqueiras de cirurgias de designação sexual em neonatos e crianças; promover a igualdade de sexo e de gênero para os intersexos; garantir os direitos de autodeterminação de sexo e de identidade de gênero. Vale a pena reiterar que o grupo do Facebook onde foram recrutados os participantes desta pesquisa é uma das principais ações da ABRAI (2018Associação Brasileira de Intersexos. (2018). Página inicial [página de Facebook]. Facebook. https://www.facebook.com/abraintersex/
https://www.facebook.com/abraintersex/...
), o que auxilia a compreender os posicionamentos e ativismos políticos dos respondentes desta pesquisa.

Esse ativismo político, segundo os participantes, pode ocorrer por meio de debates e projetos de educação intersexos nas escolas, palestras, propagandas em mídias e plataformas diversas, além de ações que almejem proporcionar abrigo e amparo aos intersexos que vivenciam preconceitos, discriminações e violências diversas. A proposta da ABRAI (2018Associação Brasileira de Intersexos. (2018). Página inicial [página de Facebook]. Facebook. https://www.facebook.com/abraintersex/
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) se justifica da seguinte maneira:

Somos humanos com corporalidades diversas, consideradas atípicas porque a sociedade tem uma visão encurtecida [sic] sobre sexo, corpos e gênero. Somos cis e trans, somos gays e héteros, somos minoria, porém milhões. Somos lutadores em meio ao silêncio e ao segredo que a medicina impõe sobre nós. Somos um grupo de pessoas que quer dizer ao mundo que não estamos sós, que nos unimos para combater a visão binária e corretiva que nos impede de nos percebermos e existirmos (ABRAI, 2018Associação Brasileira de Intersexos. (2018). Página inicial [página de Facebook]. Facebook. https://www.facebook.com/abraintersex/
https://www.facebook.com/abraintersex/...
).

A ABRAI possui relações e desenvolve atividades com outras organizações internacionais que se empenham a favor dos direitos de pessoas LGBTI, incluindo, portanto, os intersexos, como a Ação Global pela Igualdade Trans (GATE) (2009Globally for Trans, Gender Diverse and Intersex Equality. (2009). Globally for trans, gender diverse and intersex equality. Gate. http://transactivists.org/
http://transactivists.org/...
) e a Associação Internacional Lésbica, Gay, Bissexual, Trans e Intersexual (ILGA) (2019The International Lesbian, Gay, Bissexual, Trans and Intersex Association. (2019). The international lesbian, gay, bissexual, trans and intersex association. Ilga. https://ilga.org/
https://ilga.org/...
), criada em 1978. Apesar de os participantes não possuírem vínculos formalizados com essas entidades internacionais, apenas com a ABRAI, é significativo destacar as conexões multicêntricas pela implementação do reconhecimento das suas demandas, pautas e direitos. Essa postura brasileira de engajamento político intersexos encontra respaldo em experiências internacionais. Segundo Gaudenzi (2018Gaudenzi, P. (2018). Intersexualidade: Entre saberes e intervenções. Cadernos de Saúde Pública, 34(1), 2-11. http://dx.doi.org/10.1590/0102-311x00000217
http://dx.doi.org/10.1590/0102-311x00000...
) e Ugolino (2013Ugolino, F. (2013). La república federal alemana reconoce el tercer sexo. Civitas Europa, 2(31), 329-331. https://doi.org/10.3917/civit.031.0329
https://doi.org/10.3917/civit.031.0329...
), alguns países e estados modificaram suas legislações em prol dos direitos dos intersexos, tais como a Califórnia - o primeiro estado dos Estados Unidos a condenar cirurgias de designação sexual desnecessárias em crianças intersexos -, Portugal, Noruega, Dinamarca, Bélgica, Irlanda, Malta - formando uma série de países que pretendem proteger os direitos das pessoas lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e pessoas intersexos na Europa - e Alemanha, que legalizou o registro de pessoas como intersexos e a possibilidade de omissão da definição de gênero nas certidões de nascimento.

Assim, há que se reconhecer os esforços que alguns países realizaram e realizam para promover a qualidade de vida, o bem-estar e o pleno reconhecimento dos direitos das pessoas LGBTI. No Brasil há pelo menos dois projetos de lei que pretendem reconhecer os direitos de autodeterminação de identidade sexual e de gênero dos intersexos (Cardin & Santos, 2020Cardin, V. S. G., & Santos, J. B. S. O. (2020). Da intersexualidade e o direito ao próprio corpo: Uma análise bioética. Revista Direitos sociais e políticas públicas (UNIFAFIBE), 8(2), 410-438. https://www.unifafibe.com.br/revista/index.php/direitos-sociais-politicas-pub/article/view/826
https://www.unifafibe.com.br/revista/ind...
; Costa, Bernardes, & Palmiere, 2019Costa, Q. A., Bernardes, A. G., & Palmiere, J. A. F. (2019). Direito ao corpo e à vida: A invisibilidade do intersexo no campo social. Revista Eletrônica Científica Da UERGS, 5(2), 85-100. https://doi.org/10.21674/2448-0479.52.85-100
https://doi.org/10.21674/2448-0479.52.85...
). Trata-se do Projeto de Lei nº 5.002 (2013Projeto de Lei nº 5.002/2013. (2013, 20 de fevereiro). Dispõe sobre o direito à identidade de gênero e altera o art. 58 da Lei nº 6.015 de 31 de dezembro de 1973 [Projeto de lei arquivado].) que tramita na Câmara dos Deputados, que visa permitir os intersexos a alterarem administrativamente seus nomes nos casos que envolvam discordância entre o nome atribuído e o sexo constante no registro civil, e o Projeto de Lei nº 134 (2018Projeto de Lei nº 134, de 2018. (2018). Institui o Estatuto da Diversidade Sexual e de Gênero [Projeto de lei em tramitação].) que tramita no Senado Federal, denominado Estatuto da Diversidade Sexual, e que visa vedar a realização de cirurgias de designação sexual em crianças intersexos, exceto quando essa condição coloca em risco a vida. Ambos os projetos de leis aguardam parecer final dos relatores para serem enviados e apreciados pelas mesas diretoras e plenárias das respectivas instâncias legislativas.

Entretanto, deve-se lembrar que tais mudanças só foram e são possíveis graças às lutas de sujeitos que sofreram e sofrem diariamente as consequências de uma sociedade binarista, sexista, cisheteronormativa e que pouco ou insuficientemente reconhece as diferenças sexuais e de gênero como possibilidades e direitos que conseguem “acabar com o estigma sobre as pessoas intersexos, levando em conta o conhecimento e a conscientização de todos” (Rho).

Considerações Finais

A discussão sobre intersexos resvala na constante afirmação do sexo como uma categoria natural e, portanto, pré-discursiva, em contraposição ao gênero e a identidade de gênero como culturalmente estabelecidos. A partir das argumentações das teorias quer, intencionou-se neste artigo estimular a reflexão de que o suposto e natural binarismo sexual não se verifica quando se destacam os intersexos.

Dentre os principais resultados, destacam-se: a realização das cirurgias de designação sexual em momentos precoces do desenvolvimento psicossexual sem o consentimento dos intersexos; as angústias causadas pelas expectativas sociais de enquadramento dos corpos intersexos em normas binárias; as tentativas de ocultamento da intersexualidade como maneiras de evitar ou pelo menos minimizar as marginalizações; as dificuldades de compreensão e de enfretamento dos familiares e dos profissionais da equipe multidisciplinar de saúde diante da ambiguidade genital das quais, segundo eles, podem decorrer sofrimentos psicológicos e sociais; o despreparo dos profissionais da equipe multidisciplinar em saúde; e, por fim, a necessidade dos ativismos teóricos e políticos não apenas questionarem as intervenções corretivas dos corpos intersexos, mas também os esquemas de conformação de sexo e gênero e orientação sexual, dando maior visibilidade às identidades intersexos.

De forma sucinta, as cirurgias de designação sexual em neonatos ou em crianças intersexos são procedimentos que incidem sobre os corpos biológicos pretendendo produzir efeitos psicológicos e sociais, replicando os esquemas da cisheteronormatividade. Por isso, uma das principais contribuições das teorias queer para os estudos e ativismos intersexos é a revelação de que não há sexo nem gênero, orientação sexual ou identidade verdadeiros: todos seriam ficções socialmente produzidos por estruturas de poder específicas das quais decorrem constrangimentos e impactos para as subjetividades individuais e para as relações sociais dos intersexos.

Os intersexos, utilizando uma expressão popular, são uma “pedra no sapato” para aqueles que acreditam na estabilidade e fixidez do sexo, gênero, orientação sexual e identidade, calcados no binarismo. Portanto, faz-se necessário compreender as experiências identitárias dos intersexos a partir dos seus próprios relatos utilizando metodologias diversas, além de compreender as experiências dos intersexos que não tenham nenhum ou pouco acesso aos dispositivos de saúde e de ativismos políticos e/ou que sejam ausentes de familiares e profissionais da equipe de saúde que lhes prestem atenção, assistência e cuidados em saúde. Neste sentido, tanto o reduzido tamanho da amostra quanto o fato de os participantes estarem ligados, mesmo que indiretamente, a organizações formais de ativismos políticos intersexos, o que lhes permite uma apreciação crítica da própria condição, podem ser considerados como os principais limites deste estudo.

Não obstante, a Psicologia enquanto ciência e profissão deve estar implicada nessa temática e deve lutar pelo reconhecimento das identidades sexuais, de gênero e das orientações sexuais distintas das cisheteronormativas. Assim, tal área de estudo pode subsidiar e fornecer elementos, numa perspectiva bioética socialmente comprometida com os direitos sexuais, reprodutivos e humanos, que permitam aos intersexos, seus familiares, profissionais da equipe de saúde etc. tomarem decisões que não limitem a compreensão da saúde como resultado apenas dos fatores biológicos e que visem a efetivação da qualidade de vida e do bem-estar individual e social das coletividades. Dessa forma, a Psicologia pode contribuir substancialmente para as políticas públicas destinadas às populações em situações de vulnerabilidade e/ou risco psicossocial de sexo e de gênero.

Por fim, nunca é demais reiterar que designar um corpo ou característica(s) como próprios de homens ou mulheres é sempre uma decisão política e socialmente orientada da qual decorrem consequências, ainda que os parâmetros dessa atribuição nem sempre estejam evidentes para os a(u)tores envolvidos. No caso específico desta investigação, o conhecimento científico deve ser utilizado para esclarecer as artificialidades das articulações entre sexo, gênero, orientação sexual e identidades, possibilitando a convivência com os diferentes.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Out 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    11 Set 2019
  • Aceito
    21 Dez 2020
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