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Homenagem a Samuel Pfromm Netto

Tribute to Samuel Pfromm Netto

Homenaje a Samuel Pfromm Netto

HISTÓRIA HISTORY HISTORIA

Homenagem a Samuel Pfromm Netto

Tribute to Samuel Pfromm Netto

Homenaje a Samuel Pfromm Netto

José Fernando Bitencourt Lomonaco

Universidade de São Paulo - SP

Vítima de longa e cruel enfermidade, faleceu no dia 17 de novembro de 2012 o Prof. Samuel Pfromm Netto, de quem tive a honra de ter sido aluno, colega de trabalho e amigo de longa data. Meu primeiro contato com o Prof. Samuel ocorreu no curso de graduação, em que dele recebi meus primeiros ensinamentos nas áreas da Psicologia da Aprendizagem e da Psicologia da Adolescência, esta última, uma de suas paixões. Penso que todos que o conheceram hão de concordar comigo quanto ao enorme entusiasmo demonstrado por ele em suas aulas. Transparecia em suas palavras e em seu tom de voz uma firme convicção de estar transmitindo aos seus alunos importantes conhecimentos oriundos da ciência psicológica. Aí residia uma faceta peculiar de sua personalidade: uma grande intolerância com o bla-blá-blá sem fundamento e com meras opiniões pessoais não fundamentadas na pesquisa empírica, e principalmente uma grande aversão à contaminação dos conhecimentos psicológicos oriundos de trabalhos de pesquisas sérios com as ideologias de plantão, com a mistura nefasta, no seu entender, de predisposições ideológicas que conduziam o pensamento em uma direção determinada e cegavam o aluno e/ou o estudioso para as descobertas e conclusões dos trabalhos empíricos de campo ou oriundos de laboratórios psicológicos.

Outro aspecto bastante característico do Prof. Samuel consistia em uma surpreendente atualização a respeito dos assuntos de seu interesse. Impressionava-nos como alunos o grau do conhecimento sobre as publicações mais recentes, geralmente textos norte-americanos, que o professor parecia haver lido e comentava conosco, além de - é claro - recomendar-nos enfaticamente a sua leitura. Ficávamos imaginando o tamanho de sua biblioteca e o tempo despendido pelo professor em suas múltiplas leituras. Não se pense, todavia, que apenas os textos mais atuais constituíam objetos de suas leituras. Ao lado destes e - penso eu - com igual interesse e muito afinco, Samuel Pfromm Netto garimpava (o termo garimpar parece-me refletir bem a tarefa a que ele se propunha) trabalhos dos pioneiros da Psicologia brasileira, e sentíamos nele uma profunda consideração pelas obras desses autores, que na maioria das vezes eram um tanto simplórias quando comparadas aos trabalhos mais recentes, mas que o pesquisador tratava com muito carinho, se assim se pode dizer, e muito respeito. Quem lê um de seus livros mais conhecidos - Psicologia da Adolescência - pode aquilatar o quanto dos trabalhos desses pioneiros o Prof. Samuel levantou e considerou nesta obra. E aí temos outra característica marcante de sua personalidade acadêmica: a de historiador da Psicologia brasileira. Não sem razão, fazia parte do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo.

À parte o já dito, vamos conhecer um pouco mais de Samuel Pfromm Netto. Nasceu em Piracicaba, em 3 de março de 1932. Seus ascendentes maternos eram católicos luso-brasileiros e os paternos luteranos alemães. Formou-se professor primário pela antiga Escola Normal de Piracicaba, em 1949 e, ainda muito jovem, trabalhou como radialista e como jornalista no antigo "Jornal de Piracicaba", na função de revisor. Cursou Pedagogia na USP, onde se formou em 1959; no ano seguinte foi convidado pelo Dr. Arrigo Leonardo Angelini para trabalhar na antiga Cadeira de Psicologia Educacional. Doutorou-se na própria USP e fez estudos pós-graduados nos EUA, Europa e Japão. Escreveu e publicou aproximadamente quatro dezenas de livros e um número também muito extenso de estudos ao longo dos últimos 50 anos. Dentre suas obras podemos destacar: "Psicologia da Adolescência", livro que teve sete edições e, por muito tempo, foi o único (ou, pelo menos, um dos únicos) livro sobre o assunto no nosso meio, "Comunicação de Massa" (1972), "Tecnologia da Educação e Comunicação de Massa" (1977), "Psicologia da Aprendizagem e do Ensino" (1987), "Psicologia: Introdução e Guia de Estudo" (1990) com 23 edições, "Telas que Ensinam" (1998), etc. Fez parte como associado e, frequentemente, como integrante da diretoria, de várias associações culturais, como a Associação de Psicologia de São Paulo (antiga Sociedade de Psicologia de São Paulo), a Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE), na qual se fez sempre presente com suas colaborações, a Academia Cristã de Letras, o Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo. Foi membro fundador da Academia Paulista de Psicologia, em que ocupava a cadeira n.º 5, cujo patrono é José Rodrigo de Arruda, por sinal, seu antigo professor na Escola Normal de Piracicaba, autor, segundo Samuel, de um notável compêndio de Psicologia editado pela Saraiva e pioneiro, em nosso meio, de estudos sobre aprendizagem de idiomas estrangeiros.

No tocante ao seu trabalho profissional, atuou a maior parte de sua vida como professor no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, nos cursos de graduação e pós-graduação. Depois de aposentado pela USP exerceu o magistério no programa de pós-graduação em Psicologia Escolar da Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Em ambas as instituições orientou grande número de dissertações de mestrado e teses de doutorado. Por ocasião de sua morte dirigia a PNA - Pfromm Netto & Associados, com sede na Capital Paulista.

Outro aspecto de sua contribuição para a Psicologia brasileira que merece ser ressalvado para conhecimento e reconhecimento das novas gerações de psicólogos foi sua efetiva atuação - juntamente com outras figuras históricas da nossa Psicologia, tais como Arrigo Leonardo Angelini, Odete Lourenção van Kolck, Oswaldo de Barros Santos e tantos outros - no sentido não só da criação do primeiro curso de Psicologia do Brasil, o Curso de Psicologia da USP, mas também do reconhecimento legal da profissão de psicólogo por meio da aprovação da Lei 4.119, de 1962. Samuel, ao lado desses e de muitos outros pioneiros, também se empenhou ativamente pela criação do Conselho Federal de Psicologia, do qual, aliás, foi conselheiro por muitos anos.

Interessou-se pela informática educativa nos anos 70 e 80 e colaborou com a Secretaria Especial de Informática do Governo Federal no planejamento e na criação dos primeiros centros de informática educativa no país. Sua experiência neste período é bem retratada no livro "Telas que Ensinam", publicado em 1998.

Muito embora os interesses e os conhecimentos do Prof. Samuel fossem muito amplos e diversificados, é possível identificar claramente uma área do conhecimento psicológico na qual investiu o melhor de seus esforços, qual seja a área da Psicologia Educacional e, por extensão, Escolar. Numa entrevista concedida à Dra. Geraldina Porto Witter, sua amiga e colega, publicada na Revista de Psicologia Escolar e Educacional da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE), justifica o interesse por esta área como natural, pois decorrente de sua formação como professor normalista e, posteriormente, como pedagogo. Quando instado pela entrevistadora a apontar as características da Psicologia Escolar no Brasil de hoje, assim se manifesta o entrevistado:

"Vejo aspectos positivos e negativos na Psicologia Escolar brasileira de nossos dias. Primeiro os positivos. Graças principalmente à ABRAPEE ... temos hoje uma produção e uma publicação de pesquisas das mais expressivas, em comparação com a que tínhamos nas décadas passadas. Boa parte dessa produção obedece aos melhores padrões da literatura internacional e se debruça ... sobre a realidade de professores e alunos brasileiros em escolas brasileiras. Noto também um aumento expressivo de contribuições, muito raras no passado, da pesquisa empírica sobre distúrbios e problemas de aprendizagem com embasamento científico sério, ao contrário de uma certa linha de superficialidade e desconhecimento brutal do complexo de fatores, condições e componentes não só psicológicos e sociais, como bioquímicos, genéticos, neurais e traumáticos e de relacionamento interpessoal, que nos fornecem um quadro de referência muito mais seguro para fins de prevenção, intervenção e atuação junto a escolares e professores. Temos hoje muito mais consciência do alerta feito por Bronfenbrenner (desde a década de 70) ... sobre a progressiva deterioração na sociedade das condições indicadas pelas pesquisas como críticas, tanto para um desenvolvimento saudável na infância como para a manutenção da saúde física e mental e das competências humanas ao longo da vida (...)."

"Em contrapartida, há os aspectos negativos. Apesar dos múltiplos esforços no sentido de pôr um psicólogo escolar em cada escola (...) ressentimo-nos ainda de uma certa timidez, de um certo pudor despropositado quanto à necessidade de fazermos nosso próprio marketing, de organizar lobbies, de mobilizar pessoas e sociedades para dotar nossas escolas de bons serviços e profissionais competentes no âmbito da Psicologia Escolar. Por falar em profissionais competentes, é bem sabido que deixa a desejar, em numerosos cursos, a preparação desses profissionais, que é mínima ou nula, ou que se desloca do aprendizado de conhecimentos e habilidades (sem dúvida mais trabalhoso) para o caminho fácil da contestação barata, das arengas político-doutrinárias e da maledicência mal disfarçada que perdem de vista a própria psicologia ..."

Assim, continuava o Prof. Samuel com sua peculiar inflamação na defesa de seus pontos de vista. Assertivo, mas sempre educado, elegante e respeitoso com as pessoas. A morte privou-nos de sua presença, mas felizmente suas palavras e suas ideias continuarão ressoando em nós por meio de seus inúmeros escritos.

Sobre o autor

José Fernando Bitencourt Lomonaco (jfblusp@terra.com.br)

Professor Associado no Instituto de Psicologia da USP, membro titular da Academia Paulista de Psicologia.

Av. Prof. Mello Moraes, 1721, Cidade Universitária, 05508-900 - São Paulo, SP

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Jan 2014
  • Data do Fascículo
    Dez 2013
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