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Psicologia MacroCultural

RESENHAS

Psicologia MacroCultural1 1 Ratner, C. (2006). Cultural Psychology: A perspective on psychological functioning and social reform. London: Lawrence Erbaum, xiii+267p.

Geraldina Porto Witter

Psicóloga, Doutora em Ciências pela USP, Livre docente em Psicologia Escolar-USP. Docente do Programa de Pós-Graduação da Unicastelo

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Geraldina Porto Witter. Av. Pedroso de Morais, 144, ap. 302 – Pinheiros – 05420-000 – São Paulo – SP. E-mail: witter@uol.com.br

Carl Ratner é um estudioso dos problemas sociais e da influência da cultura nas pessoas e de como elas geram mudanças culturais, área em que atua desde os anos sessenta do século passado. Seu novo livro é uma contribuição substantiva para a Psicologia Cultural, hoje um ramo independente da Psicologia e pouco conhecido no Brasil, especialmente em suas atuais dimensões, por suas ricas contribuições para se conhecer o homem em sua amplitude, fornecendo subsídios para o planejamento cultural e para a implantação de reformas sociais.

O próprio autor escreveu o prefácio do livro, e apresenta uma teoria cultural da psicologia do homem como forma de compreendê-lo e de resolver muitas das “doenças” da sociedade. Com a inserção de conceitos e métodos que expliquem os aspectos culturais do fenômeno psicológico será possível conhecer melhor a natureza do fenômeno psicológico e as influências da cultura. São fatos que não podem ser ignorados quando se pretende realizar reformas sociais, melhorar a vida humana, a saúde e a educação, entre outras aspirações para um mundo melhor.

A obra está organizada em três partes, com números variados de capítulos. Inclui notas finais, índice de autores e índice de conteúdo. As notas são informações complementares de alguns capítulos, incluindo informes históricos, indicações de propostas de autores que, de alguma forma, contribuíram para o tema, conceitos próximos ou alguma ocorrência histórica de relevo para a contextualização do tema.

A Parte I tem por título Psicologia, Cultura, Política e Ciência, e é composta de dois capítulos. No primeiro, o autor faz uma introdução ao modelo que adota, ou seja, a Psicologia Macrocultural, a qual contrasta com a Psicologia de Integração no Fluxo Social, com a Psicologia Intercultural e com a Psicologia Cultural, que propõe uma concepção orgânica da cultura como um sistema que explica a natureza cultural do homem, mas não desenvolve uma teoria abrangente da cultura ou da relação cultura-psicologia. Para conduzir pesquisas na área, a metodologia a ser usada precisa detectar os macrofatores envolvidos, buscar apoio na avaliação qualitativa. Conceitua a Psicologia Macrocultural como a que estuda psicologicamente as questões sociais conforme se refletem no fenômeno psicológico, com seus componentes e conseqüências, sem recorrer aos constructos da psicologia do indivíduo. Ela deve integrar a ciência, a política, a terapia e a origem intelectual.

O segundo capítulo dá continuidade à definição de Macrocultura, lembrando que seus fatores são mais do que um agregado de indivíduos. Analisa os macrofatores como reguladores da sociedade que muitas vezes são controlados por uma elite poderosa, têm especificidade em cada sociedade, integram-se em um sistema em que uns são mais poderosos do que outros; unificam o comportamento de seus indivíduos distintos, sendo muitas vezes resultantes de lutas sociais, mas são práticas vigentes que não decorrem de políticas ou pronunciamentos oficiais.

A Parte II é dedicada à apresentação dos princípios da Psicologia Macrocultural e é constituída de um único capítulo, o qual, por outro lado, é também o mais longo. Trata da integração dialética do fenômeno psicológico com os macrofatores culturais, os quais decorrem do ímpeto humano para desenvolver suas capacidades e acabam sendo o “sistema operacional” da mente. Desta forma, o fenômeno psicológico é parte dos próprios macrofatores culturais. Os referidos fatores organizam o fenômeno psicológico como o alvo do fenômeno, estruturando-o e fornecendo recursos para o indivíduo, e dependem da atividade subjetiva. A própria Psicologia é vista como um fator macrocultural, diferenciando-se e servindo de mediadora para outros fatores.

A parte final é composta de quatro capítulos. O primeiro deles é dedicado à metodologia, e na opinião do autor, deve ser de caráter qualitativo, porque a metodologia positivista tem limitações no que concerne ao modelo proposto.

O capítulo 5º trata do uso da Psicologia Macrocultural na reforma social e na mudança psicológica. Considera que a Psicologia Macrocultural é uma reconceitualização do fenômeno psicológico e da cultura com vista à promoção da reforma social por ser necessária para o desenvolvimento psicológico, já que sem a reforma não há mudanças psicológicas efetivas. O raciocínio é um tanto circular, mas compatível com as propostas e princípios enunciados para o modelo revolucionário, segundo o autor, dando o devido espaço à base cultural da psicologia. Enfatiza que sem um amplo desenvolvimento psicológico não ocorre a desejada reforma social. Apresenta como suporte alguns dados de caráter descritivo de que mudanças nos fatores macroculturais alteram o funcionamento psicológico. A perspectiva de reforma social da perspectiva psicológica baseia-se em: (1) os fenômenos psicológicos dizem respeito a uma população, e não a algumas pessoas ou ao indivíduo; (2) cada fenômeno psicológico (memória, raciocínio, autoconceito) é analisado como um componente, isto é, um fator macrocultural; (3) os componentes são organizados formando construtos culturais explicativos; (4) cada fator macrocultural precisa ser desenvolvido e (5) os fatores macroculturais são indicados para eliminação e transformações sociais. Cada item é enfocado pelo autor.

O penúltimo capítulo trata de como o modelo considera o crescimento da pessoa, e é muito breve (quatro folhas e meia) em relação ao papel que o indivíduo ocupa no modelo. A análise da pessoa se baseia em seis estágios: (1) demonstrar que um problema psicológico é um fator macrocultural; 2) analisar o problema psicológico em seus componentes; (3) relacionar cada componente com os fatores macroculturais; (4) criticar e evitar os fatores macroculturais deletérios que geram os problemas psicológicos; (5) fortalecer os fatores macrossociais que propiciam o funcionamento psicológico saudável e (6) encorajar o paciente a se tornar politicamente ativo para alterar os fatores macroculturais prejudiciais e desenvolver os positivos.

O último capítulo é dedicado a mostrar o que o autor considera deficiência das teorias e construtos psicológicos que minimizam a macrocultura. A falha básica está no fato de ignorarem ou obscurecerem os traços macroculturais do fenômeno psicológico. Faz uma crítica à Psicologia do Desenvolvimento. Considera que a Psicologia Genética tem falsas explicações sobre o desenvolvimento humano e assim por diante, tendo por base uma revisão da matéria. Também apresenta uma análise crítica da Psicologia Cultural Individualista, que considera os macrofatores como a soma de microinterações, o mesmo ocorrendo na Antropologia Educacional, como no trabalho de Mc Dermott, que considera as relações interpessoais a base para a construção dos macrofatores.

Fechando o livro, o autor apresenta um epílogo em que busca estabelecer uma Filosofia da Ciência e uma Filosofia Social para a Psicologia Macrocultural. Lembra que pensou o livro como forma de articular os princípios teóricos e metodológicos da Psicologia Macrocultural. Faz uma análise crítica do Construtivismo Social a partir de seus princípios antológicos e epistemológicos, tais como o agnosticismo quanto à existência do mundo real. Considera. que o conhecimento é ativamente construído, produto de um consenso social, colorido pelo processo social, que reflete a consciência social do processo e nem é falso nem verdadeiro, correspondendo a um traço das coisas reais. Além disso, o modelo não tem critério para avaliar verdade ou falsidade. “O Construtivismo Social é um anarquismo intelectual. Tenta derrubar toda autoridade, experiência e conhecimento dominante. Não busca desenvolver as suas bases e a operação. Não busca um conhecimento mais objetivo, profundo e útil (ou um paradigma dominante). O Construtivismo Social rejeita todos os paradigmas dominantes simplesmente porque ele é dominante, não porque sejam errôneos” (p. 224). Seu alvo não é o que é correto. E assim prossegue para analisar o Realismo Crítico, cujas bases consideram que o mundo existe independentemente do observador, sendo vital conhecê-lo; que o homem pode compreender o mundo usando as regras da ciência, as quais são um produto social, e este conhecimento é complexo, e não passivo. Em seguida apresenta a Filosofia Social a partir das propostas iniciais de Dilthey, que retoma como ponto de partida.

Sem pretender que todos concordem com sua proposta, Ratner ligeiramente aponta alguns ganhos obtidos com outras propostas que criticou como casos individuais. Espera e explica a resistência por parte das pessoas que desejam manter o status social a qualquer custo, as quais são muito confusas, superficiais, sensacionalistas e autocentradas. Por outro lado, espera que outros analisem seriamente seu modelo. Seja qual for a categoria em que se possa enquadrar o leitor, trata-se de um livro cuja leitura é muito importante. O autor escreve bem, estrutura um discurso com conteúdo bem-exemplificado.

A bibliografia não é predominantemente recente, possivelmente pelo fato de haver carência na área específica, já que é uma proposta nova. Inclui artigos e livros.

Recebido em 29/11/2006

Aceito em 03/12/2006

  • Endereço para correspondência:

    Geraldina Porto Witter.
    Av. Pedroso de Morais, 144, ap. 302 – Pinheiros –
    05420-000 – São Paulo – SP.
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    Ratner, C. (2006). Cultural Psychology: A perspective on psychological functioning and social reform. London: Lawrence Erbaum, xiii+267p.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      30 Jul 2007
    • Data do Fascículo
      Abr 2007
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