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Potencial Cognitivo P300 em pacientes com lesão isquêmica do hemisfério direito

Resumos

TEMA: avaliação do potencial cognitivo P300 em indivíduos com lesão de hemisfério direito provocada por acidente vascular cerebral isquêmico. OBJETIVO: caracterizar os achados do potencial cognitivo P300 em indivíduos destros com lesão isquêmica do hemisfério cerebral direito, bem como comparar seus resultados aos obtidos em indivíduos normais. MÉTODO: foram realizadas anamnese, avaliação audiológica convencional e potencial cognitivo (P300), em 17 indivíduos com lesão do hemisfério direito (grupo pesquisa) e 25 normais (grupo controle), com idades entre 20 e 70 anos. RESULTADOS: na análise dos dados qualitativos do P300, não houve diferença estatisticamente significante entre os grupos para o resultado normal. Para a análise dos dados quantitativos, ocorreu diferença estatisticamente significante entre os grupos com relação à latência da onda P300, sendo que o grupo pesquisa apresentou latência maior. Além disso, houve uma tendência estatisticamente significante entre as orelhas direita e esquerda dentro do grupo pesquisa, mostrando aumento de latência da onda P300 na orelha direita. CONCLUSÃO: Indivíduos destros com lesão de hemisfério direito e limiares auditivos normais, apresentaram resultados eletrofisiológicos da audição indicativos de déficit no sistema nervoso auditivo central. Foram observados comprometimentos nas regiões geradoras deste potencial (áreas subcorticais e corticais). Dificuldades auditivas não foram percebidas pelos indivíduos, sugerindo que, provavelmente tal sinal possa estar relacionado à uma heminegligência auditiva. Tornam-se necessários mais estudos que avaliem a via auditiva central destes indivíduos para uma melhor caracterização dos achados eletrofisiológicos.

Potenciais Evocados Auditivos; Potencial Evocado P300; Acidente Cerebral Vascular; Isquemia Encefálica


BACKGROUND: cognitive potential - P300 assessment in individuals with right hemisphere ischemic lesion due to ischemic stroke. AIM: to characterize the cognitive potential - P300 in right-handed individuals with right hemisphere ischemic lesion, and to compare such data to those obtained in normal individuals. METHOD: anamnesis, conventional audiologic assessment and cognitive potential (P300) were carried out in 17 subjects with right hemisphere lesions (research group) and in 25 normal individuals (control group), aged between 20 and 70 years. RESULTS: in the qualitative analysis of the P300 data, there was no statistically significant difference between groups for the normal result. In the quantitative analysis, there was a statistically significant difference between groups in terms of P300 wave latency, with the research group presenting higher latencies. In addition, there was a trend for a statistically significant difference between the right and left ears in the research group - increased P300 wave latency in the right ear. CONCLUSION: right-handed individuals with right hemisphere lesion and normal hearing presented electrophysiological hearing results indicative of central auditory nervous system deficits. Alterations were observed in regions generating this potential (cortical and subcortical areas). Hearing difficulties were not perceived by these individuals, suggesting that this signal can probably be related to an auditory heminegligence. Further studies that evaluate the central auditory pathway of individuals with right hemisphere ischemic lesion are needed in order to better characterize the electrophysiological findings.

Auditory Evoked Potentials; P300 Event-Related Potentials; Stroke; Brain Ischemia


ARTIGO ORIGINAL DE PESQUISA

Potencial Cognitivo P300 em pacientes com lesão isquêmica do hemisfério direito* * Trabalho Realizado no Laboratório de Investigação Fonoaudiológica em Potenciais Evocados Auditivos do Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional da FMUSP.

Fernanda Cristina Leite MagliaroI, 1 1 Endereço para correspondência: Rua Deolinda Rodrigues, 171 - Apto. 44 Bloco A - São Paulo - SP - CEP 05372-100 ( fe_fono@yahoo.com.br) ; Sandro Luiz de Andrade MatasII; Carla Gentile MatasIII

IFonoaudióloga. Doutora em Ciências pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências da Reabilitação do Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP)

IINeurologista. Doutor em Neurologia pelo Programa de Pós-Graduação do Departamento de Neurologia e Neurocirurgia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Professor Afiliado do Departamento de Medicina da Unifesp

IIIFonoaudióloga. Doutora em Ciências dos Distúrbios da Comunicação Humana Campo Fonoaudiológico - Programa de Pós-Graduação em Distúrbios da Comunicação Humana da Unifesp. Professora Assistente Doutora do Curso de Fonoaudiologia da FMUSP

RESUMO

TEMA: avaliação do potencial cognitivo P300 em indivíduos com lesão de hemisfério direito provocada por acidente vascular cerebral isquêmico.

OBJETIVO: caracterizar os achados do potencial cognitivo P300 em indivíduos destros com lesão isquêmica do hemisfério cerebral direito, bem como comparar seus resultados aos obtidos em indivíduos normais.

MÉTODO: foram realizadas anamnese, avaliação audiológica convencional e potencial cognitivo (P300), em 17 indivíduos com lesão do hemisfério direito (grupo pesquisa) e 25 normais (grupo controle), com idades entre 20 e 70 anos.

RESULTADOS: na análise dos dados qualitativos do P300, não houve diferença estatisticamente significante entre os grupos para o resultado normal. Para a análise dos dados quantitativos, ocorreu diferença estatisticamente significante entre os grupos com relação à latência da onda P300, sendo que o grupo pesquisa apresentou latência maior. Além disso, houve uma tendência estatisticamente significante entre as orelhas direita e esquerda dentro do grupo pesquisa, mostrando aumento de latência da onda P300 na orelha direita.

CONCLUSÃO: Indivíduos destros com lesão de hemisfério direito e limiares auditivos normais, apresentaram resultados eletrofisiológicos da audição indicativos de déficit no sistema nervoso auditivo central. Foram observados comprometimentos nas regiões geradoras deste potencial (áreas subcorticais e corticais). Dificuldades auditivas não foram percebidas pelos indivíduos, sugerindo que, provavelmente tal sinal possa estar relacionado à uma heminegligência auditiva. Tornam-se necessários mais estudos que avaliem a via auditiva central destes indivíduos para uma melhor caracterização dos achados eletrofisiológicos.

Palavras-Chave: Potenciais Evocados Auditivos; Potencial Evocado P300; Acidente Cerebral Vascular; Isquemia Encefálica.

Introdução

O acidente vascular cerebral isquêmico (AVCI) é uma doença neurológica caracterizada pela interrupção da irrigação sanguínea ao cérebro, a qual pode acarretar em lesão celular e alterações nas funções neurológicas (motoras, sensitivas, cognitivas, perceptivas, da linguagem entre outras), que variam de acordo com o local e a extensão da lesão1. Pesquisas têm demonstrado alterações nas habilidades do processamento auditivo central em pacientes com lesão em hemisfério direito, especialmente com relação à localização sonora2-6, sendo que alguns achados foram relacionados à uma possível heminegligência auditiva.

Os potenciais evocados auditivos (PEAs) são métodos objetivos utilizados para avaliar a via auditiva central (do nervo auditivo até o córtex cerebral) em resposta a um estímulo acústico7. O potencial cognitivo - P300, é um potencial endógeno, que surge 300ms após a estimulação acústica8 e sua geração envolve os processos de atenção, discriminação auditiva e memória9.

Indivíduos com lesão de hemisfério direito podem apresentar heminegligência à estímulos sensoriais contralaterais ao hemisfério lesado10, sendo assim, alterações no processamento auditivo podem ocorrer sem que sejam percebidas pelos indivíduos. Torna-se necessária a identificação de alterações nas vias auditivas centrais, por meio de testes objetivos, a fim de proporcionar uma intervenção mais precisa e eficaz, a qual determinará um menor prejuízo na qualidade de vida desses indivíduos.

Portanto, o objetivo deste trabalho foi caracterizar os achados do potencial cognitivo P300 em indivíduos destros com lesão isquêmica do hemisfério cerebral direito, bem como comparar seus resultados aos obtidos em indivíduos normais.

Método

A presente pesquisa consiste em um estudo transversal, prospectivo, observacional e descritivo, aprovado pela CAPPesq - HCFM-USP (nº 0312/08) e pela Câmara de Pesquisa e Comitê de Ética em Pesquisa do HU - USP (nº 810/08). Todos os indivíduos assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido anteriormente ao início das avaliações.

Casuística

Foram avaliados 42 indivíduos destros, com idades entre 20 e 70 anos, limiares auditivos normais, divididos em dois grupos: grupo pesquisa (GP) composto por 17 indivíduos (11 do gênero feminino e 6 do masculino) com lesão isquêmica do hemisfério cerebral direito (média de 48 anos); grupo controle (GC) composto por 25 indivíduos destros (21 do gênero feminino e 4 do masculino), sem antecedentes neurológicos e psiquiátricos, sem queixas audiológicas e de linguagem (média de 34 anos).

Os indivíduos do GP foram selecionados a partir de uma lista de pacientes que foram atendidos no Hospital Universitário da Universidade de São Paulo (HU-USP) e no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP). Os critérios de inclusão para este grupo foram: apresentar lesão isquêmica do hemisfério cerebral direito (comprovada por ressonância magnética ou tomografia computadorizada) após acidente vascular cerebral (AVC) há mais de seis meses, com episódio único de AVC; ter classificação entre 0 e 3 na escala de rankin modificada; ausência de lesão em tronco encefálico e cerebelo (comprovada por exame de imagem), ausência de qualquer doença neurológica pregressa (doenças vasculares cerebrais ou infecciosas que envolvam o sistema nervoso central - SNC, processos demenciais, doença de Parkinson, Alzheimer, epilepsia, entre outras).

Procedimentos

Foram aplicados os protocolos de anamnese, triagem e a escala de rankin modificada11 (os dois últimos apenas para o GP), a fim de selecionar os indivíduos para a pesquisa.

A avaliação audiológica convencional foi composta pelos seguintes procedimentos:

. inspeção visual do meato acústico externo com otoscópio da marca Heine;

. medidas de imitância acústica (timpanometria e pesquisa dos reflexos acústicos ipsilaterais nas freqüências de 500, 1000, 2000, 4000 Hz) com o analisador de orelha média marca Grason-Stadler, modelo GSI-33 (ANSI S3.39-1987);

. audiometria tonal liminar (freqüências de 250 a 8000 Hz); limiar de reconhecimento de fala (LRF); e índice percentual de reconhecimento de fala (IPRF), com os audiômetros modelos GSI-61 e GSI-68, marca Grason-Stadler, fones de ouvido supra aurais modelo TDH-50 (ANSI S3.6-1989 e IEC-1988), e cabina acústica (ANSI S3.1-1991).

Após a constatação de limiares auditivos normais (média de 500, 1000 e 2000 Hz menores que 25dB NA), iniciou-se a avaliação do P300, realizada com o indivíduo sentado em uma poltrona reclinável, em uma sala tratada acústica e eletricamente. A pele (fronte, mastóides, e couro cabeludo) foi limpa com pasta abrasiva, sendo fixados os eletrodos de superfície por meio de pasta eletrolítica e esparadrapo. Os estímulos acústicos foram apresentados por meio de fones supra-aurais, e os valores de impedância dos eletrodos deveriam situar-se abaixo de 5kOhms. Os parâmetros utilizados foram: estímulo tone-burst, apresentado monoauralmente a 75dB NA, em uma velocidade de apresentação de 1,1 estímulos por segundo, sendo empregado um total de 300 estímulos. O estímulo frequente (80 a 85%) foi apresentado a 1000 Hz e o raro (15 a 20%) a 1500 Hz. Os eletrodos foram posicionados no vértex (Cz), nas mastóides direita e esquerda (A2 e A1) e na fronte (Fpz), segundo a norma do International Electrode System (IES) 10-2012. A janela de análise foi de 512ms, o ganho de 15.000, o filtros passa-baixo de 30Hz, e passa-alto de 1Hz. Foi gravado apenas um registro para cada lado (ipsilateral). O indivíduo foi orientado a manter sua atenção no estímulo raro, o qual aparecia, aleatoriamente, dentro de uma série de estímulos frequentes, e foi solicitado a contar, mentalmente, o número de vezes que o estímulo raro ocorreu.Ao final da apresentação dos estímulos, em cada orelha, o indivíduo foi indagado quanto a contagem, sendo então comparado ao total apresentado pelo equipamento, garantindo, desta forma, que o mesmo realizou corretamente a atividade proposta e manteve sua atenção ao estímulo raro13-14.

Classificação dos dados

A onda P300 foi identificada após a subtração entre os traçados do estímulo raro e frequente (da mesma orelha). Foram verificados os valores de latência da onda P300 para cada indivíduo. Assim, cada indivíduo foi classificado como normal ou alterado, quando pelo menos uma das orelhas apresentava alteração, com base nos valores de normalidade propostos pela literatura15. As alterações encontradas foram classificadas em: atraso; ausente; ambas (atraso e ausente para o mesmo indivíduo).

Método estatístico

A análise dos dados qualitativos foi realizada por meio da comparação entre a ocorrência de resultados normais e alterados por orelhas (intra-grupo) e por indivíduo (intra- e inter-grupos). Além disso, foram comparados os tipos de alterações encontrados intra e inter-grupos. A análise dos dados quantitativos foi realizada por meio da comparação dos valores de latência do P300 entre os grupos, bem como intra-grupo (orelha direita versus esquerda).

Na análise estatística dos dados foram utilizados o teste de igualdade de duas proporções, Wilcoxon, Mann-Whitney, e o Intervalo de Confiança para Média. O nível de significância adotado foi de 0,05 (5%). Todos os intervalos de confiança foram construídos com 95% de confiança estatística.

Resultados

Análise dos dados quantitativos

A primeira comparação realizada foi entre as orelhas direita e esquerda, para a latência do P300, em cada grupo.

Na Tabela 1, não foram encontradas diferenças estatisticamente significantes para as latências do P300 entre as orelhas no GC, entretanto, houve uma tendência à diferença estatisticamente significante entre as orelhas para o GP.

A seguir, unimos as médias das orelhas, para cada grupo, e comparamos as latências do P300 entre os grupos.

Na Tabela 2, verificou-se diferença estatisticamente significante entre os grupos para a latência da onda P300, sendo que o GP apresentou valores médios de latência maiores do que o GC.

Análise dos dados qualitativos

A comparação da ocorrência de resultados normais e alterados entre as orelhas direita e esquerda foi realizada para cada grupo. Os resultados mostraram não haver diferença estatisticamente significante no GC (p-valor 1,000) e no GP (p-valor 0,310).

A seguir, será apresentada a distribuição da ocorrência de resultados normais e alterados no P300 (por indivíduo), nos grupos controle e estudo.

Observou-se, na Tabela 3, diferença estatisticamente significante entre os resultados normal e alterado, em ambos os grupos, entretanto, não ocorreu diferença estatisticamente significante entre os grupos. Todos os indivíduos do GC apresentaram resultados normais e apenas um indivíduo do GP apresentou resultado alterado (atraso).

Discussão

Na comparação da latência da onda P300 entre as orelhas (Tabela 1) encontramos tendência à diferença estatística para o GP, sendo observada maior latência na OD quando comparada à OE. Verificamos ainda, que a OD do GP apresentou latência média maior do que a OD do GC. Lembramos que, de acordo com nosso protocolo de avaliação, as vias ipsilaterais foram investigadas, ou seja, a geração da onda P300 no HD ocorreu quando a OD foi estimulada, e da mesma forma, a geração da onda P300 ocorreu no HE quando a OE foi estimulada.

Frizzo et al.16 não encontraram diferenças entre os hemisférios direito e esquerdo para o P300 de indivíduos com audição normal. Desta forma, os resultados obtidos no GC desta pesquisa corroboraram os achados daquele estudo quanto à latência da onda P300. Com relação aos resultados do grupo com lesão de hemisfério direito (LHD), podemos inferir que uma atividade neural alterada, devido à lesão cerebral, pode ter causado a diferença das latências do P300 entre HD e HE nesta população.

Verificamos, na Tabela 2, que os indivíduos com LHD apresentaram latência da onda P300 maior do que os indivíduos normais. Estudos relataram atraso ou ausência da onda P300 em indivíduos com lesões encefálicas17-18, sendo que os indivíduos com lesão neocortical realizaram adequadamente a tarefa de contar os estímulos infreqüentes, assim este estudo constatou que o P300 é suscetível à lesão no neocórtex, e que também reflete o processamento cognitivo, não apenas a discriminação entre os estímulos17.

Os resultados do presente estudo concordaram com os encontrados nas pesquisas citadas, no que diz respeito ao atraso na latência da onda P300 em indivíduos com lesão cerebral, e ainda com o fato dos indivíduos terem realizado corretamente a tarefa de contagem do estímulo raro.

Com relação à análise dos dados qualitativos, verificamos na Tabela 3 que não houve diferença estatisticamente significante entre os grupos, visto que todos os indivíduos do GC apresentaram resultados normais e apenas um indivíduo com LHD apresentou resultado alterado (atraso na latência da onda P300). Considerando-se que a maioria dos indivíduos com LHD apresentaram valores de latência dentro da normalidade, podemos levantar a hipótese de que ocorreu uma interferência da plasticidade neural, pois as avaliações auditivas foram realizadas após, pelo menos, seis meses do icto, promovendo, desta forma, um tempo suficiente para uma possível reorganização das estruturas neurais do Sistema Nervoso Central (SNC).

As análises dos dados qualitativos e quantitativos mostraram resultados divergentes, pois a primeira demonstrou que os indivíduos com lesão de HD não apresentaram resultados alterados no P300, enquanto que a segunda demonstrou diferenças entre os grupos com relação à latência da onda P300, sugerindo um déficit na geração desta onda para o GP. Esta discrepância provavelmente está relacionada ao método utilizado para a realização das duas análises. Na análise qualitativa encontramos uma faixa de normalidade extensa, desta forma, para o indivíduo ser classificado como alterado, precisaria apresentar um valor de latência muito maior, ou ausência de onda.

Visto que as avaliações eletrofisiológicas foram realizadas após a fase aguda do AVC, tal tempo pode ter sido suficiente para promover mudanças estruturais e/ou funcionais no SNC. Assim, outra interpretação para a diferença entre os resultados das análises qualitativas e quantitativas indica que: a análise qualitativa demonstrou essa reorganização neural à medida que foram identificadas as ondas do P300 dentro da faixa de normalidade estabelecida; ainda, a análise quantitativa sugere que, embora o HD tenha atividade neural suficiente para gerar a onda P300, o atraso na latência desta onda indica que o processamento do estímulo acústico encontra-se prejudicado/lentificado naquela região.

O P300 é um potencial endógeno, portanto, é gerado satisfatoriamente desde que o indivíduo seja capaz de focalizar sua atenção nos estímulos raros que são apresentados dentre uma série de estímulos freqüentes19. Visto que, no presente estudo, os indivíduos realizaram esta tarefa de maneira satisfatória, os dados eletrofisiológicos enfatizam a hipótese de que a lesão do HD pode ter ocasionado um déficit no processamento da informação acústica daquele hemisfério.

Algumas pesquisas demonstraram alteração do processamento auditivo central, por meios de testes comportamentais, em indivíduos com lesão cortical/subcortical, principalmente com relação aos testes de localização sonora2-5, resolução temporal20-21, padrão de frequência, intensidade e duração6. Levando-se em consideração estes estudos, podemos sugerir que nossa pesquisa indicou uma alteração de processamento auditivo em indivíduos com lesão de HD, identificada por meio de um teste eletrofisiológico.

Em sua revisão, Häusler e Levine22 relataram que o AVC provavelmente afeta o Sistema Nervoso Auditivo Central (SNAC), resultando em diversos tipos de alterações audiológicas. Entretanto, os sintomas auditivos podem ser sutis a ponto da maioria dos indivíduos não os perceberem e, por isso, os autores ressaltam que a identificação destas alterações só é possível por meio de testes auditivos sofisticados, tais como os eletrofisiológicos e comportamentais.

A presença de alterações nas áreas subcorticais / corticais do HD de indivíduos com lesão isquêmica de hemisfério direito, identificadas por meio do P300 e não percebidas conscientemente por estes indivíduos, indicam a existência de uma possível heminegligência auditiva nesta população. Por fim, os resultados da presente pesquisa evidenciaram que o potencial cognitivo P300 mostra-se uma ferramenta útil na identificação de alterações no SNAC destes indivíduos.

Conclusão

Indivíduos com lesão isquêmica do hemisfério direito apresentam alterações no potencial cognitivo P300 sugerindo:

. alteração do processamento auditivo central;

. alteração funcional e/ou estrutural nas regiões corticais/subcorticais do hemisfério direito geradoras deste potencial.

Devido às alterações evidenciadas no P300, e à não percepção destas pelos indivíduos, podemos sugerir uma possível heminegligência auditiva em pacientes com lesão de hemisfério direito. Tornam-se necessários mais estudos que avaliem a via auditiva central destes indivíduos para uma melhor caracterização dos achados eletrofisiológicos.

Recebido em 01.07.2009.

Revisado em 06.10.2009.

Aceito para Publicação em 16.10.2009.

Artigo Submetido a Avaliação por Pares

Conflito de Interesse: não

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    Trabalho Realizado no Laboratório de Investigação Fonoaudiológica em Potenciais Evocados Auditivos do Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional da FMUSP.
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    Endereço para correspondência: Rua Deolinda Rodrigues, 171 - Apto. 44 Bloco A - São Paulo - SP - CEP 05372-100 (
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Jan 2010
    • Data do Fascículo
      Dez 2009

    Histórico

    • Aceito
      16 Out 2009
    • Revisado
      06 Out 2009
    • Recebido
      01 Jul 2009
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