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A formação de professores nos institutos federais e a aprendizagem da docência na prática como componente curricular 1 1 Editor responsável: Ana Lúcia Guedes Pinto. https://orcid.org/0000-0002-0857-8187 2 2 Normalização, preparação e revisão textual: Lídia Orphão (Tikinet) – revisao@tikinet.com.br 3 3 Apoio: Instituto Federal Goiano; Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), no âmbito do projeto do Centro de Investigação em Estudos da Criança (Ciec), da Universidade do Minho, com a referência UIDB/00317/2020.

Resumo

Este artigo trata de uma investigação que está sendo realizada no contexto de um Instituto Federal de Educação, cujo objetivo é identificar como ocorre a iniciação à docência nas disciplinas que oferecem a prática como componente curricular (PCC). Neste recorte, será focalizado como se dá o atual modelo de trabalho com as PCC e serão sinalizados alguns caminhos para a articulação destas com a escola de educação básica. Utilizou-se, como metodologia, a análise de documentos e a recolha de narrativas com licenciandos dos cursos de Química e de Ciências Biológicas. Os resultados iniciais apontaram que as PCC cumprem o disposto na legislação brasileira em relação à carga horária, verificando-se que várias práticas de inserção à docência estão ocorrendo, tais como a construção de modelos, experimentos, jogos e aplicação de aulas práticas. Entretanto, identificam-se fragilidades, sobretudo, no nível da sobrevalorização da formação dos conhecimentos específicos, em detrimento da formação pedagógica para a docência.

Palavras-chave
formação inicial de professores; prática curricular; inserção à docência; estágio

Abstract

This article deals with an investigation on the induction to teaching in disciplines that offer the practice as a curricular component (PCC) in the context of a Federal Institute of Education. In this work we focus on the current work model of PCCs, suggesting some possible means to articulate them with basic education. Data consisted of institutional documents and narratives of undergraduate students of Chemistry and Biology. The initial results indicate that the PCCs comply with Brazilian legislation regarding academic load, institutions implemented several significant practices such as the construction of models, experiments, games, and practical classes. However, they also present weaknesses as to the overvaluation of specific knowledge formation to the detriment of teaching training.

Keywords
initial teacher training; curricular practice; teaching induction; internship

1. Introdução

A formação de professores é um assunto muito debatido, na atualidade, em uma perspectiva internacional, tanto por estudiosos como por decisores políticos. O Brasil, nos últimos anos, vem realizando muitas ações como forma de avançar para a superação da falta de professores, bem como para promover a formação inicial e continuada, de modo a atender às exigências dos contextos socioeconômicos e políticos vigentes. A partir da promulgação da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) (Lei nº 9.394, 1996Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. (1996, 23 de dezembro). Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Diário Oficial da União. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm
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), houve a profusão de pareceres, diretrizes, resoluções e parâmetros curriculares criados pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC) e pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), com o propósito de se refletir e incrementar novos processos de educação e de formação de professores.

Do ponto de vista da formação inicial de professores, após a promulgação da LDB/1996, por meio do Parecer nº 9/2001, do CNE, são estabelecidas as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN/2002Conselho Nacional de Educação. (2002, 18 de janeiro). Parecer CNE/CP n. 28, de 2 de outubro de 2001. Dá nova redação ao Parecer CNE/CP 21/2001, que estabelece a duração e a carga horária dos cursos de Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena. Diário Oficial da União, seção 1, 31.) para as licenciaturas, nos estados da federação brasileira, as quais, regulamentadas por textos expressos na forma de pareceres e resoluções, estabelecem princípios orientadores, diretrizes e critérios para a organização da matriz curricular dos cursos de formação de professores. Em 2015, foram aprovadas as atuais Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para a formação inicial e continuada de professores, por meio da Resolução CNE nº 2, de 1 de julho de 2015, aumentando, substancialmente, a carga horária dos cursos de licenciaturas, que passa de 2.800 horas para, no mínimo, 3.200 horas, priorizando, especialmente, atividades práticas para o exercício da docência.

Neste cenário de mudanças, destacamos o movimento de criação dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IF), por meio da Lei nº 11.892/2008Lei n. 11.892, de 29 de dezembro de 2008. (2008, 30 de dezembro). Institui a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, cria os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, e dá outras providências. Diário Oficial da União. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11892.htm
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, que passam a ofertar o mínimo de 20% (vinte por cento) de suas vagas para os cursos de licenciatura em formação de professores. Segundo Lima (2013)Lima, F. B. (2013). A formação de professores nos institutos federais: Perfil da oferta. Revista EIXO, 2(1), 83-105., dos cursos de licenciatura ofertados nos IF, 60% (sessenta por cento) foram criados após a Lei nº 11.892/2008.

Apesar de já se verificarem diversas mudanças na formação inicial de professores, o processo formativo de muitas instituições de ensino superior (IES) – que incluem os IF e as universidades – ainda sinaliza fragilidades, tais como a fragmentação entre as disciplinas que compõem a matriz curricular dos cursos, a desconexão entre as práticas de ensino do curso e o futuro campo de trabalho dos formandos – o cotidiano da escola de educação básica. Conforme Gatti et al. (2011)Gatti, B. A., Barretto, E. S. S., & André, M. (2011). Políticas docentes no Brasil: Um estado da arte. Unesco., a formação de professores no Brasil ainda apresenta currículos fragmentados, com conteúdos excessivamente genéricos, com grande dissociação entre teoria-prática e com estágios fictícios. Se esta situação ocorre no cenário das universidades, que já possuem alongada experiência com a formação inicial de professores, ela se agrava no contexto dos IF com recente experiência neste campo.

Neste cenário, os professores dos IF, formadores de professores, ingressam nestas instituições formativas de nível superior sem formação pedagógica. Uma situação muito comum nas demais IES, uma vez que, conforme Pimenta e Anastasiou (2014)Pimenta, S. G, & Anastasiou, L. G. C. (2014). Docência no ensino superior (5a ed.). Cortez., vários profissionais adentram a docência no ensino superior sem noção do que é ser professor, “Se trazem consigo imensa bagagem de conhecimentos nas suas áreas de pesquisa e atuação profissional, na maioria das vezes, nunca se questionaram sobre o que significa ser professor.” (p. 104), o que é especialmente gravoso quando se sabe que estes professores atuam do ensino médio a pós-graduação no contexto dos IF.

O exposto justifica a necessidade e importância da presente pesquisa, realizada por um grupo de professores de uma unidade do IF Goiano, contando com o apoio de dois professores do Instituto de Educação da Universidade do Minho, Portugal, com o objetivo de identificar como ocorre a iniciação à docência nas disciplinas que oferecem a prática como componente curricular (PCC),4 4 De acordo com a Resolução CNE/CP nº 2/2015, a PCC é um conjunto de atividades formativas que possibilitam aos estudantes experiências de aplicação de conhecimentos ou de desenvolvimento de procedimentos próprios ao exercício profissional da docência. . Neste recorte, além de focalizarmos como se dá o atual modelo de trabalho com as PCC, sinalizaremos alguns caminhos para a articulação destas com o cotidiano da escola.

A pesquisa foi conduzida pelas seguintes questões norteadoras: Como é trabalhada a iniciação à docência nas disciplinas que oferecem as PCC? Que elementos, em termos das aprendizagens de ser professor, são indicadores de uma formação para o exercício da docência?

No desenho do artigo, optamos por apresentar, inicialmente, o percurso metodológico da investigação, seguido de alguns dos pressupostos teóricos que tratam da formação inicial de professores, da PPC e das análises do atual modelo de trabalho com a PCC da instituição locus da pesquisa.

2. Trajetória metodológica

Esta investigação está a ser concretizada com o suporte de uma pesquisa de abordagem qualitativa, termo que, de acordo com Bogdan e Biklen (1994)Bogdan, R., & Biklen, S. (1994). Investigação qualitativa em educação: Uma introdução à teoria e aos métodos. Porto Editora., engloba várias estratégias de estudo. Este tipo de investigação tem como características: o ambiente do sujeito como fonte direta dos dados, tendo como principal instrumento o investigador; ser descritiva; enfatizar mais o processo do que o produto; seguir a tendência de analisar os dados de forma indutiva. Os autores afirmam que “… ao apreender as perspectivas dos participantes, a investigação qualitativa joga luz sobre as dinâmicas das situações, dinâmica esta que é frequentemente invisível para o observador exterior” (p. 18).

Adotamos, como procedimento metodológico, a análise de documentos e realizamos a recolha e interpretação de entrevistas narrativas. Em termos de documentos, analisamos o projeto pedagógico curricular (PPC), a matriz curricular e as ementas das disciplinas específicas das licenciaturas em química (LQ) e ciências biológicas (LCB) que ofertam as PCC.

Para a construção do guião e recolha das narrativas, ancoramo-nos em vários autores, como Souza (2013)Souza, E. C., & Oliveira, R. C. M. (2013). Entre fios e teias de formação: Escolarização, profissão e trabalho docente em escola rural. In P. P. Vicentini, E. C. Souza, M. C. Passegui (Orgs.), Pesquisa (auto)biográfica: Questões de ensino e formação. CRV., Sarmento (2009)Sarmento, T. (2009). Contextos de vida e aprendizagem da profissão. In J. Formosinho (Org.), Sistemas de formação de professores: Saberes docentes, aprendizagem profissional e acção docente (pp. 303-328). Porto Editora., Clandinin e Connelly (2011)Clandinin, D. J., & Connelly, F. M. (2011). Pesquisa narrativa: Experiência e história em pesquisa qualitativa (Grupo de pesquisa narrativa e educação de professores ILEEI/UFU, Trad.). Edufu., dentre outros. Para Souza (2013)Souza, E. C., & Oliveira, R. C. M. (2013). Entre fios e teias de formação: Escolarização, profissão e trabalho docente em escola rural. In P. P. Vicentini, E. C. Souza, M. C. Passegui (Orgs.), Pesquisa (auto)biográfica: Questões de ensino e formação. CRV., a entrevista narrativa, “… num tom de conversa ou numa prosa cotidiana, revela trajetórias da família e da escolarização, possibilitando-nos apreender aspectos da vida-formação do sujeito e suas marcas sobre a profissão docente” (p. 133).

As entrevistas narrativas permitem a quem narra, falar de si, de suas aprendizagens, pelo viés de sua história pessoal e profissional imersa num ambiente sociocultural. Não obstante, as entrevistas narrativas orais possibilitam uma compreensão mais aprofundada do fenômeno observado e dos vários intervenientes que o envolvem, fato que, por vez, pode passar despercebido nas narrativas escritas, por não favorecer o diálogo, o olhar nos olhos entre o entrevistado e o entrevistador. Para Souza e Oliveira (2013)Souza, E. C., & Oliveira, R. C. M. (2013). Entre fios e teias de formação: Escolarização, profissão e trabalho docente em escola rural. In P. P. Vicentini, E. C. Souza, M. C. Passegui (Orgs.), Pesquisa (auto)biográfica: Questões de ensino e formação. CRV., “O contato com suas experiências e o modo como narra possibilita a quem narra revelar tramas do cotidiano pessoal e profissional …” (p.134).

Os dados foram organizados e analisados consoante às três diferentes fases de análise de conteúdo: (i) a pré-análise; (ii) a exploração do material e o tratamento dos dados; (iii) a inferência e a interpretação (Bardin, 2013Bardin, L. (2013). Análise de conteúdo (5a ed.). Edições 70.).

A instituição locus desta pesquisa, o IF Goiano possui, aproximadamente, 25.799 alunos distribuídos em 42 cursos superiores, 38 cursos técnicos, 12 cursos de especialização e 15 cursos de pós-graduação stricto sensu. Oferta cursos de formação de professores em níveis de licenciaturas, formação continuada, pós-graduação, dentre outras modalidades. Atualmente são ofertados, nos distintos campi, os cursos de licenciatura em ciências biológicas, em química, em matemática, em pedagogia e segunda licenciatura em pedagogia pela plataforma Paulo Freire. No Campus, locus desta pesquisa, são ofertados os cursos de licenciatura em ciências biológicas e química.

Num primeiro momento desta pesquisa, registrada no comitê de ética da Plataforma Brasil, conduzida por um grupo de professores que atua nas licenciaturas e faz parte do grupo de pesquisa, denominado “EducAção”, da instituição, recolhemos narrativas escritas de 50 licenciandos dos cursos em que recai a investigação. Como critério para a seleção da recolha, o licenciando deveria ter cursado, no mínimo, duas PCC e ter manifestado disposição e interesse em participar no estudo. Posteriormente, destes, selecionamos nove licenciandos (quatro de LQ e cinco de LCB), em face da representatividade das respostas ao problema investigado, tendo recolhido suas narrativas orais5 5 As entrevistas foram transcritas na íntegra, logo, podem aparecer eventuais desvios em relação à norma padrão. .

Como forma de salvaguardar as identidades dos participantes, eles serão identificados pelas iniciais de seu nome, seguido da inicial da sigla do curso. Assim, da licenciatura em ensino de química temos MQ, PQ, AQ e FQ, e da licenciatura em ensino de biologia temos BB, CB, MB, NB e AB.

3. A aprendizagem da docência no estágio e PCC articuladas entre si e com o chão da escola

Vários teóricos, dentre os quais destacamos Tardif (2013)Tardif, M. (2013). Saberes docentes e formação profissional (15a ed.). Vozes., têm defendido a importância e a necessidade da aproximação das práticas de ensino dos cursos de licenciatura com o futuro campo de trabalho. Para o autor, o saber docente é vinculado a situações de trabalho com alunos, colegas, pais, na tarefa complexa do processo de ensino, em sala de aula, no contexto histórico e social da instituição. Assim, é fundamental que a formação se efetive vinculada ao contexto da escola de educação básica.

Esta aproximação, além de favorecer uma melhor compreensão dos conceitos por meio da relação teoria-prática, oportuniza várias vivências na escola e o despertar para o exercício da docência. Por sua vez, Gatti (2013)Gatti, B. A. (2013). Educação, escola e formação de professores: Políticas e impasses. Educar em Revista, (50), 51-67. afirma a necessidade da aproximação da formação inicial com a escola de educação básica e alerta que a formação não pode ser concebida somente a partir das áreas disciplinares, com acréscimo, por sobreposição, de saberes pedagógicos, “… mas precisa ser pensada e realizada a partir da função social própria à educação básica, à escola e aos processos de escolarização – ensinar às novas gerações o conhecimento acumulado e consolidar valores e práticas coerentes com nossa vida civil” (p. 59).

Por certo, a escola, futuro campo de trabalho dos licenciandos, é espaço fundamental a ser considerado no processo de formação inicial, pois é matriz de aprendizagem múltipla e de conhecimento sobre a docência. É no contexto da escola que os licenciandos vão aprender a ser professores. Conforme Canário (2001)Canário, R. (2001). A prática profissional na formação de professores. In B. P. Campos (Org.), Formação profissional de professores no ensino superior (pp. 31-45). Porto Editora., a escola é o local em que se aprende a profissão de professor e a formação inicial “consiste em aprender a aprender com a experiência” (p. 156). Por sua vez, Mizukami (2013)Mizukami, M. G. (2013). Escola e desenvolvimento profissional da docência. In B. A. Gatti, C. A. Silva Junior, M. D. S. Pagotto, & M. G. Nicoletti (Org.), Por uma política nacional de formação de professores (pp. 23-54). Editora Unesp. afirma que “… por excelência, a escola constitui um local de aprendizagem e desenvolvimento profissional da docência” (p. 23). Também Pimenta e Lima (2017)Pimenta, S. G, & Lima, M. S. L. (2017). Estágio e docência (8a ed.). Cortez. contribuem ao destacarem que os estagiários tecem uma rede de relações, conhecimento e aprendizagens no trânsito entre as IES e a escola.

Nesta perspectiva formativa, a interseção do Estágio Curricular Supervisionado (ECS) com as PCC, aliada à imersão dos formandos no cotidiano escolar, desde o início da formação, traduz-se em aprendizagens aprofundadas da docência. Apesar de serem momentos distintos no processo formativo de professores, a PCC e o ECS podem articular as atividades do curso com as práticas da escola ou outros espaços não-formais que promovam a vivência da socialização à docência e a construção da identidade docente. Compreendemos que o ECS e as PCC são espaços ensejadores do diálogo entre a instituição formadora e a aproximação dos licenciandos com o seu futuro campo de trabalho, sendo que, para estes serem momentos efetivos de iniciação à docência, seja necessária uma definição conjunta entre os professores do IF, os professores da escola de educação básica e os estagiários do processo a seguir, bem como o acompanhamento sistemático e reflexivo de todo o processo.

No cenário formativo de professores no âmbito dos IF, não encontramos estudos que tratem das PCC e ECS, fato que pode ser justificado pela recente experiência destas instituições, que completaram, em 2018, uma década de existência. No conjunto das produções que tratam da formação de professores nos IF, em que destacamos Lamb et al. (2014)Lamb, M. E., Welter, G. H., & Marchezan A. (2014). A formação de professores e os currículos das licenciaturas dos institutos federais de educação, ciência e tecnologia [Artigo apresentado]. 10º ANPED Sul, Florianópolis, SC, Brasil., Arantes (2013)Arantes, F. J. F. (2013). Formação de professores nas licenciaturas do IF Campo: Políticas, currículos e docentes [Dissertação de mestrado, Universidade Federal de Goiás]. Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da UFG. https://repositorio.bc.ufg.br/tede/handle/tede/3397
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, Lima (2014)Lima, F. B. (2013). A formação de professores nos institutos federais: Perfil da oferta. Revista EIXO, 2(1), 83-105., Machado (2008)Machado, L. R. S. (2008). Diferenciais inovadores na formação de professores para a Educação Profissional. Revista Brasileira da Educação Profissional e Tecnológica, 1(1), 8-22. e Moura (2008)Moura, H. D. (2008). A formação de docentes para a educação profissional e tecnológica. Revista Brasileira da Educação Profissional e Tecnológica, 1(1), 23-38., não detectamos produções que tratem especificamente das PCC, pelo que, por certo, esta pesquisa contribuirá de forma significativa nessa direção.

Destes, a pesquisa de Lamb et al. (2014)Lamb, M. E., Welter, G. H., & Marchezan A. (2014). A formação de professores e os currículos das licenciaturas dos institutos federais de educação, ciência e tecnologia [Artigo apresentado]. 10º ANPED Sul, Florianópolis, SC, Brasil., em 63 projetos pedagógicos de cursos de licenciaturas (20 de química, 20 de matemática, 13 de física e 10 de biologia) em IF, no Brasil, é a que mais diretamente focaliza as PCC, ao procurar identificar características acerca das PCC, e a relação entre os conteúdos da área disciplinar específica e a área pedagógica.

Arantes (2013)Arantes, F. J. F. (2013). Formação de professores nas licenciaturas do IF Campo: Políticas, currículos e docentes [Dissertação de mestrado, Universidade Federal de Goiás]. Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da UFG. https://repositorio.bc.ufg.br/tede/handle/tede/3397
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analisa, de forma geral, o processo de formação de professores nas licenciaturas da instituição; já Lima (2014)Lima, F. B. (2013). A formação de professores nos institutos federais: Perfil da oferta. Revista EIXO, 2(1), 83-105. analisa as proposições políticas para a formação docente nos IF, focando a obrigatoriedade de oferecer 20% das suas vagas para cursos de formação de professores. Por sua vez, Machado (2008)Machado, L. R. S. (2008). Diferenciais inovadores na formação de professores para a Educação Profissional. Revista Brasileira da Educação Profissional e Tecnológica, 1(1), 8-22. apresenta o resultado das discussões dos participantes do grupo de trabalho (GT) Formação de Professores para a Educação Profissional e Tecnológica, constituído pela Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica, contribuindo com o debate acerca da política nacional de formação de professores para a educação profissional e tecnológica, sem, necessariamente, focar as PCC no contexto dos cursos para a formação inicial de professores. Da mesma forma, Moura (2008)Moura, H. D. (2008). A formação de docentes para a educação profissional e tecnológica. Revista Brasileira da Educação Profissional e Tecnológica, 1(1), 23-38. discute a formação dos docentes da educação profissional e tecnológica sem tocar nas PCC.

Face às ausências de referenciais que tratam de estudos pertinentes às PCC e ECS nos IF, buscamos nos documentos legais do CNE esclarecimentos sobre esta dimensão formativa nos cursos de formação inicial de professores, tais como: Parecer CNE/CP nº 2/2015Conselho Nacional de Educação. (2015, 2 de julho). Resolução CNE/CP nº 2, de 1 de julho de 2015. Define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação inicial em nível superior e para a formação continuada. Diário Oficial da União, seção 1, 8-12., Parecer CNE/CP nº 9/2001, Parecer CNE/CP nº 28/2001, Parecer CNE/CES nº 15/2005Conselho Nacional de Educação. (2005, 13 de maio). Parecer CNE/CES n. 15, de 2 de fevereiro de 2005. Solicitação de esclarecimento sobre as Resoluções CNE/CP n. 1/2002, que institui Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena, e 2/2002, que institui a duração e a carga horária dos cursos de licenciatura, de graduação plena, de Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior. Diário Oficial da União..

De acordo com a Resolução CNE/CP nº 2/2015, a PCC traduz-se num conjunto de atividades ensejadoras de aprendizagens inerentes ao exercício profissional da docência. Por sua vez, no Parecer CNE/CP nº 28/2001, é esclarecido que a PCC, em articulação com o ECS e com as demais atividades do curso, “… concorre, conjuntamente, para a formação da identidade do professor como educador” (p. 9). O Parecer CNE/CP nº 9/2001 alerta quanto à forma de trabalho e o sentido da PCC:

A prática na matriz curricular dos cursos de formação não pode ficar reduzida a um espaço isolado …. Nessa perspectiva, o planejamento dos cursos de formação deve prever situações didáticas em que os futuros professores coloquem em uso os conhecimentos que aprenderem, ao mesmo tempo em que possam mobilizar outros, de diferentes naturezas e oriundos de diferentes experiências, em diferentes tempos e espaços curriculares …

(Parecer CNE/CP nº 9/2001, p. 57)

Fica evidente, portanto, que a PCC não pode ficar restrita ao espaço da IES; ao contrário, deve-se alongar à escola de educação básica e prever várias situações de aprendizagem da docência. Por sua vez, o Parecer nº 2/2015, bem como o Parecer nº 28/2001, alertam que a PCC objetiva a superação da dicotomia teoria e prática. No Parecer nº 15/2005, é descrito que as atividades das PCC podem ser realizadas como núcleo ou como “… parte de disciplinas de caráter prático relacionadas à formação pedagógica, excluindo, portanto, aquelas disciplinas relacionadas aos fundamentos técnico-científicos correspondentes a uma determinada área do conhecimento” (Parecer CNE/CES nº 15/2005).

Outrossim, a PCC pode ser um dos momentos fulcrais que possibilita a aproximação do estudante de licenciatura com a vivência escolar e com aprendizagens da docência. Como Pimenta e Lima (2017)Pimenta, S. G, & Lima, M. S. L. (2017). Estágio e docência (8a ed.). Cortez., entendemos que a formação inicial não atende todas as necessidades formativas dos futuros professores, entretanto, esperamos que aos futuros professores seja possibilitada a construção de uma matriz de saberes, tal como proposto em trabalho anterior, a partir de leitura de Lee Shulman (1987)Shulman, L. (1987). Knowledge and teaching: Foundations of the new reform. Harvard Educational Review, 57(1), 1-22., Tardif (2013)Tardif, M. (2013). Saberes docentes e formação profissional (15a ed.). Vozes., Pimenta e Lima (2017)Pimenta, S. G, & Lima, M. S. L. (2017). Estágio e docência (8a ed.). Cortez.:

1) o conteúdo da área de formação, condição essencial na docência; 2) a pedagogia do conteúdo; 3) o currículo e sobre as Ciências da Educação; 4) sobre o aluno e a forma como aprende; 5) o contexto e a comunidade educativa; 6) práticas de reflexão e investigação; 7) sobre a inter e transdisciplinaridade.

(Paniago, 2017Paniago, R. N. (2017). Os professores, seu saber e o seu fazer: Elementos para uma reflexão sobre a prática docente. Appris., p. 80)

Outrossim, consideramos que, para além de dominar o conteúdo específico de sua área, é preciso que os professores saibam mobilizar estratégias que favoreçam a aprendizagem dos alunos, o que implica no conhecimento dos referenciais teóricos e epistemológicos das ciências da educação, com vistas a compreender os diversos aspectos que influenciam a sua forma de aprender, de ser e de conviver. Em nossa compreensão, a inserção desta matriz de saberes na formação inicial traduz-se em práticas significativas6 6 Consideramos as práticas significativas de iniciação à docência, como aquelas que articulam o conjunto de saberes defendidos por Paniago (2017), articulados entre si e com a escola de educação básica; ou seja, além das aprendizagens teóricas da docência, desenvolvidas na instituição de ensino superior responsável pela formação, é fundamental a sua materialização prática desde o início do curso, num movimento constante de ação, reflexão e busca de estratégias didáticas, de diferentes pedagogias do conteúdo para que o trabalho de ensino-aprendizagem se constitua como uma prática significativa. .

Nesta perspectiva, tanto a PCC como o ECS podem se configurar como espaços de integração concreta entre a formação e a prática pedagógica, sendo esse o início da vivência da docência, em que os licenciandos podem se deparar, de forma supervisionada, desde o início do curso, com situações diversas e concretas de ensino-aprendizagem, bem como com a dinâmica do ambiente escolar e de socialização profissional.

4. O atual modelo de trabalho com as PCC nas licenciaturas do IF Goiano

As informações recolhidas até o momento foram configuradas nas seguintes categorias: (i) aspectos indicadores de formação para a docência nos documentos analisados; (ii) as PCC pela narrativa dos licenciandos; (iii) possibilidades de (res)significação das PCC articuladas às práticas do ECS.

4.1 Aspectos indicadores da formação para a docência nos documentos

Procuramos identificar elementos indicadores da dimensão pedagógica para a docência nos objetivos dos projetos pedagógicos de curso (PPC) e analisamos como as PCC são apresentadas nas matrizes e ementas das disciplinas específicas que as ofertam nos documentos vigentes até 2017.

Importante realçarmos que as PPC das licenciaturas de química (LQ) e ciências biológicas (LCB) sofreram ajustes em 2017, com vistas a adaptarem-se à Resolução CNE nº 2/2015. Apesar de focalizarmos os documentos em vigor até 2017, destacaremos aspectos das novas propostas em vigor a partir de 2018.

No que se refere aos objetivos, é explicitado no PPC das licenciaturas em vigor até 2017, que o objetivo geral é:

… formar Biólogos, educadores e, ou pesquisadores comprometidos com a realidade de seu tempo, a fim de atuarem em prol de uma sociedade consciente, justa e democrática, através de um corpo de conhecimentos dos fenômenos que regem um ser vivo, bem como sua relação com o ambiente.

(Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Goiano, 2013Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Goiano. (2013). Projeto pedagógico do curso de licenciatura em ciências biológicas. Campus Rio Verde. https://www.ifgoiano.edu.br/home/images/RV/Diretoria_de_Ensino/PPC_LIC.Ci.Biologicas-2013.pdf
https://www.ifgoiano.edu.br/home/images/...
, p. 6)

… formar Químicos, educadores e pesquisadores comprometidos com a realidade de seu tempo, a fim de atuarem em prol de uma sociedade consciente, justa e democrática.

(Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Goiano, 2010Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Goiano. (2010). Projeto pedagógico curso de licenciatura em química. Campus Rio Verde. https://www.ifgoiano.edu.br/home/images/RV/CURSOS_SUPERIORES/LICENCIATURA_QUIMICA/Projeto_do_Curso_de_Qumica.pdf
https://www.ifgoiano.edu.br/home/images/...
, p. 10)

Conforme se observa, apesar dos objetivos gerais das duas licenciaturas serem semelhantes e apontarem a formação de educadores, pesquisadores e a importância de egressos comprometidos com justiça social e zelo pelo meio ambiente, as questões inerentes aos saberes que deverão ter, como futuro professores atuantes na educação básica, não são explanadas. Ao analisar os objetivos para as licenciaturas na nova proposta dos PPC, tal constatação ainda continua evidente, indicando que as alterações realizadas podem ter sido pontuais visando atender às normativas, sem um debate profícuo com a comunidade educativa.

Sobre o perfil profissional pretendido na LCB, no PPC vigente até 2017, é afirmado que o curso “… proporcionará sólida formação na área da Biologia …” (IF Goiano, 2013, p. 8). Ao prosseguir para as áreas de atuação e competências, pudemos observar que também são direcionadas à formação de um profissional na área da Biologia e não a de um profissional da área do magistério, com saberes pertinentes ao exercício da docência, perpassando, além dos conteúdos da área específica, saberes das ciências da educação – para que percebam os elementos que influenciam o processo ensino-aprendizagem em sala de aula, e saberes da pedagogia do conteúdo –, para que possam mobilizar elementos que facilitem a aprendizagem dos conteúdos, do contexto dos alunos, dentre outros, conforme destacam Lee Shulman (1987)Shulman, L. (1987). Knowledge and teaching: Foundations of the new reform. Harvard Educational Review, 57(1), 1-22., Tardif (2013)Tardif, M. (2013). Saberes docentes e formação profissional (15a ed.). Vozes., Paniago (2017)Paniago, R. N. (2017). Os professores, seu saber e o seu fazer: Elementos para uma reflexão sobre a prática docente. Appris..

A mesma situação ocorre na LQ, o que nos permite afirmar que as intencionalidades previstas nos PPC das licenciaturas LQ e LCB são direcionadas mais para um curso de Bacharel do que de formação inicial de professores.

Do ponto de vista das matrizes, os quadros 1 e 2 destacam as disciplinas específicas que ofertam as PCC, com suas respectivas cargas horárias de acordo com os dados abaixo.

Quadro 1
Matriz das licenciaturas em ciências biológicas e química vigentes até 2017
Quadro 2
Matriz das licenciaturas em ciências biológicas e química vigentes a partir 2018

Ao analisar a matriz curricular das licenciaturas vigentes até 2017, pudemos verificar que as PCC, no processo formativo das licenciaturas (LQ e LCB), são ofertadas dentro das disciplinas pedagógicas e específicas que compõem a matriz curricular, cumprindo as 400 horas exigidas na Resolução CNE nº 1/2002Conselho Nacional de Educação. (2002, 18 de janeiro). Parecer CNE/CP n. 8, de 8 de maio de 2001. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena. Diário Oficial da União, seção 1, 31., com uma carga horária média de 20 horas intituladas “práticas pedagógicas”, situação que ocorre em outros IF, conforme anunciam Lamb et al. (2014)Lamb, M. E., Welter, G. H., & Marchezan A. (2014). A formação de professores e os currículos das licenciaturas dos institutos federais de educação, ciência e tecnologia [Artigo apresentado]. 10º ANPED Sul, Florianópolis, SC, Brasil., dos cursos analisados, “74% distribuem a carga horária nas disciplinas relacionadas à formação específica e nas de formação pedagógica. 23% dos cursos criam uma disciplina para a PCC... ” (p. 11).

Identificamos também que ocorre uma forte valorização das disciplinas específicas, em detrimento das pedagógicas, considerando que as pedagógicas representam 20,7% de horas em relação ao total da carga horária do curso – equivalente a 3.200 horas, ou seja, visa cumprir o mínimo estabelecido nos documentos legais.

Na proposta em vigor a partir de 2018, as PCC apresentadas nas matrizes das duas licenciaturas também cumprem as 400 horas exigidas pela atual Resolução CNE nº 2/2015, todavia, ocorreram algumas modificações substanciais. A primeira delas refere-se ao fato das PCC não mais serem ofertadas como parte das disciplinas pedagógicas. Em LCB, fazem parte somente das disciplinas específicas; em LQ foram criadas disciplinas específicas para as PCC. Outro diferencial é o fato de a carga horária das disciplinas de dimensão pedagógica representar, no mínimo, 1/5 da carga horária do curso em cumprimento à Resolução CNE nº 2/2015.

Outro aspecto modificado é que, no caso da matriz de LCB, as PCC alteram a denominação de prática pedagógica e recebem o título de PCC. Na matriz de LQ, recebem o nome de práticas acadêmicas, não esclarecendo exatamente que tipo de práticas serão e quais as dimensões da docência serão abordadas.

No caso das ementas das disciplinas que ofertam as PCC em vigor até 2017, não detectamos elementos que incitassem a iniciação à docência; ao contrário, de modo geral, as ementas das duas licenciaturas sinalizam apenas os conteúdos das áreas específicas, conforme é apresentado na ementa da disciplina de “Anatomia vegetal”, com uma carga horária de 80 horas, com 20 horas de práticas pedagógicas. (IF Goiano, 2013, p. 33). Por sua vez, em uma das disciplinas da LQ – Química geral experimental –, com um total de 40 horas, 20 são destinadas a PCC, como é destacado na ementa:

Caracterização da natureza e do papel das investigações experimentais em química. Estudo de medidas e de algarismos significativos. Desenvolvimento de habilidades de manuseio de aparelhos volumétricos, de sistemas de filtração, de sistemas de destilação e de processos químicos …

(IF Goiano, 2010, p. 23)

Assim, de modo geral, nas disciplinas das licenciaturas LCB e LQ que possuem a carga horária destinada às PPC, não aparece, claramente, como serão trabalhadas, salvo nas disciplinas da área de educação. Gatti (2010)Gatti, B. A. (2010). Formação de professores no Brasil: Características e problemas. Educação e Sociedade, 31(113), 1355-1379., a partir de pesquisa acerca de questões curriculares em cursos de licenciaturas e pedagogia, aponta que:

A questão das práticas exigidas pelas diretrizes curriculares desses cursos mostra-se problemática, pois ora se coloca que estão embutidas em diversas disciplinas, sem especificação clara, ora aparecem em separado, mas com ementas muito vagas. Na maior parte dos ementários analisados não foi observada uma articulação entre as disciplinas de formação específicas (conteúdos da área disciplinar) e a formação pedagógica (conteúdos para a docência). (pp. 1373-1374)

Quanto às ementas da nova proposta na LCB, analisando as disciplinas que apresentam carga horária destinada à PCC, não há clareza de como estas ocorrerão nas disciplinas, como aponta uma das ementas da disciplina de bioquímica, propondo apenas os conteúdos específicos.

Água e tampões, Aminoácidos e Proteínas, Enzimas, Carboidratos, Lipídios, Ácidos nucleicos, Vitaminas, Princípios de bioenergética e termodinâmica, Introdução ao metabolismo, Glicólise, Ciclo do ácido cítrico, Cadeia Respiratória e Fosforilação Oxidativa, Metabolismo de ácidos graxos, Metabolismo de aminoácidos e proteínas, Fotossíntese, Ferramentas de práticas pedagógicas.

(IF Goiano, 2018, p. 6)

Na LQ, também não percebemos avanços, uma vez que em todas as ementas analisadas das disciplinas criadas como PCC são apresentados apenas conteúdos específicos da área, silenciando os pedagógicos, o que implica em questionarmos: que elementos indicam que a iniciação à docência ocorrerá no âmbito destas disciplinas?

Deveras, no âmbito das reestruturações dos PPC, esperava-se que houvesse avanços, e, todavia, verificamos retrocessos, considerando que na LQ até a palavra pedagógica foi retirada e substituída pela palavra acadêmica, que não traduz de fato uma dimensão pedagógica. Nesta direção, Lamb et al. (2014)Lamb, M. E., Welter, G. H., & Marchezan A. (2014). A formação de professores e os currículos das licenciaturas dos institutos federais de educação, ciência e tecnologia [Artigo apresentado]. 10º ANPED Sul, Florianópolis, SC, Brasil. afirmam que:

Ao analisarmos a carga horária das disciplinas dos cursos de licenciaturas dos Institutos Federais, percebemos que há uma clara predominância da carga horária das disciplinas relacionadas aos conhecimentos específicos da área, em detrimento aos conhecimentos relativos aos fundamentos da educação e da formação para docência. (p. 7)

Por fim, é possível afirmamos que os PPC (vigentes até 2017 e em vigor a partir de 2018) apresentam fragilidades nos aspectos de formação para a docência no âmbito das PCC. A análise dos novos PPC não evidencia que a proposta fora construída no coletivo da comunidade educativa da instituição.

Esta situação sinaliza a necessidade de mudanças nos cursos de formação inicial de professores da instituição, buscando, por meio da (re)formulação dos PPC das licenciaturas, maior articulação nas ementas das disciplinas que preveem as PCC à aprendizagem da docência dos licenciandos, bem como ensejando a participação de docentes, licenciandos e, quiçá, os professores da educação básica, que são coformadores.

4.2 As PCC e o ECS pela narrativa dos licenciandos

Os dados recolhidos via narrativas foram configurados nas seguintes subcategorias: (i) aprendizagens da docência nas disciplinas que oferecem PCC; (ii) Articulação entre as disciplinas, as PCC, ECS e o cotidiano da escola.

4.2.1 Aprendizagens da docência nas disciplinas que oferecem as PCC

Nesta discussão, traremos à tona as evidências de aprendizagem da docência e como elas ocorrem no âmbito das PCC. As narrativas sinalizam a forma como as disciplinas que oferecem as PCC são trabalhadas; “em prática pedagógica, participei da elaboração de um folder sobre a pesquisa da instituição e sua apresentação para alunos do ensino médio (Fisiologia Vegetal) e a aplicação de uma aula para os alunos do curso técnico em biotecnologia genética” (BB, 2018). Outra licencianda aponta: “Trabalhamos com a construção de um insetário, em genética, que teve como tema os métodos de transcrição celular e fisiologia vegetal, onde demonstramos como funciona a parede celular de uma planta”. (AB, 2018). Na mesma direção, outras narrativas sinalizam que:

No 2° período, houve duas práticas pedagógicas em duas disciplinas, ambas trabalhadas em grupo. Na primeira, foi realizada uma paródia musical sobre o tema e também um jogo, ambos com a proposta de fixação do conteúdo.

(CB, 2018)

O professor propôs a construção de modelos lúdicos para explicar conteúdos que são muito abstratos, e que consequentemente dificulta o aprendizado dos alunos da educação básica; os conteúdos trabalhados foram reações químicas, ligações e modelos atômicos. Após a construção dos materiais didáticos, foi apresentada uma aula expositiva para os colegas

(MQ, 2018)

Foi proposto que ministrássemos uma aula sobre um tema da disciplina. Meu tema foi Lei de Hooke e fizemos um experimento simples para explicar o conteúdo para a turma. O experimento consistia em usar pesos para deformar molas e borrachas e demonstrar através de cálculos como funciona a Lei de Hooke.

(AQ, 2018)

De modo geral, as narrativas são reveladoras de que iniciativas de práticas de iniciação à docência estão ocorrendo nas PCC, tais como a utilização de diversas estratégias e recursos didáticos como a construção do insetário, o trabalho com jogos e música, o uso do quadro didático, a construção de modelos lúdicos e experimentos, o que significa que os professores estão recorrendo a diversas atividades como forma de suscitar nos alunos aprendizagens sobre o ser professor. Os licenciandos reconhecem o valor destas práticas para sua formação; “o professor da oficina de prática pedagógica7 7 Oficinas de práticas pedagógicas era a denominação dada às disciplinas destinadas ao desenvolvimento de práticas dos conteúdos do conhecimento específico das licenciaturas em química e ciências biológicas do campus. (OPP) mostrou as dificuldades que o docente encontra em tentar ensinar conteúdos para os alunos, deu dicas e ajudou para que pudesse nos preparar para a profissão …’’ (MQ, 2018). Outra, ao narrar sobre um projeto realizado em uma PCC, afirma que “O projeto foi realizado em grupos. O nosso foicrise no ensino de ciências’, tema que me ajudou a pensar e refletir como futura professora …” (AQ, 2018).

Inclusive, é sinalizado que uma professora lançou mão de uma estratégia didática, que incitou os licenciandos a refletirem sobre uma atividade: “o professor da disciplina não solicitou uma aula do tema do nosso trabalho como na primeira prática, e sim disponibilizou o tempo para falarmos como foram feitos os materiais apresentados, os gastos e como seriam utilizados em uma sala de aula”. (AB, 2018). Outra licencianda destaca:

foi ministrada uma aula sobre mecanismos; esse conteúdo não tinha sido trabalhado pelo professor, logo tivemos que aprender sozinhos e buscar uma maneira para ensinar o restante da turma. Entre todas as disciplinas cursadas que tinham práticas pedagógicas, essa foi a que mais me fez pensar e refletir como futura professora, pois senti como é difícil encontrar uma maneira de explicar um conteúdo para uma turma que não entende do assunto. A aula foi ministrada com o auxílio de slides e do quadro.

(AQ, 2018)

A narrativa de AQ sinaliza que os professores estão incitando os licenciandos as aprendizagens sobre o como ensinar, ao como fazer em sala de aula como futuros professores, ou seja, estão suscitando aprendizagem dos saberes do conteúdo e da pedagogia do conteúdo, conforme anunciam Paniago (2017)Paniago, R. N. (2017). Os professores, seu saber e o seu fazer: Elementos para uma reflexão sobre a prática docente. Appris. e Lee Shulman (1987)Shulman, L. (1987). Knowledge and teaching: Foundations of the new reform. Harvard Educational Review, 57(1), 1-22..

Apesar das várias atividades desenvolvidas nas disciplinas contribuírem para a aprendizagem de saberes da docência, elas mostram-se frágeis, uma vez que se limitaram ao trabalho com modelos, técnicas, estratégias e recursos didáticos. A confecção de modelos pedagógicos acerca do conteúdo específico não deixa de ser relevante, pois os licenciandos já terão uma noção sobre os recursos didáticos para mobilizarem em sala de aula. Todavia, há que se ter em conta que as situações que envolvem o contexto socioeducativo escolar, sejam situações micro, de sala de aula, ou macro, são heterogêneas e implicam em exigências diversas que vão para além do uso de diferentes recursos didáticos (Paniago, 2017Paniago, R. N. (2017). Os professores, seu saber e o seu fazer: Elementos para uma reflexão sobre a prática docente. Appris.).

É fundamental que, aos licenciandos, seja oportunizada a vivência de diferentes situações de imersão à docência e que estas ocorram para além da instituição de ensino superior, não se restringindo à elaboração de plano e aplicação em sala de aula para os colegas, conforme é afirmado: “Geralmente, as OPP são trabalhadas ou na forma de seminários ou na construção de maquetes”. (BB, 2018). Também afirma “… a maioria parece mais como um seminário do que como uma aula”. (MB, 2018). Ou como estudos direcionados à parte específica da disciplina,

Em três disciplinas, a parte prática pedagógica foi trabalhada de maneira em que foram propostos estudos sobre temas das disciplinas, de maneira em que realizamos pesquisas em teóricos e ensaios experimentais necessários para identificação de componentes em amostras.

(FQ, 2018)

Atualmente curso o quinto período, onde existem duas disciplinas que oferecem práticas pedagógicas. Até então começamos a trabalhar práticas pedagógicas somente em uma, porém, a prática pedagógica proposta pela professora nesta disciplina, creio eu, que não se encaixa em uma prática pedagógica. O que foi proposto é que determinemos cátions em amostras de alimentos, um artigo científico também deve ser escrito para explicar a prática.

(AQ, 2018)

Fica evidente, na narrativa dos licenciandos, que a parte pedagógica foi direcionada aos conceitos específicos das disciplinas, inclusive, a própria licencianda reconhece que a prática proposta pela professora não se configura como uma prática pedagógica, o que dá a entender que a licencianda refere-se ao trabalho puramente conceitual e acadêmico, ausente de uma reflexão acerca das questões do ensino-aprendizagem na educação básica. Conforme Neto Souza e Silva (2014)Souza Neto, S., & Silva, V. P. (2014). Prática como componente curricular: Questões e reflexões. Revista Diálogo Educacional, 14(43), 889-909.,

… as 400 horas da prática curricular, que foram acrescentadas nos currículos dos cursos de formação de professores, não podem nem devem ser vistas como uma estratégia para buscar equilíbrio na relação teoria-prática nas disciplinas, mas devem ser pensadas na perspectiva interdisciplinar, buscando uma prática que produza algo no âmbito do ensino e auxilie na formação da identidade do professor como educador. (p. 898)

Os autores, com base em pesquisa realizada, afirmam que “… tornou-se ‘comum’ encontrar a PCC pulverizada nas disciplinas da graduação, podendo ela ser específica, pedagógica ou de intervenção e ficando, muitas vezes, confinada na “missão” de melhorar a relação teoria-prática na própria disciplina” (p. 898).

Ademais, é evidente, nas narrativas, a fragmentação entre a teoria e a prática nas disciplinas que ofertam as PCC, sendo elas trabalhadas em duas partes, “A primeira subentende-se a parte experimental que se correlaciona com as disciplinas teóricas correspondentes, e, em segundo momento, temos a parte prática pedagógica da disciplina”. (FQ, 2018)

Esta situação nos incita a defender o rompimento da dicotomia entre a parte teórica conceitual da disciplina e a parte em que os licenciandos vão elaborar uma aula prática para ser apresentada aos colegas, aula esta que, por vezes, é construída sem conexão com os conteúdos específicos da educação básica e sem os conhecimentos do campo da didática, cujo objeto de estudo é o processo ensino-aprendizagem e as múltiplas relações que o envolvem (Paniago, 2017Paniago, R. N. (2017). Os professores, seu saber e o seu fazer: Elementos para uma reflexão sobre a prática docente. Appris.). Inclusive, os próprios licenciandos reconhecem a dicotomia teoria e prática, “Seria muito mais proveitoso uma disciplina totalmente em formato de OPP ao contrário do modelo empregado hoje em nosso curso, onde a mesma é dividida em dois momentos” (FQ, 2018). Outra licencianda destaca:

Observando as propostas dos professores para essas práticas, é muito nítido que os conhecimentos e teorias pertencentes à didática são, por muitas vezes, deixados de lado, principalmente no que se refere à efetividade do processo de ensino-aprendizagem, tanto dos alunos que estão montando as oficinas quanto dos alunos que irão assistir a essas aulas.

(BB, 2018)

Ademais, por vezes, os licenciandos, desprovidos de conhecimentos teóricos e metodológicos, enfrentam dilemas ao terem que ministrar uma aula para os colegas, “elaboramos um plano de aula sem ao menos saber como fazer, pois ainda não tínhamos feito didática” (CB, 2018). Nesta direção, outra narrativa aponta que “O problema destas práticas é que a maioria ocorre antes de termos noção de como se faz um plano de aula ou de como desenvolver projetos, pois a disciplina que nos auxilia a fazer isso costuma ser em períodos à frente” (MB, 2018). Ou seja, fica explícito em sua fala que as aprendizagens acerca do planejamento escolar e a elaboração de um plano de aula ocorrem nas disciplinas de dimensão pedagógica.

Outrossim, as narrativas, tal como os documentos, sinalizam fragilidades no trato com as PCC no âmbito das licenciaturas. Ora, reafirmamos que ensinar não é uma tarefa simples. Esse entendimento nos obriga a avançar da ideia de que qualquer um pode ser professor e de que, para dar aulas, não precisa preparar-se. As narrativas são reveladoras da ausência e/ou fragilidade no que se refere aos saberes necessários para a ação pedagógica cotidiana. Das narrativas depreende-se que a formação recebida no IF não terá sido bem sustentada, o que reforça a nossa percepção da ausência de um processo de formação contínuo na instituição centrado no campo das ciências da educação e das relações que embarcam o ensino-aprendizagem na educação básica, enfim, dos saberes profissionais da docência que os licenciandos precisam aprender na formação para mobilizarem em sua futura prática como professores. Sobre a docência no ensino superior, Pimenta e Anastasiou (2014)Pimenta, S. G, & Anastasiou, L. G. C. (2014). Docência no ensino superior (5a ed.). Cortez. afirmam que:

Na maioria das instituições de ensino superior, incluindo as universidades, embora seus professores possuam experiência significativa e mesmo anos de estudos em suas áreas específicas, predomina o despreparo e até um desconhecimento científico do que seja o processo ensino e de aprendizagem, pelo qual passam a ser responsáveis a partir do instante em que ingressam na sala de aula. (p. 37)

No caso deste estudo, verificamos que muitos dos professores atuantes nos cursos de licenciaturas também ministram aulas em cursos de mestrados em áreas específicas, com publicação e experiência em seu campo de pesquisa, em campos disciplinares específicos, entretanto, não podemos afirmar o mesmo para o campo das questões do ensino.

Ora, se os professores formadores desconhecem as questões do ensino, como vão trabalhar as PCC com vistas a contemplarem as várias aprendizagens necessárias ao ser professor? Para além disso, o campus investigado não possui a cultura da formação continuada para docência, uma vez que os momentos intitulados como pedagógicos se restringem a informações administrativas e técnicas. Neste cenário, os professores já com tempo de casa ou os novatos, não participam de formação continuada para discutirem e refletirem sobre as questões complexas que envolvem o ensino-aprendizagem. As informações limitam-se a modelos de planos de ensino, datas para entrega, dentre outros. Nesta direção, Pimenta e Anastasiou (2014)Pimenta, S. G, & Anastasiou, L. G. C. (2014). Docência no ensino superior (5a ed.). Cortez. alegam que, geralmente, os professores não participam da organização das ementas das disciplinas que ministrarão aulas, ao contrário, recebem as ementas prontas e planejam, individualmente, as suas aulas, “Não recebem qualquer orientação sobre processos de planejamento, metodológicos ou avaliatórios, não têm de prestar contas, fazer relatórios, como acontece, normalmente, nos processos de pesquisa”. (p. 37)

4.2.2 Articulação entre as disciplinas, as PCC, o ECS e o cotidiano da escola

Nas narrativas não fica explícita a articulação entre as disciplinas do curso, na medida em que, de forma geral, elas não apontaram elementos substanciais acerca da relação das atividades das PCC com as disciplinas da matriz do curso e com a escola: “as OPP ofertadas trabalharam muito com conteúdos que não são encontrados na educação básica” (PQ, 2018); seguida de outra: “Algumas disciplinas não têm assunto para ministrar aula no ensino médio nem no fundamental, então tivemos que utilizar conteúdos da disciplina e ministrar aula para os colegas mesmo” (NB, 2018); ou mesmo com a vivência em situações da escola, salvo, exclusivamente, uma disciplina do curso de ciências biológicas.

Teve só uma disciplina que a gente fez pesquisa nas escolas. Então, a nossa OPP era para poder elaborar uma espécie de relatório de diagnóstico das escolas. Então, era para saber o que os alunos compreendiam a respeito da disciplina, qual era o material de laboratório que os alunos dispunham para essa disciplina, se era trabalhado na Educação Básica como prevê os Parâmetros Curriculares Nacionais, as matrizes.

(MB, 2018)

Estas evidências contrariam as proposições do Parecer nº 2/2015, bem como o Parecer nº 28/2001, ao alertarem quanto à necessidade das práticas com a PCC superarem a dicotomia entre teoria e prática, entre saber e fazer, buscando a integração necessária entre os conhecimentos gerais e específicos, entre ensino médio e educação profissional. Conforme narra NB, “fizemos uma cartilha educativa, porém, foi muito difícil pensar em alguma forma de aplicá-la nas escolas. Então, não é só pensar em uma prática diferenciada e não saber como usar” (NB, 2018). A narrativa da licencianda evidencia a lacuna entre a teoria e a prática, sinalizando preocupação sobre a elaboração de práticas pedagógicas nas PCC deslocadas da realidade de educação básica, campo prático da ação docente dos futuros professores.

Na seara das narrativas, pudemos constatar que os licenciandos sugerem a relação dos temas com a educação básica como possibilidades de melhoria no trabalho com as PCC.

Para que haja melhora nas PCC, é necessário que todos os docentes que têm essas aulas destinadas, realizem realmente com os discentes algo relacionado, para que a formação de professores seja completa e não ficando somente na teoria. Além disso, é necessário que essas práticas pedagógicas se apliquem temas e conteúdos relacionados a educação básica, pois de quase todas as disciplinas que houve o PCC, o conteúdo trabalhado foi relacionado ao ensino superior.

(MQ, 2018)

Seria importante que os docentes que aplicam as OPPs tentem relacionar mais os conteúdos trabalhados com os que são aplicadas no ensino fundamental e médio.

(PQ, 2018)

As práticas pedagógicas desenvolvidas dentro das disciplinas do curso, na maioria das vezes não são desenvolvidas corretamente e sua carga horária não é totalmente utilizada.

(AQ, 2018)

Na minha opinião, deveria haver mais disciplinas com práticas pedagógicas, que deveriam adotar diferente formas de apresentação e nos colocar em maior contato com a realidade.

(AB, 2018)

O que mais ajuda é quando o professor propõe que os alunos apresentem uma aula como se fosse para a escola mesmo.

(NB, 2018)

Os professores que as aplicam precisam investir em maior conhecimento pedagógico para que possam nos ajudar e nos propiciar um momento de conhecimento da realidade escolar e também de autoconhecimento como profissionais.

(BB, 2018)

Também do ponto de vista da relação com as práticas de ECS, as narrativas não sinalizam elementos substanciais para além do fato de indicarem que aprenderam algumas estratégias didáticas e modelos que poderiam ser utilizados no ECS. Os elementos identificados vão na contramão do Parecer CNE/CP nº 28/2001, que esclarece que a PCC pode articular-se com o ECS e com as demais atividades do curso.

Assim, insistimos na defesa de que a PCC é uma prática que focaliza a preparação para a docência, sendo importante que seja realizada em espaços educativos diversos, e que incite, nos futuros professores, a análise, a problematização e a investigação de situações vinculadas ao seu futuro campo de trabalho – a escola de educação básica, não podendo, pois, ficar restrita à parte prática da disciplina e ao contexto da instituição. Afinal, como afirma Canário (2001)Canário, R. (2001). A prática profissional na formação de professores. In B. P. Campos (Org.), Formação profissional de professores no ensino superior (pp. 31-45). Porto Editora., as experiências na escola são fundamentais para a aprendizagem da docência, na medida em que permitem ao aprendiz de professor ir aprendendo os tempos, os modos, os como e os conteúdos a mobilizar e organizar de forma a ir construindo formas próprias de construção de profissional.

Da mesma forma, outros teóricos alertam para a necessidade e importância da formação estar vinculada ao cotidiano da escola (Mizukami, 2013Mizukami, M. G. (2013). Escola e desenvolvimento profissional da docência. In B. A. Gatti, C. A. Silva Junior, M. D. S. Pagotto, & M. G. Nicoletti (Org.), Por uma política nacional de formação de professores (pp. 23-54). Editora Unesp.; Tardif, 2013Tardif, M. (2013). Saberes docentes e formação profissional (15a ed.). Vozes.), dentre outros. Ou seja, as experiências vivenciadas na escola, quando refletidas em conjunto com os professores da escola básica e com o apoio dos docentes do IF, constituem oportunidades fundamentais para a elaboração de um saber profissional fundante do profissional em que o licenciando se está a identificar.

4.3 Possibilidades de (res)significação das PCC articuladas às práticas do ECS

Ao analisarmos as ementas das disciplinas que ofertam as PCC, detectamos algumas possibilidades de correlação entre os conteúdos propostos na licenciatura e os conteúdos da educação básica. Várias são as possibilidades no ensino médio, todavia, nos ateremos a algumas evidências no ensino fundamental, em face da não possibilidade de apresentar todos os dados aqui. O quadro abaixo evidencia algumas das possíveis correlações.

Quadro 3
Relação das disciplinas que oferecem a PCC

São várias as possibilidades de correlações entre os conteúdos ofertados nas diversas matrizes que compõem as PCC e os conteúdos da educação básica. Para além destas relações, no processo ensino-aprendizagem das PCC podem ser mobilizadas, em sala de aula, diversas estratégias didáticas, tais como: jogos, mapas conceituais, o uso de tecnologias digitais de informação e comunicação (TDIC), aulas práticas e experimentais, o trabalho com projetos, análise de livros didáticos, músicas, dramatizações (Paniago, 2017Paniago, R. N. (2017). Os professores, seu saber e o seu fazer: Elementos para uma reflexão sobre a prática docente. Appris.) – bem como o trabalho com situações didáticas que favoreçam a imersão dos licenciandos no universo do cotidiano escolar para a investigação, análise de situações diversas de sala de aula e contexto educativo.

O que estamos enfatizando é a necessidade dos docentes formadores ampliarem o olhar acerca das possibilidades de trabalho com as PCC e a importância da vinculação com o ECS, uma vez que, conforme o ParecerCNE/CP nº 2/2015, as atividades desenvolvidas nas PCC devem, necessariamente, assumir um caráter vinculado à aprendizagem da docência.

Por fim, diante do que foi exposto e considerando o perfil formativo para os egressos, destacado no ParecerCNE/CP nº 2/2015, apresentamos algumas sugestões para as práticas nas PCC, envolvendo diferentes características e dimensões da iniciação à docência, dentre as quais ressaltamos: desenvolvimento, execução, acompanhamento e avaliação de projetos educacionais interdisciplinares que envolvam diferentes recursos e estratégias didático-pedagógicas, incluindo o uso de tecnologias; estudo de livros didáticos; estudos de caso, a partir de problemáticas do contexto escolar relacionados a aspectos socioculturais, processos de ensino-aprendizagem; projetos; relação família e escola; formação dos profissionais do magistério; estudo e análise dos conteúdos das diretrizes curriculares para a educação básica focando a área específica de formação e nível de atuação profissional, estudo de caso, história de vida, construção de narrativas, portfólios, dentre outros. Neto Souza e Silva (2014)Souza Neto, S., & Silva, V. P. (2014). Prática como componente curricular: Questões e reflexões. Revista Diálogo Educacional, 14(43), 889-909. sugerem que a PCC pode estar voltada para estratégias de observação, reflexão e registro das observações realizadas e resolução de situações-problema com foco no ensino. “… As PCC poderão ser organizadas sob a forma de Projetos Integradores, tendo como perspectiva a implementação de seminários de integração e vivências práticas” (p. 905).

Ao trazer à tona as várias possibilidades de ações pedagógicas a serem operacionalizadas nas PCC, reafirmamos a nossa compreensão de que estas, não necessariamente, se restringem à aplicação metodológica de práticas, envolvendo apenas conteúdos específicos da PCC ou os conteúdos da educação básica. Não obstante, ela não necessita se configurar como uma disciplina, ao contrário, pode ser organizada de forma transversal e trabalhada por um grupo de professores de forma interdisciplinar. Esta visão de trabalho com as PCC implica avançar do processo insulado de reformulação dos PCC, restrito aos coordenadores de curso e núcleo docente estruturante (NDE), para um debate e diálogo coletivo na comunidade escolar.

5. Considerações finais

De modo geral, os resultados iniciais sinalizam que as PCC são ofertadas em disciplinas específicas e pedagógicas que compõem a matriz curricular destas licenciaturas e cumprem o disposto na legislação brasileira em relação à carga horária. Não obstante, verificamos que iniciativas de práticas de iniciação à docência estão ocorrendo nas disciplinas específicas que ofertam as PCC – objeto de estudo desta pesquisa – com o uso de diversas estratégias didáticas pelos licenciandos, para ministrarem aulas para os colegas. Todavia, estas práticas direcionam-se, especialmente, à parte prática da disciplina e à construção de modelos, experimentos e aplicação de aulas práticas para os colegas, sem uma contextualização com a educação básica.

Não identificamos também articulação entre a prática de ensino das PCC no âmbito das disciplinas específicas e as disciplinas pedagógicas, bem como das práticas de ECS. Outro aspecto verificado é que nas ementas das disciplinas que ofertam as PCC há uma supremacia das questões específicas em detrimento das pedagógicas, visto que, de modo geral, as ementas sinalizam apenas os conteúdos das áreas específicas, silenciando aspectos da dimensão da docência.

Outrossim, os modos de distribuição e desenvolvimento da PCC não demonstram um avanço significativo na formação teórico-prática da aprendizagem da docência nas licenciaturas em LQ e LCB. Acreditamos que a efetivação da PCC nos cursos de formação inicial de professores poderá ocorrer por meio da integração de disciplinas que promovam a participação dos professores formadores, licenciandos e a escola de educação básica, com discussões e reflexões pautadas na compreensão da aprendizagem da docência profissional, que vá além dos conteúdos específicos das diferentes áreas do conhecimento.

Assim, insistimos na defesa de que a PCC é uma prática que focaliza a preparação para a docência, sendo importante que seja alargada para além da sala de aula da instituição e seja realizada noutros espaços educativos, que incitem, nos futuros professores, a análise, a problematização e investigação de situações vinculadas ao seu futuro campo de trabalho, a escola de educação básica, e que envolva outras atividades de iniciação à docência, que perpassa ações com estratégias didáticas diversas, ao trabalho com projetos, análise de livros didáticos, estudo de situações diversas do contexto educativo, dentre outras.

Não obstante, advogamos a implementação de um processo de formação continuada no Campus, com vista a reflexões coletivas sobre os diversos intervenientes que envolvem o processo ensino-aprendizagem no ensino superior e na educação básica. Evidentemente, reconhecemos e destacamos as iniciativas que estão acontecendo na esfera institucional com vista à melhoria do processo de formação de professores como a realização de eventos e criação das diretrizes curriculares dos cursos de licenciatura da instituição, o que incita o aprimoramento com o trabalho das PCC e ECS. Todavia, estas iniciativas ainda não estão sendo efetivadas em sua totalidade no campus locus desta pesquisa. É a partir destes pressupostos que estamos desenvolvendo a segunda etapa da pesquisa, de forma a buscar, de forma colaborativa entre os professores, novas possibilidades formativas que articulem o processo formativo das PCC e o ECS com a escola de educação básica.

No contexto da pesquisa, é imperativo afirmar que as DCN/2015 enfatizam a importância de tornar a prática e os estágios curriculares mais consistentes e realistas, na perspectiva de integrar no cotidiano formativo dos licenciandos os conhecimentos necessários à aprendizagem da docência para atuarem na escola básica, estimulando os futuros professores a refletir sobre seu exercício profissional docente. Por certo, esta pesquisa, além de caminhar nesta direção, contribuirá para o debate acerca da formação inicial de professores no âmbito dos IF e avança no caso específico das práticas com o ECS e as PCC no processo de formação inicial de professores nos IF, na medida em que, praticamente, inexistem estudos sobre esta questão.

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    Normalização, preparação e revisão textual: Lídia Orphão (Tikinet) – revisao@tikinet.com.br
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    Apoio: Instituto Federal Goiano; Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), no âmbito do projeto do Centro de Investigação em Estudos da Criança (Ciec), da Universidade do Minho, com a referência UIDB/00317/2020.
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    De acordo com a Resolução CNE/CP nº 2/2015, a PCC é um conjunto de atividades formativas que possibilitam aos estudantes experiências de aplicação de conhecimentos ou de desenvolvimento de procedimentos próprios ao exercício profissional da docência.
  • 5
    As entrevistas foram transcritas na íntegra, logo, podem aparecer eventuais desvios em relação à norma padrão.
  • 6
    Consideramos as práticas significativas de iniciação à docência, como aquelas que articulam o conjunto de saberes defendidos por Paniago (2017)Paniago, R. N. (2017). Os professores, seu saber e o seu fazer: Elementos para uma reflexão sobre a prática docente. Appris., articulados entre si e com a escola de educação básica; ou seja, além das aprendizagens teóricas da docência, desenvolvidas na instituição de ensino superior responsável pela formação, é fundamental a sua materialização prática desde o início do curso, num movimento constante de ação, reflexão e busca de estratégias didáticas, de diferentes pedagogias do conteúdo para que o trabalho de ensino-aprendizagem se constitua como uma prática significativa.
  • 7
    Oficinas de práticas pedagógicas era a denominação dada às disciplinas destinadas ao desenvolvimento de práticas dos conteúdos do conhecimento específico das licenciaturas em química e ciências biológicas do campus.

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Editor responsável: Ana Lúcia Guedes Pinto. https://orcid.org/0000-0002-0857-8187

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Nov 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    14 Jan 2019
  • Revisado
    09 Jul 2020
  • Aceito
    11 Mar 2021
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