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ESCRAVIZAÇÃO, APRISIONAMENTO E UMA INTERVENÇÃO SOCIOPSICODRAMÁTICA EM UMA UNIDADE PRISIONAL

ENSLAVEMENT, IMPRISONMENT AND A SOCIOPSYCHODRAMATIC INTERVENTION IN A PRISON UNIT

ESCLAVITUD, ENCARCELAMIENTO Y UNA INTERVENCIÓN SOCIO-PSICODRAMÁTICA EN UNA UNIDAD PENITENCIARIA

RESUMO

Este artigo parte da reflexão da prisão despertada pelo encontro da leitura do livro Um Defeito de Cor e a experiência de trabalho em unidades prisionais. A pergunta emergente neste processo reflexivo foi: como propor um espaço experiencial que favoreça às pessoas privadas de liberdade a reconexão com suas crenças, seus sonhos, suas ideologias? A apresentação da intervenção sociopsicodramática no Centro de Observação Penal (COP/Ba) convida a repensar o entendimento das ações interventivas propostas às pessoas em privação de liberdade. A Socionomia e autores que tratam dos processos de escravização e aprisionamento favorecem a reflexão sobre a prisão, bem como o entendimento da proposta interventiva.

PALAVRAS-CHAVE
Psicodrama; Intervenção; Saúde mental

ABSTRACT

This article is based on the reflection about prison aroused by the encounter between reading the book A Defective Color and the experience of working in prison units. The emerging question in this reflective process was: How to propose an experiential space that favors the reconnection of people deprived of their beliefs, their dreams, their ideologies? The presentation of the sociopsychodramatic intervention in the Centro de Observação Penal (COP/Ba) invites us to rethink the understanding of the intervention actions proposed to people deprived of freedom. Socio-psychodrama and authors who deal with the processes of enslavement and imprisonment favor reflection on prison, as well as the understanding of the proposed intervention.

KEYWORDS
Psychodrama; Intervention; Mental health

RESUMEN

Este artículo se basa en la reflexión sobre la prisión suscitada por el encuentro entre la lectura del libro Un color defectuoso y la experiencia de trabajo en unidades penitenciarias. La pregunta que surgió en este proceso reflexivo fue ¿cómo proponer un espacio experiencial que favorezca la reconexión de las personas despojadas de sus creencias, sus sueños, sus ideologías? La presentación de la intervención sociopsicodramática en el Centro de Observación Penal (COP/Ba) invita a repensar la comprensión de las acciones de intervención propuestas para las personas privadas de libertad. El sociopsicodrama y los autores que abordan los procesos de esclavización y encarcelamiento favorecen la reflexión sobre la prisión, así como la comprensión de la propuesta de intervención.

PALABRAS CLAVE
Psicodrama; Intervención; Salud mental

INTRODUÇÃO

Na literatura, os mundos, as vidas e os sonhos são convertidos em palavras que se unem formando frases, levando o leitor a construir imagens que, em alguns momentos, podem ser desconcertantes. Ao iniciar a leitura do livro Um Defeito de Cor, de Ana Maria Gonçalves (2006)Gonçalves, A. M. (2006). Um defeito de cor. Record., sou lançada em um universo de imagens que unem o tempo passado da escravidão no período colonial e o presente do trabalho no sistema prisional, produzindo-me choque e reflexões sobre os processos de aprisionamento de pessoas.

A prisão, como a escravidão foi em algum momento, é encarada como inevitável e inerente à sociedade. A sociedade está tão habituada às condições e às concepções desse sistema carcerário que não concebe que ele esteja ausente, permanecendo alheia a uma reflexão mais profunda sobre os reais motivos do aumento dos índices de criminalidade. O imaginário das pessoas fica imerso na cultura do medo que se enraíza potencializado por imagens midiáticas que corroboram a naturalização da expansão da resposta penal (Davis, 2018Davis, A. (2018). Estarão as prisões obsoletas? Difel.).

Souza (2013)Souza, D. (2013). População escrava do Brasil é detalhada em Censo de 1872. Fundação Cultural Palmares. Disponível em: https://www.palmares.gov.br/?p=25817. Acesso: 20 nov. 2021.
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, em artigo divulgado no sítio web da Fundação Cultural Palmares, revela os dados do censo realizado em 1872, apresentando um quadro da população brasileira no período colonial, em que o total da população de estrangeiros no Brasil era de 382.132. Nesse censo, os brancos são separados por origem: 125.876 portugueses, 40.056 alemães e 8.222 italianos, enquanto os negros, independentemente da origem, eram descritos como africanos, e somavam um total de 176.057 pessoas, divididos apenas entre escravos 138.358 e alforriados 37. Os negros escravizados eram a maioria entre todos os estrangeiros.

Comparativamente, quando buscamos informações sobre a população carcerária brasileira, conforme registrado no Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Brasil, 2019Brasil. Ministério da Justiça. (2019). Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias. Brasília: MJ. Disponível em: https://www.gov.br/depen/pt-br. Acesso: 20 nov. 2021.
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), encontramos que negros e pardos correspondem a 66,69%, sendo pretos um total de 11.611 (16,81%) e pardos 328.108 (49,28%) em uma população total de 748.009 pessoas. Desse total, os brancos somam 212.444 (32,29%), os amarelos 5.291 (0,89%) e os indígenas 1.390 (0,21%). Os dados estatísticos revelam que a população negra foi alvo da escravização e hoje é prioritariamente atingida pelo aprisionamento.

Retomando o livro de Gonçalves, no primeiro capítulo, a protagonista e narradora Kehinde descreve sua origem dizendo que nasceu em Savalu, que pertencia ao reino de Daomé, África (Gonçalves, 2006Gonçalves, A. M. (2006). Um defeito de cor. Record., p. 14). Esclarece o significado do seu nome, dizendo que era uma Ibêji, nasceu depois da sua irmã gêmea chama Taiwo. Kehinde e sua irmã eram vistas como uma benção, o que produzia uma atitude muito protetiva de todas as pessoas. Recebiam presentes; havia toda uma disposição para oferecer o melhor para elas.

Elas estavam em um lugar de pertencimento, uma posição de destaque e importância, pois, Ibêjis trazem sorte, prosperidade e bençãos. Aos 6 anos suas vidas apresentavam marcas, dores e sofrimento, mas tinham liberdade; não existia um dono e as normas estavam sustentadas na proteção, no amparo e no afeto. Justamente por serem Ibêjis são capturadas e trazidas ao Brasil como um presente a um importante senhor na Bahia. As irmãs, de mãos dadas, são avaliadas como um produto, colocadas em um espaço com outras pessoas que, como elas, estavam confusas e sabiam parcialmente o que estava acontecendo. Kehinde aguarda e observa atentamente os fatos em um esforço por sobreviver e encontrar respostas.

Borges (2020)Borges, J. (2020). Prisões. Espelhos de nós. Todavia., ao descrever o período colonial brasileiro, coloca que este se deu pela classificação e hierarquizaçãode povos, em que cerca de 5.85 milhões de africanos foram escravizados no Brasil, apenas no século XVII. Esse processo desubjugação de pessoas se sustentava por uma lógica hegemônica e religiosa de uma necessidade de salvar esses povos primitivos e desalmados.

Em seu aspecto religioso, tratava-se de uma ação cristã, e as Bulas Papais de 1455 e 1567 oferecem a necessária justificativa para que os povos fossem considerados apenas coisas, sem alma, podendo ser, portanto, utilizadas como bem quisessem. Os processos de escravização e dominação dos povos originários os colonizadores cumpriram rigorosamente a Lei Papal (Santos, 2015Santos, A. B. (2015). Colonização, quilombos, modos e significações. INCTI/UnB.).

No regime escravocrata, a domesticação se dava pelo trabalho. Ações que visavam destruir os registros identitários e originários desses povos eram exigidas para transformar pessoas livres e com suas próprias cosmovisões. Operava-se uma dominação de corpos, uma destruição de laços e vínculos. As pessoas eram divididas em grupos de origem étnicas distintas, obrigadas a adotar nomes católicos.

Destarte, a organização colonial de escravização dos negros não ficou no passado e se presentificou nas prisões. Como declara Borges (2020, p. 7)Borges, J. (2020). Prisões. Espelhos de nós. Todavia.: “As ferramentas se sofisticaram e a máscara passou a ser a prisão, como espaço de punição direcionada a grupos sociorraciais”. O silêncio passou a se instaurar seja pelos mecanismos que impedem as pessoas de conhecerem as dinâmicas do espaço prisional, seja pela invisibilidade e criminalização vivenciadas e impostas aos familiares. A sociedade trata a prisão como algo apartado do cotidiano.

Pessoas presas em suas comunidades são transportadas em viaturas apertadas, em longos e confusos percursos. A incerteza sobre o destino e a sobrevivência se impõe — tudo pode acontecer. Ao chegar à delegacia, aguardam o momento das audiências de custódia, quando será definida a transferência para o Complexo ou se serão soltos (para responderem em liberdade).

Na unidade de porta de entrada do sistema prisional surgem novas incertezas: o que acontecerá agora? Sem banho, com pouca alimentação, com sede, roupas sujas e rasgadas, adentram o sistema prisional, são subalternizados, estigmatizados — o bandido, o ladrão, o marginal.

A concepção moreniana de homem é de um ser em relação; um homem isolado é uma abstração. O vínculo é o eixo central para entender esse homem e seu universo inter- e intrapsíquico. Moreno apresenta a compreensão do surgimento do Eu, como emergente dos papéis que se desenvolvem na relação desde a matriz de identidade. São as possibilidades de experimentar os papéis que estarão na base da construção psíquica dos indivíduos. O papel pode ser definido como uma unidade da cultura, ego e papel estão em contínua interação. Essas concepções são fundamentais para entender as bases das propostas moreniana para o tratamento dos indivíduos e dos grupos. As intervenções por métodos dramáticos acontecem tendo como base a compreensão da dinâmica e estrutura dos grupos. As intervenções com indicação individual não poderão prescindir de uma compreensão do contexto grupal do indivíduo (Rojas-Bermúdez, 1984Roja-Bermúdez, J. G. (1984). Que es el sicodrama? Teoria y Prática. Editorial Celcius. Buenos Aires/Argentina.; Moreno, 1946/1997Moreno, J. L. (1997). Psicodrama. 12 ed. Cultrix. (Obra original publicada em 1946)).

A reflexão sobre a prisão é fundamental para repensar as metodologias interventivas em unidades prisionais à medida que ampliamos nossa consciência social e crítica, acerca da situação de aprisionamento, particularmente no que concerne a preconceito, discriminação e exclusão impostos às pessoas em situações de privação de liberdade.

A questão emergente desta reflexão é: como propor um espaço experiencial que favoreça às pessoas privadas de liberdade a reconexão com suas crenças, seus sonhos, suas ideologias? Ao relatar a experiência do grupo sociopsicodramático no Centro de Observação Penal (COP) pretende-se lançar um olhar sobre um modelo interventivo que se utiliza de uma metodologia sociátrica.

A prática sociopsicodramática é apresentada utilizando recortes de duas sessões onde é possível observar a dinâmica, os limites impostos pela situação de aprisionamentos e as possibilidades do grupo na busca por minimizá-los. As sessões aconteceram por período de 2 anos, foram suspensas durante a pandemia e ainda não retornaram.

MÉTODOS

Este escrito precisa ser observado metodologicamente a partir de dois referenciais. O primeiro segue algumas concepções cartográficas à medida que trata de trajetórias que se ligam e ramificam em sentidos que, de certa forma, são inesperados e não estão fechados, mas “argumenta, cartografa mesmo em regiões que ainda estão por vir” (Deleuze & Guattari, 2011Deleuze, G. & Guattari, F. (2019) Mil platôs: Capitalismo e esquizofrenia 2. Coleção Trans. Volume 1. 34., p. 19).

A cartografia é o exercício de pesquisar no encontro. Assim, tanto a pesquisadora quanto o pesquisado se afetam e são afetados por esses encontros (Bruhn, 2021Bruhn, M. M. (2021). Cartografia da alegria: Encontros entre palhaçaria e psicodrama. Revista Brasileira de Psicodrama, 29(3), 205–213. https://doi.org/10.15329/2318-0498.22254
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). Nesse sentido, este escrito não nasce como um estudo, mas um encontro com uma realidade que está lá, mas que também é criada pelo olhar da psicodramatista que acompanha o grupo, da psicóloga que atende pessoas na porta de entrada do complexo prisional e da leitora impactada pela ficção e realidade do livro Um Defeito de Cor.

Um ponto de reflexão se liga a outro ponto e deve fazê-lo semelhante ao descrito nos princípios de conexão e heterogeneidade. Como um rizoma, este texto em muitos aspectos apresenta incessantes conexões de cadeias semióticas, organizações de poder, ocorrência que remetem às artes, às ciências e às lutas sociais (Deleuze & Guattari, 2011Deleuze, G. & Guattari, F. (2019) Mil platôs: Capitalismo e esquizofrenia 2. Coleção Trans. Volume 1. 34.).

A realidade criada pelo olhar da psicóloga que descansa e do policial que dialoga com jovens que ainda estão no camburão aguardando a admissão no complexo. Nesse sentido somos todos: atores, criadores, protagonistas e pesquisadores da realidade, ligados em uma rede sociométrica.

O segundo referencial é interventivo. Em sua construção teórica-metodológica, Moreno (1946/1997)Moreno, J. L. (1997). Psicodrama. 12 ed. Cultrix. (Obra original publicada em 1946) rompe com o método tradicional da psicoterapia analítica do tratamento de um indivíduo isolado e propõe o tratamento do indivíduo em grupos e dos métodos verbais para os métodos de ação. Moreno baseia os métodos sociátricos nas afinidades e nos padrões resultantes de suas interações sociais.

Cukier (2020)Cukier, R. (2020). Psicossociodrama da inveja: Atire a primeira pedra se você puder! Revista Brasileira de Psicodrama, 19(1), 13–33. propõe o termo sociopsicodrama como método para tratar algumas temáticas que se apresentam ao mesmo tempo em seus aspectos coletivos e privados, citando a inveja como um tema que não é possível intervir sem considerar a interseção. Falivene Alves (2020)Falivene Alves, L. (2020), Sociopsicodrama: Direção centrada na protagonização. Revista Brasileira de Psicodrama, 28(3), 166–175. https://doi.org/10.15329/2318-0498.20505
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descreve o sociopsicodrama ou psicossociodrama como um dos métodos eficazes de intervenção em grupo, sobretudo por apresentar diversas possibilidades, facilitando a mudança na sociodinâmica do grupo, desenvolvendo a espontaneidade e a criatividade, favorecendo as transformações em sua estrutura relacional, beneficiando individualmente o grupo e seus membros.

Observando a experiência no grupo, identifico que sociopsicodrama é um termo que mais se aproxima para descrever a metodologia utilizada. No grupo, o coletivo e o privado emergem nas sessões, o que pode ter relação com as características da dinâmica e do funcionamento de uma intervenção em um espaço destinados a pessoas em situação de privação de liberdade, mas também se consideramos temas como a pena (sentença), que deve ser entendida em seus aspectos coletivos, mas incide no indivíduo.

A prática sociopsicodramática é apresentada utilizando recortes de duas sessões, em que é possível observar a dinâmica, os limites impostos pela situação de aprisionamentos e as possibilidades do grupo na busca por minimizá-los.

As sessões do grupo tinham duração de duas horas, com frequência semanal, no período de 2018 ao início de 2020. As sessões seguiam as etapas: aquecimento, dramatização e compartilhamento. No aquecimento inespecífico realizamos uma atividade corporal e de respiração. Dos comentários do aquecimento inespecífico surgem um tema ou um protagonista; normalmente o aquecimento específico é verbal, tanto para o protagonista como para o grupo. A etapa da dramatização nem sempre ocorria com a representação de cenas, devido à dinâmica do grupo; apesar de ser um espaço de ação e concretização dos temas emergentes. No compartilhamento, todos compartilhavam percepções, sensações, vivências etc. de forma livre.

O grupo inicial era formado por 11 pessoas que permaneceram no COP por determinação judicial, devido às questões de segurança, vulnerabilidade, saúde etc. Eles realizavam atividades laborativas na unidade. Eram acusados ou sentenciados por crimes como homicídio, estelionato, peculato, formação de quadrilha, corrupção passiva e ativa etc. As pessoas não eram obrigadas a participar, mas normalmente avisavam que não ficariam no grupo no dia.

No grupo inicial, sete pessoas eram negras e pardas e cinco pessoas brancas. No início participava uma pessoa com múltiplas deficiências, resultantes das violências sofridas ao longo da vida — era o mais novo do grupo. A faixa etária do grupo estava entre 22 e 65 anos. Com relação à escolaridade, cerca de 80% tinham ensino médio completo, o que se caracteriza como uma exceção no sistema prisional. Os 20% estavam divididos em superior completo e fundamental. A escolaridade mais baixa estava entre os negros. Eles recebiam visitas regulares das famílias e a maioria era acompanhada em seus processos por advogados.

RESULTADOS

Travessia e transferências: Reflexões sobre a escravidão e a prisão

O rapto dos povos da África é um capítulo trágico da humanidade. Na minha época escolar, aprendia-se sobre escravidão, porém apesar da força das imagens, havia um ideário que naturalizava a crueldade do sistema colonial. Existiam pessoas como escravos, pois assim deveria ser. Parecia que, de alguma forma misteriosa, houvesse uma escolha para se tornar não estava tão explícito o processo pelo qual as pessoas eram submetidas até se tornarem escravas.

Nessa época não se falava de escravizados(as), que caracteriza uma condição, mas escravos, o que de certa forma naturaliza e ameniza a crueldade do sistema escravocrata. A escravidão foi um regime legitimado e natural. O Brasil se constituiu tendo como base esse regime, impactando de forma intensa as relações em nossa sociedade. Portanto temos em nossa matriz a marca da violência, opressão e subjugação.

Pensando em Kehinde, sua vida na África é repleta de descobertas, como o banho de mar com os amigos, seus novos amigos, a chegada em uma nova cidade, novas pessoas e novos lugares. Apesar de todas as dificuldades, a vida seguia seu curso; as relações eram sólidas e os convites revelavam muitas possibilidades dentro de sua cultura e comunidade — havia liberdade.

Após a captura, Kehinde vai se colocando onde é mandada; transferida para o galpão, descreve que as pessoas não olham para ela e sua irmã, como se tudo que estava acontecendo fosse uma situação normal (Gonçalves, 2006Gonçalves, A. M. (2006). Um defeito de cor. Record.). Não sabe o que acontecerá com ela e sua irmã; observa tentando entender seu destino.

No seu relato, mais pessoas chegam todos os dias, de vários locais da África, falando várias línguas, cada um com uma versão sobre o que aconteceria dali em diante. Prossegue então seu relato em meio àquelas condições adversas, a comida escassa, o feijão, inhame e tinas de água passavam de mão em mão, e então percebe como estava com fome (Gonçalves, 2006Gonçalves, A. M. (2006). Um defeito de cor. Record.).

A chegada de novos capturados faz com que ela acredite que eram realmente prisioneiros e que seriam trocados por mercadorias do estrangeiro. Os novos capturados chegam amarrados uns aos outros e são constantemente vigiados por guardas. Os espaços vão se reduzindo, restringindo as possibilidades e a mobilidade.

Na travessia do Atlântico, pessoas eram submetidas às violências, aos odores e às dores. As pessoas morriam e eram atiradas ao mar como objetos inservíveis. A chegada ao Brasil é marcada por incertezas. Ela não sabe o que acontecerá, não fala português, não entende sobre essa terra, mas luta para sobreviver e encontrar uma forma de resistir.

Mattos (2021)Mattos, S. (2021). Um navio negreiro chamado processo penal brasileiro. nos grilhões do reconhecimento de pessoas. Migalhas. Coluna Olhares Interseccionais. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/coluna/olhares-interseccionais/352961/um-navio-negreiro-chamado-processo-penal-brasileiro. Acesso: 20 nov. 2021.
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relata que os negros que atravessaram o Atlântico como prisioneiros de alguma maneira ensinam aos seus que era possível resistir, o que ressalta a importância da transmissão dessa experiência que ensinava a resistir — uma resistência que se inscreve no corpo negro escravizado.

Em 2021, estou sentada na porta da unidade que trabalho e assisto o seguinte diálogo — o policial, após abrir a parte traseira da viatura diz: “não saiam; apenas estiquem as pernas”. A partir desse ordenamento, que poderia ser entendido como o oferecimento de algum conforto, percebe-se que uma das pessoas estava machucada (ferimento de bala) e fala que levou um tiro; outro diz que já “levou” sete tiros. Indignado, o policial profere: “vocês não morrem; um colega tomou um tiro no pé e morreu, meu Deus! Só o que explica isso é Satanás; só Satanás explica vocês”. Na viatura estão jovens negros em uma condição de submissão e desumanização. A conversa com tom de brincadeira pareceria um papo amistoso e o policial falava com certa cordialidade, mas a violência que está sendo perpetrada marca esses jovens.

A prisão está destinada aos errados, filhos de Satanás. Esse significativo diálogo revela de forma didática a ideia de nós, os bons, e vocês, os maus. O outro, que é diferente de mim, merece estar ali, pois está ligado ao mal — é um bandido. Uma relação que torna difícil imaginar uma ordem social que não imponha um processo de enclausurar pessoas. A prisão torna-se natural e é difícil imaginar a vida sem ela (Davis, 2018Davis, A. (2018). Estarão as prisões obsoletas? Difel.).

João (nome fictício), 20 anos, negro, ensino fundamental incompleto, relata sua prisão no atendimento, que passo a descrever da maneira como consegui registrar. João informa que estava sentado na porta da casa, esperando a sobrinha para comprar pão, quando é preso durante uma operação policial em sua comunidade. Durante aquela espera, João entende não ser necessário sair ou entrar na casa. Ao retornarem, passam em frente ao terreno quando policiais estão saindo — estes não efetuaram a prisão que esperavam. João avalia que não deveria correr: “Eu não fiz nada”. João é preso em sua comunidade quando estava indo comprar pão. Era o negro disponível no momento.

João diz: “Me senti como um escravo, as algemas, o ambiente; o jeito como você é tratado; não tomar banho, a comida, a sede”. Ecoa os gritos: “Abaixe a cabeça, não olhe, não pergunte!”; “cale a boca, bandido!”; “ande, bandido”. João afirma: “Eu não sou bandido, eu não sou desse lugar, eu não sou escravo”.

O que João descreve é um processo de dominação violenta legitimada, onde a ida à padaria pode resultar em prisão. Esse fato explicita que a violência se constitui num pilar onde se fundam as relações sociais do Estado nas comunidades mais vulneráveis, fincadas na naturalização da manutenção de uma sociedade historicamente verticalizada (Borges, 2020Borges, J. (2020). Prisões. Espelhos de nós. Todavia.).

A prisão de pessoas em sua comunidade é um ato violento que atualiza os processos de escravização. Um sistema reconhecido e sustentado por concepções inferiorizadas sobre quem são essas pessoas, seguindo uma obsoleta e cruel narrativa da personalidade voltada para o crime.

Nesse sentido é importante observar o caráter de empreendimento colonial do processo penal brasileiro, à medida que em muitos aspectos se apresenta como reconfigurações não apenas da casa grande e da senzala, mas das lavouras, da domesticação e da comercialização do negro (Mattos, 2021Mattos, S. (2021). Um navio negreiro chamado processo penal brasileiro. nos grilhões do reconhecimento de pessoas. Migalhas. Coluna Olhares Interseccionais. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/coluna/olhares-interseccionais/352961/um-navio-negreiro-chamado-processo-penal-brasileiro. Acesso: 20 nov. 2021.
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).

Trata-se da criminalização da pobreza aliada ao racismo, com o adendo da humilhação e do massacre. Impondo às pessoas pobres e negras uma posição de redução e restrição, sendo vetada, de uma forma cruel, a possibilidade de jogar variados papéis nas relações sociais.

Inserida em um sistema de exclusão, reconhecido e aceito como benéfico para a sociedade, e atenta ao alerta de um paciente sobre a impossibilidade de mudanças sem mexer nas estruturas1 1 “Dona Luiza quer mudar o manicômio, sem mexer nas estruturas? Isso é impossível”. Afirmação feita por um interno do Hospital de Custódia e Tratamento, Bahia. , propus então, em 2018, a realização de uma intervenção grupal no COP2 2 Centro de Observação Penal: unidade localizada no Complexo Penal da Bahia que atualmente se destina à atividade de porta de entrada do sistema prisional.

O primeiro impacto é o local onde o grupo acontece, porquanto não havia uma sala destinada às atividades de grupo. Sendo assim, o grupo ocorre no local de morada. O termo morar aqui é a ala, onde as pessoas encarceradas moram juntas: “Eu vivo na ala A”. E o grupo acontece na ala A, em uma área comum, entre as celas — o espaço destinado à alimentação. Eu levava minha cadeira e os participantes se sentavam em bancos improvisados com baldes e bandejas.

O grupo sociopsicodramático: Um espaço de resgate e reconexão

A proposta do grupo nasce após a solicitação do chefe de segurança da unidade para a realização de um atendimento individual aos internos, devido à ocorrência de um suicídio na ala. Inicialmente, foi determinada pela segurança a realização de um único encontro em grupo para cuidar dos impactos do suicídio, porém ressaltei a necessidade de outros encontros.

O grupo teve início em fevereiro de 2018. O primeiro encontro se caracterizou apenas pelo breve relato sobre o impacto do suicídio do companheiro. Nesse primeiro encontro estive acompanhada pela chefia de segurança, que ficou na porta e definiu que 30 minutos eram o máximo de tempo. Permaneci por 50 minutos e fiz a proposta de continuidade, que foi acolhida pelo grupo e autorizada pela chefia de segurança. Após o terceiro mês, diante da dificuldade de pessoal de segurança, o grupo solicitou e garantiu à chefia que eu poderia permanecer nas sessões sem um policial penal dentro da ala. Uma mudança muito importante para que a intervenção se caracterizasse como um espaço de liberdade dentro da prisão.

Nos momentos de aquecimento físico percebi corpos rígidos, musculatura encurtada, corpos traumatizados. Todos do grupo respiravam com muita dificuldade. A minha impressão era que pareciam assustados. Inicialmente não sabia se isso estava relacionado à minha presença ou à situação de prisão; entretanto, com o passar do tempo, observei que minha presença naquele local se tornou comum, mas o clima de medo permaneceu.

A fala, por vezes, emergia como um livre diálogo. Aqui a fala confere ao indivíduo ou ao grupo a posição de sujeitos de seu processo, à medida que falam por si e não são falados por outros. Por isso é tão importante romper os silêncios, é tão necessário falar sobre prisões, porque precisamos sair do conforto da recusa. Precisamos interromper a ideia de que as prisões não são sobre nós (Borges, 2020Borges, J. (2020). Prisões. Espelhos de nós. Todavia.).

Apresento a seguir dois recortes de sessões que considero serem reveladores sobre o funcionamento do grupo.

Recorte 1: Esperança, dor e força

A sessão tem início com um aquecimento corporal. Em seguida, já sentados, surge o tema da esperança, com os seguintes relatos: “Vivemos da esperança, a esperança de ir embora e ficar livre”, conclui um dos membros. Solicito uma imagem3 3 Utilizo a técnica de construção de imagens com pessoas, em uma sequência de imagens, na medida em que vão surgindo as emoções, formando de certa maneira uma construção compreensiva sobre as emoções. A técnica de construção de imagens se aplica bem, nesse contexto, sobretudo por favorecer a concretização de um grupo que revela dificuldades com relação à dramatização. A construção de imagens psicodramáticas favorece a elaboração. da esperança e um dos participantes coloca cinco membros em fila indiana, sendo um posicionado em frente à fila. Todos percebem a imagem perfeita e falam sobre um caminho que segue até um ponto que está distante, mas está ali. Os comentários seguem sobre a esperança e a perda dela, como aconteceu com o companheiro que se suicidou. Um dos membros fala que a esperança é um caminho, mas tem dor. Na concretização em uma imagem surge a dor e, diante dela, a fragilidade. A dor é agressiva e forte, mas um membro, ao se colocar no lugar da imagem, diz: “você vai sair dessa”. Na imagem, entre a agressividade e a fragilidade, surge a força. Ao olhar a imagem da agressividade, um dos membros do grupo diz: “parece o cara que enfrenta tudo”. Todos passam a compartilhar a forma agressiva de enfrentar os problemas da vida e não poder ser frágil. Enfrentar tudo levou à prisão? Os compartilhamentos giram em torno dos enfrentamentos e a forma agressiva. Durante toda a sessão, o grupo permanece muito atento às elaborações e às dualidades que vão surgindo. A sessão foi encerrada com um suspiro. Estávamos cansados.

Recorte 2: Aqui tudo se transforma

O grupo está tranquilo. Proponho um aquecimento com exercícios de respiração e corporais. Ao final, todos buscam os bancos e começam a falar que ainda não temos cadeiras decentes, e um dos participantes, que já cumpre sentença há sete anos, começa a dizer que houve uma época em que havia dinheiro e eles faziam artesanato para vender. Nesse momento se discute a possibilidade de implantação do projeto para que a leitura possa ser contabilizada para fins de remissão de pena. Discutimos um pouco sobre como fazer essa proposta e um dos membros ficou responsável de pensar sobre uma proposta para encaminhar à Secretaria de Administração Penitenciária (SEAP).

O grupo fala como é viver ali. Eu estava curiosa sobre um saco plástico com água pendurado por uma corda no meio da sala e decido perguntar o que era aquilo. Todos dão muitas risadas e dizem que é para espantar as moscas. O grupo didaticamente começa a explicar todos os arranjos que precisam fazer: “aqui precisamos inventar: tampa de pasta de dentes vira prego e bucha para prender uma corda”. O grupo, através do meu desconhecimento e olhar, revela a inventividade. O tema é a criatividade e o grupo estabelece a relação com suas atividades profissionais antes da prisão.

Os recortes também revelam que não trabalho em unidade funcional, mas busco manter os instrumentos, as etapas e os contextos durante a sessão. O vínculo estabelecido entre mim e o grupo é o que vai determinando os caminhos do trabalho, diferindo de um modelo educativo ou informativo para as pessoas privadas de liberdade. Como psicodramatista, vou acompanhando as demandas do grupo e o espaço vai ficando cada vez mais livre, mesmo dentro da prisão. Ressalvo que havia algum privilégio com relação ao trabalho com um pequeno grupo em uma unidade pequena.

O grupo foi suspenso devido à pandemia e ainda não retomamos. Podemos pensar, a partir desses fragmentos, na dinâmica particular que segue uma lógica de um grupo institucional, mas em alguma medida proporciona algumas referências positivas sobre o grupo e em relação a cada membro.

DISCUSSÃO

O atendimento na porta de entrada de uma unidade prisional impõe a necessidade de atenção ao que se escuta. Manter um estado especial de atenção para estabelecer um contato com o que há de mais significativo, de mais singular em cada história pessoal, sobretudo se pensarmos que na prisão as pessoas vivem experiências que impactam na percepção de si mesmos.

O mundo padronizado da instituição perturba a sequência de papéis e ocorre um despojamento dos papéis sociais. Podemos pensar que, em sistemas baseados em processos de “rebaixamentos, degradações, humilhações e profanações do eu”, (Goffman, 1999Goffman, E. (1999). Manicômios, prisões e conventos. 6 ed. Perspectiva., p. 24), o papel requerido irá sobrepor todos os outros.

A imposição, pela captura e prisão, de um afastamento forçado de sua comunidade irá determinar todas as possibilidades relacionais deles, e o retorno para a comunidade será determinado pelas experiências vividas durante o aprisionamento.

Ao iniciar a leitura do livro Um Defeito de Cor, me transportei para a condição e a transferência dos presos em Salvador em 2021. Ao refletir sobre a intervenção no grupo, percebo a importância de repensar o aprisionamento e o sentido da prisão em nossa sociedade.

Interessante destacar que, durante todas as sessões, não surge de forma explícita a temática que estabeleça qualquer relação entre o aprisionamento e a escravização, mesmo em um grupo onde a proposta do tema e o protagonista surgirem após o aquecimento. Seria esse um tabu? Qual o impacto sobre o sistema se essa relação é percebida de uma maneira profunda? São questões para muitos estudos e análises.

Muitas falas referem à forma de tratamento (“somos tratados como bicho”) ou um esforço por salvaguardar sua humanidade (“eu sou um ser humano”). Outras falas surgem, por exemplo, com relação a alimentação, produtos de higiene e condições estruturais. No recorte 2, as pessoas estão falando sobre as condições desumanizantes da prisão quando explicam as estratégias para evitar mosca e substituir o prego e a bucha.

A experiência como trabalhadora do sistema prisional por 24 anos revela a necessidade de olhar criticamente para os processos de desumanização, mas o trabalho no grupo permitiu um tipo de encontro com as pessoas privadas de liberdade que revelou seus esforços em salvaguardar as vivências de pertencimento para manterem um caminho de retorno, apesar de todas as marcas das experiências do aprisionamento.

Aqui refiro-me à ideia de encontro apresentada por Moreno (1946/1997) como um momento que não se trata de um encontro profissional, mas de pessoas que vivem e experimentam-se mutualmente. Dessa forma, podemos pensar que uma intervenção sociátrica no sistema prisional deve pretender o encontro, em um espaço de cocriação, coação e coexperiência.

Nesse sentido, a intervenção sociopsicodramática alcança os objetivos colocados por Neves (2008)Neves, S. M. (2008). Os papéis sociais e a cidadania. In A. V. Zanella, M. J. T. Siqueira, L. A. Lhullier & S. I. Molonorg (Eds.), Psicologia e práticas sociais (pp. 28–48). Centro Edelstein de Pesquisas Sociais., à medida que favorece a livre expressão, a compreensão da relação de indivíduo e grupo, oferecendo experiências que conferem iniciativa e mudança nas esferas privadas e públicas, sobretudo na situação de aprisionamento.

Foi possível identificar que a experiência do grupo possibilita um resgate da história, inclusive com relação ao delito, como o descrito no recorte 1. A sessão permitiu uma elaboração para além do crime ou da sentença e um contato da pessoa com muitas possibilidades, inclusive de se perdoar.

Cardoso e Campos (2016)Cardoso, L. F. V. & Campos, M. G. C. (2016) O sociodrama como metodologia de intervenção com condenados. Revista Brasileira de Psicodrama, 24(2), 69–79. https://doi.org/10.15329/2318-0498.20160021
https://doi.org/10.15329/2318-0498.20160...
observam que os sociodramas possibilitaram aos participantes resgatarem papéis esquecidos ou criarem, ampliando os aspectos relacionados ao papel de criminoso. Observam que no sociodrama, realizado com pessoas condenadas, o passado é visto na história de cada um como forma de aprendizado.

No grupo, reencontro Kehinde no protagonismo e na criatividade dos participantes. A sessão em que apresentam as adaptações feitas para viver na prisão revelam a ligação com a capacidade criativa e espontânea de pessoas em situações extremas.

A intervenção grupal utilizando métodos sociátricos parece favorecer um sentimento de pertencimento ao grupo de pessoas humanas e não de presos/bandidos. Dessa forma, mesmo estando em situação de prisão, olhar para dentro conduz a um olhar para fora na medida em que ampliamos a consciência acerca da situação de aprisionamento, particularmente concernente ao preconceito, à discriminação e exclusão.

O grupo revela muito claramente que espaços dialógicos e vivenciais dentro do sistema prisional podem favorecer a manutenção de relações em um nível menos hierárquico; portanto oferece às pessoas uma possibilidade de reflexão a partir de sua experiência vivida fora e dentro da prisão.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No livro Hibisco Roxo, a personagem Mana apresenta em uma conversa uma profunda reflexão sobre a criminalização de jovens, alertando que as famílias não têm dinheiro para dar aos seus filhos, sequer para comprar carne ou pão. Nessas circunstâncias de carência, como ser tomado por surpresa se o filho rouba. Conclui: “é preciso curar o câncer, ou as feridas vão continuar aparecendo” (Adichie, 2011Adichie, C. N. (2011). Hibisco roxo. Companhia das Letras., p. 257).

Em um contexto social desigual, em um país marcado por anos de colonização e escravização que repercute na prisão e nas pessoas que ali estão, proponho uma intervenção sociopsicodramática no Centro de Observação Penal. Dessa forma, respondo a minha pergunta sobre as possibilidades de intervenções no sistema prisional que favoreça às pessoas privadas de liberdade a reconexão com suas crenças, seus sonhos, suas ideologias.

A intervenção apresentada neste escrito me ofereceu um campo iluminado, sobre como os métodos propostos na Socionomia podem contribuir significativa no cuidado de pessoas em situação de privação de liberdade. Destaco aqui a possibilidade de um espaço de coconstrução que favorece o resgate de sentimentos de pertencimento.

A intervenção sociopsicodramática indica a necessária importância de intervenções dentro do sistema prisional ao mesmo tempo que revela que a socionomia poderá ajudar a repensar estratégias de desconstrução de um lugar onde pessoas, em sua maioria negras e periféricas, são colocadas, e com poucas estratégias para escapar da imposição de ser reduzido a um único papel —o de bandido.

  • 1
    “Dona Luiza quer mudar o manicômio, sem mexer nas estruturas? Isso é impossível”. Afirmação feita por um interno do Hospital de Custódia e Tratamento, Bahia.
  • 2
    Centro de Observação Penal: unidade localizada no Complexo Penal da Bahia que atualmente se destina à atividade de porta de entrada do sistema prisional.
  • 3
    Utilizo a técnica de construção de imagens com pessoas, em uma sequência de imagens, na medida em que vão surgindo as emoções, formando de certa maneira uma construção compreensiva sobre as emoções. A técnica de construção de imagens se aplica bem, nesse contexto, sobretudo por favorecer a concretização de um grupo que revela dificuldades com relação à dramatização. A construção de imagens psicodramáticas favorece a elaboração.

AGRADECIMENTOS

Não aplicável.

  • DISPONIBILIDADE DE DADOS DE PESQUISA

    Não aplicável.
  • FINANCIAMENTO

    Não aplicável.

REFERÊNCIAS

  • Adichie, C. N. (2011). Hibisco roxo Companhia das Letras.
  • Borges, J. (2020). Prisões. Espelhos de nós Todavia.
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  • Cardoso, L. F. V. & Campos, M. G. C. (2016) O sociodrama como metodologia de intervenção com condenados. Revista Brasileira de Psicodrama, 24(2), 69–79. https://doi.org/10.15329/2318-0498.20160021
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  • Cukier, R. (2020). Psicossociodrama da inveja: Atire a primeira pedra se você puder! Revista Brasileira de Psicodrama, 19(1), 13–33.
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Editado por

Editora de Seção: Amanda Castro

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    19 Mar 2022
  • Aceito
    05 Set 2022
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