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Análise morfológica de Sagittaria montevidensis desenvolvida em diferentes condições de inundação

Morphological analysis of Sagittaria montevidensis developed under different flooding conditions

Resumos

O cultivo de arroz irrigado em sistema pré-germinado tem permitido o desenvolvimento de plantas daninhas aquáticas, como as da espécie Sagittaria montevidensis (sagitária), a qual desenvolveu biótipos resistentes a herbicidas inibidores de ALS, no Estado de Santa Catarina. No presente trabalho, objetivou-se examinar as respostas morfológicas de sagitária quanto à variação da lâmina d'água, crescendo sob condições ambientais controladas. Os tratamentos foram representados pelas seguintes condições de inundação: solo saturado, 5, 10 e 20 cm de submersão, em delineamento experimental completamente casualizado, com cinco repetições. A presença de lâmina d'água favoreceu a germinação das sementes de sagitária. O aumento da profundidade de submersão incrementou a estatura da planta por meio do alongamento dos pecíolos das folhas espatuladas e sagitadas. Variação na profundidade da lâmina d'água não modificou o número de plantas, a massa seca, o número de folhas e de raízes, o tamanho da folha linear, o tamanho da lâmina foliar espatulada e sagitada e do escapo floral das plantas de S. montevidensis. As folhas de sagitária de mesmo tipo morfológico, quando desenvolvidas nas profundidades de água testadas, não diferiram histologicamente.

germinação; manejo; níveis de água; plantas daninhas; sagitária


The cultivation of irrigated rice under water-seeded rice system has allowed the development of aquatic weed plants such as Sagittaria montevidensis (giant arrowhead), which has developed biotypes resistant to ALS-inhibiting herbicides in the state of Santa Catarina. This research aimed to investigate the morphologic responses of giant arrowhead to water level variation, under controlled environmental conditions. The treatments were represented by the following flood conditions: saturated soil, 5, 10 and 20 cm of water submersion, arranged in a completely randomized design, with five repetitions. Seed germination was promoted by the presence of water. Submersion depth increased plant height through petide lengthening of the spatulate and sagittate foliar blade size leaves. Water sheet depth variation did not modify the number of plants, dry mass, the number of leaves and roots, linear leaf size, spatulate and sagittate foliar blade size and the inflorescence axis of the S. montevidensis plants. The giant arrowhead leaves of the same morphological type did not differ histologically when developed under the tested water depths.

germination; management; water sheets; weeds; giant arrowhead


ARTIGOS

Análise morfológica de Sagittaria montevidensis desenvolvida em diferentes condições de inundação

Morphological analysis of Sagittaria montevidensis developed under different flooding conditions

Cassol, B.I; Agostinetto; D.II; Mariath, J.E.A.III

IBiol., M.S., Aluna do Programa de Pós-Graduação em Botânica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS

IIEngº Agrº, Ph.D., Prof. da Faculdade de Agronomia Eliseu Maciel da Universidade Federal de Pelotas, Caixa Postal 354, 96010-900 Pelotas-RS

IIIBiol., Ph.D., Prof. do Instituto de Biociências da UFRGS, Av. Bento Gonçalves, 9500, Setor 4, Prédio 43423, Sala 206, 91591-970 Porto Alegre-RS

RESUMO

O cultivo de arroz irrigado em sistema pré-germinado tem permitido o desenvolvimento de plantas daninhas aquáticas, como as da espécie Sagittaria montevidensis (sagitária), a qual desenvolveu biótipos resistentes a herbicidas inibidores de ALS, no Estado de Santa Catarina. No presente trabalho, objetivou-se examinar as respostas morfológicas de sagitária quanto à variação da lâmina d'água, crescendo sob condições ambientais controladas. Os tratamentos foram representados pelas seguintes condições de inundação: solo saturado, 5, 10 e 20 cm de submersão, em delineamento experimental completamente casualizado, com cinco repetições. A presença de lâmina d'água favoreceu a germinação das sementes de sagitária. O aumento da profundidade de submersão incrementou a estatura da planta por meio do alongamento dos pecíolos das folhas espatuladas e sagitadas. Variação na profundidade da lâmina d'água não modificou o número de plantas, a massa seca, o número de folhas e de raízes, o tamanho da folha linear, o tamanho da lâmina foliar espatulada e sagitada e do escapo floral das plantas de S. montevidensis. As folhas de sagitária de mesmo tipo morfológico, quando desenvolvidas nas profundidades de água testadas, não diferiram histologicamente.

Palavras-chave: germinação, manejo, níveis de água, plantas daninhas, sagitária.

ABSTRACT

The cultivation of irrigated rice under water-seeded rice system has allowed the development of aquatic weed plants such as Sagittaria montevidensis (giant arrowhead), which has developed biotypes resistant to ALS-inhibiting herbicides in the state of Santa Catarina. This research aimed to investigate the morphologic responses of giant arrowhead to water level variation, under controlled environmental conditions. The treatments were represented by the following flood conditions: saturated soil, 5, 10 and 20 cm of water submersion, arranged in a completely randomized design, with five repetitions. Seed germination was promoted by the presence of water. Submersion depth increased plant height through petide lengthening of the spatulate and sagittate foliar blade size leaves. Water sheet depth variation did not modify the number of plants, dry mass, the number of leaves and roots, linear leaf size, spatulate and sagittate foliar blade size and the inflorescence axis of the S. montevidensis plants. The giant arrowhead leaves of the same morphological type did not differ histologically when developed under the tested water depths.

Keywords: germination, management, water sheets, weeds, giant arrowhead.

INTRODUÇÃO

A região Sul é responsável por grande parte da produção total de arroz no Brasil (Sanint, 1997). O sistema predominantemente utilizado é o de irrigação com inundação controlada; entretanto, a infestação das lavouras por plantas daninhas constitui um dos principais limitantes ao potencial de produtividade do arroz. Uma alternativa para redução das infestações é o cultivo pelo sistema pré-germinado, o qual é utilizado no Estado de Santa Catarina na quase totalidade da área orizícola e no Rio Grande do Sul em cerca de 10% da área cultivada. Nesse sistema, em razão de o preparo do solo e a semeadura serem realizados com lâmina de água, há favorecimento do desenvolvimento de plantas daninhas de ambiente aquático.

As espécies de macrófitas aquáticas apresentam grande amplitude ecológica, o que lhes permite habitar ambientes alagados em diferentes gradientes físico-químicos. Entre outras espécies, Sagittaria montevidensis (sagitária) tem se destacado pelo nível de infestação e redução da produtividade da cultura do arroz. Embora esta espécie seja considerada pouco competitiva em culturas de arroz pré-germinado, a falta de controle químico pode levar ao enriquecimento do banco de sementes, permitindo aumento na população de sagitária em níveis que afetem a produção de arroz (Gibson et al., 2001). A ocorrência de biótipos de sagitária resistentes a herbicidas inibidores da enzima ALS – acetolactato sintase (Noldin et al., 1999), os quais se constituem no principal grupo de herbicidas para controle de plantas daninhas na cultura do arroz, tem dificultado a adoção do controle químico. Experimentos demonstram a ineficácia do controle de sagitária por dez herbicidas e efeitos moderados de outros três herbicidas que atuam em outras rotas metabólicas (Noldin & Eberhardt, 2000). Concenço et al. (2007) observaram que o ecótipo resistente de sagitária estudado apresentou emergência mais rápida, maior vigor e via de absorção aérea do herbicida preferencial em relação às raízes, quando comparado com o ecótipo suscetível. A maior adaptabilidade e a alteração em relação ao sítio de absorção do herbicida foram interpretadas como uma conseqüência indireta do(s) fator(es) responsável(is) pela resistência de sagitária aos herbicidas inibidores da ALS. Estes mesmos autores relataram a ocorrência de populações de sagitária resistentes a esses herbicidas em praticamente todos os municípios produtores de arroz irrigado em Santa Catarina, com carência de alternativas de controle eficientes.

Uma opção para controle de sagitárias é o uso de métodos biológicos, como a aplicação de herbicida fúngico. Os fungos Rhynchosporium alismatis (sin. Plectosporium alismatis) e P. tabacinium são eficazes no controle de S. pygmaea, S. guayanensis e S. trifolia, porém a utilização em campo desses mico-herbicidas é dificultada pelas limitações biológicas, tecnológicas, ambientais e econômicas (Cother & Gilbert, 1994; Chung et al., 1998). Ainda, S. montevidensis se mostrou resistente a P. alismatis (Pitt et al., 2004). Assim, outros métodos de manejo são necessários para a integração de técnicas que consigam resultados sobre a comunidade infestante.

O regime hídrico envolve a soma dos efeitos da profundidade da água, duração e período de inundação e a razão entre inundação e diminuição da coluna d'água. Dos fatores ecológicos que regem o regime hídrico, a profundidade é o mais significativo no controle do desempenho e reprodução das macrófitas emergentes (White & Ganf, 2002). A profundidade altera as características físico-químicas do meio aquático, como aumento da concentração de CO2, decréscimo da concentração de O2 e luminosidade.

O estabelecimento da planta dependerá da sua capacidade em adaptar-se morfofisiologicamente a essas condições. Modificações morfológicas, anatômicas e fenológicas nos vegetais, para aumentar ou melhorar o potencial de aeração, são a estratégia mais comum para tolerar a inundação ou a profundidade d'água. Em várias espécies, observa-se que a formação de inflorescências é tamanho-dependente. Plantas de Schoenoplectus lineolatus, quando crescidas em águas mais profundas, apresentaram colmos menores e produziram poucas inflorescências (Ishii & Kadono, 2004). A estatura da planta também teve influência na produção de flores em Blyxa aubertii e B. echinosperma, havendo correlação positiva entre tamanho e número de flores. A quantidade de sementes por fruto não foi alterada pelo tamanho do indivíduo, e sim regulada pelo número de flores produzidas (Jiang & Kadono, 2001a).

Os objetivos deste trabalho foram examinar as respostas morfológicas de Sagittaria montevidensis crescendo sob condições ambientais controladas quanto à variação da lâmina d'água e fornecer subsídios para a busca de métodos eficazes no manejo da cultura do arroz irrigado.

MATERIAL E MÉTODOS

A espécie utilizada foi Sagittaria montevidensis (Alismataceae). Constitui-se de ervas, com filotaxia rosulada, folhas glabras e heteromórficas, apresentando limbo linear, quando submersas, e espatulado ou sagitado, quando emersas. Inflorescência classificada como racemo, ereta e emersa. Flores actinomorfas, pediceladas, heteroclamídeas e trímeras. As flores megasporangiadas estão localizadas nos verticilos inferiores e as microsporangiadas, a partir do segundo ou quinto verticilo. Fruto tipo aquênio (Rego, 1988).

O trabalho experimental foi desenvolvido utilizando-se aquênios de sagitária existentes no banco de sementes do solo coletado na Estação Experimental do Arroz do Instituto Rio-Grandense do Arroz (EAA-IRGA), Cachoeirinha – RS (30º S, 51º W). O delineamento experimental foi completamente casualizado, com cinco repetições. Os tratamentos constaram de quatro condições de inundação: solo saturado, 5, 10 e 20 cm de submersão em lâmina d'água. Cada unidade experimental foi composta por vaso com capacidade volumétrica de 4 L.

As variáveis avaliadas aos 49 dias após a instalação do experimento foram: número de plantas, de folhas e de raízes; altura da planta, comprimento do escapo floral, lâmina foliar e pecíolo dos diferentes tipos morfológicos de folhas, massa seca total e caracterização morfológica e histológica das folhas e flores. Para a quantificação das variáveis, as plantas foram retiradas dos vasos com o substrato e lavadas sob água corrente.

As folhas dos diferentes tipos morfológicos foram coletadas, seccionadas e fixadas em glutaraldeído 1% e formaldeído 4% (McDowell & Trump, 1976), em tampão fosfato de sódio 0,1 M (Gabriel, 1982), desidratadas em série etílica crescente (Johansen, 1940) e incluídas em hidroxietilmetacrilato (Gerrits & Smid, 1983). As seções histológicas, com espessura de 5 µm, foram coradas com Azul de Toluidina 0,05% (Feder & O'Brien, 1968) e analisadas em microscopia óptica de campo claro. Para os testes histoquímicos foram feitas seções transversais à mão livre e utilizados os reagentes floroglucinol em HCl (Johansen, 1940), para detecção de lignina, e cloreto de zinco iodado (Jensen, 1962), para celulose.

Os dados foram submetidos à análise de variância não-paramétrica de Kruskall-Wallis. A comparação de médias foi realizada por teste de comparações múltiplas não-paramétrico.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A presença de lâmina d'água favoreceu a germinação das sementes de sagitária, enquanto na exposição à condição de solo saturado (nível zero) não foi constatada a sua germinação (Tabela 1, Figura 1a). Resultados similares foram encontrados em Sagittaria latifolia (Kellogg et al., 2003) e Alisma subcordata (Moore & Keedy, 1988), que não germinaram em solo exposto (não inundado).



O biótipo de Sagittaria montevidensis não modificou sua capacidade de germinação com o aumento do nível da lâmina d'água (Tabela 1). O efeito inibitório da inundação na germinação tem sido demonstrado em diversas espécies de banhado (Nishihiro et al., 2004). Em S. trifolia houve maior germinabilidade no nível zero do que nos níveis de 5 e 10 cm de profundidade, porém nos três níveis foi possível a sua germinação (Liu et al., 2005).

Um dos métodos recentes de manejo dos campos de arroz é a exposição do banco de sementes a longos períodos de seca, a fim de dificultar a sobrevivência das sementes (Jiang & Kadono, 2001b). Pelos resultados obtidos, a incapacidade de germinação de S. montevidensis em solo saturado, na ausência de lâmina d'água, possibilita o manejo através da rotação de culturas ou drenagem na entressafra de monocultivo de arroz irrigado.

Na espécie estudada, não foi constatada diferença significativa da massa seca total com a variação do nível d'água (Tabela 1). Resposta similar foi observada em Sagittaria lancifolia, que apresentou tolerância à submersão e não teve sua biomassa alterada pela profundidade da lâmina d'água (Howard & Mendelssohn, 1995). Da mesma forma, não foi verificada alteração de biomassa subterrânea em S. latifolia e S. platyphylla, quando expostas à profundidade de 30 cm de água (Martin & Shaffer, 2005). Macrófitas emergentes respondem funcionalmente à profundidade da água com o aumento da alocação de biomassa para a parte aérea, em relação às partes subterrâneas (Coops et al., 1996), ou com a diminuição da biomassa total (Paillisson & Marion, 2006).

Nas profundidades de submersão avaliadas no trabalho (5, 10 e 20 cm), o número de folhas e de raízes foi similar entre os tratamentos, porém verificou-se aumento na estatura da planta à medida que a profundidade de submersão aumentou (Tabela 1, Figura 1b). O tamanho das folhas lineares, espatuladas ou sagitadas não diferiu entre tratamentos em que houve germinação das sementes. Por outro lado, o comprimento do pecíolo das folhas espatuladas e sagitadas aumentou com o incremento na profundidade de submersão (Tabela 2). Determinadas espécies, tolerantes à submersão, são distinguidas das espécies não-tolerantes pela habilidade de alongar o caule e/ou o pecíolo. Isso permite que a planta eleve-se da água e recupere o contato com a atmosfera (Armstrong et al., 1994). O aumento do tamanho do pecíolo a profundidades maiores também foi observado em Epilobium hirsutum quando exposta à submersão de 5 cm de profundidade, em Nymphaea alba para níveis de água variando entre 10 e 50 cm (Lenssen et al., 1998; Paillisson & Marion, 2006) e em seis espécies de Sagittaria, germinadas em solo saturado e em profundidade de 4 a 27 cm (Wooten,1986).

O aumento da estatura da planta, possibilitando a emergência da parte aérea, foi observado em diversas espécies de Sagittaria. S. sagittifolia tolerou submersão prolongada por oito semanas, através do aumento do comprimento da parte aérea (van den Brink et al., 1995). S. lancifolia respondeu à elevação do nível d'água em 7,5 e 15 cm por meio do aumento da altura da folha (Howard & Mendelssohn, 1995). Quando em condições anaeróbias, S. pygmaea apresentou crescimento da parte aérea, através do alongamento celular, promovido pela ação do cálcio (Tamura et al., 2001). A manutenção da maior parte da superfície fotossintética acima da superfície d'água permite o transporte de oxigênio para as raízes e caules subterrâneos, evitando condições de anoxia no sedimento e possibilitando a manutenção do crescimento da planta (Brändle, 1991).

Os resultados obtidos no estudo demonstram que o alongamento do pecíolo em S. montevidensis compensa o aumento do nível da água sem afetar a biomassa das folhas. Provavelmente, o aumento da mobilização de nutrientes é obtido com a translocação de recursos a partir dos órgãos subterrâneos.

Em folhas de diversas macrófitas vasculares (Echinodorus tenellus, E. paniculatus e Neptunia plena) foram registradas modificações significativas quanto ao grau de lignificação dos feixes vasculares quando crescidas em ambientes com intensa variação da lâmina d'água (Resende, 1996; Scremin-Dias, 2000).

As folhas de Sagittaria montevidensis de um mesmo tipo morfológico, quando desenvolvidas nas profundidades de água testadas (5, 10 e 20 cm), não diferiram histologicamente. A presença de lignina foi verificada apenas nos elementos traqueais do metaxilema (Figura 1c), sendo os espessamentos das fibras pericíclicas e a extensão de bainha de constituição pecto-celulósica (Figura 1d), localizadas nos bordos foliares e na nervura central das folhas mais espessas. Assim, nas condições testadas, o investimento energético da planta é destinado à multiplicação e/ou alongamento celular e não à síntese de parede secundária. O alongamento celular ocorre principalmente devido à elevada pressão de turgescência das células dessas plantas, que não apresentam restrição hídrica (Kramer & Boyer, 1995). Interpretou-se esse resultado como uma adaptação ao ambiente em que a folha se desenvolve, uma vez que a coluna d'água permite a sustentação do órgão, tornando dispensável a formação de um tecido mecânico altamente diferenciado. A alocação de energia parece ser focada na emergência do órgão acima do nível da água e, conseqüentemente, no contato com a atmosfera.

Em S. montevidensis foi verificada a presença de heteroblastia no desenvolvimento foliar, com a formação de folhas lineares, seguidas da forma espatulada e, por último, da sagitada (Figura 2a). Em condições desfavoráveis para o seu estabelecimento, devido à ausência de lâmina d'água, verificou-se que a planta permanece na forma juvenil (folhas lineares), reproduzindo-se vegetativamente, através da diferenciação de gemas axilares em estolões simpodiais (Figura 2c). A cada nó, novas folhas lineares e raízes adventícias são diferenciadas (Figura 2d). A partir da ruptura do estolão, na região do entrenó, os indivíduos são isolados, permitindo a propagação clonal. A emissão dos escapos florais ocorre somente quando há a expansão da folha adulta (sagitada). Esse mesmo comportamento foi relatado por Kaul (1987) para espécies de Sagittaria (com folhas sagitadas) anuais e perenes com maior plasticidade fenotípica.




Embora não tenha havido diferença significativa no comprimento do escapo floral entre os tratamentos, observou-se que a média é sempre maior quanto maior a profundidade de submersão, dentro de cada tratamento (Tabela 2). De forma similar à resposta encontrada no pecíolo das folhas emergentes, há um alongamento do escapo floral até o contato da parte superior da inflorescência com o ar. Sagittaria é um gênero entomófilo (Pacini & Franchi, 2000), portanto, a exposição das flores e do néctar floral à atmosfera é essencial para a realização de reprodução sexuada na espécie.

Algumas variações na expressão morfológica da tipologia da inflorescência foram observadas, como: a quantidade de flores microsporangiadas é maior que a de flores megasporangiadas em uma mesma inflorescência; as flores dos verticilos intermediários podem apresentar gineceu rudimentar; e a espécie é protogínica e com antese seqüencial (Figura 2e). Observou-se ainda que os frutos apresentam-se maduros quando todas as flores microsporangiadas já senesceram.

Casos de protoginia foram constatados em S. lancifolia subsp. lancifolia (Pimenta, 1992) e S. trifolia (Huang et al., 2002). Esta última também apresenta abertura seqüencial dos botões florais, da base para o ápice da inflorescência. A dicogamia e antese seqüencial criam uma separação temporal de maturação dos esporângios e dos gametângios (Huang et al., 2002), favorecendo a fecundação cruzada e evitando a geitonogamia (Bertin, 1993).

No gênero Sagittaria são encontrados diferentes sistemas reprodutivos. A maioria das espécies é monóica, porém encontra-se andromonoicia em S. guayanensis e S. montevidensis subsp. calycina (Barrett et al., 2000), subandrodioicia em S. lancifolia subsp. lancifolia (Muenchow, 1998) e dioicia em S. latifolia (Wooten, 1971). Barrett et al. (2000) relatam que as únicas espécies anuais no gênero são andromonóicas, ou seja, as flores nos nós basais das inflorescências são perfeitas, produzindo um anel de estames funcionais ao redor do domo carpelar e numerosas flores microsporangiadas em posições terminais da inflorescência. Segundo os mesmos autores, como essas espécies são plantas daninhas e infestam campos de arroz, parece adequado que flores biesporangiadas tenham sido selecionadas para garantir a ocorrência de reprodução sexuada de seus gametófitos.

A esporidade da espécie tem uma expressão variável, dependendo das condições de vida da planta, comparando o seu ambiente natural e em condições de invasora, podendo apresentar maior número de flores megasporangiadas quando expostas a este último ambiente (Figura 2b).

Nas espécies monóicas Sagittaria sagittifolia e S. trifolia, foi observado que plantas menores apresentaram inflorescências apenas com flores microsporangiadas e, com o aumento da estatura da planta, houve a formação de flores micro e megasporangiadas. Quanto maior o tamanho da planta, maior número de flores megasporangiadas foi produzido (Huang et al., 2002; Dorken & Barrett, 2003).

Trabalhos sobre a plasticidade fenotípica dos órgãos vegetativos e reprodutivos de S. lancifolia e S. latifolia, sob diferentes condições nutritivas, demonstraram que um maior número de inflorescências e uma maior produção de flores megasporangiadas, respectivamente, foram produzidos nas concentrações mais altas de fertilizantes (Richards & Ivey, 2004; Dorken & Barrett, 2004). A produção de flores megasporangiadas em S. montevidensis e, conseqüentemente, de aquênios parece ser favorecida com a aplicação de nutrientes ao solo.

Dentre os métodos de controle de plantas daninhas na cultura do arroz irrigado, impedir a produção de sementes, como medida preventiva, destaca-se como o mais eficiente, pois para a maioria das plantas daninhas da cultura esta estratégia representa o principal meio de reinfestação (SOSBAI, 2005). Ainda, no cultivo do arroz geralmente são realizadas diversas intervenções, especialmente mecânicas, o que dificulta o estabelecimento de plantas de sagitária como plantas perenes.

Associando-se essas informações à possível existência de uma relação tamanho-dependente relacionada ao porte da planta e ao número de flores megasporangiadas, sugere-se como possibilidade de manejo o controle localizado, nas bordas das taipas (leiveiros) e nos canais de irrigação e drenagem das lavouras, pois essas áreas favorecem o estabelecimento de plantas perenes com órgãos de reserva. Assim, a interrupção dos ciclos de multiplicação e disseminação dessas plantas permite a diminuição da dispersão de sagitária nas lavouras orizícolas e, com isso, há menor necessidade de adoção de medidas de controle.

Além disso, a drenagem da área de cultivo e dos canais de irrigação, na entressafra, constitui-se em procedimento eficaz, cuja resultante é a redução da proliferação da espécie, viabilidade do banco de semente no solo e infestação da área nos anos seguintes.

A presença de lâmina d'água favorece a germinação das sementes de sagitária. O aumento da profundidade de submersão incrementou a estatura da planta devido ao maior alongamento dos pecíolos das folhas espatuladas e sagitadas. Variação na profundidade da lâmina de água não modificou o número de plantas, a massa seca, o número de folhas e de raízes, o tamanho da folha linear e o tamanho da lâmina foliar espatulada e sagitada e do escapo floral das plantas de S. montevidensis. As folhas de S. montevidensis de mesmo tipo morfológico, quando desenvolvidas nas profundidades de água testadas, não diferiram histologicamente.

LITERATURA CITADA

Recebido para publicação em 10.11.2007 e na forma revisada em 29.5.2008.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Set 2008
  • Data do Fascículo
    2008

Histórico

  • Recebido
    10 Nov 2007
  • Aceito
    29 Maio 2008
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