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Representações sobre a adolescência a partir da ótica dos educadores sociais de adolescentes em conflito com a lei<A NAME="n1"></A>

Representations on adolescence by the educators of juvenile transgressors

Resumos

Este trabalho buscou apreender o conteúdo e estrutura das representações sociais (RS) sobre adolescência, sob a ótica dos assistentes de desenvolvimento social (ADS) de adolescentes em conflito com a lei, em medidas socioeducativas de internação. Foram feitas entrevistas com 40 educadores de três unidades da Fundação da Criança e do Adolescente, nas quais se solicitava aos participantes que falassem sobre a adolescência. Os dados foram analisados pelo software alceste. Os resultados obtidos apontam duas representações de adolescência: a "normal", caracterizada por um momento de transição, onipotência e dificuldades no processo de desenvolvimento; e a infratora, "diferente", oriunda de uma "família desestruturada", representação que serve de modelo para as interações conflituosas que levam à infração. Os ADSs demonstram descrença na possibilidade do trabalho educativo, pela suposta ausência de uma estrutura familiar saudável e pela "fraqueza" desses adolescentes. Avanços e resistências vão se tecendo.

adolescente em conflito com a lei; representação social; desenvolvimento humano


This work had the objective to apprehend the content and structure of the social representations (RS) on adolescence, under the optics of social development assistants (ADS) for adolescents in conflict with the law and under social and educative confinement measures. Interviews were carried out with 40 educators of three units of Foundation for the Children and Adolescents, in which it was requested the participants to talk about the adolescence. The data were analyzed by the alceste software. The results show two adolescence representations: the "normal", characterized by a moment of transition, omnipotence and difficulties in the development process; and the "different", the transgressor, from a "dysfunctional family", whose representation serves as model for the conflicting interactions that lead to the infraction. ADSs demonstrate disbelief in the possibility of an educational work, considering the presupposed absence of a healthy family structure and the adolescents' "weakness." Progresses and resistances are intertwined.

adolescent in conflict with the law; social representation; human development


ARTIGOS

Representações sobre a adolescência a partir da ótica dos educadores sociais de adolescentes em conflito com a lei1 1 Apoio: PIBIC/PROPESQ/UFPE/CNPq e CAPES/PROCAD

Representations on adolescence by the educators of juvenile transgressors

Daniel Henrique Pereira EspíndulaI; Maria de Fátima de Souza SantosII

IMestrando do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFES

IIDocente do Departamento de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da UFPE

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Daniel Henrique Pereira Espíndula Rua Dr. Delmiro Coimbra, 60 Ap. 310 Ed. Araruama, Mata da Praia CEP 29065-360, Vitória-ES. E-mail: despindula@hotmail.com

RESUMO

Este trabalho buscou apreender o conteúdo e estrutura das representações sociais (RS) sobre adolescência, sob a ótica dos assistentes de desenvolvimento social (ADS) de adolescentes em conflito com a lei, em medidas socioeducativas de internação. Foram feitas entrevistas com 40 educadores de três unidades da Fundação da Criança e do Adolescente, nas quais se solicitava aos participantes que falassem sobre a adolescência. Os dados foram analisados pelo software alceste. Os resultados obtidos apontam duas representações de adolescência: a "normal", caracterizada por um momento de transição, onipotência e dificuldades no processo de desenvolvimento; e a infratora, "diferente", oriunda de uma "família desestruturada", representação que serve de modelo para as interações conflituosas que levam à infração. Os ADSs demonstram descrença na possibilidade do trabalho educativo, pela suposta ausência de uma estrutura familiar saudável e pela "fraqueza" desses adolescentes. Avanços e resistências vão se tecendo.

Palavras-chave: adolescente em conflito com a lei, representação social, desenvolvimento humano.

ABSTRACT

This work had the objective to apprehend the content and structure of the social representations (RS) on adolescence, under the optics of social development assistants (ADS) for adolescents in conflict with the law and under social and educative confinement measures. Interviews were carried out with 40 educators of three units of Foundation for the Children and Adolescents, in which it was requested the participants to talk about the adolescence. The data were analyzed by the alceste software. The results show two adolescence representations: the "normal", characterized by a moment of transition, omnipotence and difficulties in the development process; and the "different", the transgressor, from a "dysfunctional family", whose representation serves as model for the conflicting interactions that lead to the infraction. ADSs demonstrate disbelief in the possibility of an educational work, considering the presupposed absence of a healthy family structure and the adolescents' "weakness." Progresses and resistances are intertwined.

Key words: adolescent in conflict with the law; social representation; human development.

Este trabalho tem por objetivo verificar o conteúdo e a estrutura das representações sociais sobre o desenvolvimento, dando ênfase à questão da adolescência, a partir da ótica dos assistentes de desenvolvimento social (ADSs) de adolescentes que estão em conflito com a lei e cumprindo medidas socioeducativas em regime de internação na Região Metropolitana do Recife.

Uma das grandes conquistas da Constituição de 1988 foi criar as condições necessárias para a elaboração do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), rompendo com a doutrina da situação irregular para aderir à doutrina da proteção integral, na qual toda criança ou adolescente é considerado sujeito de direito e em fase especial de desenvolvimento, requerendo, portanto, a proteção do Estado.

No caso dos adolescentes em conflito com a lei, dependendo do ato infracional cometido e do número de reincidências, eles podem ser julgados e, se condenados, cumprir pena em regime de internação por até três anos, mesmo que completem a idade de 18 anos durante o período de cumprimento dessa pena. Conforme verificamos no art. 121 do ECA, "A internação constitui medida privativa da liberdade, sujeita a princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar da pessoa em desenvolvimento". E ainda, segundo o art. 123, parágrafo único, "Durante o período de internação inclusive provisória, serão obrigatórias atividades pedagógicas". Nas unidades de internação, além de outros profissionais, existem os assistentes de desenvolvimento social (ADS), que são os profissionais mais próximos dos adolescentes, pela convivência diária, podendo servir como um veículo mediador dos valores e normas sociais. Compreender as concepções desses educadores a respeito da adolescência é fundamental, na medida em que tais concepções podem ser orientadoras de suas práticas cotidianas na relação com o adolescente.

Nessa perspectiva, adotou-se a teoria das representações sociais,desenvolvida por Serge Moscovici, em 1961, que visa compreender as teorias do senso comum a respeito de objetos específicos.

Atualmente o estudo das representações sociais (RS) constitui-se num campo muito vasto de pesquisa, que tem a capacidade de englobar uma ampla variedade de temas, visto que se relaciona a qualquer objeto social que é transmitido através da comunicação e que tenha uma importância para o grupo, fazendo parte de suas práticas cotidianas.

Ao tomarmos uma representação como algo que é elaborado de forma coletiva a partir das trocas e práticas dentro de um contexto histórico, podemos supor que a representação é responsável por fornecer os subsídios para os julgamentos e atitudes. Ela é responsável por dar significado e coerência ao universo vivido e se expressa em várias formas de comunicação, servindo assim como pano de fundo para as atitudes dos indivíduos. Considera-se que as representações sociais, enquanto um sistema de interpretação capaz de conduzir a nossa relação com o mundo e com os outros, são capazes de orientar e organizar as condutas e comunicações sociais. O estudo das representações permitiria, então, compreender o conjunto de significados atribuídos por um determinado grupo social a um objeto, bem como aos comportamentos relativos a este objeto.

As representações têm ainda como característica apresentarem em sua estrutura um conjunto de significados que resistem às mudanças. Esta estrutura possui uma parte que é um agrupamento de elementos composto de certas regularidades, as quais são resistentes às transformações pequenas, imediatas e que fazem parte do contexto, e uma outra parte que é capaz de se adaptar facilmente às alterações cotidianas do meio, ou seja, às alterações que ocorrem no contexto social mais imediato.

Dessa forma, cada grupo constrói um significado partilhado sobre algum fato ou ocorrência, e este significado é relativamente capaz de se adaptar ao contexto imediato, mas, ao mesmo tempo, é suficientemente estável para não aceitar que o significado já atribuído a uma dada situação sofra alterações importantes, diante de alguma variação.

Tomando ainda as representações como um instrumento de estudo, Campos (2001) salienta que a teoria das representações se constitui em um importante meio, particularmente, nas situações em que os aspectos simbólicos são determinantes das condutas, das práticas e dos comportamentos dos grupos sociais.

Segundo Santos, Novelino & Nascimento (2001, p. 271),

Enquanto modalidade de conhecimento a formação de uma representação implica numa atividade ao mesmo tempo individual e coletiva; só a partir do momento em que o indivíduo apropria-se e reorganiza os modos de pensamento é que tais representações consolidam-se subjetivamente passando, então, a compor suas interpretações de mundo, de si mesmo e influindo em suas práticas cotidianas. As representações têm assim, entre outras, a função de nortear as pessoas em seu ambiente, servindo de guias referenciais de ação.

O sentido dado a um determinado objeto social é, destarte, construído coletivamente ao longo da história social. Representar implica sempre um sujeito e um objeto, intrinsecamente ligados. Segundo Moscovici (1984, p.71), "este laço com o objeto é uma parte intrínseca do laço social e ele deve ser interpretado neste quadro". Logo, ao se estudarem as RSs de um grupo acerca de um objeto qualquer é necessário conhecer a história social do objeto e do grupo.

DE MENOR DELINQÜENTE A ADOLESCENTE INFRATOR

Em 1916, foi elaborado no Brasil o código civil que vigorou até o ano de 2003. Este código foi responsável por regular os direitos individuais, o direito da propriedade e o direito da família. É no direito da família que estão especificadas as obrigações dos pais em relação aos filhos. Entre essas obrigações temos o direito à filiação, à sucessão no nome e na herança, à alimentação, à educação e à saúde. O Estado entraria apenas a título complementar, caso faltasse a proteção familiar.

Não obstante, o que veio a consolidar toda uma legislação sobre crianças, até então originária de Portugal, do Império e d República, foi o Código de Menores, em 1927. Este código consagrou o sistema de atendimento à criança atuando especificamente sobre os chamados efeitos da ausência, atribuindo ao Estado a tutela sobre o órfão, o abandonado e aqueles cujos pais fossem tidos como ausentes, tornando disponíveis seus direitos de pátrio poder.

Os chamados direitos civis, compreendidos como os direitos relativos à criança inserida numa "família-padrão", seguindo os moldes socialmente aceitáveis, continuaram no Código Civil sem que houvesse alterações substanciais. Nos casos em que houvesse o descumprimento de quaisquer das obrigações estipuladas aos pais, ou conduta "anti-social" da criança ou do adolescente, justificar-se-ia a passagem da tutela dos pais para o juiz e do Código Civil para o Código de Menores.

O Código de Menores de 1927 visava legislar sobre crianças e adolescentes de 0 a 18 anos, em estado de abandono, quando não possuíssem moradia certa, tivessem pais falecidos ou que fossem declarados incapazes, estivessem presos há mais de dois anos, fossem vagabundos, mendigos, exercessem trabalhos proibidos, fossem prostitutos ou economicamente incapazes de suprir a necessidade de seus filhos.

O Código classificou os menores de sete anos como expostos e os menores de 18 como abandonados. Dessa forma, os meninos em situação de rua passaram a ser vadios, aqueles que pedem esmolas ou vendiam coisas nas ruas eram mendigos e aqueles que freqüentavam prostíbulos, libertinos.

Somente o artigo 68 do Código se ocupou do então denominado menor delinqüente; diferenciou os menores de 14 anos daqueles com idades entre 14 completos e 18 incompletos, evidenciando a competência do juiz para determinar todos os procedimentos em relação a eles e a seus pais. Estabeleceu ainda a obrigatoriedade da separação dos menores delinqüentes dos condenados adultos.

Em 1940, foi promulgado o Código Penal Brasileiro (Decreto-Lei n.º 2.848/40), consagrando a inimputabilidade criminal do menor de 18 anos, regulamentada em seguida pelo Decreto-Lei n.º 3.914/41, até hoje em vigor. Para os delinqüentes que fossem maiores de 16 anos, criou-se a possibilidade de liberdade vigiada, na qual a família ou os tutores seriam responsáveis pela sua regeneração, com a obrigação de reparação dos danos causados e de apresentação mensal do menor em juízo. O Código de Menores também estendeu a autoridade do juiz sobre os jovens de 18a 21 (termo que ainda se mantém no ECA) concedendo-lhes atenuante frente ao Código Penal, mas determinando seu recolhimento em espaços correcionais pelo prazo de um a cinco anos.

A passagem do código de 1927 para o de 1979 deu-se mediante a criação da Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (FUNABEM). As Fundações Estaduais de Bem-Estar do Menor - FEBEMs e a FUNABEM foram criadas a fim de terem autonomia financeira e administrativa, incorporando todas as estruturas do Serviço de Assistência ao Menor dos estados, incluindo aí o atendimento tanto aos carentes e abandonados quanto aos infratores.

Importante ressaltar que as FEBEMs e a FUNABEM foram criadas durante uma ampla reforma ocorrida no período do golpe militar de 1964, fazendo com que a política nacional de atendimento ao menor passasse a ser tratada sob o âmbito da Doutrina de Segurança Nacional. Foi sob esta percepção que o menor voltou a ser figura de destaque, passando também a ser efetivamente tratado como um problema de ordem estratégica. Saiu da esfera de competência do Poder Judiciário e foi para a do Executivo. Nessa perspectiva, o Brasil adotou uma sistemática de internação de carentes e abandonados até os 18 anos e de tratamento dos infratores com a adoção da política dos muros retentores.

Com o fim do regime militar, o conseqüente reordenamento jurídico do país e a promulgação da Constituição de 1988, a pauta dos direitos humanos voltou a ser tema de discussão, sobretudo no que diz respeito à proteção à mulher, à família, à criança e ao adolescente. Entretanto, foi no artigo 227 que se fez necessária a criação de uma lei específica, surgindo daí o ECA, aprovado em 13 de julho de 1990. A partir do ECA todas as prescrições dos códigos de menores de 1927 e 1979 que normatizavam a inimputabilidade penal, com normas claras e objetivas quanto ao tratamento reservado aos adolescentes que cometessem atos infracionais, foram reformuladas a fim de conceber este jovem agora como necessitado de cuidados e garantias especiais.

Essa mudança de concepção da criança e do adolescente como menor em situação irregular para pessoa que necessita de cuidados protetivos marca a passagem da Doutrina da Situação Irregular para a Doutrina da Proteção Integral. Crianças de até 12 anos e adolescentes de até 18 passaram a ser definidos como cidadãos, possuidores de direitos, na condição peculiar de pessoas em fase de desenvolvimento, eliminando assim a rotulação de menor, infrator, carente, abandonado etc., e classificando todos como crianças e adolescentes em situação de risco pessoal e social. Dessa forma, o Estatuto da Criança e do Adolescente passou a garantir-lhes os direitos pessoais e sociais, através da criação de oportunidades e facilidades que possibilitassem o desenvolvimento físico, mental, psíquico, moral, espiritual, afetivo e social, em condições de liberdade e dignidade.

Não obstante, uma parcela significativa da sociedade brasileira acredita que o ECA, ao estabelecer limites ao exercício da autoridade familiar, jurídica, institucional e policial sobre a criança e o adolescente, reforçou também a impunidade dos delitos cometidos por eles. Estes limites são percebidos como uma interferência indevida na família, sem levar em consideração que esses limites são coerentes com a Doutrina de Proteção Integral e que a esses adolescentes são prescritas diversas medidas, tanto preventivas quanto socioeducativas e repressivas, como a privação da liberdade pelo período máximo de três anos, por exemplo.

Para as crianças menores de 12 anos que se tornem autoras de atos infracionais, o ECA estabelece que o Conselho Tutelar aplique medidas de proteção e socioeducativas. Aos maiores de 14 até os 18, o juiz pode aplicar medidas de liberdade assistida, de semiliberdade ou de internação com privação de liberdade por um período máximo de três anos. Este último tipo de medida é aplicável a jovens autores de atos infracionais graves, obedecendo aos princípios de brevidade, excepcionalidade, em respeito a sua condição de pessoa em desenvolvimento.

A Fundação da Criança e do Adolescente (FUNDAC) do Estado de Pernambuco é o órgão do governo do Estado, ligada à Secretaria de Justiça e Cidadania, responsável pelo abrigamento de crianças de 0 a 14 anos abandonadas, sob a forma da lei, caracterizando-se ainda como o órgão responsável pelo cumprimento das medidas socioeducativas, entre adolescentes de 14 a 17 anos e meio que estejam em conflito com a lei.

A instituição surgiu em 1969, sob o nome de FEBEM , fazendo parte da Secretaria de Ação Social no Governo de Estado, com a finalidade inicial de acolher crianças e adolescentes em conflito com a lei, apoiada pelo antigo Código de Menores.

Foi ainda com a criação do ECA que a antiga instituição, antes FEBEM, teve que passar por algumas modificações na sua estrutura interna, passando a se chamar FUNDAC, para poder garantir os direitos e deveres propostos nesse documento.

A FUNDAC é, assim, responsável por mediatizar padrões de conduta e ser um local reservado para o cumprimento de medidas socioeducativas; ou seja, a instituição teria como objetivo reintegrar este cidadão em desenvolvimento ao seu meio através de medidas sociais e educacionais.

No quadro interno dos funcionários da instituição, sobretudo dos que trabalham mais diretamente com os adolescentes em conflito com a lei, encontra-se uma equipe multidisciplinar, formada por psicólogos, pedagogos, assistentes sociais e nutricionistas, além do quadro de apoio técnico, tais como enfermeiros, cozinheiros, auxiliares de serviços gerais e os ADSs.

Os ADSs possuem um papel de fundamental importância, pois são eles que estão continuamente em contato direto com a criança e o adolescente, favorecendo trocas e sendo os intermediários do processo de socialização. Eles trabalham em regime de plantão de 12 horas, folgando também 12 horas, sendo responsáveis pelo cuidado da alimentação e higiene, além de dar qualquer tipo de assistência durante a noite aos adolescentes que estejam sob sua responsabilidade.

É importante ressaltar que, apesar de a FUNDAC ser um órgão público, esse tipo de força de trabalho é terceirizado, ou seja, não há concurso público para o preenchimento do cargo de ADS. Para preencher essas vagas, a instituição faz uso de um serviço terceirizado de empresas de vigilância e segurança de valores. São estes funcionários (vigilantes) que prestam esse tipo de serviço à instituição, sendo os responsáveis diretos pela guarda dos adolescentes.

Apesar de verificarmos uma passagem na concepção do antigo Código de Menores para o ECA quanto à forma de encarar os adolescentes, na prática a contratação de agentes em empresas de vigilância aponta para uma concepção próxima aos agentes carcerários, detentores de um treinamento técnico específico para a guarda e vigilância de bens e pessoas.

Estes profissionais, na sua maioria, possuem o ensino médio completo, sendo exigida para o cargo uma escolaridade mínima de pelo menos a educação fundamental (da 5ª à 8ª séries). Por executarem essa função tão próxima à criança e ao adolescente, o ADS talvez exerça quase a função de um adulto tutelar, substituto da função materna ou paterna. Verifica-se, portanto, a importância de se investigar o que esses ADSs pensam a respeito dos adolescentes sob a sua guarda, visto que suas práticas durante a execução da tarefa de guarda desses menores serão guiadas por um referencial elaborado num saber comum construído socialmente, o que se refletirá, muito provavelmente, sobre a conduta dos menores que estão cumprindo pena naquelas unidades educativas.

METODOLOGIA

A pesquisa foi realizada na Região Metropolitana do Recife-PE, com ADSs de três unidades socioeducativas da FUNDAC. Uma das unidades era destinada a adolescentes do sexo masculino, na faixa etária de 15 a 18 anos incompletos, em cumprimento de medida socioeducativa de internação. A segunda unidade era direcionada a adolescentes do sexo feminino, na faixa etária de 12 a 18 anos incompletos, também em cumprimento de medida socioeducativa e de internação provisória. Por fim, a terceira unidade tinha como público-alvo jovens do sexo masculino, no curso da execução da medida socioeducativa de internação, que haviam completado 18 anos de idade. Fez parte da amostra metade dos ADSs de cada unidade de atendimento, escolhidos aleatoriamente, totalizando 40 entrevistas.

Na unidade 1, para a amostra estudada, a maioria dos sujeitos (83%) possuem idades compreendidas entre 21 e 40 anos, são preponderantemente casados (61%) e do sexo masculino (92%). Quanto ao nível de escolaridade, percebe-se que a maioria deles possui o ensino médio completo (66%) e executa a função de ADS (74%), exercendo a função da guarda dos menores dentro da instituição, e 18% dos instrutores dão, para os adolescentes, aulas de Música e Horticultura e Laboratório Fitoterápico.

Já na unidade 2, o que se verifica é uma inversão quanto ao critério idade, se a compararmos com a unidade 1, uma vez que a maioria dos sujeitos (86%) possui idade média entre 41 e 60 anos. Esta inversão quanto à idade desses funcionários talvez seja dada pela própria distribuição dos funcionários dentro da organização. Como aquela era uma unidade que não apresentava muitos problemas no que diz respeito a rebeliões e tumultos, permitia à instituição ter como parte maior do quadro pessoal pessoas mais velhas e concursadas, trabalhando há mais de vinte anos na instituição. Seriam, talvez, esses fatores que explicassem o fato de essa unidade se diferenciar das demais, uma vez que a grande maioria dos ADSs se constitui de mão-de-obra terceirizada, podendo ser reposta à medida que estes vão ficando mais velhos.Ao analisar o gênero dos funcionários observa-se que não há uma grande diferença, pois 43% são homens e 57%, mulheres. Possuem, em sua maioria, o ensino médio completo (43%) e em sua totalidade executam a função de ADS.

Para a unidade 3, tem-se uma distribuição relativa entre as idades dos sujeitos: 40% possuem idades entre 21 e 30 anos, 30% de 31 a 40 anos e os outros 30%, de 41 a 50 anos. Novamente a maioria dos sujeitos é casada (60%), sendo todos do sexo masculino e apresentando escolaridade de fundamental completo (40%) ou médio completo (40%). O tempo de serviço desses funcionários se dividia, para os terceirizados, de 6 meses de experiência a 5 anos, e para os contratados da FUNDAC, de 20 anos, em média, de exercício da função.

Ao realizarmos um cruzamento entre as representações que estes educadores possuem a respeito da adolescência e o perfil sociodemográfico, os resultados mostram que não há uma diferença nos elementos da representação entre os educadores quanto ao grau de escolaridade, idade ou sexo, o que estaria indicando uma certa homogeneização entre os elementos representativos constituintes da representação do objeto em questão para esses educadores.

Os dados foram coletados a partir de uma entrevista individual realizada dentro da instituição na qual esses educadores desenvolvem suas atividades. O roteiro de entrevista continha aspectos que visavam traçar o perfil sociodemográfico dos sujeitos descritos anteriormente e questões que estavam agrupadas em três eixos temáticos: desenvolvimento humano, violência e práticas educativas. Neste artigo nos deteremos apenas nos resultados relativos ao eixo do desenvolvimento. Era pedido aos sujeitos que falassem sobre o desenvolvimento humano, enfocando a adolescência e as diferenças com os jovens que estavam sob sua guarda.

A fim de se analisarem as questões abertas nas entrevistas realizadas, optou-se pela análise de conteúdo automática, do sistema de análise quantitativo de dados textuais, ALCESTE - Analyse de Lexémes Coocurrent dans les Ennoncés Simples d'un Texte - elaborado por Max Reinert (1990).

Na análise lexical realizada pelo ALCESTE, é possível associar o léxico (palavra) e o contexto (posição da palavra no contexto traduzindo sua mensagem). A noção de contexto da palavra está relacionada com o meio ambiente da palavra no texto com os vocábulos específicos, eleitos pelas palavras mais significativamente presentes e pelo coeficiente de associação c² da palavra a sua posição do texto.

O objetivo do ALCESTE consiste na classificação dos enunciados do texto em função das palavras nesses enunciados, objetivando à análise desse corpus, isto é, textos, discursos, entrevistas, reportagens gerais, ou ainda, relatos.

O corpus geral da pesquisa foi dividido em cinco corpora, analisados pelo ALCESTE. Apresentaremos aqui os resultados relativos ao corpus I e ao II. O corpus I foi construído pela questão que tratava do desenvolvimento humano, na qual era perguntado aos educadores o que é a adolescência. Na questão que constituiu o corpus II, perguntava-se ao educador se haveria alguma diferença entre os adolescentes que estavam cumprindo medidas socioeducativas e os adolescentes em geral. Para a orientação dos dados utilizou-se o processo estatístico de análise multivariada, através da análise de proximidades geométricas e dos componentes principais pela redução de dimensionalidade, tais como a análise de clusters (Classificação Hierárquica Descendente).

A análise dos resultados a seguir abordará a organização simbólica e a representação que os educadores de adolescentes que cumprem medidas socioeducativas em regime de internação possuem a respeito do desenvolvimento humano.

CONSIDERAÇÕES DOS ADSS SOBRE A ADOLESCÊNCIA

O software ALCESTE efetuou a organização do conteúdo estruturado a partir de uma análise estatística em uma classificação descendente hierárquica (CDH). A finalidade da CDH é conseguir estabelecer uma divisão entre as classes, de forma mais nítida possível, de maneira que estas classes não possuam palavras sobrepostas. Esse processo ocorre quantas vezes for necessário, decompondo, deste modo, uma classe em várias classes. A CDH apresenta ainda a posição de cada classe sob a forma de dendrograma (árvore), conforme as figuras 1 e 2 . O dendrograma permite verificar a relação entre as classes (ligações forte ou fraca) e a representatividade de cada classe, a partir do seu percentil no corpus avaliado. Desta forma, o dendrograma elaborado a partir da análise realizada pelo ALCESTE permite uma análise das classes que se inter-relacionam, de modo a formar um pensamento elaborado dos educadores sobre as diversas fases do desenvolvimento humano. Evocam-se, a seguir, as classes e seus respectivos sentidos, que surgiram na fala dos educadores durante a situação de entrevista, quando indagados a respeito de sua compreensão sobre a adolescência. Obteve-se, assim, um agrupamento dessas idéias em três classes, conforme o dendrograma apresentado na figura 1 .

Com relação ao aspecto sociodemográfico temos que não há uma diferença substancial entre a faixa etária nas classes aqui determinadas. Entretanto, se observarmos a relação estabelecida entre os educadores e as unidades para o cumprimento das medidas como elementos representativos das três classes propostas pelo Alceste, observamos que os educadores do sexo masculino que desenvolvem a sua prática na unidade que abriga adolescentes do sexo feminino percebem essa fase como centrada em dois pólos: um marcado pelos aspectos negativos e outro, pelo desejo de liberdade e de querer fazer tudo.

Esses achados podem expressar a maneira como estes educadores percebem a diferença de gênero. O desejo de ter uma liberdade plena como um adulto, referencial, na maioria das vezes, da figura masculina, não é valorizado positivamente por estes educadores; por outro lado, para os educadores da unidade masculina com ensino superior completo, em sua totalidade do sexo feminino - sendo este o motivo determinante para a diferença de gênero entre os educadores aqui presentes — os achados mostram que o lado negativo da adolescência, representado pela falta de limites, por parte dos pais, para conter esse determinismo biológico voltado para a agressividade, é algo bastante presente entre os meninos e as meninas. Estas concepções seriam justificadas a partir de um discurso de cunho mais científico e psicologizante, devido ao grau de instrução desses educadores.

O dendrograma proposto pelo Alceste mostra que a análise da questão sobre a adolescência apontou dois grandes eixos. Um deles é formado a partir dos aspectos positivos da adolescência (classe 1), representada como uma fase boa e importante na vida, sendo concebida como uma etapa de transição, fase inicial da produtividade, marcada pelo trabalho e a preparação para o futuro, segundo exemplos nas falas; e o outro, a partir dos aspectos negativos dessa fase (classes 2 e 3).

Adolescência é uma fase muito importante. A mais importante para mim eu acho que adolescência, porque para mim adolescência é o meio da vida, e onde você está para se decidir aonde vai.

Então a adolescência é uma coisa que eu acho que quando a pessoa está ficando adolescente e ele vai aprendendo algumas coisas boas e ruins também. Ser adolescente, eu acho que é uma coisa importante também. Ele está passando da fase de adolescente para fase adulta. É como se fosse uma transformação.

Adolescência é a vida que já tá numa fase de crescimento. É o que, é o trabalho, prazer. Viver. Agora eu digo a você, tá difícil. Mas financeiramente tá difícil de oferecer as condições boas. Então os adolescentes hoje é difícil hoje.

O segundo agrupamento, formado pelas classes 2 e 3, ressalta os aspectos negativos da adolescência pois as idéias centrais da classe 2 fazem alusão à falta de limites por parte dos pais dos adolescentes, que, segundo esses educadores, seria ruim e prejudicial para a formação dos adolescentes.

Alguns ospais deixam, assim, à vontade, e eles de uma forma ou de outra se juntam assim com alguns adolescentes, que a sua infância não foi uma infância, e daí ele se torna um adolescente infrator, ou diante da sociedade um adolescente que não tem aquele respaldo. (Classe 2)

Adolescência é aquela fase em que o garoto está se formando de jovem, naquela etapa de transição entre criança e jovem, onde o garoto tem que ter um acompanhamento intensivo dos pais pra não se juntar com as más companhias. (Classe 2)

Enquanto as idéias da classe 2 atribuem esses aspectos negativos aos pais dos adolescentes, o conteúdo presente na classe 3 revela uma naturalização das dificuldades e problemas que seriam intrínsecos a essa fase do desenvolvimento.

Entendeu, ele já vai tendo uma postura de adulto, de querer. É difícil trabalhar, é por isso que muitos deles já estão nas drogas, por falta até de uma conduta de pais, educadores, que deixam eles fazerem tudo o que querem e de repente...

Esta classe traz a concepção da adolescência como uma fase de transição da infância para a idade adulta e articula-se com a idéia de adolescência como período difícil e conflituoso, pelo fato de o adolescente se conceber como alguém que deixa de ser criança e está prestes a entrar na vida adulta, sentindo-se, portanto, capaz de fazer todas as coisas. A representação de adolescência que têm os ADSs ancora-se nas concepções produzidas no âmbito das ciências psicológicas, ao tratar a adolescência como fase de transição, caracterizada pela busca de identidade.

CONCEPÇÕES DOS ADSS SOBRE O ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI

A análise do corpus II, sobre as possíveis diferenças entre aqueles adolescentes que estavam cumprindo pena em regime de internação e a os outros que não estavam passando por essa situação, mostrou um agrupamento em quatro classes, conforme a figura abaixo:

Figura 2

Neste tipo de análise, o dendrograma se apresenta como uma representação gráfica das associações e dissociações entre as variáveis que emergiram da representação do pensamento dos educadores sobre os adolescentes em conflito com a lei. Em todas as classes expostas pelo dendrograma, a representação dos educadores a respeito dos adolescentes sob a sua guarda é que estes são diferentes dos outros adolescentes, pelo fato de terem cometido atos infracionais. A causa de tais práticas delituosas, segundo os sujeitos, estaria no meio social, na família. Além disso eles nutrem descrença quanto à recuperação desses adolescentes.

A Classe 1 traz informações de que aqueles adolescentes em situação de reclusão são diferentes dos demais e sobre a atuação profissional, isto é, as práticas educativas desenvolvidas pelos educadores com relação a esses adolescentes, como é possível ver em alguns relatos:

A adolescência dos que estão internos é diferente. Eles são infratores e nós estamos aqui para ajudá-los, tanto o corpo técnico, a direção, como os educadores para ajudá-los.

A adolescência deles não é bem assim como a dos outros, porque isso aí é bem uma parte de fraqueza. Através disso aí é que acontecem esses fatos, que dependendo da conversa da gente, que eles podem se recuperar.

Apesar de um dos papéis da instituição ser o reintegrar na sociedade esse cidadão em fase de desenvolvimento e, por ser um cidadão, concebê-lo como igual a todos os que vivem em sociedade, as falas dos sujeitos vêm demonstrar que as representações dos educadores sobre os adolescentes que cumprem pena em regime de privação de liberdade, é que estes não se assemelham aos outros, pois são infratores, e a causa estaria na fraqueza desses adolescentes.

A classe 2 expressa a idéia de uma possível causa social como motivo para os adolescentes serem diferentes e violentos.

Caracteriza-se por uma dificuldade muito grande que eles têm lá fora. Os problemas de desemprego na família acarretam a eles estarem aqui. Porque são bem caracterizados pela discriminação social e pela má divisão de renda do país;

Não, eu acho que a diferença é o meio social. A convivência com os familiares, porque muitos deles cometem por causa deles. Acham bonito, eles acham. Sei lá. E outros só pelo lado social, independente dos pais.

As idéias agrupadas na classe 3 denotam uma certa descrença da possibilidade de recuperação dos adolescentes e que essa descrença estaria também no meio social.

Não, eu tenho para mim que ele já fez coisas tão vivas que ele já traz problemas de fora, e não é coisinha pouca não, é grande mesmo, porque tem pessoas aí que eles passam dois anos, três anos, mas, de cem se recupera sete ou oito.

Não, totalmente diferente. Eu acho que os adolescentes daqui eles não tiveram adolescência, devido às condições sociais de cada um deles. Eles não conhecem a adolescência, então ele não tem outra solução. Ele vai voltar de novo para o mesmo mundo. Eu acho que a estrutura hoje melhorou, mas falta muito ainda.

Para Foucault (1987), o sistema penitenciário serve como uma forma de manutenção daqueles indivíduos que, ao serem considerados diferentes, suscitam a necessidade de controle através da vigilância. Os ADSs revelam em suas falas que a sua função na instituição é tomar conta dos adolescentes.

Por fim, a classe 4 relata que as causas pelas quais esses adolescentes estão em conflito com a lei estariam nas relações familiares.

Às vezes,no caso, veja bem, tem muito adolescente que parte para a vida errada porque tem muitos exemplos dos pais também, porque eu acho que um pai ou uma mãe tem que está sempre ali junto do adolescente.

É quando o adolescente já tem uma família problemática, um pai problemático, uma mãe problemática. E isso tudo é muito importante numa família. O pai está junto do filho, aconselhando ele, a mãe está junto do filho, aconselhando o filho. O adolescente vai crescendo, a mente dele vai se abrindo.

A família é considerada aqui como a base estrutural da sociedade, funcionando como o meio no qual são realizados os primeiros contatos e trocas socializatórios. Seria dessa socialização estabelecida inicialmente nas relações familiares que derivariam outras socializações. Seria o que Berger e Luckmann (1976) chamam de socializações secundárias. Na concepção dos educadores, uma suposta desestruturação nas relações familiares desses adolescentes, seria reproduzida nas suas interações sociais, gerando a infração.

Nesta representação gráfica, observa-se que a associação mais significativa está na classe 1 - Atuação profissional dos ADSs - e a dissociação mais significativa emerge do agrupamento da causa social para a violência, da descrença do meio social na recuperação dos adolescentes e dos problemas familiares. De maneira geral, podemos dizer que, enquanto a classe 1 fala da prática profissional dos ADSs para a recuperação, as classes 2, 3 e 4 formariam um segundo grupo, mostrando as causas da infração, o meio social, a descrença quanto a sua recuperação e questões de ordem familiar.

Segundo a consideração de Abric (1996), de que as representações guiam as práticas, percebe-se que o tratamento e atenção dispensados a esses adolescentes em situação de reclusão e cumprindo medidas socioeducativas se dão de forma diferenciada. Descrentes da natureza do adolescente e da possibilidade de mudanças no ambiente familiar, os ADSs são também descrentes da possibilidade de reintegração social do adolescente.

Em face de tal descrença, pode-se perguntar: as práticas desenvolvidas por esses sujeitos na função de educador estariam de acordo com a proposta do ECA de garantir os direitos pessoais e sociais, além de permitir o desenvolvimento físico e moral e a criação de oportunidades?

CONCLUSÕES

Os resultados aqui apresentados trazem à tona uma questão importante no que concerne à efetivação das políticas sociais relativas à criança e ao adolescente. É de fundamental importância o rompimento com a doutrina da situação irregular e a adoção da doutrina de proteção integral. Esta traz em seu bojo uma mudança radical no modo de conceber a criança e o adolescente, que passam, então, a ser considerados sujeitos de direito. Tais mudanças vão paulatinamente sendo apropriadas pelo senso comum e modificando as concepções e práticas sociais. Entretanto, é também no cotidiano, no conjunto de significados compartilhados no senso comum, que se estabelecem as resistências à mudança. As relações cotidianas podem viabilizar ou não tais políticas no sentido de modificar as práticas sociais com essa população.

Ressalte-se a clara distinção feita pelos ADSs com relação aos adolescentes que estão sob sua guarda e aos adolescentes em geral. Os primeiros são diferentes por serem infratores. A descrença quanto a sua recuperação é justificada através da idéia de uma família desestruturada. Família que não segue o modelo nuclear, e termina também por ser a causa da infração do adolescente. Por outro lado, a adolescência de modo geral é descrita de forma mais positiva, constituindo-se como uma fase de preparação para o futuro. Entretanto, a falta de limites na relação com os pais e um certo sentimento de onipotência dos adolescentes são também apontados como característicos dessa fase, constituindo-se no eixo negativo da adolescência. Seria basicamente deste segundo eixo que sairiam os adolescentes em conflito com a lei, portanto, diferentes dos outros.

Os ADSs consideram fundamental o apoio familiar, tanto para a recuperação desses jovens quanto para a sua manutenção na sociedade. Eles afirmam que a sua maior preocupação relativa à educação é que o adolescente infrator não reincida e, portanto, não volte para a prisão. Ao mesmo tempo em que consideram a família como um vínculo positivo na "recuperação" do adolescente infrator, os ADSs se questionam sobre a competência dessa família em oferecer as condições necessárias à reintegração do jovem. Daí decorre a sua descrença em um trabalho educativo, uma vez que estes jovens irão retornar para um lar desestruturado, que não tem muito a oferecer.

Observa-se que, para esses sujeitos, a família capaz de ajudar os adolescentes seria justamente o modelo de família ideal, leia-se, família nuclear, que constitui a base da sociedade. Na medida em que esses adolescentes não se encaixam nesse modelo ideal de adolescência, as práticas dos ADSs são no sentido de minimizar os problemas trazidos por eles. Tais práticas baseiam-se em princípios corretivos e punitivos, como pôr de castigo nas celas e proibi-los de exercer as atividades educativas, que deveriam ser asseguradas, uma vez que fazem parte do cumprimento da pena em regime de internação. Isso nos leva a crer que antigas concepções, anteriores ao ECA, ainda perduram. A representação social dos ADSs relativas aos adolescentes parece ancorar-se nas idéias de correção e punição que pautavam a doutrina da situação regular. Esta antiga concepção não faz parte apenas da representação dos agentes sociais, mas também, e, sobretudo, da instituição, que contrata funcionários de firmas de segurança para serem os responsáveis pela guarda e proteção desses jovens.

Para que haja de fato uma mudança no sentido proposto pelo ECA, é preciso que haja uma mudança da cultura da própria instituição com relação à forma de conceber o adolescente e o seu novo papel institucional. Avanços e resistências vão se tecendo ao longo da história. O Estatuto da Criança e do Adolescente propicia a mudança, e as pequenas práticas cotidianas, por vezes, expressam as resistências.

Os resultados aqui apresentados fornecem subsídios para uma proposta de intervenção na qual, a partir da discussão das práticas educativas cotidianas, se possa romper com a lógica de um determinismo biológico existente no modo de os agentes de desenvolvimento social conceberem a adolescência, sobretudo o adolescente infrator.

Recebido em 07/06/2004

Aceito em 10/09/2004

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  • Endereço para correspondência

    Daniel Henrique Pereira Espíndula
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Mar 2005
    • Data do Fascículo
      Dez 2004

    Histórico

    • Aceito
      10 Set 2004
    • Recebido
      07 Jun 2004
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