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SISTEMAS DE ENSINO EDUCACIONAL: EXIGÊNCIAS DE DISCIPLINA E DESEMPENHO DOS ALUNOS NA PERSPECTIVA PSICANALÍTICA

Sistemas de enseñanza educacional: exigencias de disciplina y rendimiento de los alumnos en la perspectiva psicoanalítica

RESUMO

O manuscrito se propõe a uma análise crítica da possibilidade do psicanalista na instituição escolar. Valendo-se da Psicanálise aplicada associada à pesquisa bibliográfica e a fragmentos de lembranças provenientes da prática no cotidiano escolar como eixo condutor, compreende-se a posição do psicanalista na instituição como aquela que visa à promoção do sujeito. Investigam-se sites de três sistemas de ensino em destaque no Brasil hoje. Localiza-se o significante desempenho vinculado à promessa de ingresso na universidade proveniente do uso do material didático de cada um deles. Percorre-se a teoria dos discursos de Lacan demonstrando os discursos capitalista, mestre contemporâneo e universitário como predominantes na escola atual. O psicanalista, ao operar com o discurso do analista em sua escuta, permite o bem dizer do sujeito, exercendo, assim, a função de desalienistas. Essa função se alicerça num distanciamento das identificações imaginárias e totalizantes, que expressam o sistema de ensino em nosso País.

Palavras-chave:
psicanálise e educação; ideologia; tecnologia educacional

RESUMEN

En el manuscrito se propone a un análisis crítico de la posibilidad del psicoanalista en la institución escolar. Valiéndose de la Psicoanálisis aplicada asociada a la investigación bibliográfica y a fragmentos de recuerdos provenientes de la práctica en el cotidiano escolar como eje conductor, se comprende la posición del psicoanalista en la institución como aquella que visa la promoción del sujeto. Se investigan sites de tres sistemas de enseñanza en destaque en Brasil de hoy. día Se localiza el significante rendimiento vinculado a la promesa de ingreso en la universidad proveniente del uso del material didáctico de cada uno de ellos. Se recurre a la teoría de los discursos de Lacan demostrando los discursos capitalistas, maestro contemporáneo y universitario como predominantes en la escuela actual. El psicoanalista, al operar con el discurso del analista en su escucha, permite el bien decir del sujeto, ejerciendo, así, la función de no alienistas. Esa función se cimienta en un alejamiento de las identificaciones imaginarias y totalizantes, que expresan el sistema de enseñanza en nuestro País.

Palabras clave:
psicoanálisis y educación; ideología; tecnología educacional

ABSTRACT

The manuscript proposes a critical analysis of the possibility of the psychoanalyst in the school institution. Taking advantage of Applied Psychoanalysis associated with bibliographical research and memories fragments from daily practice at school as a guiding axis, the psychoanalyst’s position in the institution is understood as that which aims at the promotion of the subject. Sites of three education systems highlighted in Brazil today are investigated. The significant performance linked to the promise of enrolling the university resulting from the use of the didactic material of each one of them is located. Lacan’s discourses theory is covered, demonstrating the capitalist, contemporary teacher and university discourses as predominant in current school. The psychoanalyst, when operating with the analyst’s discourse in his listening, allows the subject to say well, thus exercising the function of disalienists. This function is based on a distancing from the imaginary and totalizing identifications that express the education system in our country.

Keywords:
psychoanalysis and education; ideology; educational technology

INTRODUÇÃO

Este artigo é uma comunicação dos resultados da pesquisa realizada em um programa de pós-graduação em Psicologia. A partir da prática clínica com crianças e adolescentes e de lembranças provenientes do cotidiano em uma escola particular, despontou o problema de pesquisa investigado: o que pode o analista na instituição escolar frente ao discurso recorrente e exigente de disciplina e desempenho dos alunos? O estudo se propôs a uma análise crítica da demanda apresentada ao psicanalista na instituição escolar. Sob a perspectiva da escola, esses alunos apresentavam problemas prejudiciais para a aprendizagem, que acarretariam um não ingresso na universidade.

O modus operandi do trabalho nessa escola se dava a partir do encaminhamento para atendimento psicológico dos alunos indisciplinados e com baixo aproveitamento nas avaliações, que era feito pelas coordenadoras. Dessa forma, era solicitado atendimento especialmente aos alunos do 3º ano do Ensino Médio, os quais apresentavam dificuldade para acompanhar o rendimento da turma. Nesse encaminhamento, podemos localizar uma exigência da instituição escolar para o profissional psi: a psicanalista precisava ajudar os alunos a resolverem os problemas que os prejudicavam na aprendizagem, o que poderia inviabilizar o ingresso na universidade. Os principais problemas apresentados por eles foram: ansiedade, indisciplina, não assimilação do conteúdo, falta de interesse pelas aulas e dificuldade na relação com o professor.

Acerca das solicitações de trabalho do psicólogo nessa escola, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) assevera que os psicólogos escolares em sua atuação, devem auxiliar: na (re)formulação e avaliação do projeto político pedagógico da escola; na intervenção no processo de ensino-aprendizagem; na integração de mediadores culturais no processo de aprendizagem; pais e educadores na reflexão sobre o papel social da escola e da família; na formação continuada dos educadores; e, por fim, no trabalho com grupos de alunos com temáticas como educação inclusiva, preconceito e orientação profissional (CFP, 2013Conselho Federal de Psicologia - CFP(2013). Referências técnicas para atuação dos psicólogos na educação básica. Disponível em http://crepop.pol.org.br/wp-content/uploads/2013/04/MIOLO_EDUCACAO.pdf
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).

Concernente à posição do psicanalista diante de impasses enfrentados pelos alunos, professores, coordenação, direção e toda a comunidade escolar, por intermédio da escuta das demandas apresentadas, procuramos brechas para uma possível intervenção com vistas à construção de seu lugar no espaço escolar. Sabemos que o analista não ocupa o lugar de responder a tais demandas; porém, o seu acolhimento, por meio de uma escuta atenta e criteriosa, é crucial na construção de um vínculo transferencial para sua atuação no campo escolar. Então, nossa pesquisa se direcionou no sentido de trabalhar o que o analista pode na escola frente à demanda de disciplina e desempenho dos alunos.

Com a finalidade de traçar as possibilidades do trabalho do psicanalista na instituição escolar, recorremos a Freud (1919/2006Freud, S. (2006). Prefácio à “Juventude Desorientada” de Aichhorn. In S. Freud, Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud(Vol. 19, pp. 307-308). Rio de Janeiro, RJ: Imago Editora. (Obra original publicada em 1925).) em seu apontamento sobre a possibilidade de estender a Psicanálise à comunidade, a fim de levá-la às instituições, sublinhando que a eficácia da escuta psicanalítica se dá através da premissa da Psicanálise: a ética da escuta singular independentemente do lugar onde ela opera. Recorremos, também, a Lacan (1949/1998Lacan, J. (1998). O estádio do espelho como formador da função do eu. In J. Lacan,Escritos(V. Ribeiro, Trad., pp. 96-103). Rio de Janeiro, RJ: Zahar. (Obra original publicada em 1949)., 1966/1998Lacan, J. (1998). Do sujeito enfim em questão. In J. Lacan, Escritos(pp. 229-237). Rio de Janeiro, RJ: J. Zahar. (Obra original publicada em 1966).) quanto à implicação de o sujeito ir ao encontro do seu desejo e confrontá-lo, diferente da proposta institucional, que visa a apagar o desejo do sujeito em prol da coletividade.

PSICANÁLISE APLICADA E PESQUISA BIBLIOGRÁFICA: DELINEAMENTO METODOLÓGICO

Para pensarmos as possibilidades de trabalho do psicanalista na escola, utilizamos como método a Psicanálise aplicada associada à revisão bibliográfica. Seguimos dois eixos de trabalho: a pesquisa bibliográfica enodada à recordação dos fragmentos da escuta pontual da pesquisadora no que se refere às questões do cotidiano escolar e a pesquisa em sites de três sistemas de ensino considerados de alta qualidade no Brasil hoje por terem alto nível de aprovação em exames de ingresso nas universidades.

A pesquisa bibliográfica é consoante com os princípios da pesquisa em Psicanálise. Essa metodologia de pesquisa nos autoriza a afirmar que toda pesquisa ocorre sob transferência, pois essa ocupa a posição de epicentro da cura e, também, desvela a pregnância do próprio fenômeno da transferência nas relações entre sujeitos (Elia, 1999Elia, L. (1999). A transferência na pesquisa em psicanálise: lugar ou excesso? Psicologia: Reflexão e Crítica [online], 12(3), ISSN 1678-7153. https://doi.org/10.1590/S0102-79721999000300015.
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). Assim, entendemos que a presença do pesquisador no campo é o bastante para alterar as relações e os discursos produzidos. Do mesmo modo, a recordação da escuta de fragmentos de frases, queixas e demandas do cotidiano escolar é retida, demonstrando que o problema de pesquisa se deu a partir do fenômeno transferencial. Lembramos que a teoria da representação freudiana considera que as representações possuem traços mnêmicos, que surgem a partir de experiências vividas pelos sujeitos. Dessa forma, os estímulos advindos do mundo externo permitem uma reorganização dessas representações de tal modo que elas podem ser definidas como produções mentais, que tornam o objeto subjetivamente presente.

Em “Construções em análise”, Freud (1937/2006Freud, S. (2006). Construções em análise. In S. Freud,Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (Vol. 23, pp. 275-287). Rio de Janeiro, RJ: Imago Editora . (Obra original publicada em 1937).) destaca que a tarefa do analista é transmitir as construções e explicações que a acompanham e completar aquilo que foi esquecido. Ratificando a posição freudiana, Dunker (2013Dunker, C. (2013). Sobre a relação entre teoria e clínica em Psicanálise. In C. Dunker, A psicose na criança: tempo, linguagem e sujeito(pp. 63-73). São Paulo: Editora Zagodoni.) elucida, ao investigar no espaço circunscrito da Psicanálise aplicada, quais seriam as condições do método para a construção de evidências clínicas. Assim, ele destaca três características relevantes: recordação, implicação e transferência. A recordação, extensamente utilizada nessa pesquisa, diz respeito à história e contingências que ela implica; a segunda requer a interrogação ética sobre o estranhamento com o qual o pesquisador se depara; e a terceira pressupõe a suposição de saber. Essas características reveladas na pesquisa pelos fragmentos recordados do discurso do outro, diz-nos Dunker (2013Dunker, C. (2013). Sobre a relação entre teoria e clínica em Psicanálise. In C. Dunker, A psicose na criança: tempo, linguagem e sujeito(pp. 63-73). São Paulo: Editora Zagodoni.), “fazem da psicanálise aplicada e do discurso analisante a ela ligado um método de invenção, um método de descoberta” (p. 71).

Dessa forma, buscamos instrumentalizar o método de pesquisa a partir da revisão de literatura. Para isso, a sustentação da nossa pesquisa é atravessada pela obra de Freud e pelo ensino de Lacan. Ressaltamos que os autores não têm textos específicos sobre o tema, mas perpassam pelos temas que interessam ao nosso manuscrito: educação, sujeito de desejo e laço social entre outros conceitos imprescindíveis para este trabalho.

Com uma escuta especializada para as exigências e demandas no cotidiano escolar, compreendemos que o significante desempenho parece revelar algo para além do escolar. Isso porque um bom desempenho escolar exigido do aluno no Ensino Médio sugere a possibilidade de inserção dele no mercado de trabalho e o seu sucesso profissional.

RESULTADOS

No intento de localizar o significante desempenho, amplamente exigido como um caminho certo para o sucesso dos alunos, pesquisamos os sites dos três principais sistemas de ensino, que prevalecem nas escolas brasileiras da atualidade e servem de modelo para os demais, uma vez que estão no patamar da lista dos alunos que obtêm as melhores notas no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) e, portanto, ingressam nas universidades.

Ao pesquisar o site de um grupo mineiro, que chamamos de Grupo X, evidenciamos, por meio da leitura das palavras ressaltadas na página, um enfoque insistente apresentando “soluções didáticas”, que convocam os alunos para a preparação nos estudos e, como consequência, para a possibilidade de ingresso na universidade. Desse modo, os significantes que podemos destacar nesta apresentação se ancoram no desempenho e na aprovação. Ao entrar no site do sistema de ensino do Grupo X, ele oferece apoio aos alunos, mas principalmente, aos professores para a adaptação ao método de ensino proposto. Em diversos itens disponíveis no site, identificamos a busca pela eficiência do professor no ensino do conteúdo, por meio do material didático, para garantir o desempenho do aluno.

O Grupo X também oferta suporte para as escolas que fizerem parceria com tal sistema. Destacamos um dos itens: a assessoria pedagógica que auxilia o professor de forma especializada na implantação das soluções quanto ao uso do material didático, à elaboração de aulas e ao atendimento cotidiano para responder às necessidades do professor.

O Grupo X promete, ainda, “soluções didáticas” e uso de “ferramentas tecnológicas” com acompanhamento constante, garantindo uma educação de qualidade bem como a excelência da aplicação do método. Ressaltamos que o sistema de ensino desse Grupo é a maior referência do Brasil, pois apresenta o maior índice de alunos ingressantes em universidades.

Destacamos, similarmente, um sistema de ensino da cidade de São Paulo, que chamamos de Grupo Y. Tal sistema implica um modelo educacional dinâmico, aberto às novas ideias, que visa à interação tanto entre os alunos quanto entre os alunos e os professores atentos às transformações da realidade. A proposta que encontramos nesse site é formar indivíduos para o mundo globalizado.

O Grupo Y também visa à aprovação de seus alunos nos exames de inserção nas universidades. Encontramos tal afirmação no item referente ao material didático desse sistema de ensino, que diz: “Quando você tiver em mãos um caderno de atividades, um livro ou um folheto do Grupo Y, lembre-se que cada página e cada palavra resultaram de um só propósito: vê-lo nas listas de aprovados”.

Investigamos, ainda, o sistema de ensino de um grupo do interior do estado de São Paulo, que nomeamos de Grupo Z. Ele propõe uma parceria entre as escolas que utilizam tal material, a fim de que possam compartilhar projetos pedagógicos de maneira a construir o melhor para atender a cada escola na formação dos alunos. Em seu site, ele afirma pensar a educação pelo viés das parcerias, para poder compartilhar saberes, desenvolver soluções e criar sentido para o aprendizado dos alunos.

No site do Grupo Z, encontramos um item referente ao material didático do 3º ano do Ensino Médio, que promete proporcionar uma formação adequada e preparatória para que os alunos estejam aptos a se submeterem aos exames do ENEM.

Percebemos que, por mais que a metodologia de ensino tenha passado por algumas modificações ao longo dos anos e os alunos tenham conquistado um lugar ativo na sala de aula, o professor permanece como o protagonista do ensino e da aprendizagem, pois ele tem o preparo e as ferramentas para aplicar o conhecimento em sala de aula.

DISCUSSÃO: IDEOLOGIA E DISCURSO DA INSTITUIÇÃO ESCOLAR

O que reconhecemos como a ideologia dominante contemporaneamente que concerne não só à escola, mas aos valores que imperam na sociedade, é uma corrida competitiva para alcançar o sucesso, o primeiro lugar, o melhor emprego e se destacar no social. Parece-nos ser um trabalho rumo à competência delineada a partir de uma exigência social.

Podemos pensar que a escola não se diferencia dessa posição social, uma vez que reproduz, a partir dos significantes desempenho e aprovação, uma busca por um sujeito competente. Nesse sentido, é imprescindível pensarmos que um grupo, que se inscreve sob a exigência do desempenho e da aprovação, parece responder a um imaginário social em que o significante da competência subjaz. Além do mais, podemos nos perguntar se esse excesso de exigência de desempenho e aprovação “marcado em cada um” não reflete uma ideologia do sucesso.

É verdade que os conceitos de ideologia referentes ao modo de produção se aproximam da exigência da sociedade atualmente, marcada pelo ingresso nas universidades. Para isso, é preciso que o aluno reproduza adequadamente o conteúdo estudado.

A ideologia está relacionada aos sistemas políticos e sociais, obedecendo à classe dominante, como propõem Marx e Engels (2007Marx, K., & Engels, F. (2007). A ideologia alemã. São Paulo, SP: Martins Fontes.). Entendemos a ideologia como um conjunto de ideias orientadas para a reprodução e manutenção da ordem estabelecida, na qual os poderes econômico e social influenciam na visão de mundo das pessoas, como Mannheim (1968Mannheim, K. (1968). Ideologia e utopia. Rio de Janeiro, RJ: Zahar.) nos convida a pensar.

Além disso, Althusser (1996/2010Althusser, L. (2010). Ideologia e aparelhos ideológicos do Estado. In S. Zizek (Ed.), Um mapa da ideologia (pp. 105-142). Rio de Janeiro, RJ: Contraponto. (Obra original publicada em 1996).) destaca que os métodos de ensino nas escolas e a exigência de disciplina são justificados pela ideologia. Assim, o sujeito alienado toma para si algo que é do outro, acreditando ser seu, conforme sublinha Zizek (1996Zizek, S. (1996). O segredo da forma-mercadoria: Por que Marx inventou o sintoma? In S. Zizek, O mais sublime dos histéricos (pp. 131-148). Rio de Janeiro, RJ: Zahar.). Ademais, apontamos a ideologia como o enlace na forma como o sujeito se relaciona com o outro e vive no meio social, como indica Eagleton (1997Eagleton, T. (1997). Ideologia: Uma introdução. São Paulo, SP: Editora Boitempo.).

Com o intuito de associar tais colocações com o nosso problema de pesquisa, enfatizamos Althusser (1996/2010Althusser, L. (2010). Ideologia e aparelhos ideológicos do Estado. In S. Zizek (Ed.), Um mapa da ideologia (pp. 105-142). Rio de Janeiro, RJ: Contraponto. (Obra original publicada em 1996).) a respeito da ideologia presente nas escolas. Segundo ele:

Ela pega crianças de todas as classes desde a tenra idade escolar e, durante anos - os anos em que a criança está mais ‘vulnerável’, espremida entre o Aparelho de Estado familiar e o Aparelho de Estado escolar - martela em sua cabeça, quer utilize métodos novos ou antigos, uma certa quantidade de ‘saberes’ embrulhados pela ideologia dominante (francês, aritmética, história natural, ciências, literatura), ou simplesmente a ideologia dominante em estado outro (ética, orientação cívica, filosofia). (Althusser, 1996/2010Althusser, L. (2010). Ideologia e aparelhos ideológicos do Estado. In S. Zizek (Ed.), Um mapa da ideologia (pp. 105-142). Rio de Janeiro, RJ: Contraponto. (Obra original publicada em 1996)., p. 121).

Mais ainda, Althusser (1996/2010Althusser, L. (2010). Ideologia e aparelhos ideológicos do Estado. In S. Zizek (Ed.), Um mapa da ideologia (pp. 105-142). Rio de Janeiro, RJ: Contraponto. (Obra original publicada em 1996).) afirma que a sociedade ideológica interpela os sujeitos como indivíduos; ou seja, aliena o sujeito frente ao seu desejo, pois o indivíduo é aquele que obedece às crenças e normas sociais, e não aquele que aposta no seu desejo. Esse é o sujeito. Assim, a ideologia social vale como verdade para todos e para cada um.

Diante disso, acreditamos que, para a Psicanálise, a ideologia sustenta segurança para o desamparo do sujeito e sua necessidade de ser amado à medida que ele fica ancorado em verdades já existentes sem questioná-las. Dessa maneira, proibir o pensamento e a interrogação assegura a autopreservação da ideologia presente na instituição escolar.

No que se refere aos métodos de ensino das escolas da atualidade, acreditamos que elas respondem ao fascínio de nossa época à medida que legitimam o poder econômico e orientam as ações sociais e políticas do sujeito.

Para tratar do enlace entre Psicanálise e instituição, a fim de situar o fazer do psicanalista dentro desta, torna-se necessário definirmos o que é uma instituição. Para Baremblitt (1992Baremblitt, G. (1992). Sociedade e Instituições. In G. Baremblitt, Compêndio de análise institucional e outras correntes: teoria e prática (pp. 25-35). Belo Horizonte, MG: Editora Record.), psiquiatra e psicanalista argentino, a instituição compõe a exigência do cumprimento de regras já impostas, uma organização que implica um funcionamento, sendo para isso, repleta de papéis e funções definidos para aqueles que ali operam, cada um com a sua função, porém trabalhando em conjunto. A instituição é atravessada por outras instituições, principalmente a social. Por isso, atende às demandas sociais para se manter enquanto tal.

Destacamos a escola, a priori, pautada numa ideologia social, o que significa responder a uma demanda que vai ao encontro da ascensão profissional do sujeito, ao êxito no trabalho e, consequentemente, ao retorno financeiro e ao prestígio social. Para que tal objetivo seja alcançado, a escola propõe um ensino voltado ao preparo dos alunos para o ingresso na universidade, o que viabiliza a entrada no mercado de trabalho. Então, a escola exige que o aluno tenha disciplina em sala de aula como forma de certificar a eficácia do desempenho.

Dessa maneira, uma instituição funciona à medida que os profissionais atuam de forma conjunta, sendo um deles o psicanalista, que chega à instituição contratado como psicólogo para integrar a equipe de modo a colaborar para o funcionamento institucional. Para tal, há uma função preestabelecida para o psicanalista: um lugar de saber. O que lemos em nossa prática é o psicanalista sendo convocado a ocupar o lugar de poder solucionar os problemas dos alunos que já passaram por outras tentativas de resolução nos âmbitos pedagógico e médico, a fim de que eles se enquadrem na norma escolar.

Na escola, de maneira antagônica, há uma solicitação de que a intervenção produza efeitos instantâneos e haja suspensão do sintoma do aluno e, assim, ele possa ter um bom desempenho. Estamos, nesse ponto, diante de um impasse enfrentado pelo psicanalista na instituição, o que nos faz dar continuidade a nossa pesquisa recorrendo ao ensino de Lacan e buscando elucidar as questões já sinalizadas por Freud a respeito da prática da Psicanálise.

Lacan (1964/2003Lacan, J. (2003). Ato de fundação. In J. Lacan, Outros Escritos (pp. 235-247). Rio de Janeiro, RJ: Zahar. (Obra original publicada em 1964).) enfatiza a ética da Psicanálise como o compromisso com o desejo do sujeito. Isso significa que a ética do trabalho da Psicanálise implica o fato de o sujeito ir ao encontro do seu desejo e confrontá-lo; diferente da proposta institucional, que se preocupa com a coletividade.

A aposta da Psicanálise é no saber que advém do próprio sujeito, e não de fora - nem do psicanalista, nem da instituição. A Psicanálise se pauta no saber a ser construído por e para cada sujeito. Por um lado, a instituição exige uma urgência de respostas prontas, rápidas e padronizadas; por outro, o psicanalista não as tem e não opera com respostas generalizadas. Assim sendo, a demanda institucional de que o psicanalista tenha a solução para adequar o sujeito às exigências institucionais não condiz com a ética da Psicanálise. Indagamos como o psicanalista pode operar dentro da instituição sem responder com um saber absoluto ao mesmo tempo em que é necessário manifestar-se enquanto parte da equipe.

Podemos tecer alguns apontamentos ao nos remetermos ao ensino lacaniano na ocasião quando Lacan (1967/2003Lacan, J. (2003). Proposição de 9 de outubro de 1967 sobre o psicanalista da Escola. In J. Lacan, Outros Escritos (pp. 248-264). Rio de Janeiro, RJ: Zahar. (Obra original publicada em 1967).) questiona como situar o singular no campo universal; ou seja, como seria possível trabalhar com o discurso do analista no âmbito institucional, que é pautado pelo discurso do mestre, sendo que os dois discursos são avessos?

No que se refere aos discursos e sua forma de laço social, Freud (1930/2006Freud, S. (2006). Linhas de progresso na terapia psicanalítica. In S. Freud, Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. “Uma neurose infantil e outros trabalhos (1917-1918)” (Vol. 17, pp. 173-181). Rio de Janeiro, RJ: Imago Editora. (Obra original publicada em 1919).) nos revela que a entrada no universo simbólico traz uma renúncia, que provocou um mal-estar e, desse modo, a impossibilidade de dar conta de tudo o que concerne à civilização. Freud (1925/2006Freud, S. (2006). Linhas de progresso na terapia psicanalítica. In S. Freud, Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. “Uma neurose infantil e outros trabalhos (1917-1918)” (Vol. 17, pp. 173-181). Rio de Janeiro, RJ: Imago Editora. (Obra original publicada em 1919).) já nos apresentava os três ofícios impossíveis: educar, governar e curar. Curar é substituído por analisar. Essas três profissões representam, na teoria freudiana, diferentes maneiras de fazer laço.

Lacan (1969-1970/1991Lacan, J. (1991). O Seminário, livro 17: O avesso da psicanálise. Rio de Janeiro, RJ: Zahar. (Obra original publicada em 1969-1970).) considera que há quatro maneiras de fazer laço a partir das três mencionadas por Freud acrescentando mais uma: o fazer desejar, que não se trata de uma profissão, mas se destaca como uma modalidade de laço com o discurso histérico.

Sobre os discursos, o autor esclarece o modo de pensar o sujeito inserido em seus laços sociais, articulando o campo da linguagem, do gozo, do sujeito e do saber inconsciente. Mediante o discurso, o sujeito faz laço, afirma Lacan (1969-1970/1991Lacan, J. (1991). O Seminário, livro 17: O avesso da psicanálise. Rio de Janeiro, RJ: Zahar. (Obra original publicada em 1969-1970).), pois é ele quem ordena e regula o vínculo entre os sujeitos. Os três modos apontados por Freud (1930/2006Freud, S. (2006). Linhas de progresso na terapia psicanalítica. In S. Freud, Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. “Uma neurose infantil e outros trabalhos (1917-1918)” (Vol. 17, pp. 173-181). Rio de Janeiro, RJ: Imago Editora. (Obra original publicada em 1919).) como fontes do sofrimento do homem são, na leitura lacaniana, correspondentes, respectivamente, aos quatro discursos: mestre, universitário, analista e histérica. Posteriormente, em 1970, Lacan introduziu o discurso capitalista como uma nova configuração do discurso do mestre. De acordo com Lacan (1969-1970/1991Lacan, J. (1991). O Seminário, livro 17: O avesso da psicanálise. Rio de Janeiro, RJ: Zahar. (Obra original publicada em 1969-1970).), os quatro discursos funcionam de forma integrada, fazendo um quarto de giro para se estruturarem; para isso, utilizam os mesmos elementos.

Interessam-nos os quatro discursos: do mestre, do analista, do universitário e do capitalista. O discurso do mestre, por ser o discurso preponderante na instituição; o do analista, por ser o discurso com o qual a Psicanálise opera; o do universitário, por estar presente nas escolas quanto ao uso das apostilas; e o do capitalista, por ser o discurso do mestre contemporâneo e estar entrelaçado ao discurso universitário.

Quinet (2009Quinet, A. (2009). Psicose e laço social: esquizofrenia, paranoia e melancolia. Rio de Janeiro, RJ: Zahar.) apresenta o discurso do mestre - presente na instituição - como aquele que institui e determina quem manda e quem obedece. Esse discurso é o laço civilizador, que exige a renúncia pulsional para conviver na civilização, o que implica o rechaço do gozo, capaz de gerar o sentimento de culpa através do olhar do outro, que vigia, e da voz, também do outro, que critica. Nesse discurso, no lugar da verdade, tem-se o sujeito dividido, que fica escondido sob o poder do mestre. Esse discurso do poder representado pelo mestre coloca em prática algo que ele esconde como verdade; ou seja, que há um sujeito, o qual põe em prática o poder do mestre, mas que não aparece. Do mesmo modo, esse mestre não se preocupa com o saber do funcionamento das coisas contanto que tudo corra bem.

Em seu avesso, prossegue Quinet (2009Quinet, A. (2009). Psicose e laço social: esquizofrenia, paranoia e melancolia. Rio de Janeiro, RJ: Zahar.), o discurso do analista caracteriza-se por ser o que destitui o lugar do mestre totalitário ao propor a ética da diferença, pautado no um a um, e não na segregação, como pretende a instituição. Nesse discurso, o agente é o analista na posição do objeto a, que interroga o sujeito levando-o a produzir significantes novos aqui representados pelo S1. No lugar da verdade, tem-se o S2, o saber que não se sabe, representado pelo saber do inconsciente. O analista, no lugar do objeto a como agente do discurso, se coloca no avesso do discurso do mestre. A referência de um discurso, como nos diz Lacan (1969-1970/1991Lacan, J. (1991). O Seminário, livro 17: O avesso da psicanálise. Rio de Janeiro, RJ: Zahar. (Obra original publicada em 1969-1970).), “é aquilo que ele confessa querer dominar, querer amestrar (...) é exatamente esta a dificuldade daquele que tento aproximar tanto quanto posso ao discurso do analista - ele deve se encontrar no polo oposto a toda vontade de dominar” (pp. 65-66). O psicanalista, independentemente do lugar onde esteja inserido a trabalho - como nos esclareceu Freud (1919/2006Freud, S. (2006). Linhas de progresso na terapia psicanalítica. In S. Freud, Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. “Uma neurose infantil e outros trabalhos (1917-1918)” (Vol. 17, pp. 173-181). Rio de Janeiro, RJ: Imago Editora. (Obra original publicada em 1919).) -, opera com o discurso do analista, pois para cada experiência particular, não cabe uma solução universal.

Seguindo a ordem na qual Lacan (1969-1970/1991Lacan, J. (1991). O Seminário, livro 17: O avesso da psicanálise. Rio de Janeiro, RJ: Zahar. (Obra original publicada em 1969-1970).) apresenta os discursos, tomemos o discurso universitário, fundamental na nossa pesquisa. Para Silva (2018Silva, M. (2018, janeiro/junho). O discurso universitário e a clínica contemporânea. Caderno de Psicanálise (CPRJ), 40(38), 161-182.), o discurso universitário convida o sujeito para uma nova aposta no saber, não uma exigência, mas um convite sedutor de saber cada vez mais. O saber, no lugar do agente, como dominante, é considerar que há um saber que exerce um poder e uma universalidade. Nessa posição de poder, ele faz do Outro - aqui, podemos colocar o aluno - no lugar do objeto. Dessa maneira, o sujeito, produto do discurso universitário, fica apagado. No âmbito de sua verdade, Lacan (1969-1970/1991) nos diz, “encontra o significante mestre, na medida em que este opera para portar a ordem do mestre” (p. 97). É desse modo que ele mostra onde o discurso da ciência se alicerça. Assim, ele se opõe ao discurso do analista, que propõe um saber a ser construído, e não que venha pronto ou esteja situado em algum lugar, mas um saber que venha do próprio sujeito. Nas palavras do autor, “o saber, no lugar dominante do discurso universitário, não quer dizer saber de tudo, mas uma aposta de que tudo é saber, de forma que o sujeito deve ser subjugado pela mestria do saber” (p. 171).

Diante disso, podemos fazer a seguinte leitura: quando a escola aposta no conhecimento que se encontra na apostila e passa tal ilusão para os pais e para os alunos, ela está operando com o discurso universitário, o qual fomenta que o conhecimento necessário para o sucesso do aluno se encontra na apostila e no método de ensino adotados pela escola e que é ela quem tem a ferramenta - o professor - que possibilita o ensino e a aprendizagem. Ou seja, se a apostila, tanto na escola quanto no cursinho, entra no lugar do Saber (S2), há um endereçamento desse Saber aos alunos (objeto a) - como objetos a serem moldados pela apostila. Esses alunos respondem a esse saber como sujeitos divididos ($), apagados em seu desejo, pois se amparam em uma verdade (S1) sobre a apostila (S2), representando, assim, o discurso universitário.

A partir desse discurso, podemos fazer uma progressão, no nosso pensamento, sobre o lugar da apostila na atualidade. Sob a égide do discurso do universitário, temos um saber da apostila (S2), que tem como subjacente uma verdade sobre a apostila (S1) localizada no significante mestre, a que se recorre nas salas de aula, qual seja: disciplina e desempenho. Essa verdade emana a ordem do mestre; isto é, põe em prática a ordem do mestre: use a apostila e terá desempenho. A partir de então, parece-nos possível fazer um quarto de giro progressivo no discurso universitário, que verterá no discurso do mestre. Isto é, a apostila, como representante de um saber, na atualidade, a partir do giro progressivo, pode se tornar um agente do discurso do mestre. Ela se converge ao discurso do mestre contemporâneo (capital), que enuncia a utilização das apostilas para alcançar o desempenho. Não mais que isso, o professor entra como uma ferramenta para a transmissão de tal saber apostilar. O professor, poderíamos invocar, é o sujeito oculto na verdade de um saber de mestria, um saber oculto que põe em prática o saber do mestre. Não é um agente de transmissão do saber, mas um instrumento facilitador da aprendizagem.

Trazemos uma elaboração possível de que podemos nos ancorar na própria posição do analista como objeto a e agente do discurso. Ao estar nessa posição, ele se endereça ao sujeito interrogando-o; muito diferente do discurso do mestre, em que o Outro é tratado como escravo, e do discurso universitário, em que o Outro é tratado como objeto. Tratar o Outro como sujeito é o que diferencia o discurso do analista dos demais discursos. Sabemos que a Psicanálise trabalha no campo do não saber, do saber que vem a ser construído. Por outra via, no discurso universitário, o saber é o agente, o que não permite espaço para o não saber. Os sujeitos na escola - alunos, pais, professores e coordenadores - parecem estar identificados ao discurso universitário.

Em 1972, na conferência em Milão intitulada “O discurso psicanalítico”, Lacan incluiu outro discurso: o “discurso capitalista”, com sua própria fórmula - apesar de dotar dos mesmos elementos que os demais, o discurso do capitalista faz um giro diferente. Nas palavras de Lacan (1972), ocorre “(...) uma pequenininha inversão simplesmente entre o S1 e o $... que é o sujeito...” (p. 17). Assim como no discurso do mestre, o discurso do capitalista se dirige ao saber (S2), porém, o agente no discurso do capitalista é o sujeito, que está sobre o significante mestre enquanto verdade. Dito de outro modo, o sujeito inverte de posição nos dois discursos: de verdade no discurso do mestre, passa a ocupar o lugar de agente no discurso do capitalista. Castro (2019Castro, J. (2019). O discurso do psicanalista. In J. Castro, Os operadores éticos da psicanálise: O desejo, o ato, o discurso e o saber da psicanálise (pp. 51-65). Curitiba, PR: Editora CRV.) aponta que o sujeito no discurso capitalista é aquele que “age diante da cena do mercado como sujeito-consumidor” (p. 58).

Sublinhamos que, no momento em que a escola enfatiza a importância do seu produto - material didático e professor que sabe transmiti-lo - aos alunos e aos pais, está em vigor o discurso capitalista. O autor prossegue apontando o discurso universitário como aquele que está a serviço do discurso capitalista e corresponde ao que presenciamos no mercado contemporâneo - o imperativo do consumo e a busca pelo saber.

Desse modo, ressaltamos o discurso universitário e o discurso capitalista em vigor quando o aluno e seus pais, seduzidos pela promessa de aquisição de saber e a decorrente ascensão social ofertada pela escola por meio das apostilas e do professor, tentam comprar o saber que levará o aluno ao ingresso na universidade: a apostila e o professor, meio de ensinar o conteúdo nela inserido.

Neste momento, podemos revelar nosso raciocínio mencionado anteriormente no que tange ao entrelaçamento do discurso universitário com o discurso do mestre contemporâneo: o discurso do capitalista. Por um fragmento de recordação, podemos lembrar como as instituições escolares, tanto a tradicional quanto a atual, sempre se ampararam no discurso do mestre. Fixadas nesse discurso, acreditavam que tudo iria funcionar bem, pois há mestres (professores) e discípulos (alunos e pais) que atendem a esse mestre. Em tempos atuais, temos presenciado um deslocamento do discurso em que o saber colocado no método apostilado toma a cena como agente discursivo, em que subjaz sob esse saber o slogan conclamado pelos cursinhos: desempenho, sucesso e entrada na universidade. Há, nesse discurso, um privilégio no saber da apostila como Outro, e o aluno é tratado como objeto de uma metodologia em que a apostila impera. O deslocamento, que pode ser operado para o discurso do capitalista, se ampara no agente - o sujeito; ou seja, como consumidor.

O discurso capitalista apresenta uma particularidade, pois nele o agente não se relaciona com o Outro, e sim, diretamente com a verdade. Isso quer dizer que, no lugar do agente, temos o consumidor em relação direta com a verdade do capital. Do outro lado do matema, temos o Outro na posição de saber - o saber da ciência em relação à produção - e os produtos para o consumo, como o objeto a.

Seguimos nosso raciocínio do entrelaçamento do discurso universitário com o discurso do capital considerando que a apostila, até então localizada por nós como um lugar do saber no discurso universitário, tem, no discurso capitalista, uma relação direta com a produção de objetos a serem consumidos.

Sustentamos que o analista, diferentemente de ocupar o lugar de mestria ao qual é convocado na instituição, carrega as ferramentas necessárias para escutar o que há de particular no sujeito. Através das intervenções que lhe cabem - sua escuta, cortes, pontuações, interpretações e questionamentos -, é possível que o sujeito - aluno e/ou professor - construa um saber sobre si.

Na tentativa de assegurar a aprendizagem e o bom desempenho dos alunos nas avaliações, o uso das apostilas é a ferramenta chave proposta pela escola. Nesse ponto, destacamos o discurso universitário como aquele que demonstra a eficácia do método de ensino utilizado e apresenta as apostilas e o método de ensino para os pais e os alunos como as formas seguras de obtenção do ingresso na universidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Podemos dizer que as possibilidades do fazer do psicanalista frente à exigência de disciplina e desempenho na instituição escolar são ancoradas na ética da Psicanálise, o que implica a escuta daquilo que há de singular. Prioritariamente, o psicanalista diferencia, através da sua escuta, qual é a demanda da instituição escolar e qual é a demanda do sujeito, operando sob transferência tanto com o aluno quanto com a instituição para que seu trabalho seja viável.

Acreditamos que, orientado pela escuta do sujeito frente ao mal-estar contemporâneo, o psicanalista opera no lugar onde o sistema vacila. Nesse espaço não obturado, é possível ao psicanalista acolher e escutar o sofrimento do sujeito frente ao mal-estar de suas relações.

Sendo assim, apostamos, ao longo desta pesquisa, e entendemos que o trabalho do psicanalista é o de um desalienista operando pelo viés de auxiliar o aluno a se descolar do Outro totalitário. O psicanalista questiona o saber absoluto do Outro no intuito de abrir espaço para o sujeito emergir, provocando, desse modo, um descolamento do Outro e possibilitando que o sujeito se responsabilize pelo seu ato e se implique no seu desejo. Acreditamos que, dessa forma, o aluno possa encontrar outras maneiras de se inserir e se manter em um lugar social, que não seja pela via do sofrimento.

O que pode o psicanalista na escola? O psicanalista pode, com sua escuta particular e com sua ética de bendizer o desejo, trabalhar como um desalienista, ou seja, como aquele que vai saber ouvir, distanciando-se das identificações imaginárias e totalizantes que expressam o sistema de ensino em nosso país. Atuar como um desalienista é poder ouvir a expressão sintomática do aluno e, a partir dela, buscar algum descolamento do aluno das prescrições institucionais.

Este manuscrito traz a pertinência do trabalho de uma escuta particularizada do psicanalista não só na instituição escolar, mas em todo lugar onde porventura ele atue. Acreditamos nessa escuta e consideramos que a função do analista como desalienista deva ser, na instituição, uma posição sustentada por todos aqueles que são atravessados pela causa analítica.

Pensar o trabalho do analista na instituição escolar vinculada a sistemas de ensino, conforme sinalizamos, significa refletir sobre o trabalho docente, que muitas vezes, se aliena a uma repetição do método proposto pelo sistema. Assim, novos estudos sobre a prática docente e seu impacto sobre o interesse dos alunos pelos conteúdos ministrados podem subsidiar futuras discussões. Por fim, apostamos no trabalho do psicanalista como a possibilidade de que os discursos presentes na instituição escolar circulem e possam ser transformados.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Out 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    07 Abr 2021
  • Aceito
    13 Nov 2021
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