Acessibilidade / Reportar erro

Utilização da técnica de birrefringência em reômetro multipasse para a diferenciação de grades de poliestireno cristal

The Use of Birefringence Technique in a Multipass Rheometer for the Differentiation of General Purpose Polystyrene Grades

Resumos

O entendimento de como as propriedades reológicas afetam o comportamento dos polímeros nas operações de processamento, por meio de diferentes técnicas experimentais, é de fundamental importância para ser possível prever e avaliar a estrutura final destes materiais. Neste contexto, o objetivo deste trabalho é aplicar a técnica de birrefringência para diferenciar dois grades de poliestireno cristal. Foram realizados experimentos em um reômetro multipasse que permitiram a aquisição de imagens de birrefringência, que representam o campo de tensão do escoamento, e obteve-se a queda de pressão durante os experimentos. Ao se compararem os padrões de birrefringência dos dois poliestirenos foi possível distinguir os materiais e verificar que o escoamento da amostra de maior massa molar é mais complexo, com maior birrefringência e tensão mais elevada. Os resultados obtidos, além de contribuírem para a caracterização reológica, podem ser empregados no estudo comparativo de modelos constitutivos e desenvolvimento de códigos computacionais.

Birrefringência; reômetro multipasse; poliestireno


Polymers must go through processes that transform raw materials in a final product for consumption, and therefore it is crucial to understand how their rheological properties affect processability and final product quality. This study is aimed at applying the birefringence technique to differentiate two grades of general purpose polystyrene. Flow experiments were carried out using a multi-pass rheometer and flow-induced birefringence images and pressure profile were obtained. It was possible to distinguish between the different materials by examining their birefringence patterns. The flow of the higher molecular weight sample is more complex, with higher birefringence and tension. These data are important for the rheological characterization of the material and can be used in the validation of constitutive models in computational fluid dynamics.

Birefringence; multipass rheometer; polystyrene


ARTIGO TÉCNICO-CIENTÍFICO

Utilização da técnica de birrefringência em reômetro multipasse para a diferenciação de grades de poliestireno cristal

The Use of Birefringence Technique in a Multipass Rheometer for the Differentiation of General Purpose Polystyrene Grades

Thais M. FariasI; Argimiro R. Secchi I;Simon ButlerII; Nilo Sérgio M. Cardozo III

IPrograma Pós-graduação em Engenharia Química, COPPE, Universidade Federal do Rio de Janeiro

IIDepartment of Chemical Engineering and Biotechnology, University of Cambridge

IIIDepartamento de Engenharia Química, Escola de Engenharia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Autor para correspondência Autor para correspondência Argimiro R. Secchi Programa de Engenharia Química, Centro de Tecnologia Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-graduação e Pesquisa de Engenharia COPPE, Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ, Cidade Universitária, Fundão, Av. Horácio Macedo, 2030 CEP 21941-914, Rio de Janeiro, RJ, Brasil e-mail: arge@peq.coppe.ufrj.br

RESUMO

O entendimento de como as propriedades reológicas afetam o comportamento dos polímeros nas operações de processamento, por meio de diferentes técnicas experimentais, é de fundamental importância para ser possível prever e avaliar a estrutura final destes materiais. Neste contexto, o objetivo deste trabalho é aplicar a técnica de birrefringência para diferenciar dois grades de poliestireno cristal. Foram realizados experimentos em um reômetro multipasse que permitiram a aquisição de imagens de birrefringência, que representam o campo de tensão do escoamento, e obteve-se a queda de pressão durante os experimentos. Ao se compararem os padrões de birrefringência dos dois poliestirenos foi possível distinguir os materiais e verificar que o escoamento da amostra de maior massa molar é mais complexo, com maior birrefringência e tensão mais elevada. Os resultados obtidos, além de contribuírem para a caracterização reológica, podem ser empregados no estudo comparativo de modelos constitutivos e desenvolvimento de códigos computacionais.

Palavras-chave: Birrefringência, reômetro multipasse, poliestireno.

A BSTRACT

Polymers must go through processes that transform raw materials in a final product for consumption, and therefore it is crucial to understand how their rheological properties affect processability and final product quality. This study is aimed at applying the birefringence technique to differentiate two grades of general purpose polystyrene. Flow experiments were carried out using a multi-pass rheometer and flow-induced birefringence images and pressure profile were obtained. It was possible to distinguish between the different materials by examining their birefringence patterns. The flow of the higher molecular weight sample is more complex, with higher birefringence and tension. These data are important for the rheological characterization of the material and can be used in the validation of constitutive models in computational fluid dynamics.

Keywords: Birefringence, multipass rheometer, polystyrene.

INTRODUÇÃO

O conhecimento do comportamento reológico de polímeros fundidos é de suma importância nas operações que transformam a matéria-prima em produto final para o consumo. Polímeros, tais como polietileno, polipropileno, policarbonato e poliestireno, são processados em elevadas temperaturas e, durante as operações como extrusão e moldagem por injeção, o material é submetido a altas taxas de deformação, causando a orientação e alongamento das cadeias. O processamento de polímeros é diretamente afetado pelas propriedades reológicas em estado fundido, sendo necessário conhecer o comportamento desses materiais nas condições práticas de escoamento para ser possível prever e avaliar a estrutura final do material1. Assim, com o intuito de evitar ou diminuir a necessidade de procedimentos de tentativa e erro, que representam um custo elevado quando se considera o uso de máquinas de porte industrial, tem-se buscado entender melhor como as propriedades reológicas dos polímeros afetam seu processamento, concentrando grande esforço na modelagem de escoamentos de fluidos viscoelásticos e na avaliação de diferentes técnicas experimentais para obtenção das diferentes funções materiais que descrevam a resposta não linear desses materiais. A modelagem do escoamento requer a resolução de uma equação constitutiva adicional que relacione a tensão macroscópica com a taxa de deformação. Ao longo das últimas cinco décadas, grande esforço tem sido aplicado no desenvolvimento de equações constitutivas que permitam descrever de forma adequada os diferentes efeitos viscoelásticos que surgem em situações reais de escoamento nos processos de transformação2-5. Paralelamente, a pesquisa sobre a simulação numérica de escoamentos de fluidos viscoelásticos tem sido bastante intensa desde a década de 706, sendo que muitas metodologias têm sido propostas, com base em diferentes métodos numéricos7-9. Além disso, já existem também versões de solvers para escoamentos de fluidos viscoelásticos de código aberto disponibilizados em softwares livres10,11.

Tanto para o desenvolvimento e a validação de metodologias numéricas de resolução do escoamento de fluidos viscoelásticos, como para a utilização dessas metodologias em aplicações práticas, torna-se muito importante a disponibilidade de dados experimentais que permitam uma caracterização a mais completa possível do comportamento reológico do material de interesse. Além disso, devido à natureza altamente não linear da resposta reológica de materiais poliméricos, a descrição completa de seu comportamento reológico requer o conhecimento de um número grande de funções materiais, ao contrário do que acontece com fluidos newtonianos, para os quais o conhecimento da viscosidade de cisalhamento é suficiente para prever o comportamento do fluido em qualquer tipo de escoamento. Por esse motivo, existe uma variedade grande de técnicas reométricas para a análise de polímeros, sendo que cada uma delas possibilita a obtenção de um conjunto específico de funções materiais.

Nesse contexto, insere-se a birrefringência induzida por escoamento (Flow Induced Birefringence12,13), que é uma técnica com grande potencial de aplicação na área de polímeros, porém ainda relativamente pouco explorada. Entre as principais características dessa técnica estão: (i) a quantidade observada ou medida é efeito da orientação molecular; (ii) permite obter o perfil de tensões em toda a região de análise (janela óptica), ao contrário das técnicas reométricas convencionais que geralmente fornecem somente um valor de tensão para cada condição de medida. Ainda nesse tipo de experimento, pode-se usar a regra de tensão óptica14-17 (Stress Optical Rule- SOR) para relacionar a birrefringência com a tensão, uma vez que os padrões de luz observados são essencialmente curvas de contorno do campo de tensões, de forma que as imagens observadas fornecem a evolução espacial da tensão no polímero fundido.

De acordo com essa perspectiva, o objetivo deste trabalho é aplicar a técnica de birrefringência para diferenciar dois grades de poliestireno, apresentar procedimentos de análise que ainda não são muito difundidos e obter informações em um tipo de escoamento complexo em que o material é submetido a campos de deformação e elongação que são comuns em diferentes processos industriais.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Quando um feixe de luz se propaga em um meio opticamente isotrópico, as propriedades ópticas são as mesmas em todas as direções, isto é, existe um único índice de refração. Entretanto, quando uma frente de onda de luz incide em um meio anisotrópico, independente do estado inicial de polarização, a direção de oscilação do seu campo elétrico pode ser decomposta em duas componentes: uma paralela à direção do eixo óptico do meio (raio extraordinário) e outra perpendicular à direção do eixo óptico do meio (raio ordinário). Essas componentes viajam com velocidades de propagação diferentes, o que significa que existe um índice de refração distinto relacionado com cada componente, ou seja, que o meio é birrefringente.

No caso de moléculas poliméricas, que geralmente são isotrópicas em estado fundido ou em solução, pode ocorrer orientação molecular ao longo de uma determinada direção pela aplicação de uma perturbação externa. Esse tipo de perturbação gera anisotropia em várias de suas propriedades12, podendo induzir birrefringência no material polimérico. Existem vários tipos de perturbações que podem ser aplicados em um material para provocar a reorientação das moléculas e induzir a birrefringência, sendo uma delas a birrefringência induzida pelo escoamento.

Conforme mostrado por Muller e Vergnes18, a medida da birrefringência induzida pelo escoamento pode ser feita utilizando um plano de luz monocromática circularmente polarizada propagado através da amostra em teste, com o feixe emergente sendo analisado com outro elemento polarizador perpendicular ao primeiro. Assim, o campo de tensão no escoamento do fluido pode ser medido por meio dos efeitos de birrefringência, observados pelos padrões de franjas brilhantes e escuras visualizadas por um segundo polarizador. Em alguns casos, o sistema tem também uma placa de onda intercalada entre cada polarizador e a amostra, de modo a possibilitar a visualização de franjas isocromáticas. Exemplos desse tipo de medida são encontrados nas referências17,19,20. Para quantificar a anisotropia observada nas imagens, o padrão de franjas pode ser convertido em perfis de tensão em termos da diferença de tensão principal (PSD: principal stress diference) assumindo válida a regra da tensão óptica14-17,19:

em que n11 - n22 é o índice de birrefringência principal (principal birefringence index), o11 - o22 é a diferença de tensão principal e C é o coeficiente de tensão óptico, que estabelece a relação entre o tensor tensão e o tensor índice de refração.

Um dos primeiros aparatos experimentais para medir a birrefringência em fluidos poliméricos foi proposto por Dexter et al.21 e consiste em dois pratos paralelos de vidro, em que um deles move-se provocando o deslocamento do fluido entre eles, enquanto um feixe de luz propaga‑se na direção perpendicular do escoamento. Desde então, diferentes geometrias/equipamentos surgiram na literatura22-25 e entre eles está o reômetro multipasse15,17 (Multipass Rheometer - MPR). O multipasse é um rêometro capilar de duplo pistão (Figura 1a), desenvolvido por Mackley et al.26,27, da Universidade de Cambridge (UK).


O equipamento foi inicialmente projetado para acomodar capilares de diferentes comprimentos e diâmetros, sendo posteriormente modificado a fim de permitir observações ópticas do escoamento, o que tornou possível o uso do equipamento em estudos reo-ópticos15,17,28,29. Tal modificação consistiu em trocar a geometria padrão (capilar) por uma geometria slit (tipo fenda) equipada com janelas de quartzo em ambos os lados, que permitem a visualização do escoamento. A fenda, que é caracterizada por uma contração/expansão (Figura 1b), possui cantos arrendondados na entrada e saída para melhorar as observações experimentais e facilitar a simulação numérica29. Nesse escoamento, existem regiões de cisalhamento e uma região com características elongacionais perto das regiões de entrada e saída da fenda. Na Figura 1b, a espessura Z é ajustável, de maneira que a razão de aspecto Z/d da fenda permite uma aproximação razoável de escoamento bidimensional.

Para analisar os resultados obtidos, é necessário considerar que o índice de birrefringência principal definido na Equação 1 é dependente do comprimento de onda λ da luz polarizada que incide sobre o meio birrefringente e do comprimento d do meio anisotrópico. Se a diferença de fase associada é deslocada de um número inteiro múltiplo de 2π do comprimento de onda, a birrefringência é dada por:

sendo k (k = 0, 1, 2, ...) a ordem da franja. Segundo Lee et al. 17, a Equação 2 considera que o material é homogêneo e possui propriedades ópticas constantes ao longo da direção de propagação da luz. Também é considerado que a birrefringência seja um efeito integrado ao longo de um feixe de luz que é válido apenas para um escoamento bidimensional, consequentemente podendo haver erros. As Equações 1 e 2 permitem a medida quantitativa do campo de tensões do escoamento de um polímero fundido a partir das observações de birrefringência, que pode ser comparada à predição numérica do campo de tensão utilizando-se a seguinte expressão19:

Na linha central, onde o escoamento é elongacional, a componente de tensão de cisalhamento é nula e, dessa forma, a Equação 3 pode ser escrita como:

A Equação 4 pode ser combinada com as Equações 1 e 2 de forma que:

em que N1 é a primeira diferença de tensões normais. A partir da contagem das franjas, conforme mostrado na Figura 2, e conhecendo-se os valores de λ, C e d, N1 pode ser determinada ao longo da linha central do escoamento utilizando-se a Equação 5.


EXPERIMENTAL

Materiais

Foram utilizadas duas amostras de poliestireno, nomeadas neste trabalho de GPPS1 (MW= 180000 g/mol) e GPPS2 (MW= 280000 g/mol), cordialmente fornecidas pela INNOVA S.A. Tratam-se de homopolímeros amorfos, duros, com brilho, elevados índices de refração e compostos por uma única fase de poliestireno, o que lhes confere alto brilho e transparência. A caracterização reológica das amostras foi feita no reômetro multipasse MPR4 localizado no Departamento de Engenharia Química e Biotecnologia da Universidade de Cambridge/UK.

Carregamento das Amostras e Medidas no MPR

Inicialmente, o conjunto cilindro-pistão inferior foi fixado na base do sistema (Figura 3) e aquecido até a temperatura de medida.


Durante essa etapa, também se realizou, separadamente, o acondicionamento térmico do conjunto cilindro-pistão superior e da seção óptica contendo as inserções de aço e as janelas de quartzo (Figura 3). Após o conjunto cilindro-pistão inferior e a seção óptica atingirem a temperatura de medida, esses dois elementos foram gradualmente carregados com pellets, pressionando-se periodicamente com uma barra de metal para evitar a presença de bolhas de ar. Na Figura 3, em que é mostrada a configuração do equipamento durante a etapa de carregamento da amostra, é possível observar o conjunto cilindro-pistão inferior e a seção óptica durante o carregamento da amostra. Após o preenchimento dessas duas unidades, a seção óptica e, subsequentemente, o conjunto cilindro-pistão superior foram conectados ao conjunto inferior. Em seguida, por meio do movimento descendente do pistão superior, foi feita a drenagem de ar do sistema e efetuado o deslocamento dos cilindros para a posição desejada de início da medida. O módulo óptico foi acoplado também antes do experimento (fonte de luz, polarizador, placas de onda, analisador e câmera digital) e a configuração final do equipamento pode ser observada na Figura 1a.

A aquisição de dados e configurações do experimento foram especificadas usando software desenvolvido na plataforma LabVIEW (Laboratory Virtual Instrument Engineering Workbench, National Instruments), exceto para a temperatura, que foi controlada por meio de um sistema independente de aquecimento com óleo. Foi utilizado o modo de operação de passagem única, que consiste no movimento de ambos os pistões para ou cima ou para baixo em uma velocidade única forçando o escoamento do material pela fenda, e testadas diferentes velocidades dos pistões.

As condições especificadas nos experimentos foram a velocidade de deslocamento dos pistões (0,1; 0,2; 0,5; 1 e 2 mm/s nos testes da amostra GPPS1 e 0,05; 0,1; 0,2; 0,5 e 1 mm/s nos testes da amostra GPPS2), o deslocamento máximo dos pistões em cada experimento (2, 4, 10, 10 e 20 mm nos testes da amostra GPPS1 e 1, 2, 4, 5 e 10 mm nos testes da amostra GPPS2) e a temperatura de teste. Foram utilizados intervalos de velocidade diferentes nos experimentos em cada uma das amostras para garantir que o limite máximo e mínimo de observação das franjas fosse alcançado. Por exemplo, nos experimentos envolvendo a amostra de maior massa molar (GPPS2), a velocidade máxima analisada foi igual a 1 mm/s, pois foi observado que acima desta velocidade a identificação das diferentes franjas tornava-se muito difícil devido ao alto grau de birrefringência observado. Por outro lado, ao considerar-se a amostra GPPS1, velocidades menores que 0,1 mm/s originaram imagens onde praticamente não eram observadas franjas. Além disso, como foram utilizadas diferentes velocidades, foi necessário o uso de diferentes deslocamentos dos pistões para que as amostras fossem analisadas aproximadamente durante o mesmo intervalo de tempo. Durante os ensaios da amostra GPPS1, o sensor de temperatura localizado no centro do MPR4 (mais próximo da geometria slit) indicava 176°C, enquanto que nos testes da amostra GPPS2 indicava 178°C. Os dados coletados durante as medidas foram a queda de pressão entre os dois pontos de monitoramento de pressão e as imagens de padrões de franjas brilhantes e escuras. Foi considerado C = -4,5.10-9 Pa-1 para o coeficiente de tensão óptico do poliestireno15 e utilizada luz polarizada monocromática de comprimento de onda de 514 nm.

RESULTADOS

Primeiramente, analisou-se a possibilidade de obter medidas em estado estacionário para as duas amostras testadas. A Figura 4 apresenta a evolução temporal da queda de pressão nas diferentes velocidades de pistão nos experimentos realizados com as amostras GPPS1 e GPPS2.


Observa-se que para as duas amostras o estado estacionário foi alcançado em menos de 5 s, possibilitando a obtenção de um número grande de pontos em estado estacionário mesmo para as velocidades mais altas. Comportamento similar foi observado com relação aos padrões de franjas, nos quais se observou uma duração de aproximadamente 2 s para a etapa transiente, como se exemplifica com a evolução temporal do padrão de franjas para a amostra GPPS1 no caso em que a velocidade dos pistões era 1 mm/s (Figura 5).


Tanto para as outras condições testadas com a amostra GPPS1 como nos testes com a amostra GPPS2, as durações das etapas transientes foram da mesma ordem de magnitude. Assim, a obtenção de dados em estado estacionário no MPR para as duas amostras em estudo somente deixaria de ser viável para velocidades mais elevadas, em função da limitação imposta pelo percurso máximo do pistão.

Nas Figuras 6 e 7 são mostradas imagens das amostras GPPS1 e GPPS2 após atingido o estado estacionário em cada condição de experimento.



Em todas as condições experimentais observam-se algumas características comuns às duas amostras. Como esperado, a queda de pressão total através da fenda e o número observado de franjas aumentou com o aumento da velocidade dos pistões. As áreas escuras nos lados das inserções da fenda (Figuras 6 e 7) são zonas de baixa tensão, ou seja, zonas de baixo fluxo de material. Já as áreas escuras nas paredes da fenda são as zonas de maior tensão. Longe da região da fenda (a direção do escoamento através da fenda é de baixo para cima da página) é possível observar que as franjas são paralelas à direção do escoamento, definida na Figura 1b como direção x. Estas franjas estão associadas à contribuição da tensão de cisalhamento para o campo de tensão. Já na região da fenda, as franjas são perpendiculares à direção do escoamento, o que caracteriza a região com predominância elongacional. Após a saída da fenda é possível observar que as franjas voltam a ser paralelas à direção do escoamento. Ainda, ao se observarem as Figuras 6 e 7, percebe-se uma dependência não linear do comportamento do padrão das franjas com o aumento da velocidade dos pistões. A amostra de menor massa molar (GPPS1) apresenta certo grau de simetria entre a entrada e a saída da fenda na menor velocidade testada (Figura 6a). Com o aumento da velocidade tal simetria vai gradualmente se alterando e as bandas isocromáticas dentro da fenda vão se deslocando a jusante, como pode ser verificado na Figura 6d. Já o comportamento da amostra com maior massa molar (Figura 7) apresenta assimetria em todas as velocidades dos pistões testadas, o que caracteriza maior complexidade do escoamento (maior efeito elástico). Além disso, conforme esperado, a quantidade de franjas observadas na Figura 7 é maior do que a observada na Figura 6, pois a amostra de maior massa molar (GPPS2) apresenta mais birrefringência e maior tensão.

Conforme mencionado na seção anterior, o campo de tensão do escoamento pode ser quantificado por meio da contagem das franjas. Assim, pela contagem das franjas e utilizando-se a Equação 5 é possível obter a informação da primeira diferença de tensões normais (Figura 8) em função da distância axial da entrada da fenda. Note que na Figura 1b é mostrada a posição x = 0 e, desta forma, os valores negativos nas abscissas x da Figura 8 correspondem à região anterior a entrada da fenda. Além disso, os pontos experimentais mostrados na Figura 8, que são obtidos pela aplicação da Equação 5, encontram-se ligados por linhas tracejadas apenas para facilitar a visualização do comportamento da variável N1. Para todas as diferentes velocidades testadas, logo na região de entrada da fenda predomina a resposta não linear do material, uma vez queN1 aumenta rapidamente nesta região (note que o ponto de máximo corresponde ao ponto sela observado nas imagens Figuras 6 e 7 ). A relaxação das tensões ocorre ao longo da fenda eN1 diminui ao longo da linha central. A região escura na saída da fenda (círculo preto observado nas imagens das Figuras 6 e 7) representa a região onde se tem a troca da direção principal do escoamento, ou seja se a direção do escoamento na fenda é em x, ao sair da fenda o fluido escoa preferencialmente na direção y e a tensão normal nesta direção preferencial contribui significativamente para o campo de tensão de forma que τyy torna-se maior que τxx. O ponto onde τyy e τxx são iguais é justamente na região do ponto escuro na saída da fenda e pode ser observado nas Figura 8 ondeN1é igual a zero.


É importante ressaltar que os resultados obtidos por medida de birrefringência induzida no reômetro multipasse, além de permitir diferenciar adequadamente as duas amostras de GPPS analisadas, fornecem um conjunto de dados que tem um potencial muito grande para aplicação no teste de adequação de modelos constitutivos e de códigos computacionais para simulação de escoamentos de fluidos viscoelásticos. Essa afirmação se baseia nos seguintes aspectos observados nos resultados apresentados: i) a técnica permite obter simultaneamente informações sobre gradiente de pressões, perfis de diferença de tensões normais e distribuição completa de tensões em uma região bidimensional; sob condições controladas; ii) os diferentes efeitos medidos variam significativamente dentro da janela de condições de operação possíveis, aumentando o espectro e a utilidade dos dados obtidos; iii) permite obter dados tanto em regime transiente como estacionário. Além disso, o emprego de diferentes esquemas de modulação no módulo óptico pode fornecer informações sobre escalas de tempo menores que a maioria dos ensaios mecânicos, o que pode permitir a análise de respostas transientes.

CONCLUSÃO

Neste trabalho foi apresentada uma breve revisão dos conceitos de birrefringência e sua utilização para a obtenção de informações do escoamento de polímeros em um reômetro multipasse. Na análise de duas amostras de poliestireno na geometria tipo fenda, obteve-se a evolução temporal da queda de pressão durante os experimentos e foram apresentadas imagens de birrefringência para diferentes velocidades dos pistões. Foi verificada a dependência não linear do comportamento do padrão das franjas com o aumento da velocidade do pistão. Ao comparar os dois poliestirenos, foi verificado que o escoamento da amostra de maior massa molar é mais complexo, com maior birrefringência e tensão mais elevada. Ao utilizar-se a regra de tensão óptica (SOR) pôde-se calcular a primeira diferença de tensões normais em função da distância axial da fenda. Essas informações, além de contribuírem para a caracterização reológica de diferentes polímeros, podem ser empregadas no estudo comparativo de modelos constitutivos e desenvolvimento de códigos computacionais.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem ao CNPq pelo apoio financeiro durante o desenvolvimento do trabalho, a INNOVA S.A (Triunfo/RS) pelas amostras comerciais de poliestireno e ao Prof. Malcolm Mackley (Universidade de Cambridge, UK) pela colaboração.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Bretas, R. E. S. & D’Avila, M. A. - "Reologia de Polímeros Fundidos", Editora UFSCar, São Carlos, 2005.

2. Oldroyd, J. G. - P Proc. R. Soc., 200, p.523 (1950). http://dx.doi.org/10.1098/rspa.1950.0035.

3. Giesekus, H. - J Non-Newton Fluid., 11, p.69 (1982).

4. Thien N. P. & Tanner, R. I. - J Non-Newton Fluid., 2, p.353 (1977).

5. McLeish, T. C. P. & Larson, R. G. - J. Rheol., 42, p.81 (1998). http://dx.doi.org/10.1122/1.550933.

6. Crochet, M. J.; Davies, A. R. & Walters, K. - "Numerical simulation of non-Newtonian flow", Elsevier Science Publishers B.V., Netherlands, (1985). Rheology Series, 1.

7. Baaijens, F. P. T. - J Non-Newton Fluid., 79, p.361 (1998). http://dx.doi.org/10.1016/S0377-0257(98)00122-0.

8. Keunings, R. - "A survey of computational rheology", in: XIIIth International Congress on Rheology, Cambridge, UK, (2000).

9. Alves, M. A.; Pinho, F. T. & Oliveira, P. J. - J Non-Newton Fluid., 93, p.287 (2000). http://dx.doi.org/10.1016/S0377-0257(00)00121-X.

10. Favero, J.; Secchi, A. R.; Cardozo, N. S. M. & Jasak, H. - J Non-Newton Fluid., 165, p.1625 (2010). http://dx.doi.org/10.1016/j.jnnfm.2010.08.010.

11. Favero, J.; Secchi, A. R.; Cardozo, N. S. M. & Jasak, H. - Comput. Chem. Eng., 34, p.1984 (2010). http://dx.doi.org/10.1016/j.compchemeng.2010.07.010.

12. Riande, E. & Saiz, E. - "Dipole moments and birefringence of polymers". Prentice-Hall, New Jersey (1992).

13. Fuller, G. G. - "Optical Rheometry of Complex Fluids", Oxford University Press (1995).

14. Lodge, A. - Nature, 176, p.838 (1955). http://dx.doi.org/10.1038/176838a0.

15. Collis, M. & Mackley, M. - J Non-Newton Fluid., 128, p.29 (2005). http://dx.doi.org/10.1016/j.jnnfm.2005.02.010.

16. Quinzani, L. M.; Armstrong, R. C. & Brown, R. A. - J Non-Newton Fluid., 52, p.1 (1994). http://dx.doi.org/10.1016/0377-0257(94)85056-9.

17. Lee, K. & Mackley, M. - Chem. Eng. Sci., 56, p.5653 (2001). http://dx.doi.org/10.1016/S0009-2509(01)00153-1.

18. Muller, R. & Vergnes, B. - Rheology for Polymer Melt Processing, 5, p.257 (1996). http://dx.doi.org/10.1016/S0169-3107(96)80010-4.

19. Ahmed, R.; Liang, R. & Mackley, M. - J Non-Newton Fluid., 59, p.129 (1995). http://dx.doi.org/10.1016/0377-0257(95)01358-3.

20. Kalogrianitis, S. G. - J Rheol., 41, p.343 (1997). http://dx.doi.org/10.1122/1.550806.

21. Dexter, F. D. & Miller, J. C. - Trans. Soc. Rheol., 5, p.193 (1961). http://dx.doi.org/10.1122/1.548894.

22. Miller, J. W. & Schrag, J. L. - Macromolecules., 8, p.361 (1975). http://dx.doi.org/10.1021/ma60045a024.

23. Farrell, C. J.; Keller, A.; Miles, M. J. & Pope, D. P. - Polymer., 21, p.1292 (1980). http://dx.doi.org/10.1016/0032-3861(80)90195-0.

24. Fuller, G. G. & Leal, L. G. - J Polymer Sci Polymer Phys Ed., 19, p.557 (1981).

25. Soulages, J.; Schweizer, T.; Venerus, D. C.; Hostettler, J.; Mettler, F.; Kröger, M. & Öttinger, H. C. - J Non-Newton Fluid., 150, p.43 (2008). http://dx.doi.org/10.1016/j.jnnfm.2007.10.006.

26. Mackley, M. R.; Marshall, R. T. J. & Smeulders, J. B. A. F. - J Rheol., 39, p.1293 (1995). http://dx.doi.org/10.1122/1.550637.

27. Mackley, M. R. & Hassel, D. G. - J Non-Newton Fluid., 166, p.421 (2011). http://dx.doi.org/10.1016/j.jnnfm.2011.01.007.

28. Scelsi, L. - "Experimental observation and numerical prediction of flow-induced crystallisation for polymer melts within complex flow geometries". Tese de Doutorado, "University of Cambridge", Department of Chemical Engineering and Biotechnology, Wolfson College, Cambridge, UK, 2009.

29. Lord, T. D.; Scelsi, L.; Hassell, D. G.; Mackley, M. R.; Embery, J.; Auhl, D.; Harlen, O. G.; Tenchev, R.; Jimack, P. K. & Walkley, M. A. - J Rheol., 54, p.355 (2010). http://dx.doi.org/10.1122/1.3306572.

Enviado: Nov. 12, 2013

Reenviado: Abr. 05, 2014

Aceito: Abr. 24, 2014

  • 2.   Oldroyd, J. G. - P Proc. R. Soc., 200, p.523 (1950).
  • 3
    Giesekus, H. - J Non-Newton Fluid., 11, p.69 (1982).
  • 4
    Thien N. P. & Tanner, R. I. - J Non-Newton Fluid., 2, p.353 (1977).
  • 5.   McLeish, T. C. P. & Larson, R. G. - J. Rheol., 42, p.81 (1998).
  • 6.   Crochet, M. J.; Davies, A. R. & Walters, K. - "Numerical simulation of non-Newtonian flow", Elsevier Science Publishers B.V., Netherlands, (1985). Rheology Series, 1.
  • 7.   Baaijens, F. P. T. - J Non-Newton Fluid., 79,
  • 8.   Keunings, R. - "A survey of
  • 9.   Alves, M. A.; Pinho, F. T. & Oliveira, P. J. - J Non-Newton Fluid., 93,
  • 10. Favero, J.; Secchi, A. R.; Cardozo, N. S. M. & Jasak, H. - J Non-Newton Fluid., 165,
  • 11. Favero, J.; Secchi, A. R.; Cardozo, N. S. M. & Jasak, H. - Comput. Chem. Eng., 34, p.1984 (2010). http://dx.doi.org/10.1016/j.compchemeng.2010.07.010
  • 12. Riande, E. & Saiz, E. - "Dipole moments and birefringence of polymers". Prentice-Hall, New Jersey
  • 13. Fuller, G. G. - "Optical Rheometry of Complex Fluids", Oxford University Press (1995).
  • 14. Lodge, A. - Nature, 176, p.838 (1955). http://dx.doi.org/10.1038/176838a0
  • 15. Collis, M. & Mackley, M. - J Non-Newton Fluid., 128,
  • 16. Quinzani, L. M.; Armstrong, R. C. & Brown, R. A. - J Non-Newton Fluid., 52,
  • 17. Lee, K. & Mackley, M. - Chem. Eng. Sci., 56, p.5653 (2001). http://dx.doi.org/10.1016/S0009-2509(01)00153-1
  • 18. Muller, R. & Vergnes, B. - Rheology for Polymer Melt Processing, 5, p.257 (1996).
  • 19. Ahmed, R.; Liang, R. & Mackley, M. - J Non-Newton Fluid., 59,
  • 20. Kalogrianitis, S. G. - J Rheol., 41, p.343 (1997). http://dx.doi.org/10.1122/1.550806
  • 21. Dexter, F. D. & Miller, J. C. - Trans. Soc. Rheol., 5, p.193 (1961). http://dx.doi.org/10.1122/1.548894
  • 22. Miller, J. W. & Schrag, J. L. - Macromolecules., 8, p.361 (1975). http://dx.doi.org/10.1021/ma60045a024
  • 23. Farrell, C. J.; Keller, A.; Miles, M. J. & Pope, D. P. - Polymer., 21, p.1292 (1980). http://dx.doi.org/10.1016/0032-3861(80)90195-0
  • 24. Fuller, G. G. & Leal, L. G. - J Polymer Sci Polymer Phys Ed., 19,
  • 25. Soulages, J.; Schweizer, T.; Venerus, D. C.; Hostettler, J.; Mettler, F.; Kröger, M. & Öttinger, H. C. - J Non-Newton Fluid., 150,
  • 26. Mackley, M. R.; Marshall, R. T. J. & Smeulders, J. B. A. F. - J Rheol., 39, p.1293 (1995). http://dx.doi.org/10.1122/1.550637
  • 27. Mackley, M. R. & Hassel, D. G. - J Non-Newton Fluid., 166,
  • 28. Scelsi, L. - "Experimental observation and numerical prediction of flow-induced
  • 29. Lord, T. D.; Scelsi, L.; Hassell, D. G.; Mackley, M. R.; Embery, J.; Auhl, D.; Harlen, O. G.; Tenchev, R.; Jimack, P. K. & Walkley, M. A. - J Rheol., 54, p.355 (2010). http://dx.doi.org/10.1122/1.3306572
  • Autor para correspondência
    Argimiro R. Secchi
    Programa de Engenharia Química, Centro de Tecnologia
    Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-graduação e Pesquisa de Engenharia
    COPPE, Universidade Federal do Rio de Janeiro
    UFRJ, Cidade Universitária, Fundão, Av. Horácio Macedo, 2030
    CEP 21941-914, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Set 2014
    • Data do Fascículo
      Out 2014

    Histórico

    • Recebido
      12 Nov 2013
    • Aceito
      24 Abr 2014
    • Revisado
      05 Abr 2014
    Associação Brasileira de Polímeros Rua São Paulo, 994, Caixa postal 490, São Carlos-SP, Tel./Fax: +55 16 3374-3949 - São Carlos - SP - Brazil
    E-mail: revista@abpol.org.br