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Entrevista com Dra. Eunice Soriano de Alenccar

HISTÓRIA

Entrevista com Dra. Eunice Soriano de Alencar


Entrevistadora: Denise de Souza Fleith

EUNICE MARIA LIMA SORIANO DE ALENCAR é especialista renomada na área de criatividade e superdotação. É autora de mais de 200 publicações em 14 países. Participa ainda do corpo editorial de revistas científicas da Espanha, Estados Unidos, Inglaterra, Portugal e Brasil. Eunice Alencar é professora da Universidade Católica de Brasília, pesquisadora do CNPq, membro da Academia Paulista de Psicologia e vice-presidente da Federação Ibero- Americana do Conselho Mundial para Crianças Superdotados e Talentosas. Concluiu seu doutorado em Psicologia na University of Purdue e seu pós-doutorado no Gifted Education Resource, ambos nos Estados Unidos. Tem orientado inúmeros alunos de graduação (bolsistas de iniciação científica) e de pós-graduação, além de ter participado de bancas de mestrado e doutorado em diferentes universidades brasileiras. Dentre os seus livros publicados, destacam-se os seguintes: Como desenvolver o potencial criador, A gerênciada criatividade, O processo da criatividade e Superdotados: determinantes,educação e ajustamento. A professora Eunice Alencar tem participado como conferencista convidada em vários congressos nacionais e internacionais, além de atuar como consultora de diversas instituições no País e no estrangeiro.

Fleith: Como foi a sua trajetória profissional? Quais são as suas publicações mais importantes?

Alencar: Cursei Psicologia na Universidade Federal de Minas Gerais, na década de 60. Quando estava no quinto ano, tendo já completado o bacharelado e licenciatura, fui contratada como instrutora de ensino da disciplina Psicologia Médica, na Faculdade de Medicina da UFMG, onde já participava como monitora da referida disciplina. Imediatamente após terminar a graduação, fui aceita para o Programa de Mestrado em Psicologia, da Universidade de Purdue, nos Estados Unidos. Nesta Universidade, ao examinar o catálogo de cursos, chamou-me a atenção a diversidade de disciplinas relativas à criatividade e educação de superdotados, temas estes que não tinham sido abordados durante a minha formação no Brasil. Interessei-me por estes tópicos, o que me levou a mudar a minha trajetória profissional. Com relação às minhas publicações mais importantes, devo dizer que sempre gostei de escrever. Ainda na época que atuava na Faculdade de Medicina, cheguei a escrever um livro que não foi sequer encaminhado para publicação. Considero que os livros de minha autoria Psicologia. Introdução aos princípios básicos do comportamento (primeira edição em 1976); A criança na família e na sociedade, (primeira edição, 1982); A gerência da criatividade (1996), O processo da criatividade. Produção de idéias e técnicas criativas (2000) e Superdotados: determinantes, educação e ajustamento", que tem você como co-autora, são algumas das publicações mais importantes.

Fleith: Que fatores influenciaram a sua escolha pela Psicologia Escolar?

Alencar: A oportunidade de cursar disciplinas relacionadas à Psicologia Escolar, na Universidade de Purdue, muito contribuiu para ampliar os meus horizontes. Também o meu orientador de mestrado e doutorado, o Prof. John Feldhusen, que é uma pessoa admirável. Quando o conheci, ele vinha realizando um trabalho de ponta na área educacional. O Prof. Feldhusen sugeriu-me que cursasse várias disciplinas, oferecidas tanto pela Faculdade de Psicologia como de Educação, que foram importantes para a minha formação. Alguns exemplos: Educação Comparada; Psicologia do Desenvolvimento, Métodos e Medidas Educacionais; Inteligência e Criatividade; Propostas Curriculares para o Superdotado, dentre outras.

Fleith: Que temas em Psicologia Escolar têm sido objeto de suas investigações?

Alencar: A influência de variáveis do contexto educacional na criatividade é um dos temas que mais têm mobilizado o meu interesse como pesquisadora. Tenho inúmeros estudos com relação à influência do professor no desenvolvimento das habilidades criativas de seus alunos; efeitos de programas de criatividade para professores e estudantes de diferentes níveis de escolarização; percepção de professores e alunos com relação ao seu nível de criatividade, de seus colegas e professores; barreiras ao desenvolvimento da criatividade, entre muitos outros. Tenho ainda alguns estudos relacionados ao superdotado e sua educação, tendo também desenvolvido várias pesquisas, há mais tempo, sobre o autoconceito e atitudes com relação à escola, tópicos estes pouco pesquisados em nosso país.

Fleith: Como você explica o seu interesse por estes tópicos?

Alencar: Criatividade, como é de seu conhecimento, é possivelmente o recurso mais precioso que o ser humano dispõe para lidar com os desafios que caracterizam a nossa época, marcada por grande incerteza, muitas turbulências, instabilidade e profundas mudanças, que vêm ocorrendo em um ritmo cada vez mais rápido. Por outro lado, somos frutos de uma sistema educacional que tende a reduzir a nossa capacidade de criar muito aquém de suas reais possibilidades, que oferece poucas oportunidades para que o aluno se conscientize de seu potencial criador, além de não fortalecer traços de personalidade que se associam à criatividade. Considero que tenho um compromisso com o meu país de dar uma contribuição nesta área, de apontar mudanças que se fazem necessárias no sentido de se promover uma educação que favoreça o desenvolvimento do potencial de cada aluno, de colaborar na formação de professores que façam uma diferença positiva na vida de seus alunos, que instiguem nos seus alunos confiança em suas habilidades e no seu potencial para criar. Preocupa-me também o pouco que se faz em nosso país no que diz respeito à educação do superdotado. Esta é, infelizmente, uma área tabu, onde os investimentos são muito limitados. Como tenho tido oportunidade de acompanhar o que vem ocorrendo no cenário internacional desde os anos 70, sinto que tenho um compromisso de colaborar na formação de professores que possam ajudar o aluno com altas habilidades, de divulgar o tema, disseminando informações sobre o mesmo.

Fleith: Como você avalia a atuação do psicólogo escolar no Brasil atualmente?

Alencar: Considero a atuação do psicólogo escolar no Brasil ainda muito tímida e limitada. São poucos os psicólogos que efetivamente vêm atuando nesta área, se considerarmos a dimensão do país gigantesco em que vivemos. Por outro lado, há uma tremenda necessidade de psicólogos bem qualificados, que possam atuar em distintas esferas do sistema educacional. São inúmeras as possibilidades de atuação do psicólogo escolar, que estão em descoberto. Neste sentido, considero de fundamental importância investir na formação deste profissional, para que ele possa desenvolver um trabalho sobretudo preventivo na escola, que possa atuar de forma eficiente em equipes com outros profissionais, incluindo professores, na promoção de uma educação de boa qualidade para todos os alunos, incluindo aqueles com necessidades especiais, como o superdotado. Aproveito para lembrar que é também responsabilidade do psicólogo, independentemente de atuar nesta ou em outra área, buscar um aprimoramento permanente, participando de congressos da área, acompanhando publicações recentes e intercambiando experiências com colegas de profissão. Neste sentido, a ABRAPEE tem dado uma contribuição significativa. Tem sido um elemento chave para aglutinar psicólogos que vêm atuando na área, ajudando na formação deste profissional e disseminando conhecimentos da maior relevância para o psicólogo escolar em particular. Lembro, por exemplo, os congressos organizados por esta Associação que, além de oferecer uma oportunidade para atualização e troca de experiências, têm ajudado a dar maior visibilidade ao trabalho do psicólogo escolar junto a sociedade.

Fleith: Como você vê a contribuição da pósgraduação na formação de pesquisadores na área de Psicologia Escolar e Educacional?

Alencar: A Pós-Graduação tem tido um papel relevante na formação de pesquisadores nesta área. Ela vem contribuindo para a formação de profissionais melhor qualificados para atuar na prevenção de problemas, assessorar professores e acompanhar o aluno no seu processo de desenvolvimento e aprendizagem. Entretanto, considero que temos ainda um longo caminho pela frente na construção do conhecimento. Há muitas questões que precisam ser melhor exploradas pelos pesquisadores da área. É necessário também divulgar o conhecimento que tem sido produzido não só em congressos, mas também nos periódicos e especialmente junto àqueles que podem se beneficiar do conhecimento produzido, por exemplo, professores dos distintos níveis de ensino.

Fleith: Em sua atuação profissional, o que tem sido mais estimulante e o que tem sido mais desafiador?

Alencar: O que tem sido mais gratificante é constatar que muitos dos meus ex-alunos vêm dando contribuições significativas à psicologia brasileira. Também gratificante é constatar que o que eu venho publicando tem contribuído tanto para a formação do psicólogo como do educador. No momento, o que tem sido mais desafiador é motivar os alunos de graduação a investir mais na sua formação, a se dedicar mais às atividades previstas no seu curso de formação, a tirar maior proveito das oportunidades a eles oferecidas para se aprimorar profissionalmente.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Dez 2010
  • Data do Fascículo
    Jun 2002
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