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A ADOLESCÊNCIA E A ESPETACULARIZAÇÃO DA VIDA

LA ADOLESCENCIA Y LA ESPECTACULARIZACIÓN DE LA VIDA

THE ADOLESCENCE AND THE SPECTACULARIZATION OF LIFE

RESUMO

No presente trabalho teórico, os autores problematizam a produção do sujeito adolescente na contemporaneidade. Em particular, ao tomarem como eixo norteador o impacto dos meios de comunicação de massa sobre os sujeitos, buscam elaborar possíveis caminhos interpretativos para os efeitos de sua discursividade sobre os estilos de vida adolescentes. Na discussão teórica efetuada, destacam-se as contribuições do pensamento crítico de Guy Debord, assim como a leitura psicanalítica e sociocultural de Jurandir Freire Costa, a partir das quais o conceito de sociedade do espetáculo ganha relevo ao longo das argumentações tecidas. Como conclusão, os autores apontam para uma possível efetividade dessa conceituação para a compreensão dos estilos de vida adolescentes e dos processos de construção de si de tais sujeitos. Desse modo, a presente análise configura-se como uma interpretação, eminentemente, do pensamento crítico para o debate acerca das repercussões midiáticas para a adolescência na atualidade.

Palavras-chave:
adolescência; sociedade do espetáculo; cultura; mídia

RESUMEN

En este trabajo teórico, los autores cuestionan la producción de sujetos adolescentes hoy en día. En particular, al tomar como eje el impacto de los medios de comunicación sobre los sujetos, tratan de elaborar posibles caminos interpretativos para los efectos de su discursividad sobre los estilos de vida de los adolescentes. En la discusión teórica efectuada, destacan las contribuciones del pensamiento crítico de Guy Debord, así como la lectura psicoanalítica y sociocultural de Jurandir Freire Costa, a partir del cual el concepto de sociedad del espectáculo gana importancia en los argumentos tejidos. En conclusión, los autores apuntan a una posible efectividad de esta conceptualización para la comprensión de los estilos de vida adolescentes y del procesos de construcción de si mismo de tales sujetos. Por lo tanto, este análisis se configura como una interpretación eminentemente del pensamiento crítico al debate acerca de las repercusiones de los medios de comunicación de masas para la adolescencia hoy.

Palabras clave:
adolescencia; sociedad del espectáculo; cultura; medios de comunicación

ABSTRACT

In this theoretical work the authors problematize the production of today's adolescent subjects. Taking the impact of media on people as a guideline, they elaborate possible interpretations on the effects of such discourse in adolescent lifestyles. In this discussion they emphasize the contributions of critical thinking of Guy Debord, as well as the socio-cultural and psychoanalytic analysis of Jurandir Freire Costa, from which the concept of spectacle society gains relevance over the arguments presented. In conclusion the authors point to a possible effectiveness of this conceptualization for understanding adolescent lifestyles and their processes of self construction. Therefore the present analysis configures itself as a critical interpretation of media influence on adolescents today.

Keywords:
adolescence; spectacle society; culture; media

Algumas considerações iniciais

Nas últimas duas décadas, no Brasil, há o incremento de determinados conteúdos televisivos, em seus horários considerados nobres1 1 No Brasil, os horários de televisão aberta considerados nobres correspondem àqueles que abarcam o período entre 19hs e 23hs, nos quais vão ao ar as telenovelas de grandes redes de televisão nacionais. . Em programas de auditório ou telenovelas, bem como em propagandas publicitárias veiculadas nos interstícios daqueles últimos, é patente a ênfase discursiva na busca do prazer sensorial e no entretenimento como estilo de vida (Freire-Costa, 2005Freire-Costa, J. (2005). O vestígio e a aura: corpo e consumismo na moral do espetáculo. Rio de Janeiro: Garamond.; Ortega, 2006Ortega, F. (2006). Das utopias sociais às utopias corporais: identidades somáticas e marcas corporais. In M. I. M. Almeida & F. Eugenio (Orgs.), Culturas Jovens: novos mapas do afeto (pp. 42-58). Rio de Janeiro: Zahar.).

Campanhas publicitárias interpelam os consumidores convencendo-os da necessidade de determinados produtos para seu bem-estar e felicidade. Propagandas de cervejas, refrigerantes, fármacos, cosméticos, vestuários e aparelhos destinados ao aperfeiçoamento da forma física, alimentos, locais de lazer, pacotes turísticos, automóveis, televisores, computadores, etc., remetem ao entretenimento ou ao prazer sensório. Esses produtos são apresentados ao telespectador como indispensáveis, aguardando a concretização de seu desejo de compra.

Conforme análise de Bauman (2007Bauman, Z. (2007). Vida Líquida.. Rio de Janeiro: Jorge Zahar ), o desejo é o principal elemento de manipulação para o qual a indústria e a publicidade devem destinar seus melhores esforços, pois dele depende a reprodução dos modos de vida de uma sociedade onde os objetos, e não as pessoas, são os elementos centrais do tecido social.

Bauman (2008Bauman, Z. (2008). Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadoria. Rio de Janeiro: Jorge Zahar , p. 41), em outro momento, afirma que:

Pode-se dizer que o "consumismo" é um tipo de arranjo social resultante da reciclagem de vontades, desejos e anseios humanos rotineiros, permanentes ... transformando-os na principal força propulsora e operativa da sociedade, uma força que coordena a reprodução sistêmica, a integração e a estratificação sociais, além da formação de indivíduos humanos, desempenhando ao mesmo tempo um papel importante nos processos de auto-identificação individual e de grupo, assim como na seleção e execução de políticas de vida individuais.

Nossa capacidade de querer e desejar algo, como se percebe, a fim de que o lucro empresarial se torne permanente, deve ser canalizada exclusivamente para situações sociais que envolvam a circulação do capital. Nessa direção, a tarefa da publicidade televisiva se torna a chave para tal processo, de maneira que seu fracasso poderia significar também a derrocada de todo o sistema industrial de um país.

No Brasil, em particular, é elucidativo desse procedimento a forma contundente com que propagandas de diversas marcas de cervejas e refrigerantes se impõem no cenário televisivo, de modo que elas antecedem, sucedem e são apresentadas nos intervalos das telenovelas, dos noticiários, dos jogos esportivos, dos filmes, dos programas de auditório e eventos musicais. Trata-se, por conseguinte, do processo de fixar a onipresença dessas marcas na vida subjetiva dos sujeitos.

Para tanto, a tarefa de transformar o objeto de mercado em algo desejável requer um trabalho minucioso de elaboração da discursividade que acompanhará a sequência de imagens construídas para a propaganda televisiva. Afinal, como elas conseguiriam despertar um desejo tão contundente no público, de forma a produzir comportamentos de compra que, em sua maior parte, somente ocorrerão horas ou dias depois de sua audiência?

Nesta perspectiva, Bauman (2008Bauman, Z. (2008). Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadoria. Rio de Janeiro: Jorge Zahar , p. 70) argumenta que:

A "sociedade de consumidores" é um tipo de sociedade que ... "interpela" seus membros (ou seja, dirige-se a eles, os saúda, apela a eles, questiona-os, mas também os interrompe e "irrompe sobre" eles) basicamente na condição de consumidores [grifos do autor]. Ao fazê-lo, a "sociedade" (ou quaisquer agências humanas dotadas de instrumentos de coerção e meios de persuasão ocultos por trás desse conceito ou imagem) espera ser ouvida, entendida e obedecida. Ela avalia - recompensa e penaliza - seus membros segundo a prontidão e adequação da resposta deles à interpelação. Como resultado, os lugares obtidos ou alocados no eixo da excelência/ inépcia do desempenho consumista se transformam no principal fator de estratificação e no maior critério de inclusão e exclusão, bem como orientam a distribuição do apreço e do estigma sociais, e também de fatias da atenção do público.

Ao concluir sua análise, o autor enfatiza:

A "sociedade de consumidores" ... representa o tipo de sociedade que promove, encoraja ou reforça a escolha de um estilo de vida e uma estratégia existencial consumistas, e rejeita todas as opções culturais alternativas. Uma sociedade em que se adaptar aos preceitos da cultura de consumo e segui-los estritamente é, para todos os fins e propósitos práticos, a única escolha aprovada de maneira incondicional. (Bauman, 2008Bauman, Z. (2008). Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadoria. Rio de Janeiro: Jorge Zahar , p. 70)

A partir destas reflexões, verifica-se que os anúncios publicitários televisivos, com vistas a sua eficácia, trabalham efetivamente, porém, de modo implícito, com as categorias de sucesso e fracasso social, assim como com as categorias de felicidade e infelicidade. Desse modo, o anúncio publicitário não somente apresenta a mercadoria enquanto tal (propriedades, preço, utilidades), mas igualmente a associa a elementos puramente subjetivos (apreço social, provimento de bem-estar familiar, sucesso profissional, afirmação de identidades de gênero, filiação a estilos de vida e/ou ideologias).

Nesse sentido, segundo Freire-Costa (2005Freire-Costa, J. (2005). O vestígio e a aura: corpo e consumismo na moral do espetáculo. Rio de Janeiro: Garamond.), se não somos arrastados ou obrigados arbitrariamente à posse dos objetos de mercado, então significa que acreditamos nos ideais de felicidade que eles prometem. Compramos e substituímos as mercadorias que temos por outras porque, de fato, introjetamos a crença de que elas nos trarão o bem-estar (afetivo, sexual, alimentar, social) que almejamos. Somando-se a isso, Freire-Costa (2005)Freire-Costa, J. (2005). O vestígio e a aura: corpo e consumismo na moral do espetáculo. Rio de Janeiro: Garamond. aponta para um ator social que pode estar a atuar como um elo entre as narrativas publicitárias e os programas das grandes redes de televisão brasileiras: a celebridade.

As celebridades são, por excelência, as autoridades do mundo contemporâneo. Ao contrário das antigas autoridades modernas, as quais reuniam em si reverência social, apreço moral e participação na vida pública com vistas ao bem comum, as celebridades se fazem importantes socialmente simplesmente pelos atributos da visibilidade e da capacidade de entreter. Nessa direção, como destaca o autor em pauta, são as autoridades do provisório e do efêmero, para logo em seguida darem lugar a outras, igualmente fugazes (Freire-Costa, 2005Freire-Costa, J. (2005). O vestígio e a aura: corpo e consumismo na moral do espetáculo. Rio de Janeiro: Garamond.).

A figura da celebridade se apresenta como um sintoma do laço social da contemporaneidade. Sinaliza, dramaticamente, para a importância que os meios de comunicação de massa passaram a ocupar, nas últimas décadas, na produção de subjetividades. Nesse aspecto, aponta para uma re-hierarquização das escalas valorativas do sujeito ocidental (Ortega, 2006Ortega, F. (2006). Das utopias sociais às utopias corporais: identidades somáticas e marcas corporais. In M. I. M. Almeida & F. Eugenio (Orgs.), Culturas Jovens: novos mapas do afeto (pp. 42-58). Rio de Janeiro: Zahar.), e para, em decorrência disso, uma redefinição de nossos ideais éticos (Freire-Costa, 2005Freire-Costa, J. (2005). O vestígio e a aura: corpo e consumismo na moral do espetáculo. Rio de Janeiro: Garamond.).

O plano ético, de acordo com La Taille (2012La Taille, Y. (2012). Indisciplina/Disciplina: ética, moral e ação do professor. Porto Alegre: Mediação.), corresponde aos motivos pelos quais devemos viver, refere-se às justificativas de nossas aspirações sociais. Com a difusão em larga escala da televisão como eletrodoméstico, pode-se afirmar que esse território sofreu de forma contundente o impacto de narrativas midiáticas construídas por grupos de interesses privados, ora com vistas ao lucro econômico, ora com o intuito de legitimar visões de mundo particulares. Instituiu-se, assim, em meados dos anos sessenta no Brasil, um cenário social em que a televisão aberta passou a ocupar, progressivamente, o lugar de centralidade na elaboração e difusão dos estilos de vida adolescentes eleitos como prioritários, em detrimento de outros, em desacordo com os interesses de grandes indústrias e dos canais de televisão. Instaurava-se, pois, uma cultura do espetáculo.

Sociedade do espetáculo e produção do sujeito

Conforme Freire-Costa (2005Freire-Costa, J. (2005). O vestígio e a aura: corpo e consumismo na moral do espetáculo. Rio de Janeiro: Garamond., p. 229):

o espetáculo faz da aparência inerência [grifos do autor]. A realidade diluída em imagens leva o sujeito a perder a confiança em seu discernimento e a crer, prima facie [grifos do autor], no que dizem os jornais, revistas, filmes e programas de rádio ou de televisão. O mundo filtrado pela mídia deixa de ser um fato incontestável, visto e produzido por todos, para se tornar uma ficção volátil que existe enquanto é exibida e deixa de existir quando sai do noticiário. O verdadeiro não é mais "aquilo que é", mas o que os proprietários dos meios de comunicação de massa decidem que deve ser visto.

Na mesma direção dos apontamentos acima, ao analisar o papel e o poder da mídia, Chauí (2006Chauí, M. (2006). Simulacro e poder: uma análise da mídia. Rio de Janeiro: Editora Fundação Perseu Abramo., p. 8) assinala que:

os mass media [grifos do autor] tornaram irrelevantes as categorias da verdade e da falsidade substituindo-as pelas noções de credibilidade ou plausibilidade e confiabilidade - para que algo seja aceito como real, basta que apareça como crível ou plausível, ou como oferecido por alguém confiável. Os fatos cederam lugar a declarações de "personalidades autorizadas", que não transmitem informações, mas preferências, as quais se convertem imediatamente em propaganda.

Como evidenciam tais considerações, com o advento dos meios de comunicação de massa, passamos a estar imersos em uma teia discursiva de difícil apreensão, no que tange a critérios de verdade. Ficamos sujeitos a um fluxo contínuo de imagens e sons a se impor sem réplica (Debord, 1997Debord, G. (1997). A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contracapa.), ou seja, a uma discursividade que legitima a si mesma de forma constante e ininterrupta.

Lançado originalmente no ano de 1967, A sociedade do espetáculo, de autoria do filósofo francês Guy Debord, apresenta uma análise profunda da estrutura social organizada em torno das mercadorias e da produção e reprodução incessante de dispositivos que legitimam uma ideologia a qual aliena os sujeitos de suas reais condições de vida, substituídas por representações midiáticas abstratas de homens e mulheres.

Na presente obra, por conseguinte, destacam-se os argumentos do autor em torno dos subterfúgios e das variadas formas com que o capitalismo busca exercer seu domínio ditatorial e extraterritorial enquanto espetáculo. Conforme explicitado, Freire-Costa (2005Freire-Costa, J. (2005). O vestígio e a aura: corpo e consumismo na moral do espetáculo. Rio de Janeiro: Garamond.) e Chauí (2006Chauí, M. (2006). Simulacro e poder: uma análise da mídia. Rio de Janeiro: Editora Fundação Perseu Abramo.) destacam que, em uma sociedade envolta por uma discursividade midiática indissociável dos interesses de grupos privados, difícil se torna a apreensão do verdadeiro e do falso. Diante disso, o papel e as repercussões subjetivas das narrativas elaboradas por jornalistas, apresentadores e artistas, dentre outros, mostram-se elementos relevantes para a interpretação desse cenário social saturado de imagens.

Nas palavras de Debord (1997Debord, G. (1997). A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contracapa., pp. 20-21):

O espetáculo é o discurso ininterrupto que a ordem atual faz a respeito de si mesma, seu monólogo laudatório. É o auto-retrato do poder na época de sua gestão totalitária das condições de existência. A aparência fetichista de pura objetividade nas relações espetaculares esconde o seu caráter de relação entre homens e entre classes: parece que uma segunda natureza domina, com leis fatais, o meio em que vivemos. Mas o espetáculo não é o produto necessário do desenvolvimento técnico, visto como desenvolvimento natural [grifos do autor]. Ao contrário, a sociedade do espetáculo é a forma que escolhe seu próprio conteúdo técnico. Se o espetáculo, tomado sob o aspecto restrito dos "meios de comunicação de massa", que são sua manifestação superficial mais esmagadora, dá a impressão de invadir a sociedade como simples instrumentação, tal instrumentação nada tem de neutra: ela convém ao automovimento total da sociedade. Se as necessidades sociais da época na qual se desenvolvem tais técnicas só podem encontrar satisfação com sua mediação, se a administração dessa sociedade e qualquer contato entre os homens só se podem exercer por intermédio dessa força de comunicação instantânea, é porque essa "comunicação" é essencialmente unilateral. [grifos do autor]

O espetáculo, dessa forma, tal como cunhado pelo autor francês, opera nos sujeitos como um poderoso meio de afirmação de realidades específicas. Tais realidades, tecidas a partir dos discursos televisivos, radiofônicos, impressos ou virtuais, os quais possuem como eixo comum uma determinada escala de valores, apresentam-se para os adolescentes contemporâneos, recém-saídos do mundo da infância, como representações oficiais do que é e de como ocorre a vida social. Como enfatiza Debord (1997Debord, G. (1997). A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contracapa., p. 14), "o espetáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediada por imagens".

Ser adolescente na sociedade do espetáculo, na esteira desses argumentos, significa vivenciar um processo de construção de si já não intermediado, principalmente, por relações concretas entre pares, mas por representações midiáticas elaboradas por publicitários ou roteiristas de filmes e telenovelas. Para estes, por sua vez, na medida em que se encontram sujeitos aos imperativos de editores-chefes e diretores de comunicação e jornalismo, o que se faz importante é o sucesso imediato de suas criações fictícias, mesmo que para isso tenham de apresentar ao público modelos de construção de si de difícil alcance, como é o caso dos estilos de vida dos ricos e famosos, através dos automóveis, das roupas, dos lugares que frequentam e dos corpos que possuem (Freire-Costa, 2005Freire-Costa, J. (2005). O vestígio e a aura: corpo e consumismo na moral do espetáculo. Rio de Janeiro: Garamond.).

Desse modo, de forma ininterrupta e onipresente são repetidos diariamente através de múltiplos dispositivos valores hegemônicos, ou seja, quais são os critérios de sociabilidade escolhidos como fundamento moral e ético para a vida cotidiana de milhares de pessoas - mesmo que isso represente tão somente os interesses particulares de grandes canais de televisão e seus parceiros.

De posse dessas considerações, por conseguinte, pode-se indagar: se nos encontramos diante de uma adolescência organizada em torno do espetáculo, majoritariamente, poder-se-ia falar ainda em uma cultura adolescente propriamente dita?

A espetacularização da adolescência

Segundo Aberastury e Knobel (1981Aberastury, A. & Knobel, M. (1981). Adolescência normal (S. M. G. Ballve, Trad.). Porto Alegre: Artes Médicas.), a adolescência se caracteriza por um período marcado por perdas. A criança que se torna púbere tem de efetuar o luto do corpo infantil, o qual agora dá lugar a um corpo sexualizado, que necessita elaborar a perda de sua identidade infantil e dos pais da infância. Trata-se, assim, de uma fase de acontecimentos psíquicos marcada por sofrimentos inevitáveis, somados ao fato de saber, como afirma Jerusalinsky (2004Jerusalinsky, A. (2004). Adolescência e contemporaneidade. In A. Mello, A. L. S. Castro, & M. Geiger (Orgs.), Conversando sobre adolescência e contemporaneidade (pp. 54-65). Conselho Regional de Psicologia, 7a Região. Porto Alegre: Libretos.), que se está caminhando inexoravelmente na direção da fase adulta. Para esse autor, ainda, ao lado dos lutos e de turbulências hormonais, o adolescente se faz caracterizado pela indecisão - de um lado já não é mais criança, de outro, ainda não é um adulto e, ao mesmo tempo, não consegue e nem sabe como fará para definir sua identidade perante os demais.

Birman (2006Birman, J. (2006). Tatuando o desamparo - a juventude na atualidade. In M. R. Cardoso (Org.), Adolescentes (pp. 25-43). São Paulo: Editora Escuta.) ressalta que a adolescência contemporânea tem sido marcada decisivamente pela presença da solidão afetiva. Entregues uns à companhia de cuidadores pagos, ao lado de videogames e computadores de última geração, enquanto outros ficam junto à televisão, por longas horas, completamente sozinhos em seus lares, não são poucos os adolescentes privados de investimento afetivo e também da própria experiência de construção da alteridade. Nesse contexto, não são mais os pais ou outros cuidadores familiares aqueles a se tornarem os modelos identificatórios de seus filhos, ou melhor, os sujeitos que servirão de eixo valorativo para a construção de seus estilos de vida. Em contrapartida, são agora os astros impessoais das telenovelas e dos filmes, ao lado dos ícones das modas musicais do momento e de esportistas famosos, aqueles a monopolizar as atenções do público adolescente.

Acerca desses atores sociais, diz Freire-Costa (2005Freire-Costa, J. (2005). O vestígio e a aura: corpo e consumismo na moral do espetáculo. Rio de Janeiro: Garamond., p. 169):

A celebridade é a "autoridade" do provisório. Seus representantes sociais são os que sabem aliar moda e tecnologia a serviço da moral do entretenimento [grifos do autor]. Afinada com esta moral, a celebridade é programada para idolatrar o momentâneo e desaparecer com ele. Sua posição simbólica na cultura é a de um nome em torno do qual orbita uma legião de seguidores, imitadores, aduladores, detratores e comentadores que jamais se cansam de louvá-lo ou denegri-lo, até que outro nome arraste consigo todo o séquito, fazendo com que o primeiro seja completamente esquecido. [grifos do autor]

Para o autor em pauta, na trilha de seus argumentos, moral do entretenimento significa apresentar os mais variados aspectos da vida social como atividades lúdicas ou com vistas à diversão. Trata-se do direcionamento das formas de sentir, agir e pensar dos sujeitos para um estilo de vida no qual a seriedade não se faz mais um atributo legítimo. O engraçado e o patético se tornam, nesse sentido, as virtudes por excelência.

Nessa perspectiva, novamente, se fazem importantes os argumentos de Freire-Costa (2005Freire-Costa, J. (2005). O vestígio e a aura: corpo e consumismo na moral do espetáculo. Rio de Janeiro: Garamond., p. 171):

A vida certamente comporta entretenimento. Mas apresentar o cotidiano profissional como um palco imerso em fumaça de gelo seco e com trilha sonora encomendada para a ocasião é querer fazer de toda vida entretenimento. Mais que isso, se compararmos o que as celebridades dizem sobre suas trajetórias biográficas à média das vidas brasileiras, a conclusão é inevitável: os valores da maioria se tornam um amontoado de coisas sem eira nem beira. Diante do feérico mundo do espetáculo, as tradicionais razões pelas quais deveríamos viver parecem garatujas da "boa vida", esmolas distribuídas aos conformistas e resignados.

Como é possível perceber, os discursos elaborados por aqueles que alcançaram a visibilidade midiática - hoje signo de sucesso social -, passaram a ocupar um lugar de centralidade no conjunto de modelos identificatórios que a sociedade oferece aos adolescentes. Enquanto alguns atores sociais se tornam cada dia mais fragilizados, como no caso de professores, líderes espirituais, autoridades políticas e pessoas mais velhas, são outros os atores que ocupam o vértice das atenções sociais.

Exemplo dessas novas configurações são as edições de um dos programas, atualmente, de grande repercussão nacional, o "Big Brother Brasil" transmitido pela Rede Globo de televisão. Em cada um de seus episódios diários, o telespectador é convidado a visualizar cenas de interação cotidiana entre pessoas comuns, escolhidas pelos diretores do programa. Os participantes permanecem confinados em uma casa durante vários meses e, periodicamente, um dos candidatos ao prêmio em dinheiro é eliminado, através de votação popular, via celular ou internet. Nesses momentos, é frequente o apresentador do programa revelar o número total de votos computados, em alusão ao sucesso de audiência do reality show.

Os participantes do programa, geralmente homens e mulheres novos e esbeltos fisicamente, tornam-se rapidamente pessoas famosas, mesmo que suas trajetórias de vida não apresentem ao público quaisquer motivos para tal admiração social, quase instantânea.

Somando-se a tais argumentos, destaca-se que, no caso da adolescência, o número de horas em que esses sujeitos permanecem junto aos televisores - momento em que travam contato com as celebridades midiáticas - tem se mostrado bastante elevado. A última Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE, 2012Pesquisa Nacional de Saúde do EscolarPeNSE. 2012. (2012). (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) sobre saúde do escolar revela dados sobre o comportamento dos adolescentes brasileiros Rio de Janeiro: IBGE. Acesso em 12 de maio, 2014, em Acesso em 12 de maio, 2014, em http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/pense/2012/pense_2012.pdf
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/...
), realizada pelo IBGE, da qual participaram um total de 109.104 alunos de 7.519 escolas de capitais e do Distrito Federal, e 35.198 de escolas do interior do país, mostrou que 78% desses sujeitos permanecem duas horas ou mais por dia frente à televisão. Em outro estudo, divulgado pelo Instituto Alana, no documentário "Criança: a alma do negócio", (2008)Criança - a alma do negócio. (2008). [Documentário, E. Renner, Dir., M. Nisti, Prod., 49 min]. São Paulo: Maria Farinha Produções. Acesso em 20 de abril, 2014, em Acesso em 20 de abril, 2014, em https://www.youtube.com/watch?v=sKf8E5DpAKo
https://www.youtube.com/watch?v=sKf8E5Dp...
, constatou-se que o Brasil é o país em que as crianças permanecem o maior tempo diário junto à televisão, em média quatro horas e quinze minutos.

Além dessa significativa ambiência televisiva, vivenciada por crianças e adolescentes brasileiros, é importante indicar que, ainda conforme os dados do PeNSE (2012)Pesquisa Nacional de Saúde do EscolarPeNSE. 2012. (2012). (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) sobre saúde do escolar revela dados sobre o comportamento dos adolescentes brasileiros Rio de Janeiro: IBGE. Acesso em 12 de maio, 2014, em Acesso em 12 de maio, 2014, em http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/pense/2012/pense_2012.pdf
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/...
, também é expressivo que 93,5% dos alunos de escolas privadas entre 13 e 15 anos do país possuem acesso à internet em casa. Enquanto que do total de alunos das escolas públicas, o resultado foi de 53,5%.

Parece-nos, pois, que se buscássemos delinear a forma como tem se organizado o tempo de muitos adolescentes brasileiros, chegaríamos à conclusão provisória de que um número significativo de horas de suas rotinas extraescolares tem sido ocupado com mídia televisiva ou virtual. Não raro, portanto, o aparecimento de estudos, nos últimos anos, a indicar o crescimento da desatenção e da dificuldade de concentração dos adolescentes nas escolas (Balardini, 2008Balardini, S. (2008). De Deejays, Floggers y Ciberchabones: subjetividades juveniles y tecnocultura. In R. Bendit, M. Hahn, & A. Miranda (Orgs.), Los jóvenes y el futuro: procesos de inclusión social y patrones de vulnerabilidad en un mundo globalizado (1ª ed., pp. 333-350). Buenos Aires: Prometeo Libros.).

A respeito desse processo, argumenta Chauí (2006Chauí, M. (2006). Simulacro e poder: uma análise da mídia. Rio de Janeiro: Editora Fundação Perseu Abramo., p. 52):

Para atender aos interesses econômicos dos patrocinadores, rádio e televisão dividem a programação em blocos que duram de sete a dez minutos, sendo cada bloco interrompido pelos comerciais. Essa divisão do tempo nos leva a concentrar a atenção durante os sete ou dez minutos de programa e a desconcentrá-la durante as pausas para a publicidade. Pouco a pouco, isso se torna um hábito. Artistas de teatro afirmam que, durante um espetáculo, sentem o público ficar desatento a cada sete minutos. Professores observam que seus alunos perdem a atenção a cada dez minutos e só voltam a se concentrar após uma pausa que dão a si mesmos, como se dividissem a aula em "programa" e "comercial".

Logo em seguida, a autora conclui, enfaticamente (Chauí, 2006Chauí, M. (2006). Simulacro e poder: uma análise da mídia. Rio de Janeiro: Editora Fundação Perseu Abramo., p. 52):

um dos resultados dessa mudança mental transparece quando crianças e jovens tentam ler um livro: não conseguem ler mais do que sete a dez minutos de cada vez, não conseguem suportar a ausência de imagens e ilustrações no texto, não suportam a idéia de precisar ler "um livro inteiro". A atenção e a concentração, a capacidade de abstração intelectual e de exercício do pensamento foram destruídas. Como esperar que possam desejar e interessar-se pelas obras de arte e de pensamento?

Nesta perspectiva, se os adolescentes não podem interessar-se por obras de arte e pensamento, como assinala a autora, e se as capacidades de abstração e de exercício do pensamento se veem gravemente comprometidas, como então esperar que tais sujeitos consigam efetuar uma mediação satisfatória entre os discursos explícitos dos programas que assistem na televisão e suas intencionalidades ideológicas?

Ao que tudo indica, no rastro dos excertos acima destacados, encontramo-nos em um período sócio-histórico no qual os sujeitos que atravessam a adolescência têm tido poucas oportunidades para refletirem com seriedade acerca dos conteúdos midiáticos. Solitários em seus lares junto à televisão ou internet, durante o dia, a fim de que os pais possam lhes prover o sustento (Birman, 2006Birman, J. (2006). Tatuando o desamparo - a juventude na atualidade. In M. R. Cardoso (Org.), Adolescentes (pp. 25-43). São Paulo: Editora Escuta.); nas escolas, ainda sujeitos ao ensino memorístico do passado, agora justificado pelas cobranças familiares com vistas às seleções para ingresso no ensino superior; e junto aos pares, por fim, cada vez mais imersos em interações virtuais rápidas e fugazes, desprovidas das trocas mais profundas e da experiência de reconhecimento da alteridade (Virilio, 1997Virilio, P. (1997). Cibermundo: la politica de lo peor. Madrid: Ediciones Cátedra.).

Configura-se, por tudo isso, a produção de uma adolescência contemporânea cada vez mais isolada das possibilidades de construção de uma cultura própria, através da qual pudessem se mostrar suas demandas sociais e anseios existenciais. Longe disso, parecem disseminar-se cada dia mais entre os adolescentes a apatia e o conformismo como estilos de vida, mesmo que estes se apresentem camuflados por ideologias compradas na prateleira das lojas ou modas fruto de uma disciplinada imitação das celebridades.

Imagem e historicidade

De acordo com Jerusalinsky (2004Jerusalinsky, A. (2004). Adolescência e contemporaneidade. In A. Mello, A. L. S. Castro, & M. Geiger (Orgs.), Conversando sobre adolescência e contemporaneidade (pp. 54-65). Conselho Regional de Psicologia, 7a Região. Porto Alegre: Libretos.), toda relação nova necessita de uma significação, de uma história que possa ser narrada e que, desse modo, possa servir-lhe de referência. Nossos vínculos, por conseguinte, necessitam da historicidade. Para Bauman (2010Bauman, Z. (2010). A arte da vida.. Rio de Janeiro: Jorge Zahar ), por sua vez, os adolescentes contemporâneos se encontram mais acostumados a afastarem do que fixarem pessoas junto a suas trajetórias de vida. Segundo o sociólogo polonês, as amizades do tipo Facebook são bastante distintas daquelas vividas há três ou quatro décadas, quando os jovens possuíam em torno de quatro ou cinco bons amigos, mas de nenhum modo duzentos ou até mesmo quatrocentos amigos, como é o caso de não poucos adolescentes contemporâneos.

Nesse sentido, conforme o autor, conectar-se e desconectar-se de pessoas se faz uma construção social bastante distinta da noção de vínculos humanos (Bauman, 2010Bauman, Z. (2010). A arte da vida.. Rio de Janeiro: Jorge Zahar ). Estes são mais difíceis de serem encerrados, complementa, na medida em que são construídos e sustentados pelas relações face a face, ao passo que as relações mediatizadas pelo computador são mais suscetíveis a rompimentos rápidos e indolores, através de um simples clique no teclado de uma máquina.

Tal cenário, para Jerusalinsky (2004Jerusalinsky, A. (2004). Adolescência e contemporaneidade. In A. Mello, A. L. S. Castro, & M. Geiger (Orgs.), Conversando sobre adolescência e contemporaneidade (pp. 54-65). Conselho Regional de Psicologia, 7a Região. Porto Alegre: Libretos.), aponta para o fato de que os adolescentes já não retiram o significado de suas relações do passado, ou seja, da história construída, mas da vivência do presente. A prática do ficar com desconhecidos, para o psicanalista, sinaliza essa significação, ao tratar-se de uma experiência relacional cuja ênfase é o presente ou, com mais acerto, o momento e o instante.

Para Virilio (1993Virilio, P. (1993). O espaço crítico. Rio de Janeiro: Editora 34.), por sua vez, é justamente o instantâneo ou momentâneo que tem ocupado o centro de nossa percepção na construção do mundo que nos cerca. Na perspectiva do filósofo francês, encontramo-nos, pois, na primazia de um modo de relação com o real onde são os instantes televisivos fragmentados que instituem uma simplificação ao extremo da ordem social: "na interface da tela tudo já se encontra lá, tudo se mostra na imediatez de uma transmissão instantânea" (p. 13). No lugar da apreensão sensível do mundo, assim, passamos a compreendê-lo e significá-lo pela via das imagens momentâneas e desconexas. O outro próximo, com isso, deixa de ser uma fonte confiável para dar lugar a representações espetacularizadas de homens e mulheres (Debord, 1997Debord, G. (1997). A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contracapa.) - novas fontes da verdade e da plausibilidade.

Segundo Virilio (1993Virilio, P. (1993). O espaço crítico. Rio de Janeiro: Editora 34., p. 18):

Se é possível falar de crise hoje em dia, esta é, antes de mais nada, a crise das referências (éticas, estéticas), a incapacidade de avaliar os acontecimentos em um meio em que as aparências estão contra nós [grifos do autor]. O desequilíbrio crescente entre a informação direta e a informação indireta, fruto do desenvolvimento de diversos meios de comunicação, tende a privilegiar indiscriminadamente toda informação mediatizada em detrimento da informação dos sentidos, fazendo com que o efeito de real pareça suplantar a realidade imediata [grifos do autor].

Inadvertidamente, por sua vez, o sujeito adolescente de nossos dias se deixa representar pelas imagens televisivas e virtuais. A cada dia mais se verifica uma virtualização dos processos de construção de si, tal como se o eu já não pudesse ser elaborado nas experiências concretas do cotidiano, mas somente em plataformas da internet. Tudo se passa, desse modo, como se o real imediato já não possuísse o mesmo poder que o real mediato - noutras palavras, vivemos uma "desmontagem da realidade perceptiva, em benefício de outras fontes de avaliação eletrônica do espaço e do tempo que nada têm em comum com as do passado" (Virilio, 1993Virilio, P. (1993). O espaço crítico. Rio de Janeiro: Editora 34., p. 23).

Cabe enfatizar que não é interesse, aqui, desconsiderar ou desprestigiar esses novos territórios de produção do sujeito. O que está em questão, todavia, é o superinvestimento dos adolescentes em tais espaços em detrimento de outras formas de apreensão do outro e de construção de si mesmos. Embora os discursos publicitários tentem naturalizar a relação juvenil com toda e qualquer nova invenção da indústria computacional, são legítimas as indagações acerca dos efeitos desse processo.

Como afirma Freire-Costa (2005Freire-Costa, J. (2005). O vestígio e a aura: corpo e consumismo na moral do espetáculo. Rio de Janeiro: Garamond.), o atual cenário contemporâneo tem privilegiado, em seus discursos hegemônicos, a fruição sensorial do presente em detrimento da rememoração, na construção dos vínculos afetivos. O outro se tornou um suporte para o gozo imediato, como sustenta o autor, em que pese a impossibilidade de retirarmos das sensações corporais significados que possam fazer o outro durar junto a nós, para além de sua ausência física. Em tal contexto, as relações interpessoais dos adolescentes parecem carecer de uma historicidade coesa e estável, capaz de lhes gerar a segurança necessária para, junto aos pares, serem criadores de cultura - e não somente receptores passivos das retóricas midiáticas.

Se vivemos em nossos dias uma primazia valorativa dos significados sociais produzidos através das mediações especializadas do espetáculo (televisão, rádio, internet, jornais, revistas, etc.), ao passo que os próprios vínculos que esses sujeitos constituem entre si se encontram fragilizados (Bauman, 2011Bauman, Z. (2011, 23 de julho). [Entrevista com Zygmunt Bauman]. Leeds: Equipe Fronteiras do Pensamento. Acesso em 06 de maio, 2014, em Acesso em 06 de maio, 2014, em https://www.youtube.com/watch?v=POZcBNo-D4A
https://www.youtube.com/watch?v=POZcBNo-...
), de que maneira então poderíamos visualizar tais sujeitos como atores singulares?

Interpelados como consumidores, diariamente, ao mesmo tempo que confrontados com as celebridades televisivas e publicitárias, o lugar social que lhes tem sido concedido em nenhum momento aponta para a autonomia. Esta, por sua vez, faz-se somente igualada à liberdade de se escolher entre os objetos de mercado e os estilos de vida em voga.

Somando-se a esse processo, ao invés de interações concretas se apresentarem como instrumentos de apreensão do mundo e construção de novas leituras acerca de si mesmo, são as imagens mediatizadas do espetáculo que demonstram exercer um verdadeiro monopólio da aparência. Aparência agora identificada por não poucos como diretriz moral e ética para a construção das narrativas pessoais, sendo essas, para muitos, hoje marcadas por uma profunda carência de historicidade (Bauman, 1998Bauman, Z. (1998). O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.).

Aqui, novamente, fazem-se importantes as considerações de Virilio (1993Virilio, P. (1993). O espaço crítico. Rio de Janeiro: Editora 34., p. 23):

A partir de agora assistimos (ao vivo ou não) a uma Co-Produção da realidade sensível na qual as percepções diretas e mediatizadas se confundem para construir uma representação instantânea do espaço, do meio ambiente. Termina a separação entre a realidade das distâncias (de tempo, de espaço) e a distanciação das diversas representações (videográficas, infográficas). A observação direta dos fenômenos visíveis é substituída por uma teleobservação na qual o observador não tem mais contato imediato com a realidade observada. [grifos do autor] Se este súbito distanciamento oferece a possibilidade de abranger as mais vastas extensões jamais percebidas (geográficas ou planetárias), ao mesmo tempo revela-se arriscado, já que a ausência da percepção imediata da realidade concreta engendra um desequilíbrio perigoso entre o sensível e o inteligível, que só pode provocar erros de interpretação tanto mais fatais quanto mais os meios de teledetecção e telecomunicação forem performativos, ou melhor: videoperformativos. [grifos do autor]

Considerações finais

O sujeito contemporâneo e, em particular, aqueles que atravessam a adolescência, encontram-se, como pudemos brevemente delinear, imersos significativamente em uma sociedade tecida pela imagem. É a ela que hoje nos rendemos, no lugar de altares e faces sacrossantas. Nossa obsessão, por sua vez, antes que perseguir, como na ordem moderna, a certeza e a segurança dos laços, tem se deslocado em direção à flexibilidade dos relacionamentos, à sua eterna extinção e subsequente renovação virtual (Bauman, 1998Bauman, Z. (1998). O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar., 2007Bauman, Z. (2007). Vida Líquida.. Rio de Janeiro: Jorge Zahar , 2010Bauman, Z. (2010). A arte da vida.. Rio de Janeiro: Jorge Zahar )

Tudo isso, pois, sinaliza para uma sociedade em que o outro espetacularizado - celebridades, publicidade, etc. - parece possuir maior valor do que seus referentes concretos (Debord, 1997Debord, G. (1997). A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contracapa.). Com isso, fragiliza-se nossa historicidade, nossa memória e nosso passado. O instante televisivo ou virtual, com sua sucessão de reinícios programados para durarem não mais do que momentos (Virilio, 1993Virilio, P. (1993). O espaço crítico. Rio de Janeiro: Editora 34.), pode tornar-se o eixo a partir do qual não poucos adolescentes elaboram seus estilos de vida. Formas de ser, contudo, nas quais a inventividade e a singularidade não parecem ocupar lugar - senão como retórica publicitária, espaço social no qual o adolescente autônomo geralmente ganha relevo, sem que isso venha a implicar em qualquer ameaça aos modos de vida sancionados culturalmente.

Agradecimento

Programa Institucional Produtividade em Pesquisa UFT - Edital UFT No.16/2013.

Referências

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  • Birman, J. (2006). Tatuando o desamparo - a juventude na atualidade. In M. R. Cardoso (Org.), Adolescentes (pp. 25-43). São Paulo: Editora Escuta.
  • Chauí, M. (2006). Simulacro e poder: uma análise da mídia. Rio de Janeiro: Editora Fundação Perseu Abramo.
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  • Freire-Costa, J. (2005). O vestígio e a aura: corpo e consumismo na moral do espetáculo Rio de Janeiro: Garamond.
  • Criança - a alma do negócio. (2008). [Documentário, E. Renner, Dir., M. Nisti, Prod., 49 min]. São Paulo: Maria Farinha Produções. Acesso em 20 de abril, 2014, em Acesso em 20 de abril, 2014, em https://www.youtube.com/watch?v=sKf8E5DpAKo
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  • Pesquisa Nacional de Saúde do EscolarPeNSE. 2012. (2012). (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) sobre saúde do escolar revela dados sobre o comportamento dos adolescentes brasileiros Rio de Janeiro: IBGE. Acesso em 12 de maio, 2014, em Acesso em 12 de maio, 2014, em http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/pense/2012/pense_2012.pdf
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  • Jerusalinsky, A. (2004). Adolescência e contemporaneidade. In A. Mello, A. L. S. Castro, & M. Geiger (Orgs.), Conversando sobre adolescência e contemporaneidade (pp. 54-65). Conselho Regional de Psicologia, 7a Região. Porto Alegre: Libretos.
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  • Virilio, P. (1993). O espaço crítico. Rio de Janeiro: Editora 34.
  • Virilio, P. (1997). Cibermundo: la politica de lo peor Madrid: Ediciones Cátedra.
  • 1
    No Brasil, os horários de televisão aberta considerados nobres correspondem àqueles que abarcam o período entre 19hs e 23hs, nos quais vão ao ar as telenovelas de grandes redes de televisão nacionais.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2015

Histórico

  • Recebido
    07 Jun 2014
  • Revisado
    25 Out 2014
  • Aceito
    16 Dez 2014
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