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Reflexões sobre a ideia do comun(ismo)

Reflexiones sobre la idea del comunismo

Reflections on the idea of communism

RESENHA

Reflexões sobre a ideia do comun(ismo)

Reflexiones sobre la idea del comunismo

Reflections on the idea of communism

Cécile Diniz ZozzoliI; Luiz do Nascimento CarvalhoII; Maria Helena de Mendonça CoelhoIII; Revisão de Bader Burihan SawaiaIV

IPontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo/SP, Brasil

IIUniversidade Federal de Goiás, Catalão/GO, Brasil

IIIPontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo/SP, Brasil

IVPontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo/SP, Brasil

Resenha de:

Hounie, A. (Comp.). (2010). Sobre la idea del comunismo. Buenos Aires - Barcelona -México: Ed. Paidós.

A retomada do debate acerca da categoria comunismo ganhou um impulso crucial nos últimos dois anos, e a obra "A Ideia do Comunismo" [Sobre la idea del comunismo], publicada em 2010, é uma das expressões mais acabadas dessa retomada. Trata-se do resultado de uma conferência filosófica mundial, realizada entre 13 e 15 de maio de 2009, na Birbeck School of Law, em Londres, idealizada por Alain Badiou e Slavoj Žizek e que reuniu eminentes pensadores/as de vários países. A coletânea de textos foi escrita originalmente em inglês1 1 Douzinas, C. & Žižek, S. (Eds.). (2010). The Idea of communism. London: Verso. e traduzida para o francês2 2) Badiou, A. & Žižek, S. (Orgs). (2010 . L'idée du communisme. Paris: Nouvelles Éditions Lignes. e espanhol. A presente resenha tem como referência a publicação em espanhol3 3 Entre as três publicações existem algumas diferenças que merecem ser destacadas. Enquanto as versões nas línguas inglesa e espanhola contam com quinze artigos, a versão em francês é composta por dezesseis, incluindo o artigo de Minqi Li La fin de la "fin de l'histoire": crise structurelle du capitalisme et destin de l'humanité (Badiou & Žižek, 2010). A publicação em inglês, especificamente, distingue-se das demais por não possuir o texto, presente na versão francesa, de Weng Hui Notre avenir en débat: la politique intellectuelle dans la Chine contemporaine (Badiou & Žižek, 2010) e traduzido para o espanhol - Debatir por nuestro futuro la polí tica intelectual en la China contemporânea (Hounie, 2010), como também por incluir o artigo de Costas Douzinas - Adikia: on communism and rights (Douzinas & Žižek, 2010). Ademais, outra diferença importante reside nos artigos de Slavoj Žižek publicados nas três versões. O texto em inglês How to Begin from the beginning (Douzinas & Žižek, 2010) e sua tradução em espanhol Cómo volver a empezar... desde el principio (Hounie, 2010) não consta na edição francesa, que adota, como artigo desse autor, o texto Remarques pour une définition de la culture communiste (Badiou & Žižek, 2010). Além dessas especificidades, a versão em espanhol possui o mérito de apresentar um Prólogo bastante esclarecedor sobre o evento que deu origem à obra, além de apresentar, logo de início, um breve currículo de cada um/a dos autores e das autoras, nem todos conhecidos de amplos círculos de estudiosos do tema na América Latina e no Brasil. Por todas essas idiossincrasias, reconhece-se o valor de cada uma das publicações, mesmo que se tenha escolhido, por critério metodológico, a versão em espanhol para a elaboração desta resenha. Até o momento, não se tem notícia de uma versão na língua portuguesa. das apresentações do evento.

A questão que acompanha a emergência do debate filosófico em torno da palavra comunismo suscita imediato questionamento. Afinal, o que tem levado a recolocar em cena um conceito que, especialmente nos últimos vinte anos, foi considerado totalmente enterrado pela história e esquecido pelos intelectuais? Qual o significado do resgate dessa velha ideia, e o que há de especial em torno desse termo a ela associado? Essas e outras questões são respondidas por meio da leitura da coletânea de textos e das abordagens fecundas contidas em cada um dos artigos que a constituem, todos eles polêmicos e em grande parte divergentes.

Cada um dos autores da coletânea, seguindo a indicação dos organizadores do evento que deu origem a ela (falar em nome próprio) abordaram o problema do comunismo de certa perspectiva, em geral, aplicando os próprios conceitos filosóficos na sua estruturação.

Para o filósofo francês Alain Badiou, a própria conferência realizada em torno da palavra evidencia o fim do "período reativo" à Ideia do Comunismo. Para ele, o período em que vivemos no presente, em certo sentido, está mais próximo dos problemas examinados na primeira metade do século XIX, que dos problemas que herdamos do século XX. Como em torno de 1840, atualmente enfrentamos um capitalismo cínico, seguro de ser a única via possível para organizar razoavelmente a sociedade. Trata-se, para Badiou, de recolocar em circulação essa palavra magnífica e não deixar para os capitalistas neoliberais a hegemonia na interpretação dela. A ideia do comunismo, independente do nome, é a que permite falar de uma verdade, dentro da verdade impura do Estado.

Alain Badiou não se refere ao termo comunismo, isoladamente, como conceito, mas a uma "operação intelectual" à qual denominou Ideia do Comunismo. O termo Ideia é definido por ele como "totalização abstrata de (…) um procedimento de verdade, uma potência histórica e uma subjetivação individual" (p.20), ou seja, um procedimento de verdade política (a ideia da emancipação coletiva), uma representação da história (tendo o comunismo como o fim último) e uma subjetivação individual (uma forte existência subjetiva) desse procedimento de verdade. Portanto, do ponto de vista filosófico, ético-político sobretudo, a ideia do comunismo é recolocada em cena como uma ideia-força, como uma "boa hipótese" e destaca que a operação Ideia do Comunismo implica considerar seus três componentes básicos: o político, o histórico e o subjetivo. O componente político consiste em "uma sequência concreta e datada, na qual surgem, existem e desaparecem uma prática e um pensamento novo da emancipação coletiva" (p. 18). O componente histórico da Ideia do Comunismo está "inscrito em um devir geral da humanidade e adquire uma forma local com suportes espaciais, temporais e antropológicos" (p. 20). O terceiro componente que constitui a Ideia do Comunismo é o subjetivo. Implica a possibilidade de o indivíduo "decidir converter-se em um militante dessa verdade" (p. 18), onde o corpo individual e tudo que ele contêm de pensamentos, afetos, potencialidades de atuação, passa a ser elemento de um outro corpo, "o corpo da verdade" como existência material em um mundo específico de uma verdade em devir (a emancipação humana em geral).(p. 23). Badiou define a Ideia do Comunismo como "operação imaginária, mediante a qual uma subjetivação individual projeta um fragmento do real político na narração simbólica da História" (p. 22). Recusa a adoção da categoria comunismo como adjetivo que designa e qualifica uma política. Para ele, é de suma importância "dar uma forte existência subjetiva à hipótese comunista" por meio da qual, podemos começar a terceira fase da existência dessa ideia. E, "como podemos, devemos fazê-lo" (p. 31).

Judith Balso, filósofa, crítica literária e pensadora política francesa, problematiza a hipótese comunista, como hipótese da emancipação "para todos", do ponto de vista da relação entre filosofia e política. Para ela, trata-se de um equívoco tomar a filosofia por uma política, do mesmo modo que subordinar a existência da política à existência da filosofia. Tomando Heidegger e Althusser como emblemas do procedimento de sutura entre filosofia e política (o primeiro ligado ao problema de sua relação com o nazismo e o segundo com o stalinismo), Balso defende a tese de um política sem partido e resume suas proposições em duas. A primeira delas define que "a política está só", tese desdobrada em oito proposições, e a segunda, de que "a questão do Estado está em aberto" e defende que o trabalho de ruptura com ele implica instituir lugares organizados da política à sua distância. Finaliza propondo duas vertentes de investigação filosófica do pós-comunismo, consistindo em trabalhar o problema da disjunção entre filosofia e política e devolvendo a política à política, interrogando-a como tal.

O belga Bruno Bosteels, doutor em Línguas e Literatura e tradutor das obras de Badiou para o inglês, dedica-se ao debate sobre o comunismo de esquerda ou "esquerdismo", analisando suas formas contemporâneas e as tensões existentes. Em sua exposição, o autor recupera o conceito de "potência plebeia" do boliviano Garcia Linera (pensador e vice-presidente da Bolívia, ao lado de Evo Morales), que sugere uma composição flexível e diferente do sujeito revolucionário.

Em seu artigo, a professora americana de Filosofia Política e Teoria Social, Susan Buck-Morss, critica o eurocentrismo como marco de referência para o comunismo. Sendo assim, a autora convoca seus colegas e o público para conhecer obras, como as do egípcio Sayyid Qutb e do iraniano Alí Shariati. Apoiando-se em Walter Benjamin e no islamismo, Buck-Morss defende uma nova ideia de progresso, que está relacionada à preservação e ao resgate do passado, o que, por sua vez, prepara para o novo. Nesse sentido, a autora chama a atenção para o núcleo revolucionário da religião.

Professor de filosofia e crítico literário inglês, Terry Eagleton faz referência a duas obras de Shakespeare, "Rei Lear" e "A Tempestade", para falar da presença da utopia e da concepção de infinito/finito no comunismo. Para o autor, a obra de arte oferece uma primeira impressão de como seria a existência dos seres humanos em contextos políticos totalmente diferentes, e as duas obras literárias ajudam a pensar sobre a necessidade de um realismo político, mas também de uma ingenuidade sonhadora.

A partir de críticas a Badiou e Žižek, Peter Hallward defende a ideia que ele chama de "comunismo da vontade". Para o filósofo canadense, os dois autores citados representam dois polos problemáticos na abordagem do comunismo: o kantiano e o hegeliano respectivamente. Inspirado em Rousseau, Hallward procura o meio termo entre esses dois extremos (ideal e material) ao propor o conceito de "vontade política emancipatória" e descrever seus elementos.

No debate em termos de propriedade privada (capitalismo) versus propriedade estatal (socialismo), Michael Hardt aponta para a negação de ambos, indicando a via do comum do comunismo, e embora identifique que o termo comunismo, como outros, é corrompido, destaca que ele está relacionado a um longo histórico das lutas emancipatórias e com isso se propõe a recuperá-lo em uma nova significação.

A contradição interna do capital surge à medida que "quanto mais se cerca o comum com o objetivo de convertê-lo em propriedade, tanto mais se reduz sua produtividade; e, no entanto, a expansão do comum vai erodindo as relações de propriedade de uma maneira fundamental e geral" (p.135). Dessas conclusões se deduz que o neoliberalismo tem sido caracterizado não apenas pela batalha da propriedade privada contra a propriedade pública, mas também contra o comum, tanto na forma "natural" (terra, campos, bosques, água, ar, minerais, etc) quanto na forma "artificial", resultantes do trabalho e da criatividade humana (ideias, linguagens, afetos etc). Por meio da chamada biopirataria, "processo mediante o qual as grandes empresas transnacionais expropriam o comum do conhecimento originário ou a informação genética de plantas, animais e seres humanos, habitualmente, mediante o uso de patentes … roubam o comum e os transformam em propriedade" (p. 136).

Para Hardt, Marx está se referindo à criação de algo novo, produção de uma nova sensibilidade, ao destacar a produção humana autônoma de subjetividade, de humanidade, como "uma nova maneira de ver, uma nova maneira de ouvir, de pensar, de amar" (p. 140). E cita Marx, dos " Manuscritos" (1944): 'A propriedade privada nos tornou tão estúpidos e tão parciais, que consideramos que um objeto só é nosso quando proprietários dele' (pp.140-141).

A primeira parte do trabalho de Jean Luc Nancy consiste em resgatar os usos do termo comunismo (explicitando a dificuldade de rastrear rigorosamente sua origem), desde o período que se tem notícias, ainda no século XIV, para designar as pessoas que possuíam em comum uma propriedade não submetida às leis de herança, passando pelo uso do termo, por Joseph Alexandre Victor d'Hupay de Fuveau (1746-1818), em uma obra de 1785, na qual expõe o projeto de uma comunidade que seria constituída por indivíduos movidos por sentimento de amizade, sem distinção de classes. Victor d'Hupay, destaca Nancy, era amigo de Restiff de la Bretonne (1734-1806), o primeiro a apresentar a ideia de um sistema de governo intitulado 'comunismo ou comunidade', o qual 'só é vivido por alguns povos da América do Sul', que 'trabalham juntos pela manhã e se divertem juntos (jogam, brincam,) à tarde' (p. 146) Ideia que não pode deixar de nos fazer lembrar, destaca Nancy, Marx em "A Ideologia Alemã". Na Revolução francesa, Gracchus Babeuf (1760-1797), participante da Comuna Insurreta de Paris, usou os termos "comum" e "comunidade nacional".

Para Nancy, o que distingue communitas de societas é o fato de a primeira ser espontânea, justificar-se por si mesma, se auto-produzir, enquanto que a sociedade é caracterizada pela aceitação pelos seus integrantes dos termos de vínculos que se efetuam entre pessoas que estão separadas: esse termo chama-se contrato e sua potencia é extraída do elemento jurídico.

Nessa perspectiva, que define a communitas no campo ontológico, Nancy resgata a diferenciação estabelecida por Marx, quanto ao termo propriedade. Marx, nos lembra Nancy, estabelece a distinção entre propriedade privada (do capitalismo), propriedade estatal (do socialismo) e propriedade individual (do comunismo), para destacar que a propriedade está situada muito além de um termo jurídico-político relacionado à posse de bens. Propriedade não são os bens que possuo, sou Eu, um Eu que, por definição, surge da relação com outros seres existentes, ou seja, está essencialmente, constituído pelo comum. Existe em relação, compartilhamento, sentimento. Conclui, afirmando que o Co do termo Comunismo é ontológico, ou seja, o comum é o que define o Ser. Desses e outros destaques, Nancy finalmente define o que entende pelo termo: "o comunismo é o ato de fala da existência, como ontologicamente é estar em comum. Este ato de fala reivindica a verdade ontológica do comum: o sentido".

Para Nancy, a palavra comunismo deveria perder o ismo, já que todo ismo é senha própria de toda ideologização (tanto no sentido Marxiano quanto Arendtiano), advogando o finalmente, Com. Com, "preposição universal e pressuposição de toda existência" (p. 150), é ontologia e define o Ser como "Ser com" ( p. 150).

Antônio Negri apresenta sua posição no debate sobre a o comunismo, indicando que se trata de localizar-se dentro do movimento do materialismo histórico, defendendo que não se deveria confundir a significação política da crítica com um telos histórico e sustenta o princípio segundo o qual a história é a história da luta de classes, e que o capital é sempre uma relação de poder, a despeito de o proletariado ser a força que produz o capital, embora explorado por ele. Assinala, entretanto. que a hegemonia do capital é global e que as relações de classe se fundamentam nestas determinações históricas e na produção de subjetividade (do empresariado como do trabalhador). A luta e a substância dos sujeitos está totalmente dentro, estamos completamente imersos no mundo do valor de troca e sua realidade feroz e brutal. E "O comunismo começa a se configurar quando o proletariado se incube do objetivo de se reapropriar da comunidade [Gemeinwese] a fim de transformá-la na organização de uma nova sociedade" (p. 157). Negri tem convicção de que o ser comunista possui três aspectos essenciais: colocar-se contra o Estado, considerar o público como forma de alienação e exploração do trabalho comum e construir um novo mundo no qual se eliminem a exploração do capital e a subordinação ao Estado. Como consequência, o comunismo, destaca Negri, é inimigo do socialismo, "a forma clássica do segundo modelo de alienação da potência proletária" (p. 159), exigindo também a deformação da produção da subjetividade do trabalhador. "O avanço para o comunismo se dará à medida em que se construa uma força que seja superior às que estão agora no comando" (p. 161), exigindo, necessariamente, organização, na forma de um poder constituinte.

Negri concebe que os tempos atuais oferecem, como nunca, condições mais propícias para a realização disto, pois a força laboral transforma-se com a metamorfose cognitiva, o que é "terrivelmente indigesto para o capital" (p. 162). O que está em jogo, acrescenta, é "um desejo coletivo que, com força, constrói seu excedente organizado, por meio de todo o processo aleatório das lutas; o excedente do comunismo em relação à sombria repetição da história de exploração" (p. 162): o materialismo histórico e a imanência do projeto revolucionário nos mostram um sujeito que vai contra o capital e uma multitude de singularidades que se organiza em uma força anti-capitalista, em virtude de sua existência como uma resistência que se faz tanto mais forte e tanto mais bem articulada quanto mais se constitui a multitude em uma totalidade de instituições singulares. A multitude é definida por Negri como

totalidade de instituições singulares … um grupo de instituições que aceita diferentes composições políticas, uma atrás da outra, de acordo com os matizes e vicissitudes das relações de poder … momentos reais de recomposição política e coágulos da produção subversiva da subjetividade comunista, expressões de um desejo de emancipação (trabalho assalariado, movimentos sociais, expressões políticas) e a exigência de uma reforma política e/ou econômica … totalidade de desejos e de trajetórias de resistência, luta e poder constituinte … uma totalidade feita de instituições. (p. 162-164)

Jacques Rancière, professor de estética e filosofia política na Universidade de Saint-Denis, (Paris VIII) inicia sua dissertação colocando o problema do significado atual de comunismo e, tomando como ponto de partida a declaração de Alain Badiou: "A hipótese comunista é a hipótese da emancipação", com base na qual destaca que emancipação é a forma de sair de uma situação de minoria: "Uma situação de minoria é uma situação em que uma pessoa tem que se deixar guiar, porque, se segue o caminho que lhe indica seu próprio sentido de orientação, poderia extraviar-se" (p. 167-168). Esta lógica justifica as hierarquias da inteligência, dentro de um sentido de progresso: a inteligência do mestre, é superior a do ignorante, a do legislador à do artesão que, se orientada, pode progredir e alcançando status mais elevado socialmente. Para Rancière, o oposto disso, o princípio igualitário, pode ser resumido em dois princípios: a igualdade não é um objetivo e sim um ponto de partida, e a inteligência não está dividida, é uma. "O futuro da emancipação só pode significar o crescimento autônomo do espaço do comum criado pela livre associação de homens e mulheres que ponham em vigor o princípio igualitário. Devemos chamar a isso democracia ou será melhor chamá-lo comunismo?" (p. 177). Rancière prefere a segunda opção, que, entre outras coisas, "destaca o aspecto coletivo do processo de coletivização... e "a capacidade de inventar futuros ainda não imagináveis" (p. 177).

O sociólogo italiano Alessandro Russo apresenta reflexões sobre a relação entre a Filosofia e a Política atuais. Segundo o autor, o comunismo é o nome de uma ética da filosofia concernente à sua condição política. É uma declaração de defesa da filosofia contra a despolitização. Para a discussão, Russo escolhe o exemplo da Revolução Cultural chinesa, argumentando que ela representa o momento em que o comunismo, como sistema político, entrou em declínio. De acordo com ele, a filosofia, entretanto, continua buscando sua existência nas novas configurações políticas e, por isso, novas relações entre elas precisam ser inventadas.

Para debater sobre o tema do comunismo no campo da filosofia, Alberto Toscano, professor italiano de sociologia, destaca o que ele chama de "política da abstração", que diz respeito tanto às disputas políticas em torno da definição do que é comunismo, quanto à sua caracterização como uma política abstrata. Em seu ensaio, o autor tem por objetivo refletir sobre a maneira com que a filosofia está implicada no surgimento da ideia do comunismo. Para Toscano, filosofia e comunismo se relacionam por meio de um duplo movimento, de imanência e de separação, de herança e negação.

O filósofo italiano, Gianni Vattimo, postula que o comunismo deveria ser "fraco" para recuperar uma presença importante entre as forças políticas. Em sua exposição, Vattimo refere-se a uma "fraqueza teórica", que deveria substituir as passadas pretensões metafísicas (no sentido heideggeriano, de imposição violenta de uma suposta evidência objetiva). Para o autor, portanto, o comunismo deve se alimentar de uma indisciplina social, assumindo uma boa dose de anarquismo. Sem renunciar às raras vantagens da sociedade liberal e democrática, deve atuar de maneira subversiva.

Partindo do pressuposto de que é impossível discutir o futuro sem compreender com clareza o passado e o presente, o chinês Wang Hui, professor de Língua e Literatura Chinesa, faz um panorama analítico da economia de seu país nas últimas décadas e formula algumas pistas para pensar sobre o futuro próximo. Segundo o autor, a democracia popular e participativa deve continuar sendo a verdadeira impulsora da democracia contemporânea. Somente nesse quadro, a luta pela liberdade econômica pode estar relacionada à luta pela igualdade social.

Slavoj Žižek, endossando o conceito de Ideia do Comunismo de Badiou, remete-se a um artigo de Lênin sobre os acertos e desacertos que vinham ocorrendo no governo soviético, logo após a revolução bolchevique. chamando a atenção para a necessidade de se assumirem os erros, sem desânimo, recomeçando, sempre que necessário, "Tenta de novo. Fracassa de novo. Fracassa melhor." Começar do ponto de partida e escolher "um caminho diferente". "Este é o pano de fundo sobre o qual deveríamos ler a reafirmação da ideia comunista de Badiou" (p. 232), diz Žižek, destacando: "na realidade, o que se nos impõe como missão, até como uma obrigação filosófica, é contribuir para que a hipótese possa se desdobrar em um novo modo de existência" (p. 233).

Atualmente, parece aceitar-se como ponto pacífico o fim da História e o capitalismo como o melhor regime que nos é dado escolher, tornando irreal a concretização de uma sociedade comunista. Frente a isso, Žižek apresenta algumas questões: O que fazer, então, para manter viva a ideia comunista? Qual seria, hoje, no marxismo ocidental, o agente revolucionário? O que torna necessária a ideia do comunismo uma utilidade prática? Temos que identificar os antagonismos do capitalismo que o caracterizam como regime insustentável. São eles: a crescente ameaça de uma catástrofe ecológica, a inadequada noção de propriedade privada aplicada à chamada propriedade intelectual, as implicações sócio-éticas do desenvolvimento tecnocientífico, principalmente no campo da biogenética e as novas formas de apartheid. Os três primeiros pertencem ao que Hardt e Negri chamam de "o comum", "a substância compartilhada do nosso ser social, cuja privatização é um ato violento que se deveria resistir com meios violentos, se for necessário"( pp.234-235).

O que é este "comum"? O comum da cultura: nossos meios de comunicação e de educação, o transporte público, a eletricidade, os correios etc.; o comum da natureza externa: petróleo, bosques etc.; o comum da natureza interna: a herança biogenética da humanidade. Daí a necessidade de nos afincarmos à ideia do comum: "pois nos permite ver o cerco que gradualmente se fecha sobre o comum como um processo de proletarização daqueles que, como consequência, ficam excluídos de sua própria substância" (p. 235). É o que Žižek chama de "sujeito proletário". Atualmente, o agente político de mudança emancipatória já não é um agente social particular, é o conjunto de diferentes agentes Todos estamos nos tornando excluídos, todos, agora podemos nos considerar potenciais Homo sacer e por isso devemos nos colocar em ação.

Considerações finais

A retomada do debate sobre a Ideia do Comunismo (ou a Hipótese Comunista) é uma reação à mensagem, repetida à exaustão, que afirma o modo de vida capitalístico como único possível e viável, negando qualquer outra alternativa. O conceito de acontecimento de Badiou, por exemplo, como promotor das possibilidades dos possíveis, em contraponto à verdade espúria do Estado destaca os desafios que circundam essa ideia da emancipação.

Neste livro, os textos dos diversos autores pretendem fortalecer a hipótese comunista como devir da humanidade atual. A despeito de haver uma série de divergências em relação à ênfase que se pretende atribuir à ideia do comunismo como ideia da emancipação humana, consensos podem ser identificados. O primeiro deles refere-se à oposição estabelecida entre o comunismo e a forma-estado (tanto socialista como capitalista). O segundo elemento de relativo consenso consiste na ideia de que o comunismo do século XXI está necessariamente vinculado a um processo de radicalização da participação democrática e, em ultima instância, à potência do poder popular efetivo, à inteligência comum [Rancière] e às multitudes [Negri;Hardt], o que exige, como destaca Balso, reinventar a política além dos partidos instituídos. Ao mesmo tempo, as chamadas crises econômicas e a derrocada do neoliberalismo como utopia capitalista do livre mercado (Rancière) abre uma brecha para um exercício coletivo de invenção de futuros (Badiou).

Certamente, um debate como este se faz necessário no âmbito de uma disciplina que tem o social no cerne de sua definição. E a publicação da resenha deste livro em uma revista da ABRAPSO, incita-nos a pensar a Ideia do Comunismo como uma questão a ser discutida por uma ciência preocupada com a transformação social.

Notas

Recebido em: 12/07/2013

Aceite em: 01/06/2014

Cécile Diniz Zozzoli é Mestra em Psicologia Social pela PUC-SP, doutoranda em Psicologia Social na PUC-SP, bolsista CNPQ e CAPES (Programa de Doutorado no País com Estágio no Exterior, integrante do Núcleo Estudos Psicossociais da Dialética Exclujsão-Inclusão (Nexin). E-mail: cecile.zozzoli@gmail.com

Luiz do Nascimento Carvalho é Mestre em Psicologia pela PUC-GO, doutor em Psicologia Social pela PUC-SP, professor adjunto I do curso de Psicologia da UFG, Campus Catalão CAC, integrante do Núcleo de Estudos Psicossociais da Dialética Exclusão-Inclusão (Nexin). E-mail: nascimentogoster@gmail.com

Maria Helena de Mendonça Coelho foi Psicóloga Clínica, professora da Universidade Federal do Pará, pós-graduada em Literatura Brasileira pela USP, mestra e doutora em Psicologia Social pela PUC-SP, integrante do Núcleo de Estudos Psicossociais da Dialética Exclusão-Inclusão (Nexin). E-mail: mariahcoelho@terra.com.br

  • 1 Douzinas, C. & Žižek, S. (Eds.). (2010). The Idea of communism London: Verso.
  • 2 Badiou, A. & Žižek, S. (Orgs). (2010). L'idée du communisme. Paris: Nouvelles Éditions Lignes.
  • 3 Entre as três publicações existem algumas diferenças que merecem ser destacadas. Enquanto as versões nas línguas inglesa e espanhola contam com quinze artigos, a versão em francês é composta por dezesseis, incluindo o artigo de Minqi Li La fin de la "fin de l'histoire": crise structurelle du capitalisme et destin de l'humanité (Badiou & Žižek, 2010).
  • A publicação em inglês, especificamente, distingue-se das demais por não possuir o texto, presente na versão francesa, de Weng Hui Notre avenir en débat: la politique intellectuelle dans la Chine contemporaine (Badiou & Žižek, 2010) e traduzido para o espanhol - Debatir por nuestro futuro la polí
  • tica intelectual en la China contemporânea (Hounie, 2010), como também por incluir o artigo de Costas Douzinas - Adikia: on communism and rights (Douzinas & Žižek, 2010).
  • 1
    Douzinas, C. & Žižek, S. (Eds.). (2010).
    The Idea of communism. London: Verso.
  • 2)
    Badiou, A. & Žižek, S. (Orgs). (2010
    . L'idée du communisme. Paris: Nouvelles Éditions Lignes.
  • 3
    Entre as três publicações existem algumas diferenças que merecem ser destacadas. Enquanto as versões nas línguas inglesa e espanhola contam com quinze artigos, a versão em francês é composta por dezesseis, incluindo o artigo de Minqi Li
    La fin de la "fin de l'histoire": crise structurelle du capitalisme et destin de l'humanité (Badiou & Žižek, 2010). A publicação em inglês, especificamente, distingue-se das demais por não possuir o texto, presente na versão francesa, de Weng Hui
    Notre avenir en débat: la politique intellectuelle dans la Chine contemporaine (Badiou & Žižek, 2010) e traduzido para o espanhol -
    Debatir por nuestro futuro la polí tica intelectual en la China contemporânea (Hounie, 2010), como também por incluir o artigo de Costas Douzinas -
    Adikia: on communism and rights (Douzinas & Žižek, 2010). Ademais, outra diferença importante reside nos artigos de Slavoj Žižek publicados nas três versões. O texto em inglês
    How to Begin from the beginning (Douzinas & Žižek, 2010) e sua tradução em espanhol
    Cómo volver a empezar... desde el principio (Hounie, 2010) não consta na edição francesa, que adota, como artigo desse autor, o texto
    Remarques pour une définition de la culture communiste (Badiou & Žižek, 2010). Além dessas especificidades, a versão em espanhol possui o mérito de apresentar um Prólogo bastante esclarecedor sobre o evento que deu origem à obra, além de apresentar, logo de início, um breve currículo de cada um/a dos autores e das autoras, nem todos conhecidos de amplos círculos de estudiosos do tema na América Latina e no Brasil. Por todas essas idiossincrasias, reconhece-se o valor de cada uma das publicações, mesmo que se tenha escolhido, por critério metodológico, a versão em espanhol para a elaboração desta resenha. Até o momento, não se tem notícia de uma versão na língua portuguesa.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Jan 2015
    • Data do Fascículo
      2014
    Associação Brasileira de Psicologia Social Programa de Pós-graduação em Psicologia, Universidade Federal de Pernambuco, Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH), Av. da Arquitetura S/N - 7º Andar - Cidade Universitária, Recife - PE - CEP: 50740-550 - Belo Horizonte - MG - Brazil
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